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O Apadrinhamento Aeftivo Jucelia Freitas Caderno IEP MPRJ Junho 2018
O Apadrinhamento Aeftivo Jucelia Freitas Caderno IEP MPRJ Junho 2018
RESUMO: O presente artigo busca demonstrar que, passados quase oito anos de sancionada
a Nova Lei de Adoção, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 2008,
milhares de crianças e adolescentes continuam abrigados, por anos, em instituições de
acolhimento, sem acesso ao direito constitucional de convivência familiar e comunitária. Isso
é verificado tanto pela morosidade das autoridades em decidir pela reintegração à família
biológica ou perda do poder familiar dos abrigados, quanto pelo preconceito que afasta as
crianças mais velhas dos pretendentes a adoção. Dessa forma, propõe o incentivo aos
programas de Apadrinhamento Afetivo como instrumentos capazes de minimizar os danos
provocados pela institucionalização, ressaltando que através deles crianças e adolescentes que
estão fora do perfil de adoção poderão usufruir do convívio familiar e de experiências afetivas
com seus padrinhos ou madrinhas, além de terem a possibilidade de estreitar vínculos que
podem resultar na adoção tardia.
ABSTRACT: This article aims to demonstrate that, after almost eight years of sanctioning
the New Adoption Law, which amended the Statute of the Child and Adolescent, in 2008,
thousands of children and adolescents have remained sheltered for years in host institutions,
Without access to the constitutional right of family and community coexistence. This is
verified both by the delays of the authorities in deciding to reintegrate to the biological family
or loss of the family power of the sheltered ones, as well as by the prejudice that distances the
older children from the adoptive adopters. In this way, it proposes to encourage Affective
Sponsorship programs as instruments capable of minimizing the damages caused by
institutionalization, pointing out that through them, children and adolescents who are outside
the adoption profile may enjoy family life and affective experiences with their godparents , As
well as having the possibility of closer ties that may result in late adoption.
3
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: 06 de jul.
2017.
4
Cartilha Adoção Passo a Passo, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Disponível em: <,http://www.amb.com.br/cartilha-da-campanha-mude-um-destino-apresenta-passo-a-passo-da-
adocao/>. Acesso em: 21 jun. 2017.
As sementes do afeto são mais eficazes quando existe uma família que se disponha a
amar e cuidar dela. Esse ambiente familiar sadio é o adubo desta grande floresta de segurança
afetiva, importante para toda a vida6.
O léxico afetividade tem como raiz a terminologia “afeto”. Sua etimologia remonta do
substantivo latino affectus, us – “disposto, inclinado a, constituído”. Traz uma marca
semântica muito forte, pois quer dizer “sentimento terno de adesão, afeição, ligação espiritual
em relação a alguém”. Deste modo, podemos apontar que a afetividade é a expressão máxima
que traduz o sentimento de querer bem, do carinho em cuidar do outro. Sem ela não há como
estabelecer uma ligação entre pares, pois é a amálgama do relacionamento desejado. Embora
esteja presente em toda forma de convívio, uma vez que a afetividade pode se dar no trato
com seres não humanos, sua lembrança dá-se prontamente na relação entre os homens, já que
a sua carência pode produzir vários tipos de perturbações na fase adulta do indivíduo.
Por estar diametralmente vinculada à constituição do caráter de um determinado
sujeito por se tratar de um sentimento afetivo, exerce um papel de grande importância durante
toda a existência do ser, especialmente na fase de desenvolvimento em que ocorre todo o
processo de aprendizagem de qualquer pessoa, ou seja, na infância. Daí a afetividade ser
5
HERKENHOFF, João Baptista. Juiz de Direito aposentado (ES) e escritor. Disponível em:
<http://www.amb.com.br/publicacoes/desalento-na-caminhada/>. Acesso em: 10 de jul. 2017.
6
BITTENCOURT, Sávio. A nova Lei de Adoção. Do Abandono à garantia do direito à convivência familiar e
comunitária. Rio de Janeirro: Lumen Juris. 2013, p. 4.
7
MACEDO, Rosa Maria. Ambiente acolhedor, continente, podendo as relações entre seus membros serem
caracterizadas como amorosas, carinhosas e leais. p. 186.
8
ROSSOTO, Rafael Bucco. A importância das relações afetivas advindas da convivência familiar vai além e
independe do vínculo biológico, aplicando-se também as famílias socioafetivas. p. 15.
A palavra adotar vem do latim adoptare, que significa escolher, perfilhar, dar o seu
nome a, optar, ajuntar, escolher, desejar. Do ponto de vista jurídico, adotar é um
procedimento legal, garantido no Código Civil brasileiro e no Estatuto da Criança e do
Adolescente, que consiste em transferir todos os direitos de pais biológicos para família
substituta, conferindo à criança/adolescente os direitos e deveres de filho. Esse procedimento
não é regra. A regra, indiscutivelmente, é a família biológica. Em um outro sentido, a adoção é
a oportunidade do exercício da maternidade/paternidade. Um desejo que nasce no coração e é
gestado pelo afeto.
A Constituição Federal de 1988 desenhou uma nova estrutura para o Direito de
Família ao acabar com antigas e inaceitáveis discriminações e trazer novas ramificações. São
9
LÔBO. Paulo. Sob o ponto de vista do direito, a família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os
grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos
de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a
integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins). p. 2.
10
NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Rio de Janeiro: Forense,
2015.
11
Fundação Maria Cecília Souto Vidigal pela Primeira Infância. Disponível em: <http://www.fmcsv.org.br/pt-
14
BITTENCOURT, Sávio. A nova Lei de Adoção. Do Abandono à garantia do direito à convivência familiar e
comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 20.
15
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 11 maio 2017.
16
KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (org.). Família brasileira: a base de tudo. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2010, p.
50- 51.
17
Projeto Apadrinhar. Disponível em: <http://infanciaejuventude.tjrj.jus.br/informacoes/docs/cartilha-
apadrinhamento.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2017.
18
Ibid. Disponível em: <http://apadrinhar.org/index.php/2016/10/25/fernanda/>. Acesso em: 11 jul. 2017.
19
OLIVEIRA, Maria da Penha. Coordenadora do programa de apadrinhamento afetivo da ONG Aconchego.
Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/77259-apadrinhamento-afetivo-decriancaeadolescentesentenda-
comofunciona>. Acesso em:13 maio 2017.
22
DIAS, Maria Berenice. O lar que não chegou. Disponível em:
<https://espaco- vital.jusbrasil.com.br/noticias/1564113/o-lar-que-nao-chegou>. Acesso em: 24 maio 2017.
23
BITTENCOURT, Sávio. Guia do pai Adotivo. Orientações para uma adoção feliz. Curitiba: Juruá, 2014.
29
BITTENCOURT, Sávio. A nova Lei de Adoção. Do Abandono à garantia do direito à convivência familiar e
comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2013, p. 128.
30
Ibid. p.11.
31
Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 12 jul. 2017.
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,
dentre outras, as seguintes medidas: VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento
familiar.
§ 1o. O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis
como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família
substituta, não implicando privação de liberdade.
32
Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes do Ministério de
Desenvolvimento Social (MDS). Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/orientacoes_tecnicas_final.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2017.
33
DIAS, Maria Berenice. A falência do sistema de adoção. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_13013)A_falencia_do_sistema_da_adocao.pdf>. Acesso
em: 02 abr. 2017.
34
Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistemas/infancia-e-
juventude/20530-cadastro-nacional-de-adocao-cna>. Acesso em: 21 jun.2017.
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BITTENCOURT, Sávio. A nova Lei de Adoção. Do Abandono à garantia do direito à convivência familiar e
comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 143.
Segundo avaliação dos perfis dos adotantes feita pelo Cadastro Nacional de Adoção, a
questão racial não representa o principal obstáculo às adoções em nosso país. De acordo com
o Relatório de Pretendentes Cadastrados do CNA, aberto à consulta pública, dos 39.985
pretendentes cadastrados, 7.697, ou seja, 19,25%, estão dispostos adotar somente crianças
brancas. Por outro lado, 20.204, o que corresponde a 50,53%, aceitam adotar crianças negras,
e 78,46% adotariam crianças pardas. Já, dos que desejam adotar pela faixa etária, apenas 14,
69% adotariam crianças com até quatro anos de idade; 13,68% com até cinco; 8,38% com até
seis; 4,27% com até sete; 2,34% com até oito; 1,05% com até nove; 1,22% com até 10, caindo
para 0,57% até 0,12% para as faixas de 11 a 16 anos de idade.
Os dados revelam que quanto maior a idade da criança menores são as chances de
alcançar a adoção. Os bebês e as crianças com até quatro ou cinco anos de idade que estão no
cadastro, independentemente da cor da pele, são rapidamente adotados, ao contrário dos que
têm mais idade, ainda que sejam brancos e tenham olhos claros. Entretanto, segundo relatório
do CNA, os mais jovens, justamente os mais procurados pelos pretendentes, representam um
universo bastante reduzido entre os que estão disponíveis para adoção: apenas 4,87% estão na
faixa de zero a cinco anos de idade. Na outra ponta estão 70,99% de crianças e adolescentes
com idade superior a 10 anos. Estes são os que mais carecem de medidas urgentes, por parte
do Estado, para incentivar o apadrinhamento afetivo e a adoção tardia.
Além disso, outros fatores que representam um grande entrave à saída de crianças e
adolescentes das instituições de acolhimento, de acordo com as estatísticas do CNJ, são o
percentual de pretendentes que só aceitam crianças sem doenças e/ou deficiências: 65,13%, e
o dos que não aceitam adotar mais de uma criança ao mesmo tempo ou receber irmãos:
66,71%. Esses dados se chocam com o fato de que três em cada dez crianças abrigadas têm
pelo menos um irmão no Cadastro Nacional de Adoção.
Já entre os 315 pretendentes internacionais inscritos, 93,33% aceitam adotar crianças
negras; 53,02% adotariam irmãos; 25,4% aceitam filhos adotivos com até nove anos de idade,
mas 84,13% só aceitam adotar crianças sem doenças e/ou deficiências. É importante destacar
que o Juizado da Infância e da Juventude só disponibiliza para adoção internacional as
crianças para as quais não se obteve êxito na reintegração familiar ou na colocação em família
substituta nacional.
Por outro lado, das 47.500 mil crianças e adolescentes que vivem hoje em quase
quatro mil instituições de acolhimento oficiais credenciadas junto ao Poder Judiciário
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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BITTENCOURT, Sávio. A nova Lei de Adoção. Do Abandono à garantia do direito à convivência familiar e
comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2013, p. 156.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 jun. 2017.
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O Globo, 26 de mai. 2014. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/rio/bairros/apadrinhamento-afetivo-primeiro-passo-para-adocao-
de- criancas-12589337>. Acesso em: 02 jun. 2017.
KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (org.). Família brasileira: a base de tudo. 9.ed. São Paulo:
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LÔBO, Paulo. Direito Civil: família 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
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Nádia e OLIVEIRA, Vera Barros de (Org.). Avaliação Psicopedagógica da criança de 0 a 6
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PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor jurídico. Rio
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convivência familiar. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre,
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil v. 6: Direito de família. 16. ed. Rio de Janeiro:
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