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RESUMO
O presente texto visa investigar sobre as contribuições do Plano Urbanístico de para a cidade de Boa
Vista/RR, de autoria do engenheiro Darcy Aleixo Derenusson (1916-2002) para a constituição de uma
estrutura periurbana ao traçado radial, sobre o qual se concentram os principais esforços acadêmicos.
Partindo da principal referência iconográfica deste projeto – a foto da maquete do Plano Urbanístico
–, buscamos identificar as permanências, em especial rotatórias e vias indutoras, do desenho urbano
que estabeleceram marcos urbanísticos, muitas vezes invisíveis nos tempos atuais. Este ensaio se
articula com a pesquisa de doutoramento no PROARQ/DINTER-TFN intitulada “Arquitetura do
Desenvolvimento: o moderno em Roraima entre as décadas de 1960 a 1980” indicando as
intencionalidades dessa capital amazônica e de que forma se inserem as primeiras manifestações da
Arquitetura Moderna na trama urbanística original. Como método, buscou-se localizar através de um
percurso de deriva e pela sobreposição de imagens do traçado urbano, a fim de caracterizar nesse
território, essas fronteiras entre a modernidade urbana e arquitetônica, que corresponde à década de
1960.
INTRODUÇÃO
Após essa apresentação dos aspectos gerais, o artigo vai se constituir com
certo grau de digressão em relação à conformação de uma imagem do Plano
Urbanístico de Boa Vista, projetado pelo engenheiro Darcy Aleixo Derenusson (Rio
de Janeiro, 2016 – 2002), na década de 1940 e sua implementação. Traremos para
o texto a análise da porção do Plano que não é vista, que está além dos limites da
seção circular, para buscar compreender o processo de produção do espaço da
cidade – onde se inserirão as obras modernistas entre as décadas de 1960 e 1980,
objeto da pesquisa de doutoramento – partindo da conformação de suas vias e
rotatórias, elementos característicos da paisagem urbana boa-vistense.
1
Para a teoria semiótica de Charles Saunders Peirce, o Representamen é o signo em sua condição de
representar alguma coisa a alguém, isso é, constrói uma imagem de algo, real ou mais bem desenvolvido que
o próprio signo.
2
Essa expressão vem sendo utilizada com frequência pela autora deste artigo, com a finalidade de reafirmar
a necessidade de compreensão da diversidade amazônica e, em especial, de Roraima, cujos processos e
contextos serão discutidos nesta Introdução.
autoria de engenheiro Darcy Aleixo Derenusson, projetado entre 1944 e 1946, e da
leitura que se faz desse Plano. Também se torna necessário um preâmbulo, para a
leitura daqueles que não conhecem a realidade ambiental, histórica e urbana da
capital roraimense, a fim de que seja possível compreender as especificidades deste
lugar.
3O Território Federal do Rio Branco foi criado em 1943 e posteriormente, em 1962, passando a se
chamar Território Federal de Roraima.
que surgiram em consequência da ereção do forte São Joaquim do Rio Branco, na
confluência dos rios Tacutu e Uiraricoera. Destas a de Nossa Senhora do Carmo deu
origem à atual capital roraimense.
Por sua vez, Paulina Ramalho (2012) vai constituir esse limite do Plano
Urbanístico e, em especial, o Centro Cívico, como Lugar de Memória (NORA, 1993),
assim como um sentido de modernidade como algo constituinte da cultura local, com
grande contribuição para a discussão consistente sobre o tema. Machado (1993)
propõe ao estudo da dinâmica de sistemas urbanos os conceitos de instabilidade e
contingência, além da noção de sistemas abertos e complexos. Assim, podemos
aferir que o Plano Urbanístico visou um comportamento regulador do espaço, sem
considerar a complexidade inerente à cidade, a qual o projetista acreditava ter
domado.
Fonte: Facebook.
4
Através da comparação das imagens, ambas correspondem ao mesmo período, e se diferenciam do
levantamento planialtimétrico (Figura 2), portanto não se prestam para uma avaliação cronológica do
processo de urbanização, mas fortalecem retóricas sobre a morosidade da instalação do Plano.
do espaço, associando ao reconhecimento in loco dos testemunhos remanescentes
da intenção projetual de Derenusson.
5Ramalho (2012) destaca que intervenções físicas se constituem como marcadores do processo de
afirmação de poder sobre o território roraimense, enumerando a primeira a edificação do Forte São
Joaquim, a segunda a implantação do Plano Urbanístico de Boa Vista e a terceira a construção da
BR-210, conhecida como Perimetral Norte. No caso do Plano, esse se insere no contexto do
período do Estado Novo e na Constituição Federal de 1937.
Outros elementos importantes fazem parte dessa faixa circundante ao traçado
radial concêntrico do Plano. Constituindo-se como um cinturão institucional, a
narrativa de uma morfologia urbana que fosse geradora de eixos irradiadores, como
propõe Silva (2009) não encontra substância no plano original.
FRONTEIRAS E INTERSTÍCIOS
De acordo com Clóvis Nova da Costa (1949, apud RAMALHO, 2012) havia a
previsão de construção de vários equipamentos públicos como, por exemplo,
escolas rurais, das quais registra-se a Escola Primária Rural em Mecejana, edificada
nesse período. Importante observar que o bairro Mecejana encontra-se nesta faixa
perimetral do traçado radial e inserida no Plano Urbanístico, conforme a imagem de
sua maquete (Figura 4).
Figura 4: Fotografia da maquete do Plano Urbanístico de Boa Vista, com indicação dos bairros.
Mecejana
Porto da Olaria
São Francisco
Centro
Caxangá
Praça da Bandeira
Rói Couro
Fontes: Acervos Luiz Mário Severo Ávila e Darcy Romero Derenusson, adaptado pela autora.
A Anel viário
o
B 1
Cinturão de
o o
3 serviços
2 C
o o
4 o
o
Conexão viária
por rotatórias
D
t Estruturação
radial, a partir de
uma praça cívica
E
t F Preservação do
t núcleo urbano
inicial
1 Vila Militar
A Pista de pouso D Lago do Cajueiro 2 6º BEC – Clubes Militares
B Represa E Portos 3 Clube de Oficiais
C Hipódromo F Estádio João Mineiro 4 Vilas de Policiais Militares e Soldados
Imagens: Acervo Darcy Romero Derenusson; Fotografias: Instituto Aimberê Freitas (acima) e Antônio
José Teixeira Guerra (abaixo). Adaptado pela autora.
Podemos afirmar que essa área circundante para além do anel viário era
tratada como rural, de acordo com o registro da instalação da escola rural no
Mecejana (RAMALHO, 2012). Área expressiva desse cinturão institucional foi
incorporada para estruturas e serviços de instâncias de segurança (Exército e Polícia
Militar, especialmente). Sabemos, que aeroportos7, cemitérios8 e outros usos do
espaço público se configuram como marcadores dos limites da cidade 9, e isso fica
claro no desenho de Derenusson. Atualmente, o aeroporto localiza-se ainda com
6
A angulação corresponde à direção do vento dominante em Boa Vista (NE), com paralelismo na pista do
atual aeroporto de Boa Vista, o que denota rigor técnico.
7
A escolha da localização de um aeroporto leva em consideração aspectos importantes de ordem urbanística,
com a restrição de crescimento vertical e impactos econômicos, advindos de suas atividades e emissão de
ruídos.
8
Historicamente relacionados à difusão de miasmas, a partir do século XVIII, os espaços cemiteriais passaram
a ser locados nas periferias dos núcleos urbanos. A existência desses espaços integrados à malha urbana são
indício de crescimento da cidade ao ponto de integrá-los, se caracterizando como importantes marcadores
do crescimento de um núcleo urbano.
9
Boa Vista possuía seu primeiro cemitério onde, hoje, localiza-se a Catedral Cristo Redentor, no Centro
Cívico, passando à localização aproximada proposta por Derenusson e, atualmente, um terceiro localiza-se na
Zona Oeste, já integrado à estruturação da malha urbana.
certa centralidade na capital roraimense, logo após o anel viário proposto no Plano,
no final da avenida Ene Garcêz. O deslocamento do cemitério, originalmente
localizado na área do Centro Cívico proposto, não está definido de forma identificável
na maquete, mas supor que se trata de uma das frações destacadas na imagem da
maquete, no quadrante SO, área circundante, próxima ao posicionamento projetado
para a pista de pouso (Figura 9).
CONJUNTO
MECEJANA
CONJUNTO
SÃO VICENTE AEROPORTO
CEMITERIO
Acervos Luiz Mário Severo Ávila e Darcy Romero Derenusson, adaptado pela autora.
Bittencourt
R. Agnelo
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Ainda há necessidade de uma avaliação mais acurada dessa contribuição teórica, compreendendo o Plano
de Derenusson nessa perspectiva ampliada, que é apresentada nesse ensaio.
Uma outra avenida, atualmente denominada como Júlio Bezerra, segue rumo
Norte. A avenida Glaycon de Paiva seria o eixo de expansão sentido Oeste, e a Ene
Garcês rumo NO. A importância dessas avenidas pela conexão que fazem com o
anel viário projetado é notória e se constitui, em parte, a avenida Santos Dumont,
rua Agnelo Bittencourt e um trecho que limita, atualmente, as áreas de ocupação
militares com o Conjunto Habitacional Mecejana, produzido na década de 1970,
“Com o novo projeto, esse núcleo original foi estendido com a sobreposição
e acréscimo de um traçado parcialmente rádio concêntrico, que combina
doze vias irradiadas a partir de uma grande praça e cinco avenidas
envoltórias com uma série de ruas que seguem um padrão em xadrez.
Circundado esse arcabouço, foi previsto um cinturão verde de modo a
controlar e conter o crescimento da cidade e acomodar grandes
equipamentos, como o aeroporto, o hipódromo e o estádio desportivo”
(TREVISAN et all, 2018, p.2, grifo nosso).
Temos, agora a nítida percepção de que o Plano se dispunha a uma
concepção de morfologia urbana diferente do adensamento e continuidade com uma
única centralidade, a do Centro Cívico. Na concepção projetual, um recurso foi
amplamente utilizado pelo projetista: as rotatórias no cruzamento das grandes vias.
Algumas destas resistem e dão testemunho da proposição do Plano e foram
multiplicadas, com importante presença, como a rotatória do trevo, que articula as
rodovias de ligação a Manaus e às fronteiras da Venezuela e Guiana (Figura 11).
Zona Oeste
área de expansão
Aeroporto
LEGENDA
Via original do
Plano Urbanístico
Via adaptada do
Plano Urbanístico
Via estruturante
posterior ao Plano
Rotatória
remanescente
Rotatória do trevo
11
De autoria do arquiteto cearense Otacílio Teixeira Lima Neto, foi resultado de concurso nacional de
projetos, promovido em 1980.
interligação com novas propostas de integração, seguindo paralelo ao rio Branco,
para esse propósito. A partir dessas avenidas – Ville Roy, Benjamim Constant e
Sebastião Diniz – a expansão da cidade seria promovida, inserindo nesse trecho os
já citados cemitério e aeroporto, caracteristicamente estruturas que se implantam na
periferia dos núcleos urbanos.
1
2
A
3
4
B
LEGENDA
ESTRUTURAS PROPOSTAS ROTATÓRIA DO TREVO [1]
[A] PISTA DE POUSO RODOVIÁRIA INTERNACIONAL [2]
[B] CEMITÉRIO CONJUNTO SÃO VICENTE (BNH) [3]
[C] INDETERMINADO CEMITÉRIO N. SRA DA CONCEIÇÃO [4]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. São Paulo: Ática, 2001
BECKER, B. Manaus, cidade mundial numa floresta urbanizada. In: Becker, B.; Stenner,
C. Um futuro para a Amazônia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008, p. 103-118