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Lewis Mumford - O Mito da Máquina, As Etapas do desenvolvimento

tecnológico e a adequação desses no estudo de história da tecnologia

Matheus Stipp Correia1

Introdução

Esse texto tem como objetivo uma investigação do pensamento do historiador


estadunidense Lewis Mumford a respeito da tecnologia. Utilizei, para tal, de pesquisa
bibliográfica. O trabalho será, portanto, dividido em duas seções. Na primeira tratarei do
Mito da Máquina, importante conceito de Lewis Mumford, e de como o desenvolvimento
tecnológico e técnico, na visão do autor, afetaram e afetam a civilização. Na segunda, me
atentarei à importância do estudo de história da tecnologia e se a divisão, feita pelo autor,
do desenvolvimento tecnológico em etapas é adequado para a compreensão desse.

Seção 1 – O Mito da Máquina e os efeitos do desenvolvimento tecnológico na


Civilização

Antes de tudo, para efeitos de melhor compreensão, vejo serem necessários alguns
esclarecimentos quantos aos termos utilizados pelo autor. Me valho aqui da diferenciação
apresentada por Alberto Cupani:

Sempre na sua terminologia, “máquinas” são dispositivos (como a imprensa ou o


tear mecânico) que tendem a operar automaticamente, à diferença dos
instrumentos ou ferramentas, que se prestam à manipulação dos aparelhos (como
um forno de fazer pão ou de fazer tijolos) e das “utilidades” (como estradas e
pontes). Já quando se refere a “a máquina”, está aludindo ao “inteiro processo
tecnológico”, que abrange conhecimento, habilidades e artes, bem como
instrumentos, aparelhos, utilidades e máquinas. (CUPANI, 2016, p.73-74)

Inicia, Mumford, suas considerações sobre os efeitos da máquina na civilização


pela análise das origens dessa. A respeito disso, explica Letícia Lenzi:

Para o autor, a “civilização” teve desde sua origem, o caráter de uma grande
máquina (megamachine), que dependendo do aspecto que assume pode ser
1
Acadêmico do primeiro ano do curso de Filosofia da UNICENTRO.
denominada de “máquina invisível”, “máquina de trabalhar”, “máquina militar”,
“máquina burocrática”. [...]. O equipamento técnico derivado desta
megamáquina o autor denomina com o termo megatécnica, que se diferencia dos
modos de tecnologia diversificada e modesta (politécnica) a serviço das variadas
formas de tarefas humanas. (LENZI, 2013, p. 108-109)

Com ‘politécnica’, o autor se refere às técnicas existentes antes mesmo do


nascimento da civilização. Essa, afirma Mumford, mesmo que mais modesta, seria um tipo
de técnica direcionada totalmente à vida e que ter-se-ia perdido quando a aquisição de
poder e o trabalho ganharam primazia sobre as demandas vitais2. Quanto à ‘megatécnica, é,
pois, o tipo de técnica fruto da desse novo cenário sociocultural marcado, pincipalmente,
pelo redirecionamento das relações humanas ao acumulo de bens, de poder e de prestígio.

Por fim, é resultado desse processo aquilo que Mumford denomina ‘Mito da
Máquina’, que se refere, segundo Lenzi:

[...]a noção de que a máquina é sempre benéfica e igualmente irresistível


transforma-se num “mito da máquina”. Os problemas que se sucedem nesta
civilização mecanizada como o materialismo do supérfluo, a tirania da rotina, a
destruição ambiental, entre muitos outros fatores já descritos são apagados pelas
esperanças exorbitantes que esta grande máquina invisível promete, escondendo
o fato de que a vida mecanizada não pode ser plenamente satisfatória, e é por
este motivo, muitas vezes resistida. (LENZI, 2013, p. 110)

Seção 2 – Do Estudo de História da Tecnologia e das Etapas do desenvolvimento


tecnológico

O historiador estadunidense Lewis Mumford apresenta em sua obra uma visão


histórica dos fenómenos tecnológicos. O autor descreve o progressivo desenrolar do
desenvolvimento tecnológico juntamente com uma análise aprofundada das relações de
influência desse processo na sociedade humana ocidental.

Mumford distingue a evolução da técnica e da sociedade da máquina em três


períodos, sendo: a “eotécnica”, a “paleotécnica” e a “neotécnica”. Essas devem ser tratadas
como etapas que se sobrepõe e de certa forma se interpenetram, sem nenhuma
descontinuidade. O autor as divide, principalmente, quanto as matérias-primas e as
matrizes energéticas mais comuns nos processos tecnológicos de cada período, mas

2
Essa virada na orientação do processo tecnológico dá-se, diz Mumford, por causa do nascimento da
civilização.
também levando em conta elementos como as influências da técnica na sociedade e no
pensamento.

Primeiramente, quanto à “eotécnica”: se estenderia dos anos 1000 até 1750 d.C.,
sendo caracterizada, principalmente, pela paulatina diminuição do uso de seres humanos
como motores, sendo substituídos pela força animal e natural (amplia-se a utilização de
cavalos, graças ao invento do arreio de peito e da ferradura, e se difunde, na Europa, o uso
de moinhos de vento). Se estabelece como um período em que o processo produtivo tendeu
para a impessoalidade. Congregam-se nesse período o desenvolvimento dos inventos
mecânicos e do método científico.

Após isso, a ‘paleotécnica’: diz respeito ao interlúdio de 1750 ao final do século


XIX. Foi, caracteriza Mumford, um período de ruptura com o passado cultural. É
característico pelo uso do carvão e do ferro, sendo, pois, a mina, observa o autor, o maior
estimulo para as invenções no período, tais como: os trilhos, a máquina à vapor e,
consequentemente, a locomotiva. Se desenvolvem, devido especificamente a esse
processo, os ideais do lucro, de eficiência e de controle (assimilações do modelo de vida
inspirado nas maquinas), bem como da filosofia mecanicista. Foi uma etapa de aguda
degradação da vida do proletariado, sendo exemplos notáveis o desordenado acumulo
desses em distritos e cidades industriais, o embrutecimento do trabalho, bem como a
poluição ambiental e a perda da sensibilidade estética. Quanto a isso, afirma Alberto
Cupani: “Tudo isso resultava, de alguma maneira, da crescente utilização das máquinas e
do triunfo da ideologia do progresso, que escondia as mazelas do novo modo de vida na
mesma medida que estimulava uma visão errada do passado”. (CUPANI, 2016, p.81)

Por fim, a ‘neotécnica’: que se estende até a contemporaneidade de Mumford,


1934. Distinta, quanto aos caracteres materiais e pragmáticos, pela utilização da
eletricidade, da larga introdução de novos metais, bem como novos materiais orgânicos e
sintéticos. Quanto aos caracteres humanos, Mumford observou sinais de recuo quanto aos
defeitos da máquina, os identificados na etapa paleotécnica, tais como um interesse na
diminuição dos seus danos no ambiente e um certo desejo de diminuir o papel das
máquinas, exceto quando necessárias. Reconhece, porém, que muitos dos efeitos danosos
dela ainda perduram e muitas vezes se ampliaram (“materialismo do supérfluo”, tirania da
rotina, destruição ambiental, etc.). Se atentando a esses e aos seus fenômenos
compensatórios (o entusiasmo excessivo pelo esporte, exaltação do sexo, da literatura e
cinema de escape...), o autor percebe que a vida mecanizada não pode ser satisfatória.
Porém, Mumford não atribui à máquina somente defeitos, apenas desfez a ideia de que a
tecnologia constitui puramente um meio neutro.

Por fim, fica clara a importância dos estudos de tal caráter, principalmente quando
se tem por objeto algo tão plural e volátil, tão sujeito a ser modificado e a modificar o seu
contexto. Ao que parece, é sob uma perspectiva histórica que certas características da
tecnologia se apresentam mais claramente, isso devido, talvez, as particularidades deste, já
mencionadas. Deve-se atentar, porém, ao que, ao meu ver, representa uma certa
dificuldade na utilização do sistema de Mumford para a compreensão do fenômeno
tecnológico como um todo: o autor descreve um processo unicamente europeu, quanto à
eotécnica, e, posteriormente, quanto à paleotécnica e a neotécnica, quase exclusivamente
restrito aos países ditos desenvolvidos. É evidente a impossibilidade de aplicar essa
caracterização em quase qualquer contexto que não pertença ao eixo norte-americano-
europeu, isso sem destorce-lo. Porém, ao meu ver o mesmo não pode se dizer, ao que
parece, d’O Mito da Máquina propriamente. Ao contrário, esse se apresenta como um
modo adequado de interpretar o fenómeno tecnológico.

REFERÊNCIAS

CUPANI, A. Filosofia da tecnologia: um convite. 3ª edição. Florianópolis: Editora da


UFSC, 2016.

LENZI, Letícia. A ambiguidade da Tecnologia: da analítica de Mario Bunge à


hermenêutica de Lewis Mumford. 149 p. Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2013.

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