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Sonhos Lúcidos

e Espiritualidade
- Cleber M. Muniz -

Uma obra coletânea do blog cleberlucido.blogspot.co m

Copyright © 2001 Cleber Monteiro Muniz. All Rights Reserved.


Observação:
Os sonhos lúcidos não são recomendáveis para pessoas
supersticiosas ou que tenham fobia do sobrenatural. Como nos
transportam a estados de realidade ainda não muito assimilados
por nossa extrovertida cultura ocidental, são experiências
psicológicas que requerem interesse genuíno em se contatar a
dimensão transcendente do espírito humano.

A DIVULGAÇÃO LIVRE DESTES ARTIGOS É AUTORIZADA DESDE QUE


CITADO O AUTOR. TEXTOS REGISTRADOS. NÃO O PLAGIE PARA NÃO
SOFRER AS PENALIDADES DA LEI.

Copyright © 2001 Cleber Monteiro Muniz. All Rights Reserved


othna@terra.com.br

2
Sumário
Sumário........................................................................................................................................ 3
A Natureza Concreta Dos Conteúdos Psíquicos ........................................................ 5
Sobre a existência de um aspecto energético no homem .................................. 10
A possibilidade lógica da existência paralela e simultânea de vários universos
ou mundos de matéria .................................................................................................... 13
A multidimensionalidade da psique e as viagens internas ................................... 27
A percepção das alterações mórficas na matéria primordial ............................ 31
O que é a consciência e como cultivá-la ................................................................. 33
O Estado Não Usual Da Consciência Extra-Vígil....................................................... 41
O que é uma experiência onírica consciente? ....................................................... 51
A realidade do mundo dos sonhos nos tempos antigos e hoje........................... 53
Um paralelo entre os estados meditativo e onírico consciente .......................... 61
A viagem consciente ao mundo onírico como experiência religiosa ............... 75
As viagens da consciência através dos Eons ........................................................... 78
A ampliação do sentido de realidade que nos permite superar o ceticismo
unilateral .............................................................................................................................. 81
Reflexões e conselhos úteis relacionados com o trabalho de ativar a
consciência dentro dos sonhos e/ou durante a vigília .............................................. 83
Você pode ficar consciente durante o sonho ......................................................... 88
Transcendendo a preocupação com a concretude ............................................ 92
O presente como porta para a realidade onírica natural .................................... 96
A percepção consciente dos traços oníricos sutis ................................................ 102
O despertar no mundo interno por meio do conhecimento vígil da natureza
do sonho ............................................................................................................................... 104
A síntese de indicadores de realidades opostas na observação das cenas
circundantes .................................................................................................................... 107
As experiências oníricas conscientes como meio adicional de investigação
dos conteúdos ctônicos ................................................................................................... 109
O dês-condicionamento dos parâmetros observacionais ................................. 111
A técnica do relaxamento vigilante.......................................................................... 114
Como lidar com os sinais que antecedem uma experiência onírica
consciente ............................................................................................................................ 118
O problema da dinâmica usual do sono e de como superá-la........................ 120
A superação da paralisia do sono por meio da imaginação consciente ..... 124

3
Paralisia do Sono: Uma Dica ....................................................................................... 130
O reconhecimento da realidade intra-onírica durante o sono ......................... 131
O discernimento pela memória resídual .................................................................. 134
A Tendência de Buscarmos um Artificial "Algo Mais" ............................................ 136

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A Natureza Concreta Dos Conteúdos Psíquicos
25 de agosto de 2011
Por Cleber Monteiro Muniz

É comum a concepção de psique como algo cuja existência é irreal,


ilusória e imaginária. Isso se deve ao caráter eurocêntrico de nossa
ciência que desdenha as formas de saber que brotaram em culturas
como, por exemplo, a oriental. Não são poucos os extrovertidos que
supõem que o pensamento e o sentimento possuem natureza
"abstrata".

Em muitos círculos, é corrente a crença de que os elementos da psique


não são concretos e, portanto, não são feitos de substância alguma e
nem de matéria alguma.
Seguindo essa linha de pensamento, uma percepção interna seria
impossível pois não se pode perceber o que não existe. Não obstante,
tal concepção não é corroborada por um fato verificável: todos
sabemos que podemos identificar o que sentimos e pensamos, pelo
menos em parte.

Quando estamos tendo uma alucinação ou um sonho, em um exato


ponto do tempo e do espaço, esse acontecimento, por si mesmo,
prova que eles existem dentro de nós.

A matéria é a base de toda existência real. Tudo o que existe é feito de


matéria pois ela é aquilo que compõe as coisas. Assim sendo, o que
não é composto por nada, é imaterial. E o que é imaterial é inexistente.
Se a psique fosse imaterial, ela não existiria pois nada a comporia.
Porém ocorre (e isso é empiricamente constatável) que ela possui uma
existência tão verdadeira quanto a de uma montanha ou a de um
bloco de granito que pesa uma tonelada. Foram formas de
pensamento e sentimento que causaram as catástrofes das guerras
mundiais. As guerras demonstram ao homem civilizado que ele é um
selvagem (Jung, 1938, p.8) e poem "aos olhos do homem pensador o
problema do inconsciente caótico". Elas demonstram de modo
violentamente irrefutável a crua realidade dos elementos psíquicos e o
perigo de se subestimar sua existência.

Se acreditarmos que a existência dos pensamentos e sentimentos é


ilusória e falsa por não podermos tocá-los, pesá-los e vê-los, teremos
que fazer o mesmo com muitos outros elementos que também estão
fora do alcance dos nossos cinco sentidos, não nos sendo
imediatamente sensível. Teremos que negar a existência de certos
comprimentos de onda, que não nos são acessíveis à consciência sem
aparelhos especiais, e considerá-los "abstratos".

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O meu pequeno conhecimento não abarca a profunda natureza da
matéria (ou energia) componente do pensamento, porém percebo
que a mesma existe e pode perfeitamente ser chamada de matéria
mental sem nenhum problema.

A explicação que melhor se presta a esse problema é a de que a


energia possui diferentes níveis de condensação. Isso pode parecer
muito estranho e místico, mas na verdade não o é.

Esta concepção não é nova e nem minha. Einstein nos falava sobre a
estreita relação existencial entre matéria e energia e sobre o caráter
relativo destes conceitos. A relatividade matéria/energia é a mesma
relatividade corpo/espírito: as formas são ora vistas como densas e ora
vistas como sutis. Isso aparece há séculos na mente do homem por ser
arquetípico.

Quando Einstein afirmou que a energia se condensava a ponto de se


transformar em massa, não negou e nem afirmou que essa massa
correspondia exclusivamente ao grau de condensação do mundo que
conhecemos. Obviamente, o nosso mundo "material" possui seu grau de
condensação específico, que possui certa amplitude que vai do sólido
ao gasoso. Mas isso não significa que não possam haver outras
amplitudes ou graus de condensação.

Ora, se o pensamento é feito de energia e se a energia é matéria em


um outro estado, então ele pode perfeitamente ser palpável e sensível
em sua respectiva freqüência de cristalização. Isso porém, exige que a
consciência se eleve, se transporte deste para outro grau de captação
de fenômenos. E isso é possível uma vez que seu espectro cobre ampla
faixa vibracional.

A consciência forma um espectro com várias faixas ou níveis (WILBER,


1995, pp 15 -16), comparável ao espectro das formas de radiação
existentes e ao qual pertencem a luz visível, o som, as radiações
térmicas etc. As várias abordagens conflitantes de mundo (e aqui se
inclui as visões oriental e ocidental) parecem incompatíveis por que
cada uma delas corresponde especificamente a um nível de vibração
do espectro da consciência. Na verdade elas não são incompatíveis
mas complementares.

Os múltiplos níveis vibratórios da consciência abrangem desde a faixa


que vai do altamente denso, que corresponde às percepções externas
do mundo e do corpo físicos, até o extremamente sutil, que
corresponde às percepções internas.

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Do mesmo modo que o tempo e o espaço são relativos, a matéria e a
energia também o são. Devemos entender que a matéria é energia em
outro estado, um estado de altíssima densidade e que a energia é
matéria em um estado sutilizado. Podemos perfeitamente afirmar que
há infinitos graus de materialidade no universo. Aquilo que é altamente
material sob um ponto de vista não o será sob outro. O altamente
denso apenas o é em relação àquilo que possui menor densidade.
Assim, é lógico que o pensamento, composto por energia, é matéria em
estado sutilizado e, portanto, real e concreto. Não há nisso nenhuma
impossibilidade lógica, nenhum misticismo ou concepção fantástica de
mundo.

A consideração da psique como uma porção energética do corpo


físico (soma) é menos fantasiosa e mística do que parece. Se
concordarmos com Einstein, seremos impelidos a concluir que é
perfeitamente possível que existam vários níveis de condensação
energética, ou seja, vários graus de materialidade. E se admitirmos que
a consciência do homo sapiens é limitada e deixa de abarcar uma
infinidade de fenômenos reais mas inacessíveis a ela nesta etapa do seu
desenvolvimento, teremos a chance de compreender que esses níveis
de materialidade são apenas parcialmente conhecidos pelo homem.
Em outras palavras: é possível que existam formas sutis de matéria que o
homem moderno desconheça.

Analisando-se os fatos por esse ângulo, as oposições matéria-energia e


corpo-espírito são transcendidas e chega-se a uma síntese: matéria e
energia são uma mesma coisa, assim como também o corpo e o
espírito. Tudo depende do referencial que se tem. Por isso, não me
parece escandaloso afirmar que as cenas presenciadas durante a
imaginação ativa e durante os sonhos são materiais e corpóreas. Porém
o são em um nível de densidade que não corresponde à densidade do
mundo físico e do nosso corpo físico e por tal razão as vemos como
cenas vagas e abstratas. Caso contrário, teríamos que renunciar à idéia
de que massa é energia condensada.

O homem não possui uma percepção absolutamente objetiva dos


fatos, sejam eles externos ou internos. O que possui é uma percepção
objetivada pelo esforço e com maior ou menor êxito. Essa objetivação,
porém, não ultrapassa certo limite de sua capacidade, além do qual
reina o subjetivo. Por mais que a consciência se discipline, sua
percepção não perde totalmente o caráter subjetivo mas apenas o
atenua. A consciência vive, se move e se desenvolve dentro de um
nível de desaceleração da energia (de condensação da matéria) mas
isso não significa que não existam outros níveis abaixo e acima deste. O
fato de não percebermos algo conscientemente não significa que isso
não exista e nem tampouco que exista. Somente a experiência
consciente pode testemunhar, pelo menos para quem a tem, o que

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está além do limite das experiências anteriores e inferiores a ela em
profundidade. Mas a profundidade depende da amplitude e do poder
de penetração e, na atual etapa de nosso desenvolvimento no mundo
ocidental, ainda não somos capazes, usualmente, de nos movermos
com desenvoltura e consciência por diversos níveis vibracionais.

Além da nossa consciência normal da vigília, há outras modalidades


que pertencem a níveis mais sutis. Não podemos dispensá-las
gratuitamente pois abrem portas para outras realidades e"nenhuma
explicação do universo em sua totalidade poderá ser final se deixar de
lado essas outras formas de consciência. A questão resume-se em como
observá-las pois não há muita continuidade entre elas e a consciência
ordinária. No entanto podem (...) abrir uma região embora não
consigam dar um mapa. De qualquer maneira, impedem um
fechamento prematuro de nossas contas com a realidade. Voltando os
olhos para minhas próprias experiências, vejo que todas convergem
para uma espécie de visão interior à qual não posso deixar de atribuir
certa significação metafísica." (James, 1995, p. 242)

Se nos evadirmos de abordar cientificamente modalidades não-usuais


de consciência, nosso empenho em entender o universo será parcial:
não alcançaremos aquela porção da realidade acessível por meio
delas. Há uma visão interior que abre portas a um modo de realidade
mas seu estudo é dificultado pelo fato de corresponder a um estado
conscientivo que não apresenta continuidade em relação ao estado
usual. A inexistência de uma ponte que una as modalidades não-usuais
à usual torna impossível a compreensão de processos que transcendam
o "lado de cá" da existência. Como este último é o que busca o
conhecimento formal e a explicação, como os entendemos, os
acontecimentos do "outro lado" quedam inacessíveis a menos que se
construa as vias de contato.

Os mundos interiores pertencem a faixas vibratórias do espectro com as


quais nossa cultura não se afina, não entra em sintonia por considerá-las
inexistentes. Não obstante, desde muitos milênios essas esferas de
existência tem sido levadas a sério por várias culturas. E isso se deve ao
fato de serem reais à sua maneira. É importante frisar que os conteúdos
psíquicos são reais a seu modo e não do mesmo modo que os
conteúdos físicos. A intensidade da realidade, se é que podemos dizer
assim, em nada fica a dever aos elementos externos mas sua qualidade
difere sob alguns aspectos.

Comprova-se a realidade da psique quando se tem uma experiência


onírica consciente ou sucesso em uma prática de meditação. Então
vemos que as imagens mentais e os sentimentos que nos parecem tão
rarefeitos e vagos durante o estado usual possuem uma materialidade
espantosa e um caráter numinoso inolvidável. A numinosidade das

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imagens nessas experiências se equipara à numinosidade das imagens
acessadas pela consciência por meio das percepções comuns e às
vezes as ultrapassa. Segundo Harnisch (1999, p.7) os nativos norte-
americanos e os chineses não desconheciam isso:

"(...)os índios da América do Norte consideravam os sonhos como visões


de uma outra realidade, que para eles traçava um paralelo com o seu
mundo desperto. De uma forma parecida compreendiam-se os sonhos
na China. Atribuía-se-lhes uma uma elevada qualidade vivencial e estes
eram vivenciados com uma intensidade tão extraordinária que as
pessoas se perguntavam: qual será pois a verdadeira realidade: o sonho
ou aquilo que que se vivencia no estado de vigília?" (grifo meu)
Assim como o mundo externo possui forte impressão de realidade, o
mundo interior também a possui pois ambos possuem o númen. O
perigo está em negar a multiplicidade de modos assumidos pelo real,
erigindo um modo em particular como o exclusivamente legítimo.

Bibliografia:
HARNISCH, Günter. Léxico dos Sonhos: mais de 1500 símbolos oníricos de
A a Z interpretados à luz da psicologia. (Das Grosse Traumlexikon: Über
1500 traumsymbole von A bis Z psychologisch gedeutet).Trad. de Enio
Paulo Gianchini. Quinta edição. Petrópolis, Vozes, 1999.

JAMES, William. As Variedades da Experiência Religiosa: Um Estudo sobre


a Natureza Humana. (The Varieties of Religious Experience). Trad. de
Otávio Mendes Cajado. Décima edição, 1995. São Paulo, Cultrix.

JUNG. C.G. Lo Inconsciente en la Vida Psíquica Normal y


Patológica. Trad. Emilio Rodríguez Sadia. Editorial Losada, Buenos Aires,
1938

WILBER, Ken. "O Espectro da Consciência" (The Spectrum of


Consciousness). Trad. de Octávio Mendes Cajado. Décima edição. São
Paulo, Cultrix, 1995.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/natureza-concreta-
dos-conteudos.html

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Sobre a existência de um aspecto energético no
homem
Cleber Monteiro Muniz em 08/11/2000

A natureza possui um aspecto material e um aspecto energético. O


mesmo sucede com o homem por ser parte dela. O corpo físico possui
energias como uma bateria. Normalmente essa bateria está muito
descarregada pelo excessivo abuso das funções corporais. Como a
intensidade das energias não é muito alta, não lhes prestamos muita
atenção.

Muitos cientistas estudaram as energias do homem: Reich, Jung, Freud,


Adler... Os processos energéticos são fenômenos naturais e devem ser
abordados com a intenção de se conhecê-los, sem mistificação de
nenhuma espécie.

A energia corporal é sutil, possui frequência alta e intensidade baixa


para os nossos atuais padrões mensuratórios. Entretanto, sua
manifestação está presente a todo momento. A podemos observar nos
estados de sentimento, nos pensamentos, no estado de alerta, no calor
do corpo, nos movimentos, nas percepções, na imaginação, na
fascinação, na disposição para o trabalho, nas criações artísticas etc.
Sem energia o corpo físico não funcionaria.

A qualquer momento podemos entrar em contato consciente com a


energia do corpo por meio da observação. Basta focarmos a atenção
nas dores, no tato, nas coceiras, no cansaço, nas vontades e nos vícios.
Não podemos manipular grandes porções de energia corporal porque
não conhecemos o meio de acumulá-las em nós e controlar seu fluxo.
A perdemos constantemente.

Desde o momento em que nascemos, aprendemos inconscientemente


a ir lançando todas as nossas forças para fora do corpo, nas correntes
universais do planeta e do universo. O crescimento da nossa
consciência não acompanha o crescimento energético do corpo.

Desperdiçamos nossas forças com pensamentos, sentimentos e atitudes


autônomos, os quais se processam aceleradamente e sem que
tenhamos participação consciente em seus processos. O
funcionamento acelerado das funções psico-físicas provoca perda de
energia e descarrega a "bateria" corporal.

As energias deveriam ser usadas para certos fins que são totalmente
distintos dos usuais. A energia dos seres humanos é desperdiçada e isso
se deve à existência e atuação dos complexos autônomos. Esses
agregados psíquicos queimam nossas reservas energéticas com infinitos

10
pensamentos, sentimentos e ações sem os quais passaríamos muito
bem. Por tal motivo, a única saída que nos resta é assimilá-los.

Entretanto, não se assimila o que não se dissolve. Não podemos engolir


uma maçã inteira, temos que primeiro dissolvê-la por meio da
mastigação e da digestão. Toda assimilação exige a morte do
elemento assimilado, o qual passa a ser parte do elemento assimilador.

Existe na natureza a possibilidade de grandes acúmulos e manuseios de


energia no corpo de seres vivos. O peixe elétrico, o vaga-lume e as
planárias são provas disso. As planárias sobrevivem a esquartejamentos
do seu corpo transformando energia em massa: de cada pedaço surge
um novo organismo tão completo quanto o anterior. A energia corporal
que se transforma em massa tecidual é a energia sexual e os seres
humanos a possuem. Se nos educarmos corretamente, poderemos
tornar nosso corpo mais energético e resistente.

A educação consiste em aprender a não perder as forças com


sentimentos, pensamentos e ações inúteis, o que se consegue através
da dissolução constante das facetas sutis dos agregados psíquicos, ou
seja, da assimilação dos complexos realizada a cada instante de nossa
vida. Todo complexo autônomo possui inúmeros detalhes ou facetas
sutis que se expressam constantemente sem que a consciência os veja.
São micro-invasões ininterruptas do inconsciente em nossa vida
cotidiana que precisam ser assimiladas. É por meio dessas invasões sutis
que a compulsão se nutre e exerce sobre nós sua tirania.

Por outro lado, é preciso também intensificar a ação dos geradores


básicos de força que estão no corpo. Culturas antigas do oriente
desenvolveram técnicas para isso muito antes do homem ocidental
construir a bomba atômica.

Os geradores de força do corpo são os órgãos sexuais. Através deles


surgem os hormônios que são substâncias químicas que tem grande
poder de reter ou liberar a energia assimilada e purificada pelos órgãos
sexuais.

Quando os órgãos sexuais são excitados, há grande geração de


energia criadora, como foi demonstrado pelo cientista Wilhelm Reich.
Se soubermos praticar o ato sexual intensamente, com muito amor e
pureza, e nos mantivermos no estado psicofisiológico que antecede ao
orgasmo, saturaremos o corpo com energia de um tipo diferente. O
processo de saturação é gradativo e alguns dos seus efeitos podem ser
percebidos imediatamente por quem se observa: aumento da potência
sexual, maior disposição para o trabalho e maior sensualidade. Outros
efeitos são imperceptíveis a curto prazo pelo fato da energia ser muito
sutil.

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A sutileza das alterações energéticas torna seus efeitos inacessíveis à
percepção consciente. As alterações no sistema energético do corpo
nos possibilita a realização de prodígios normalmente raros como ficar
sereno ante perigos terríveis, curar-se de doenças com mais facilidade e
desprender-se de apegos materiais.

Há pessoas que sofisticam infinitamente essa arte, tanto para o bem


quanto para o mal. Nas culturas religiosas elas recebem denominações
típicas: são chamadas de santos, magos, bruxas ou feiticeiros. As que se
desenvolvem no mal pagam um preço caro porque estão violando leis
naturais que não conhecem.

Mas não há nisso nada de místico, religioso ou mágico. O que ocorre é


que tais pessoas ultrapassam a fronteira do usualmente compreensível à
grande massa. A ciência tradicional pensa em sintonia com a grande
massa e por isso não compreende muito tais fenômenos.

A profunda maldade, bondade, santidade ou depravação nada mais


são do que sofisticação da energia do corpo em determinados
sentidos. O mesmo se pode dizer de alguns milagres e da fascinação
que certos líderes exercem sobre as multidões.

O caráter energético dos elementos componentes do mundo é relativo.


O que é energético de um ponto de vista, pode não sê-lo de outro. Os
conteúdos oníricos, por exemplo, são energéticos para a consciência
que está operando durante a vigília, fora do mundo dos sonhos e em
sintonia vibratória com o que chamamos de matéria. Entretanto, os
mesmos conteúdos podem ser materiais quando vamos até sua
respectiva dimensão dentro de nós e os contemplamos cara a cara por
meio de uma alteração vibratória na consciência.

Os tipos de energia presentes em nosso corpo e psique são muitos e não


os conhecemos todos porque o seu estudo não é fácil. Suas frequências
e intensidades são fugidias, nos escapam à consciência e aos
aparelhos que desenvolvemos até agora. Esse é um fator que dificulta a
análise.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sobre-existencia-de-
um-aspecto.html

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A possibilidade lógica da existência paralela e
simultânea de vários universos ou mundos de matéria
Por Cleber Monteiro Muniz, 8 de agosto de 1998
Atualizado em novembro de 2005 e maio de 2006

Exercendo o meu direito ao livre pensamento, sem querer extrapolar o


meu campo de estudo e nem tampouco usurpar indevidamente o lugar
dos físicos, venho fazer algumas observações provisórias que, a meu ver,
não são comprometedoras.

O avanço da física demonstrou que a matéria, em última instância, é


pura energia condensada, agregada. Se analisarmos com cuidado e
raciocinarmos com rigor criterioso, perceberemos que isso significa que
a energia ou força é também matéria em um estado sutilizado,
descondensado. Essa constatação conduz à possibilidade lógica da
existência de vários graus de condensação da matéria pois, até onde
saibamos, ninguém provou que o único nível possível de condensação
energética seja este em que vivemos e que é acessível à nossa
consciência. Até o presente, nenhum estudioso provou ou demonstrou
a inexistência de níveis de cristalização da força em massa (refiro-me
aos níveis de cristalização e não ao processo de cristalização em si)
inacessíveis à percepção usual.

O conhecimento avançou muito e nos aproximou da idéia dos universos


paralelos com o vislumbrar da relação massa-força no processo de
composição da realidade mas esse entendimento ainda é, a meu ver,
superficial. Falta elucidar a questão da existência/inexistência do(s)
agente(s) que impedem a condensação da energia em outros níveis e
formem universos materiais que perpassem o mundo que percebemos e
nos sejam imperceptíveis por serem mais sutis ou mais densos do que ele
e, portanto, estarem fora de nosso campo de consciência. Se a energia
se condensa nos níveis em que nos parece adquirir peso, ocupar lugar
no espaço e ser tangível aqui e agora, o que a impediria de fazer o
mesmo em outros níveis? O que impediria que dois corpos puramente
energéticos, segundo nossa percepção usual, se apresentem, um em
relação ao outro, impermeáveis, desde que vibrassem em frequências
muito distantes daquelas que correspondem à nossa percepção
comum?

Quando admitirmos a multiplicidade dos níveis de condensação


energética, a palavra material passa a ter um sentido relativo e não
absoluto, como o que tem geralmente. Aquilo que for considerado
material o é apenas em relação a outras formas menos densas mas, por
outro lado, é energético ou imaterial em relação ao que for mais
cristalizado. Assim, há graus e graus de materialização de força,
acessíveis ou não à consciência segundo seu estado.

13
As imagens experienciadas durante estados alterados de consciência
tais como o sonho, a meditação ou processos de alucinação, são
totalmente reais para aqueles que as acessam. Possuem impacto
numinoso e realístico idêntico ou até mesmo superior aos verificados
durante contatos em estados usuais de consciência, o que indica a
relatividade da concretude e do real.

A demonstração teórica da possibilidade de existência de matéria


cristalizada em outros níveis além do conhecido pela consciência usual
abre caminho para a solução de muitos problemas. A matéria pode, ao
menos em teoria, formar mundos paralelos ao físico, que o
compenetram e permeiam sem se confundirem com ele ou entre si .
Em consecução lógica, se existem mundos concretos paralelos ao
nosso, podem existir seres vivos. E, se existirem seres vivos, podem muito
bem ter sido vistos pelos antigos no passado e qualificados como anjos,
fadas, gnomos, demônios e duendes. Do mesmo modo, a psique
humana também pode, logicamente, ser composta pela matéria sutil
pois sabemos que os pensamentos e sentimentos existem de fato, são
reais, mas não sabemos do que são compostos, de que substância são
feitos. E, se admitirmos que a psique pode ser formada por essa matéria,
é bem possível que a mesma seja a porta de passagem para outros
universos paralelos e que, ao adentrarmos em nosso interior, estejamos
apenas contatando uma seção sutil do nosso microcosmos e, por
extensão, do macrocosmos pois um está contido no outro. Os religiosos
e as culturas "primitivas" e "ignorantes" do passado, que tinham nos mitos
e lendas acerca de outros mundos um referencial de vida, poderiam,
afinal, não estar tão distantes da realidade objetiva como supomos nos
dias de hoje.

A relatividade nas escalas de ocorrência e de percepção


O tempo, o espaço, a velocidade, a aceleração, o vácuo, o
preenchimento, a densidade, a permeabilidade, a concretude e a
objetividade expressam sua relatividade à consciência por meio de
escalas. Alterações na escala de percepção correspondem a
alterações nos fatos percebidos.

A elasticidade da psique é muito maior do que normalmente supomos.


Em estado alterado de consciência, "caímos" em outros mundos com
dimensões próprias, nos quais o lento pode ser rápido, o distante pode
ser próximo, o vazio pode ser preenchimento, o impermeável pode ser
perpassável, o abstrato pode ser concreto, o subjetivo pode ser objetivo
e vice-versa.

A relatividade do real e sua relação com a consciência atualmente


parecem ser incontestáveis e possuem múltiplas e interessantes
consequências lógicas em torno das quais pode ser proveitoso refletir.
A existência real e objetiva do mundo externo, tal como a

14
concebemos, corresponde apenas a uma faixa do espectro perceptual
da consciência. Os objetos concretos e sólidos, que nos parecem
espaços absolutamente impermeáveis e preenchidos, aos cientistas
revelam-se cheios de espaços vazios quando considerados no nível
subatômico, ou seja, quando as consciências dos investigadores focam
a realidade em outra escala, com o auxílio de equipamentos e cálculos
que influenciam suas percepções e, consequentemente, suas
representações mentais acerca do objeto mudam. A tecnologia tem o
poder de alterar a abrangência e a profundidade do campo de
consciência, revelando o novo a respeito dos objetos.

Meu pensamento: as frequências vibratórias do átomo e de suas


partículas componentes permitem a interpenetração de moléculas, e
consequentemente dos objetos maiores que elas compõem, desde que
elas existam em tempos diferentes. Quando as vibrações são muito mais
velozes do que a consciência usual (incluindo a do cientista com todos
os seus aparelhos), é capaz de captar, o giro dos elétrons e o
movimento de outras partículas subatômicas lança o átomo ou a
molécula em outras escalas existenciais ou em outras dimensões da
realidade: a quarta, a quinta e a sexta. Semelhantemente, as partículas
componentes da realidade em que nos movemos conscientemente são
muito mais velozes do que as que compõem realidades mais densas
cujas partículas são incomensuravelmente mais lentas e em relação às
quais a velocidade vibratória de nosso mundo é inconcebível.

Dependendo do estado de consciência, um elétron girando a uma


velocidade anormalmente alta não será mais visto como uma simples
partícula giratória mas como um círculo. E, se a velocidade aumentar
mais ainda, a partícula sairá deste nosso tempo e passará a existir em
outro, carregando consigo os corpos maiores de cuja constituição faz
parte. Entretanto, se alterarmos o funcionamento da consciência,
sintonizando-o com esta nova escala de velocidade, poderemos ver o
objeto invisível para as pessoas comuns. É isso que a tecnologia talvez
consiga proporcionar.

Parece-me perfeitamente lógica e compreensível a afirmação da


existência de vários mundos invisíveis, paralelos e interpenetrantes, que
os ocultistas e religiosos defendem há séculos e que os cientistas
atualmente estão considerando. Dizem os esoteristas que os universos
paralelos são habitados e isso não me soa absurdo, embora eu também
não ache que tal postulado deva ser aceito de qualquer maneira e
sem qualquer critério ou rigor. O que impediria que uma rocha ou
montanha composta por moléculas, átomos e elétrons movendo-se em
velocidades inimagináveis para nós existisse?

15
Posso até estar errado, mas não aceito em termos absolutos a
afirmação dos físicos de que a velocidade da luz é absolutamente a
mais alta possível...Considero mais coerente afirmar que a velocidade
da luz é mais alta possível dentro do alcance imaginativo dos cientistas
porque eles utilizam a consciência usual em seus trabalhos. Mas dizer
que não há mais nada além do alcance imaginativo de alguém me
soa estranho e ilógico... Pelo mesmo motivo, considero mais coerente
dizer que o elétron ultrapassa a velocidade da luz no salto quântico e
não que ele simplesmente "desaparece de uma órbita e aparece em
outra por encanto". A não-localidade é aparente e se deve a
movimentos em velocidades absolutamente inconcebíveis e
iniimagináveis para a mente humana.

O alcance imaginativo, base de qualquer processo cognitivo, se


relaciona estreitamente com o alcance perceptivo, o qual obviamente
é muito limitado na captação das velocidades existentes. Quem nunca
viu um objeto dos mundos internos frente a frente e nem o tocou é
incapaz de conceber sua concretude mas ela existirá por si mesma e
será acessível a quem alterar sua consciência, sintonizando-a em outro
estado de realidade.

Boa parte da confusão teórica reinante em torno da possibilidade


lógica de múltiplos universos materiais interpenetrantes e ao mesmo
tempo independentes se deve à questão da permeabilidade. Mas esta,
quando considerada em termos de relatividade, não demonstra ser tão
complicada: dois corpos, sejam rochas, montanhas, rios, planetas,
estrelas, formigas ou elefantes, podem se interpenetrar se existirem em
escalas espaço-temporais diferentes. E para que existam em distintas, é
preciso que suas respectivas frequências vibracionais intra-atômicas
sejam muito distantes entre si. Quando digo "distantes" quero dizer que
uma frequência escapa ao campo de consciência de quem vive na
outra, tanto acima quanto abaixo. Além do mais, todo mundo já sabe
que o espaço ocupado por um átomo possui um preenchimento
massivo insignificante em relação às suas dimensões, o átomo é
preenchido por algo que, desde o nosso ponto de vista comum, pode
ser entendido como vazio ou quase vazio. A menor unidade massiva da
matéria é uma utopia, assim como o vácuo absoluto. Negar o caráter
utópico de ambos é negar a matemática: a infinitude do
fracionamento de uma porção de espaço ou de um corpo. Se existisse
uma última partícula, ou porção de espaço, indivisível, a matemática
estaria errada. Acrescente-se ainda o seguinte: dois átomos cujas
velocidades vibracionais sejam imensamente (muito mais do que a
imaginação de um cientista possa conceber) distantes entre si poderão
sofrer interpenetração e compartilhar o mesmo espaço por existirem em
escalas temporais diferentes. Imagine um elétron ou simplesmente uma
esfera qualquer percorrendo uma trajetória circular a uma certa
velocidade. Imagine agora que esta velocidade é acelerada até níveis

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inimagináveis. Quanto tempo ele levará para completar um giro e
retornar ao ponto de partida? Obviamente, levará menos tempo.
Multiplique agora esta velocidade por um milhão. O que acontecerá?
Para o hipotético observador, o elétron se transformará em uma
circunferência, do ponto de vista espacial, mas estará, do ponto de
vista temporal, retornando ao ponto de partida no mesmo instante em
que saiu. Acelere-se mais ainda, por uma infinitude de milhões de vezes.
O que ocorrerá? Não, o elétron não chegará ao ponto de partida antes
de ter saído... Ele simplesmente desaparecerá do campo de
consciência do observador por passar a existir em outra escala espaço-
temporal. O mesmo será válido para átomos, moléculas e corpos
constituídos por partículas nessas condições. Acrescentemos mais um
pouco: o átomo encerra dentro de si múltiplas possibilidades
combinatórias simultâneas das quais algumas são interceptadas pela
consciência no colapso da onda. Se os átomos as encerram, os objetos
constituídos por átomos também o fazem. E as outras possibilidades
excluídas do colapso ao não serem interceptadas? Correspondem aos
universos paralelos.

A relatividade pode ser encontrada no tempo. Há microinstantes e


megainstantes inacessíveis à nossa consciência, a qual percebe apenas
a faixa limitada de tempo que lhe corresponde dimensionalmente.
Podemos supor infinitudes temporais rumo ao grande e ao pequeno. Em
tais escalas se dão infinitos eventos ainda por conhecer ou conhecidos
apenas sob estado alterado de consciência por terem suas idades
indetectáveis sob condições normais. Fenômenos que ocupam frações
muito pequenas ou muito grandes de tempo são para nós inexistentes,
ainda que continuem existindo por si mesmos.

A relatividade pode ser encontrada também no espaço. O distante


pode ser próximo e o próximo pode ser distante sob certas condições.
Se vivêssemos conscientemente na escala existencial do fóton, a
distância entre a Terra e o Sol seria bem menor do que nos parece ser
pois, segundo me consta, uma partícula de luz leva apenas alguns
minutos para chegar até aqui. Nossa consciência, então, abrangeria
outra escala espacial, excluindo algumas espacialidades e abrangendo
outras. Por outro lado, se experimentássemos o estado de consciência
espacial e temporal que possui um ácaro, a distância percorrida pelo
ponteiro menor de um relógio durante uma hora poderia nos parecer
muito maior do que nos parece enquanto seres humanos.

Acontecimentos que abrangem frações de espaço muito pequenas ou


muito grandes são excluídos de nosso campo de consciência.
A relatividade pode ser ainda encontrada na velocidade. Um mesmo
movimento, considerado sob diferentes perspectivas, pode se revelar
ao observador como rápido, lento ou até mesmo como nulo. Se um
elétron tivesse consciência (há quem diga que sim!) ele provavelmente

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não consideraria seus irmãos elétrons muito mais velozes do que ele e
talvez até os visse como tartarugas. E por falar em tartarugas, um jaboti
deve se considerar muito veloz quando se compara com um bicho-
preguiça ou uma lesma... O mais engraçado é que uma estrela, que é
gigante (como a Barnard I, que os gnósticos modernos afirmam vir em
direção ao sistema solar, enlouquecendo furiosamente os astrônomos),
se desloca em velocidades inferiores às do fóton, que é tão minúsculo.
Ou seja: não é porque é maior que vai ser mais veloz... Outra
consideração interessante é que as rochas e montanhas se
movimentam e se mexem (sobem, descem, mudam de forma) em
velocidades que nos escapam, o que nos faz acreditar que elas são
eternas e imóveis mas, na verdade, seus movimentos se dão em um
universo paralelo ao nosso, em outra escala espaço-temporal. Se
pudéssemos filmá-las ininterruptamente durante um milhão de anos e
depois acelerássemos o filme, descobriríamos nelas interessantes hábitos
comportamentais muito semelhantes aos dos seres vivos.

Entendo que a idéia de relatividade na velocidade nos conduz à


conclusão de que a solidez e fluidez são também relativas. É por isso
que você irá se esborrachar se cair em uma piscina de barriga ou saltar
no mar de uma altura de cinco mil metros. Em contato com um corpo
em alta velocidade, a água oferece resistência e, durante uma fração
de segundo, adquire a mesma solidez de um cubo de gelo por não
haver tempo suficiente para que suas partículas se desloquem
franqueando a passagem ao corpo do nosso hipotético mergulhador
insano antes de quebrar-lhe o pescoço.

Igualmente, podemos encontrar relatividade na permeabilidade. Eu ou


você não podemos entrar pelos poros da pele de uma pessoa. Mas se
fôssemos do tamanho de um vírus, a pele humana não nos pareceria
impermeável. Se fôssemos tão pequenos, poderíamos não somente
atravessar as malhas da roupa de uma bela mulher como até mesmo
atravessar sua linda pele macia e tanto as malhas quanto os poros
estariam excluídos de nosso campo de consciência. E se fôssemos
menores ainda, do tamanho de um elétron (e conscientes, é claro,
porque estou escrevendo aqui somente sobre conscientologia), uma
barra de ferro nos pareceria outra coisa mas jamais uma barra de ferro.
Ela não se revelaria à nossa microconsciência como um corpo
compacto mas sim como um imenso espaço vazio pontilhado por
corpos em movimento. Dependendo da escala temporal em que
vivêssemos, esses corpos poderiam ser pontos, linhas, planos ou sólidos.
Também poderiam ser mais ou menos velozes, lentos ou até imóveis. Em
todo caso, a barra de ferro em si seria totalmente permeável. Seríamos
incapazes de captar sua impermeabilidade conscientemente. Os
simpatizantes da teoria da Terra Oca dizem que é exatamente isso o
que ocorre com as aberturas polares para o interior da Terra: são
excluídas do campo de consciência dos navegantes por serem muito

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grandes para serem percebidas. Como geógrafo, espero que
expedição dos americanos, marcada para junho de 2006, dê resultados
e esclareça de uma vez por todas se tal abertura realmente existe ou
não...

Muito interessante resulta também considerar a relatividade no campo


da subjetividade. Sob estado de consciência alterado, o mundo interior
ou psíquico do homem pode ser percebido objetivamente pelo sujeito
cognoscente. Os pensamentos e as imagens mentais podem ser
tocados e qualquer um pode fazer isso em um sonho lúcido. Os
sentimentos, desejos e anelos podem interferir nas formas assumidas
pela matéria. Os componentes da psique revelam-se à consciência
como um mundo interno existente em modo paralelo ao externo. É o
que se verifica nos sonhos lúcidos, na meditação e nos estados
alucinatórios em geral, patológicos ou não. Assim, a distinção sujeito-
objeto passa ao nível interno mas continua existindo, acessível por outra
lógica, ou seja, por outros referenciais.

É curioso notar que, se a consciência funcionasse no nível do fóton, as


grandes distâncias se tornariam pequenas porque nos moveríamos a
altíssimas velocidades e, consequentemente, os corpos grandes, como
por exemplo a Terra, com 12 mil km de diâmetro, seriam percebidos
como corpos pequenos pois o espaço ocupado por ela seria
considerado pequeno. E corpos menores ainda, como uma cadeira,
seriam inexistentes. Uma cadeira seria tão pequena que nossa
hipotética consciência-fóton, nosso pequeno homem-fóton consciente,
não a perceberia, ela simplesmente pertenceria a um universo paralelo
e não faria parte de seu mundo. Logo, o tamanho das coisas também é
relativo: o grande e o pequeno são realidades aparentes. E aqui vemos
que tais partículas transcendem o par de opostos macro/micro (grande
e pequeno) pois uma cadeira, que desde o nosso ponto de vista
humano é maior do que um fóton por ocupar mais espaço do que ele,
ocuparia, desde o outro ponto de vista sugerido, um espaço tão
pequeno que se tornaria insignificante, a cadeira seria maior e menor
do que a partícula ao mesmo tempo!

Há muitos outros campos em que a relatividade, isto é, a variação dos


estados de realidade consoantes às alterações na consciência, pode
ser encontrada. Se combinarmos em nossa mente de humanóide mais
ou menos racional todas as relatividades que alcançarmos imaginar,
poderemos compreender um pouco melhor como é possível que
existam vários universos paralelos e seus respectivos seres e objetos
componentes.

A idéia de mundos interpenetrantes e coexistentes se vincula


estreitamente à noção de multiplicidade de pontos de vista ou modos
de funcionamento da consciência, à relatividade do olhar e do

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considerar. Quando um xamã clarividente afirma que há um espírito,
um fantasma ou uma entidade em tal ponto de sua aldeia e ninguém
além dele consegue enxergá-la, está se expressando mal. Em verdade,
as demais pessoas que não acreditam na presença da entidade por
não serem capazes de enxergá-la estão com a razão pois ela
realmente não está no local apontado. A entidade se encontra em
outra escala existencial. O que acontece é que a consciência do
clarividente, seja desperta ou não, está em contato simultâneo com
ambas as realidades. O clarividente percebe simultaneamente os dois
mundos ao escapar do condicionamento que o encarcera no nível
existencial cotidiano.

Só para ir um pouco mais longe e esclarecer (ou confundir?) mais:


dependendo da escala de atuação da consciência, homens, cavalos,
bactérias, rios, lagos, planetas e sóis, imaginários ou não, poderiam ser
pontos, linhas, planos, círculos, espirais etc. pois nada é absoluto.

A percepção consciente da multidimensionalidade das formas


universais
Não percebemos as várias dimensões da Terra e do universo devido a
um condicionamento psicológico. Nosso cérebro não realiza,
normalmente, as sinapses cerebrais relacionadas com a percepção de
formas pertencentes a outras dimensões. Entendemos o que seria uma
reta, um plano resultante do deslocamento desta reta
perpendicularmente a si mesma e um cubo resultante do
deslocamento perpendicular de um plano em relação a si mesmo. Mas
não somos capazes de conceber conscientemente como seria possível
que um cubo se deslocasse em uma direção que fosse perpendicular
às três que o formaram. Não sabemos onde se encontra esta quarta
vertical e nem as verticais dela decorrentes. Para facilitar um pouco o
entendimento: a percepção da quarta dimensão é algo análogo à
percepção de figuras tridimensionais dentro de pinturas bidimensionais,
como se dá com aqueles divertidos quadros em 3D.

Os mundos internos se ocultam à nossa percepção consciente pelo


mesmo mecanismo que faz com que certos objetos que estejam diante
de nossos olhos não sejam vistos: a seletividade das informações que
serão combinadas por meio de sinapses para identificação das formas.
A concepção de realidade que está arraigada e cristalizada em nós é
uma barreira que nos impede de escaparmos conscientemente do
concelamento das metamorfoses para irmos além do colapso das
ondas. Esta barreira é completamente destroçada durante uma viagem
astral, durante a meditação ou pelo uso de certos psicoativos como a
ayahuasca ou o peyote.

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A percepção da quarta dimensão e das demais dimensões além dela
requer um empenho psicológico específico que é indefinível por estar
absolutamente fora do cotidiano no qual e para o qual foi elaborada
nossa linguagem. As concepções de realidade são construídas
socialmente. Um ocidental moderno intelectualizado não vê os espíritos
da floresta e não os teme com a mesma intensidade de um indígena
por que seu aparelho psíquico foi condicionado a relegar o mundo dos
seres míticos ao reino da fantasia e a não aceitar a existência de outros
universos. Para um orgulhoso acadêmico de raça branca, os povos
indígenas são seres ignorantes, inferiores e estúpidos que não fazem
distinção entre o real e o imaginal. A crença de que nas culturas tribais
não há distinção entre a fantasia, o sonho e a realidade condiciona a
mente e a consciência, cristalizando a concepção de que o mundo
invisível é sinônimo de mentira ou, na melhor das hipóteses, ilusão. Para
a mente acadêmica ortodoxa, é inaceitável a idéia de que os xamãs
possuam uma ciência avançada nos domínios sensoriais do invisível.
Nem mesmo como uma possibilidade teórica tal idéia é cogitada.
A percepção dos outros mundos principia pela percepção direta do
sutil em nós mesmos, de tudo o que se convencionou chamar de
"subjetividade" ou "metafísico". O metafísico em nós mesmos somente
pode ser acessado sensorialmente por meio de um sentido distinto dos
cinco ordinários. Esta percepção pode ser sofisticada até extremos, até
atingir um ponto em que se descortinam outras realidades ante nossa
consciência.

Vivemos uma alucinação coletiva compartilhada. O planeta, o mundo,


o universo etc. são completamente diferentes do que imaginamos.
Imaginamos a realidade a partir de nosso ponto de vista parcial e
cremos que a conhecemos a fundo. Por isso duvidamos da existência
de outros mundos com seus habitantes. Considero ridículas as tentativas
de certos parapsicólogos unilaterais no sentido de explicar a
paranormalidade e outras anomalias sem considerar, em suas hipóteses,
as existências de outras dimensões além das três conhecidas. Ao fazê-
lo, caem em um beco sem saída que me causa muito riso. Acho
também muito engraçado o esforço que fazem certos filósofos da
mente e neurocientistas para entender e explicar os fenômenos da
consciência, da mente e dos sentimentos em termos meramente
tridimensionais, bio-fisico-químicos. Se assemelham a tartarugas que não
conseguem calcular a altura de uma passagem, entalam ao tentar
atravessá-la e insistem, insistem, insistem...

Do mesmo modo que as nuvens às vezes assumem formas semelhantes


às areias da praia por serem modeladas pelos mesmos princípios ou
arquétipos, os elementos componentes do espaço interplanetário e
intergaláctico assumem formas algumas vezes parecidas com as que
conhecemos aqui na Terra. Estas formas somente são percebidas a
partir de outras escalas espaço-temporais, ou seja, desde outras

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dimensões. Um homem com corpo causal, deslocando-se através da
sexta dimensão do universo, verá cores, luzes, ouvirá sons, perceberá
distâncias, velocidades e tempos que lhe permitirão perceber formas
constituintes desse universo que, não por acaso, os antigos
denominaram "céu". O mais interessante é que ali nesse universo
paralelo superior ele encontrará seres vivos, montanhas e outras formas
similares às que temos aqui embaixo. Esta similaridade se deve ao fato
de serem moldados pelos arquétipos universais. Os mesmos princípios
que modelam a matéria componente deste mundo modelam a
matéria componente dos demais universos superiores e inferiores.
Além da sétima dimensão natural eu não consigo imaginar o que possa
existir. Os antigos gnósticos chamavam o que está além dela de "o
Incognoscível", ou seja, Deus em sua forma inacessível a nós, animais
humanóides com cabeças de vento.

Se um astrônomo pudesse observar os corpos celestes desde outras


perspectivas, modificando o funcionamento de sua consciência, veria
formas muito distintas das que costuma ver no céu, algumas das quais
análogas às que percebe aqui na Terra.

A criação das formas é regida por princípios internos (arquétipos) que


podem modelar figuras análogas em várias escalas ou níveis de
existência. As formas não surgem ao acaso como sempre pensam os
ignorantes superficiais defensores da geração espontânea do universo.
Se não existissem princípios norteadores da criação das formas e
distintos das mesmas, não existiriam correspondências ou analogias
mórficas em nada. Basta observar um pouco a realidade sensível em
que vivemos: um ovo ou uma melancia possuem forma esferóide
envolta por uma casca do mesmo modo que o planeta possui uma
crosta; na superfície da Terra há fendas, rachaduras e elevações que
formam vales, depressões, colinas etc. do mesmo modo que na pele
dos animais; no interior dos corpos de animais e vegetais há cavidades
ocas e túneis análogas às cavernas; o vento desenha nas nuvens formas
análogas às que o mar desenha na areia da praia. As formas são
identificadas perceptualmente a partir da combinação seletiva de
dados sensoriais e não existem na ausência destes. É por isso que pode-
se falar na pluralidade de universos compostos por formas análogas em
diversas escalas espaço-temporais sem se atentar contra a lógica. As
correspondências mórficas evidenciam a existência de princípios
modeladores comuns.

Em uma pequena porção espacial de alguns poucos metros cúbicos há


universos infinitos que ultrapassam os poucos fenômenos captados por
nossa pobre consciência adormecida e limitada. Há sons, luzes, odores
e formas imperceptíveis. Do mesmo modo que os ouvidos não são
adequados para captar vibrações luminosas, os olhos, pelo menos em
seus funcionalismos usuais, não são adequados para captar as

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vibrações correspondentes aos outros universos e que somente
poderiam ferir aparelhos sensoriais que captassem o ultra: os chacras e
seus correspondentes biológicos no organismo físico. A
multidimensionalidade do universo não é acessível à consciência
condicionada pelos sentidos físicos conhecidos.

O ego não permite a captação consciente das múltiplas possibilidades


mórficas contidas nos objetos sensíveis e no mundo formado pelos
mesmos. Uma caneta, por exemplo, é sempre vista como uma simples
caneta e nada mais devido a um condicionamento cognitivo de
origem cultural processado a partir da infância, fase da vida em que a
mente está aberta à modelação das imagens arquetípicas e, portanto,
da percepção. A forma física denominada "caneta" pode ser também
percebida como um objeto perfurador e, provavelmente, encerrar
muitas outras possibilidades mórficas que não me ocorrem agora. Uma
árvore balançando ao vento pode ser considerada como um ser
dançante cuja cabeleira esvoaça no ar. A chamada realidade chega
à consciência como um conjunto de significados atribuídos pela mente.
Quando a consciência se altera significativamente, todo o universo
sensível sofre resignificação profunda e é por isso que outras realidades
são avistadas. Se você se concentrar intensamente em uma planta
todos os dias, com o tempo ela desaparecerá e outra forma tomará o
seu lugar.

Perceber outras dimensões é alterar a perspectiva pela qual


focalizamos o mundo. Estamos presos à perspectiva que confere
tridimensionalidade e não conseguimos escapar da mesma ainda que
façamos grandes esforços porque o condicionamento psíquico é
poderoso. Nossa consciência realiza um corte na realidade, o colapso
da onda, produzindo o mundo sensível no qual nos ordinariamente
movemos e excluindo outras possibilidades de enfoque..O louco está
preso em outras perspectivas sem discernimento de tal fato. O
autêntico espiritualista, por outro lado, transita consciente e
voluntariamente entre as várias perspectivas.

A cognição do transcendente
É equivocado e ilógico condicionar a aceitação da existência de algo
à demonstração visual direta ou indireta, como fazem os pesquisadores
que descartam a auto-experimentação, porque há uma infinitude de
fenômenos que jamais serão demonstráveis aos olhos, uma vez que o
poder destes de penetrar o real é muito limitado. Há outros que
poderiam ser demonstráveis visualmente desde que o aparelho ocular
tivesse seu funcionamento modificado mas ainda assim exigiriam a
auto-experimentação. Portanto, um dos erros dos acadêmicos que
resistem unilateral, teimosa e tendenciosamente à consideração
imparcial da existência dos universos paralelos, recusando-se a pensar
em tal questão até mesmo como uma simples possibilidade teórica,

23
consiste em evitar a experimentação dos outros níveis da realidade em
si mesmos. E há ainda outro erro: a exigência de que as demonstrações
sejam repetidas e reiteradas coletivamente. Exigir reiteração coletiva, e
sob consciência usual, de fatos somente acessíveis à consciência
alterada, significa pressupor que a comunidade científica esteja apta a
perceber realidades que ultrapassam o alcance de seus aparelhos
cognitivos. Significa também pressupor que não há limites para tais
aparelhos. Tais pressuposições são obviamente falsas. Como demonstrar
de forma repetida para todos algo que somente alguns poucos podem
perceber? Como tornar visível um fato que exige modificação no
aparelho perceptual consciente àqueles que se recusam
terminantemente a realizarem tal modificação em si mesmos?
Além do universo sensorial conhecido, reina a infinitude do supra-
sensorial e do infra-sensorial, universos regidos por leis absolutamente
estranhas à consciência comum. Os princípios e leis que os regem
fornecem outras lógicas para o pensamento, absolutamente distintas
da lógica utilizada pelos materialistas em seus processos analíticos de
teorização, demonstração, comprovação, comparação e julgamento.
Esta diferença radical é o motivo pelo qual suas tentativas de
compreender os mistérios da consciência, da mente, da morte e da
alma falham pois tentam compreender e explicar tais fenômenos
tomando por base a pobre lógica sensorial estreitamente limitada às
percepções comuns, principalmente à visão, e se recusam a enveredar
pela auto-experimentação no terreno do supra/infra-sensível, ao qual
poderíamos chamar também de "endosensível".

Nos níveis correspondentes ao captado pela consciência alterada


absolutamente desperta, há emanações, vibrações, ondas, energias e
matérias de modo mais ou menos análogo ao nível acessível à
consciência comum, adormecida. Entretanto, por suas naturezas
peculiares, as emanações do supra/infra-sensível ferem aparelhos
sensoriais que são distintos dos cinco conhecidos e não são utilizados na
cognição usual, a saber: o coração, o órgão sexual, a glândula pineal e
outros que são o assento biológico dos chacras. A metacognição
somente é possível por meio das endopercepções e estas seriam
impossíveis sem os mecanismos sensoriais correspondentes. Mas a
essência daquilo que se convencionou chamar de "subjetividade"
permanece uma incógnita para a filosofia da mente, as neurociências
e a psicologia e assim permanecerá enquanto o desenvolvimento de
outras modalidades de percepção/sensação não forem seriamente
consideradas como veículos de uma cognição tão objetiva quanto à
sensorial externa comum. Quando os chacras são utilizados pela
consciência, outras modalidades sensoriais e suas lógicas
correspondentes são acessadas. Os materialistas e os unilaterais são
incapazes de conceber o mais além devido à restrição de suas
percepções, a qual lhes confina a um único parâmetro de
diferenciação entre o verdadeiro e o falso, acorrentando-os aos

24
paradigmas do limitado olho carnal, do visual. A visão, o tato e a
audição são as fontes da lógica materialista. Se fôssemos morcegos
racionais, conceberíamos as formas auditivamente e raciocinaríamos
segundo uma lógica sonora. Nossos critérios científicos, provas,
demonstrações etc. seriam a partir dos sons. Se fôssemos minhocas
racionais, desenvolveríamos uma lógica tátil.

A especialização extrema de nossa linguagem e de nossos mecanismos


cognitivos em descrever e entender fenômenos situados dentro da zona
recortada pela consciência adormecida comum dificulta e até
impossibilita a conceituação clara daquilo que experienciamos sob
outros estados, em outros níveis de realidade. A linguagem mítico-
religiosa com sua poética emotiva superior transcendente parece
representá-los com muito mais facilidade por meio de suas analogias do
que o intelecto. Os unilaterais, como sempre ignorantes, a ridicularizam
por serem incapazes de imaginar a que se referem.

Não vemos as coisas como são em si mesmas, em sua essência. Uma


linda mulher que vemos e desejamos, por exemplo, não é mais do que
uma forma criada pela mente pois não a vemos tal qual é em si. Se a
víssemos em sua realidade, veríamos seus átomos, suas células, seus
ossos, seu sangue, seus pensamentos, seu passado, sua infância, seu
futuro, sua velhice etc. O que desejamos é apenas uma forma que
nossa mente criou, desprovida de realidade mas com o poder de
seduzir, hipnotizar e impor sua numinosa aparência de concretude.
Em última instância, a parcela acessível da realidade é sempre
experimentada dentro de nós mesmos. O calor, o frio, a dor, a alegria, a
luz, a escuridão, a certeza e a dúvida são vivenciados dentro do
espaço psicológico e não fora. Mesmo os materialistas ateus mais
dogmáticos e ortodoxos experimentam dentro de si mesmos seu
ceticismo unilateral, suas convictas e irredutíveis crenças e suas
"certezas" na realidade material. O impacto realístico de qualquer fato
material não se detém no corpo e é sentido na alma a partir dos
sentidos físicos e por meio dos sentidos internos. Os sentidos de
percepção interna podem ser, muito grosseiramente, resumidos sob o
rótulo de "sinestésicos".

Normalmente, os velhacos do intelecto identificam a "subjetividade" ao


interno, espiritual, mental, emocional, psíquico. Seguindo a mesma linha
e pre(con)ceitos lógicos, relacionam arbitrariamente a objetividade ao
material, externo, sensorial e físico. Essas correlações estão erradas, são
ilógicas e somente servem para confundir. Como disse Judas no livro de
Armando Cosani, exterior e interior são conceitos ilusórios que não
podem penetrar além das formas. A experiência dos sonhos lúcidos
demonstra ao sujeito cognoscente que o "subjetivo" ou interno, isto é, as
imagens mentais, o imaginário etc. podem ser vivenciados
objetivamente. Do mesmo modo, outras experiências sob estado

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alterado demonstram que o "objetivo", ou externo, pode ser vivenciado
como algo ilusório. Vale lembrar que os conteúdos vivenciados durante
a meditação e experiências similares, como a experiência da
ayahuasca e do peyote, possuem um impacto realístico mais intenso do
que a realidade cotidiana ordinária. Os mitos e as crenças religiosas
podem ser experimentados diretamente. Desafio os bribões a deixarem
suas velhacarias de lado pelo menos temporariamente e criarem
coragem para encarar uma experiência desse tipo.

A porção do homem que se desenvolve nas dimensões paralelas


corresponde ao inconsciente dos psicólogos. Além do normalmente
chamado inconsceinte, há também na psique regiões supra-
conscientes e infra-conscientes. As alucinações, os sonhos, as visões
místicas, a imaginação e o pensamento são modalidades de
percepção correspondentes a esse "outro lado". Portanto, não é correto
afirmar que o alucinado, o onironauta e o místico vêem o que não
existe. Eles vêem aquilo que existe dentro deles, em outra dimensão. O
monstro que assusta do toxicômano e o leva a suicidar-se de pavor
existe realmente. Somente podem relacionar-se de forma saudável com
os outros mundos aqueles que despertaram a consciência. Os
adormecidos que tentarem contatar outras realidades desprovidos de
um desenvolvimento psíquico à altura inevitavelmente enlouquecerão.
É o caso dos médiuns, toxicômanos e psicóticos.

Bom, isso é o que eu penso neste instante e lhes escrevi. Não estou
explicando processos externos mas internos e de cunho estritamente
conscientológico. Para chegar a estas conclusões, combinei as
explicações dos mestres Rabolú, Samael, Huiracocha, Rudolf Steiner, H.
P. Blavatsky, Lobsang Rampa, Eliphas Lévi, Paracelso, Sócrates e Platão,
permeando-as com minhas experiências pessoais até onde pude.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/possibilidade-logica-
da-existencia.html

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A multidimensionalidade da psique e as viagens
internas
09 de fevereiro de 2002
Por Cleber Monteiro Muniz

A coexistência de vários universos, postulada pelos físicos, aproxima a


ciência de última geração às tradições antigas. O tema da pluralidade
de mundos é arquetípico. Se expressa nos mitos sob a forma de céus e
infernos.

A pluralidade de mundos se relaciona estreitamente com a pluralidade


de dimensões, que também é aceita pelos físicos como possibilidade
teórica.

A investigação psicológica baseada em contatos em nível imediato


com o inconsciente revela que o homem apresenta várias dimensões
existenciais paralelas e simultâneas. Além da existência vígil, sob forma
tridimensional, possuímos estados internos de ser, ou seja, modos sutis de
existir, sentir, perceber e atuar.

É possível, mas não certo, que os estados de realidade no interior da


psique, acessíveis mediante a meditação e o sonho lúcido, sejam os
mesmos estados que, segundo alguns teóricos da física, correspondem
a universos que estão fora do nosso alcance por estarem em outras
dimensões.

Os estados oníricos conscientes e seus prolongamentos, os estados


supra-conscientes durante a meditação, nos permitem experienciar por
via direta a crua realidade e pluralidade dos nossos modos de ser.

A física postula a multidimensionalidade no universo. A experiência


psicológica direta com o mundo imaginal abre portas à
multidimensionalidade no homem.

Nossos corpos são feitos de átomos. Os mistérios que estão além das
fronteiras subatômicas conhecidas estão também em nossa carne, em
nossos ossos, em nosso sangue, em nosso coração e em nosso cérebro.
A multidimensionalidade do átomo está em nós.

A experiência religiosa tem seus conteúdos representados por meio de


símbolos e, algumas vezes, abre as portas às dimensões do Ser
inacessíveis à consciência usual, aquela que os cientistas normalmente
utilizam em suas investigações.
O mundo interior do homem é real. Se não o fosse, os sonhos, as
alucinações, as imagens mentais, os sentimentos e os pensamentos não
existiriam.

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Os processos psíquicos estão lá, em nosso espaço psicológico, vivos e
ativos, a despeito do que a ortodoxia científica unilateral conteste.

A crua realidade dos mundos interiores se impõe por si mesma. Passa


por cima das teorias reacinárias que tentam distorcê-la e as esmaga.
Quem ousaria negar que o homem possui um universo imaginal?

Viajamos para outras dimensões de nossa existência durante a noite,


nos sonhos. E acessamos dimensões psíquicas não-oníricas, ainda mais
distantes, durante a meditação.

Em estado não usual de consciência extra-vígil, o tempo, o espaço e a


lógica com os quais estamos familiarizados inexistem. Vivemos sob
estados de realidade que obedecem a princípios completamente
estranhos à consciência egóica adormecida.

Sob o estado alterado onírico consciente, os acontecimentos se


concretizam ante nós como não-pertencentes às três dimensões
usualmente acessadas sob estado vígil. Nosso senso de realidade,
ainda, os recebe como subversores da lógica temporal, o que nos
impede de qualificá-los como pertencentes a uma quarta dimensão.
Mostram-se mais em sintonia com a idéia de eternidade: podemos dar
saltos súbitos no "tempo" interno rumo ao futuro ou ao passado sem que
precisemos passar por momentos intermediários e sem que haja um
limite para o alcance desse salto (além, é claro, do limite imposto pela
nossa capacidade momentânea de imaginação). Também podemos
igualmente dar saltos no espaço, indo de um ponto a outro sem passar
pelos lugares que os intermediam.

Há um tempo e um espaço tipicamente oníricos, completamente


distintos do tempo e espaço vígeis. Existem dentro de nós como
entidades psíquicas apenas compreensíveis pela via direta.

As dimensões podem ser compreendidas como a extensão dos objetos


em determinados sentidos. As dimensões que vemos sob estado usual
não são as mesmas que vemos sob estado alterado.

As extensões ou dimensões são (também) categorias psíquícas, uma vez


que são significados atribuídos aos objetos. Quando queremos avaliar o
tamanho de algo, levamos em conta seu comprimento, largura e altura.
Não poderíamos avaliar tamanho sem levar essas três formas de
extensão em consideração.
A distância entre dois pontos é relativa por ser um significado atribuído
por nós ao espaço e/ou ao tempo. O percurso de duas horas ao longo
de 100 km em uma estrada será considerado breve ou longo, rápido ou
demorado conforme as circunstâncias.

28
Se estivermos desfrutando de uma intensa situação prazeiroza no
trajeto, sentiremos o desejo de que a viagem se prolongue. Tenderemos
a considerá-la curta e breve. Seremos assaltados por sentimentos
relacionados com esse significado atribuído ao tempo-espaço.

Se, por outro lado, estivermos sofrendo a urgente necessidade de


rapidamente atingirmos o final do percurso, este será considerado
demorado e longo. Seremos invadidos por ansiedade e pelo desejo de
que ela termine logo. Ao trajeto será atribuído o significado de algo
longo e demorado.

O tempo e espaço são relativos de um ponto de vista psicológico. O


tempo é um modo de extensão do mundo. É percebido nebulosamente
pela consciência usual. Comprimento, largura, altura e idade são
significados que atribuímos aos elementos visíveis do mundo real.

Mas, sob estado alterado, vemos outras dimensões além destas três ou
quatro que pertencem ao universo vígil. Acessamos porções da psique
que estão além do tridimensional ou tetradimensional.

Os objetos oníricos são percebidos, no nível imediato, como


pertencentes a uma realidade extra-vígil e, portanto, a um campo
dimensional que não é o da consciência usual. Revelam-se em sintonia
com a idéia de eternidade: apresentam saltos no tempo e no espaço
rumo ao futuro ou ao passado e sem limite de alcance conhecido.

O modo como as imagens oníricas se apresentam ao ego nos obriga a


qualificá-las como pertencentes a uma quinta dimensão e não a uma
quarta, uma vez que esta é muito mais próxima do modo vígil de
realidade. A idéia de que o mundo ordinariamente percebido possui
quatro dimensões provém desta proximidade.

No nível tridimensional, o universo extra-consciente ao homem


apresenta dois lados: o interno e o externo. Na dimensão onírica, a
existência bimodal tridimensionalmente verificável parece ser transposta
a níveis existenciais mais profundos. Então, o que aqui é interno, lá passa
a ser "externo".

Não obstante haverá, ainda assim, um aspecto "interno" (estados de


sentimento e pensamento) perceptível dentro dos sonhos e pertencente
a dimensões de existência psíquica ainda mais inacessíveis.
Na eternidade continuamos tendo sentimentos e pensamentos. Seus
impulsos conscientes e inconscientes definem a forma assumida pela
matéria onírica.

29
Haverá, então, o intra-oniricamente invisível e o visível. O visível possui
enorme impacto numinoso e nitidez. O invisível pertence a mundos
internos transoníricos. A meditação é uma viagem por dimensões
transoníricas em estado de elevada lucidez.

Não é difícil adentrar a outros estados de realidade psíquica. O difícil é


fazê-lo conscientemente e trazer a recordação do que se experienciou
e investigou. As viagens interdimensionais são acessíveis à consciência
que se educa no sentido de observar constantemente a realidade que
a cerca para discernir a respeito do teor das cenas com as quais está
em contato imediato, no instante presente. Requer uma inversão do
funcionamento usual pois este se fundamenta no pressuposto de que o
único modo concreto de existir é o tridimensional ou "material".

Devemos buscar o que está além das fronteiras conhecidas. O que nos
interessa é entrar nas regiões sombrias. Os covardes preferem restringir-
se ao conhecido. Estes postulados não são pseudo-científicos.
Pertencem a uma ciência não-ortodoxa que, na maioria das vezes, é
marginalizada.

O ceticismo unilateral não admite a existência de uma ciência que seja


simultaneamente não-ortodoxa e autêntica. Desconhece, por isso, a
diferença entre pseudociência e ciência marginal.

Um postulado é válido por sua coerência interna e poder explicativo. É


nesse sentido que a pluralidade dos modos de realidade deve ser
avaliada uma vez que sua demonstrabilidade não é acessível a todos.

É sensato repensar os métodos ortodoxos de experienciar o real e levar


em conta que a não-demonstrabilidade de uma hipótese coerente
pode ter origem nas limitações do nosso aparelho cognitivo. Nem
sempre o não demonstrável (por via externa) é falso.
A não-demonstrabilidade exterior e a falsidade não são sinônimos.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
multidimensionalidade-da.html

30
A percepção das alterações mórficas na matéria
primordial
Por Cleber Monteiro Muniz em 19 de abril de 2002

Além deste mundo exterior, há vários mundos interiores. São psíquicos e


estão dentro de nós. O mundo exterior e os mundos internos são
compostos por formas. Em cada mundo há uma matéria primordial que
se modifica e assume infinitas formas percebidas como imagens reais.

Os elementos componentes dos mundos são os objetos das


percepções. A matéria primordial assume a forma daquilo que
percebemos como carros, pessoas, animais, montanhas etc. Esses
objetos existem no mundo exterior e nos mundos interiores.

As formas não são reais em si mesmas. São apenas aparências


assumidas temporariamente pela matéria primordial. Não são eternas:
se modificam ao longo do tempo. Os elementos componentes dos
mundos podem ser criados consciente ou inconscientemente por nós
ou resultar de processos naturais dos quais não participamos.

A manipulação da matéria primordial no mundo físico com o fim de


dar-lhe alguma forma exige que a trabalhemos duramente. Para dar-
lhe a forma de uma mesa, por exemplo, temos que cortar a madeira,
pregá-la, lixá-la e envernizá-la.

Para dar forma à matéria primordial nos mundos internos temos apenas
que concentrar o pensamento em fusão com o sentimento. No mundo
físico, a matéria é difícil de ser moldada por ser densa. Sua moldagem e
modificação é mais lenta do que nos mundos interiores. No mundo físico
e nos mundos interiores, algumas formas são criadas espontaneamente.
Nesses casos, a matéria primordial é moldada por forças naturais sem a
participação do homem.

Há formas que nós criamos, formas que outras pessoas criaram e formas
que a natureza criou espontaneamente por sua própria inteligência. Os
elementos que vemos em sonhos são modificações da matéria onírica
primordial: formas assumidas por nossos impulsos de pensamento e
sentimento, pelos impulsos de outras pessoas e/ou pelos fluxos de força
naturais extra-humanos. A força mental e emocional existe na natureza
anteriormente ao homem, assim como a matéria onírica.

A aparente concretude do mundo exterior se deve à atrofia quase total


das endopercepções. Por isso, o mundo físico nos parece mais real do
que os mundos internos e tememos a destruição do corpo.

31
As formas do mundo físico são sombras. Quando despertamos
interiormente, contatamos formas com impacto realístico-numinoso
muito maior do que o experienciado no mundo físico pela consciência
egóica usual adormecida e extrovertida. Os objetos internos possuem
intensa concretude psíquica e ideoplasticidade.

Nosso universo interior apresenta conexões com o universo interior de


outras pessoas, dos animais, das plantas e de toda a natureza. Podemos
acessar o outro endoperceptivamente. Os vários mundos coexistentes
são análogos. Todos são reais à sua própria maneira. O psíquico não é
abstrato, apenas é concreto a seu modo.

Quanto mais quieta estiver a mente em um mundo interior, mais


perceberemos os elementos que naturalmente lhe são inerentes. Tentar
observar um mundo interior com a mente agitada é o mesmo que
tentar observar o mundo físico com objetos opacos sobre os olhos: a
visão estará estorvada por aquilo que estiver entre nós e o alvo de
observação. Aquilo que obstrui a visão, se interpondo entre nós e o
objeto, deve ser removido. A mente que projeta formas bloqueia a
percepção da realidade interior. Elabora obstáculos que são colocados
sobre os olhos.

Nos mundos interiores, as pessoas comuns são cegas e loucas. Não


enxergam as formas naturalmente inerentes ao universo em que estão
inseridas. Enxergam apenas as próprias formas mentais projetadas,
ainda que tenham o discernimento de que estejam em uma dimensão
paralela àquela em que se acostumaram a viver "conscientemente". O
que normalmente vemos em sonhos são alucinações: formas que
moldamos sem o perceber.

Discernir que se está inserido em um mundo paralelo é importante.


Entretanto, não é tudo: é necessário que os egos morram. Quando os
egos morrem, a projeção artificial de imagens cessa e as formas
naturais inerentes aos mundos interiores podem ser percebidas sem
estorvo. As realidades transcendentes não podem ser demonstradas
aos adormecidos. A ciência fundamentada na extroversão está isolada
das formas psíquicas.

Há uma ciência espiritual cuja base é uma idiossincrassia introversiva. Ela


deve completar a ciência ortodoxa. O externo e o interno não se
opõem, se completam.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/percepcao-das-
alteracoes-morficas-na.html

32
O que é a consciência e como cultivá-la

Muniz, C. M. (2002). O que é a consciência e como cultivá-la. Poder da Mente, ano 1,


número 3, pp. 42-43. Escala.

Por Cleber Monteiro Muniz em 4 de outubro de 2001.


Publicado na revista Poder da Mente.

A palavra consciência se presta a inúmeras confusões. Alguns a utilizam


como sinônimo de intelecto, de mente e de memória. São empregos
indevidos e errôneos.

A equivocada concepção de consciência pode nos conduzir a erros


teóricos e práticos, comprometendo nossas elaborações no campo da
psicologia.

A consciência é indissociável da atenção. Esta pode variar


infinitamente em modo e intensidade.

À consciência estão estreitamente relacionados os estados de alerta, a


observação direta de fatos, a experimentação da realidade imediata
(o aqui-agora) e a compreensão que deles deriva. Consciência e
inteligência não se diferenciam.

O grave erro de se confundir a consciência com a mente está na


origem do culto ao intelecto. A mente é a substância psíquica
componente dos pensamentos e com a qual fabricamos conceitos, os
associamos segundo linhas lógicas etc. Consciência e mente são
componentes psíquicos distintos, embora se relacionem.

A mente opera com base nos dados fornecidos pela consciência. Se


esta possuir um funcionamento precário, aquela elaborará raciocínios
que nos distanciarão da realidade. Os raciocínios podem ser super-
sofisticados e impecáveis, podem possuir, aparentemente, perfeição
lógica e, não obstante, terem um fundamento perceptivo falso.

A consciência é o poder de enxergar a realidade do modo mais


objetivo e claro possível. Enquanto faculdade psíquica, é muito
negligenciada em nossa cultura que supervaloriza a mente e o
intelecto.

Ao sofisticarmos tanto os funcionamentos intelectuais, a consciência foi


deixada de lado e sofreu atrofia. Modos especiais de percepção e
atenção, antes comuns, se tornaram não-usuais e frágeis pelo desuso.
Felizmente, algumas culturas religiosas e primitivas os preservaram e
forneceram à psicologia a oportunidade de restaurá-los.

33
Arquetipicamente, a consciência é representada pela luz. A luz, que nos
permite conhecer o que a escuridão oculta, surge em mitos, contos,
sonhos e na literatura como imagem representante da consciência.

Como cultivar a consciência

Geralmente, nossa consciência tem um funcionamento egóico. Um


funcionamento egóico é um funcionamento condicionado pela visão
do eu. Ao sermos incapazes de ver as coisas de um ponto de vista
diferente do costumeiro que temos, temos a consciência fixa nesse
padrão.

A fixação da consciência no ego, ou seja, seu condicionamento em


sempre ver as coisas do modo que o eu está acostumado, gosta ou
quer, a torna insensível ao que se processa fora desse campo. Em tal
condição, esse precioso elemento psíquico fica adormecido para
acontecimentos excluídos do "meu mundo" ou de "minha realidade".

Temos que despertar a consciência para realidades que ultrapassam as


percepções egóicas. Isso é conseguido pela prática correta da
atenção. Modos não usuais de atenção devem ser ativados até que
façam parte de nossa natureza consciente.

O caminho mais direto para cultivarmos a consciência e objetivá-la ao


máximo é o de prestarmos atenção em nós mesmos. Se
acompanharmos nossas próprias atitudes a todo instante, enxergaremos
muitos traços comportamentais desconhecidos. São os complexos,
cujos detalhes normalmente nos escapam.

Aquilo que estamos fazendo no presente, isto é, nosso comportamento


concreto e objetivo, fornece muita informação sobre quem somos. Se o
tornarmos objeto da atenção cuidadosa e livre, a consciência se
exercita e gradativamente enxergamos vícios e condicionamentos
atencionais e observacionais. Por tal razão, é interessante aprender a
observar o Self por via direta e durante todo o tempo possível.

Mantendo a observação do Si Mesmo podemos, ainda, focar a


consciência sobre o modo de realidade com o qual estamos em
contato aqui e agora.

O modo de realidade pode ser onírico ou vígil. O modo vígil é o que


contatamos enquanto estamos acordados e o modo onírico é o da
realidade do sonho, aquelas cenas que vemos enquanto dormimos.

Se nos habituamos a observar as cenas e imagens que nos cercam


várias vezes ao dia para verificarmos se estamos sonhando ou não (e se
não acharmos tal trabalho ridículo), terminaremos repetindo essa
mesma verificação dentro dos sonhos enquanto o nosso corpo estiver

34
adormecido na cama. Caso nossa inteligência seja livre o suficiente
para aceitar a possibilidade de que o mundo dos sonhos pertença a
uma realidade paralela à comum, reconheceremos o caráter onírico
das cenas que nos rodeiam ao fazer a averiguação.

O despertar da consciência dentro de um sonho fornece sensações e


percepções extraordinárias. Esse é um bom motivo para praticarmos o
exercício da atenção a todo momento.

Quando tentamos usar a consciência para ampliá-la, nos deparamos


com a forte tendência egóica de observarmos o nosso comportamento
ou o modo de realidade presente de maneira estéril, olhando-o sem
enxergar nada novo. Superamos tal resistência pelo empenho em ver as
coisas como são e não como gostaríamos que fossem ou acreditamos
que sejam. O empenho absolutamente sincero em enxergar a
realidade sobre algo nos permite ir além dos limites do nosso próprio
ponto de vista.

Cultivamos a consciência pelo uso adequado. A usamos através da


atenção sincera e cuidadosa. A atenção deve visar a descoberta do
novo. O que interessa é descobrir aquilo que ainda não sabemos.
Ampliação da consciência pela dissolução dos complexos. Temos
dentro de nós múltiplos complexos. Um complexo é um agregado de
energia psíquica. Os pensamentos e sentimentos se compactam em
torno de um traço comportamental gerando ações condicionadas e
compulsivas. Os agregados psíquicos possuem metas em direção das
quais a libido flui. Libido é a força do desejo (sexual ou não). Os
complexos, elementos componentes da psique inconsciente, são egos
que possuem vontade própria e atuação autônoma. Suas múltiplas
metas convergem em alguns casos e divergem em outros. Uma
modalidade de consciência específica está embutida nesses egos. É a
infra-consciência, que se contrapõe à consciência normal que
reconhecemos como nossa.

A infra-consciência é a visão parcial, condicionada e unilateral que


cada ego detém. Como buscamos o desenvolvimento psíquico
integral, precisamos extraí-la. O resgate das porções de
(infra)consciência embutida nos agregados de energia psíquica as une
à consciência que temos, ampliando-a. Extraímos virtudes, informações
e consciência embutidas no inconsciente pela dissolução dos
complexos que o compõem. O objeto de libido é visto de modo parcial
e alterado pelos elementos psíquicos. Estes exageram seu valor na
forma de desejo compulsivo de repelir ou atrair. Ocasionam, portanto,
uma percepção subjetiva e falsa.

35
Uma vez tomados por um agregado psíquico, não vemos o objeto de
desejo tal como é. A percepção subjetiva nos leva considerá-lo
exageradamente bom e seu oposto (ou falta) exageradamente mal.

Por trás da atração compulsiva há a visão distorcida de um objeto ou


meta. Por trás da repulsa compulsiva há a atração por algo que a ela
se opõe. Atração e repulsão andam juntas e nos levam a oscilar em
meio a uma infinita batalha de antíteses. A auto-observação revela a
meta que está por trás dos desejos e repulsas. A dissolução dos
complexos se consegue pela sua compreensão. Temos que
compreendê-los para despotenciá-los.

Compreender um complexo é capturar seu ponto de vista sem nos


identificarmos com o mesmo. Se nos identificarmos com seu modo de
ver os acontecimentos ficaremos tomados, seremos submetidos e
lançados à compulsão. O caminho para a compreensão é o da
observação do si mesmo. Os complexos são compreendidos no curso
da observação e descobrimento dos detalhes comportamentais. A
compreensão é resultado natural, e não artificial (forçado, forjado), da
observação receptiva dos detalhes, dos modos sutis de expressão.

A observação curiosa e receptiva do si mesmo em plena ação permite


verificar in loco, sem nenhuma evasiva racional, inferência ou
suposição, como cada agregado psíquico opera. A verdadeira
descoberta não é uma função intelectual pois descarta qualquer
elaboração teórica ou inferencial. É a crua percepção do que fazemos,
sem nenhum acréscimo. Nos limitemos à percepção direta e a
aproveitemos ao máximo, rumo à crescente exploração do sutil.

O trabalho de observação do self exige percepção detalhada. Traços


comportamentais sutis se manifestam a todo momento, nutrindo
comportamentos indesejáveis sem serem vistos. Para captá-los, temos
que focar a atenção em pequenos detalhes do que fazemos, sentimos
e pensamos. Apenas a descoberta e a remoção destes permite a
superação dos complexos que nutrem.

A correta observação é focada sobre nossos detalhes comportamentais


em estado de lucidez intensa. Os elementos componentes do
inconsciente possuem infinitas facetas sutis cuja atividade é identificável
pela consciência vigilante. Importa-nos vigiar continuamente, à espreita
do todo e do nada, prontos a colher qualquer elemento que surja, tal
como um lutador em combate que aguarda a mais inesperada
ação/reação do oponente ou como uma sentinela na guerra, que
espera continuamente pela detecção do menor traço do inimigo vindo
de qualquer direção.

36
Em uma linguagem religiosa, a vigilância consciente é ensinada como
uma vigília da alma contra os pecados. A inteligência e sagacidade
dos complexos autônomos são representados pela astúcia de Satanás,
o gênio mitológico do mal. Helena Blavastky (1997) recomenda aos
discípulos que não permitam nem mesmo a aproximação da sua
sombra:

"Luta com teus pensamentos impuros antes que te dominem. Trata-os


como eles querem tratar-te porque, se os poupas, criarão raízes e
crescerão e - repara bem - esses pensamentos te dominarão e
matarão. Acautela-te, discípulo, não deixes aproximar nem mesmo a
sua sombra; porque esta crescerá, aumentará em tamanho e poder, e
então essa coisa escura absorverá o teu ser antes que tenhas te
apercebido bem da presença do monstro hediondo e negro." (p. 52,
grifo meu)

Tal postura exige uma consciência ativamente perceptora que não se


prenda a focos parciais, a objetos exclusivos. É uma cautela em
intensificada vigília de instante a instante, principalmente contra os
pensamentos.

A sentinela eficiente toma os fatos como são sem falseá-los. Amplia e


aprofunda ao máximo e continuamente as percepções mas a elas se
limita. Age ao menor movimento ou sinal da aproximação do inimigo. A
sentinela não dá o alarme a partir de conclusões sem fundamentos. O
que ocorreria se uma sentinela se viciasse em colocar constantemente
os soldados de prontidão sem nenhuma base concreta, factual, para
suas conclusões? Se sempre inferisse gratuitamente que o inimigo viria
ao invés de observar incansavelmente o campo visível a partir de sua
torre para detectar concretamente qualquer aproximação?
Obviamente, daria muitos alarmes falsos. Os soldados ficariam
desgastados e mecanizados pela falsidade dos alarmes, perdendo o
poder de reação. Com o passar do tempo, o exército ficaria vulnerável,
pronto para ser pego de surpresa. A sentinela, ao invés de aplicar a
percepção, teria se utilizado apenas de raciocínios ao ar e atrofiado o
uso dos sentidos por se perder em inferências inúteis.

O mesmo princípio é válido para a contemplação do comportamento.


O aspirante a observador do si mesmo que não foca sua atenção em
seu comportamento concreto nada descobre. As inferências e
raciocínios sabotam a descoberta do novo porque desviam o foco da
consciência do mundo comportamental concreto para o mundo
ilusório das suposições. A vigilância conduz ao restabelecimento do
equilíbrio original da psique e erradica as visões artificiais, falsas,
distorcidas e unilaterais dos complexos. Objetiva a percepção e nos
leva a ver o objeto de desejos tal como é. Além disso, fortifica a
consciência e a torna maleável.

37
Uma consciência forte e maleável é uma consciência duradoura e
altamente receptiva a pólos contrários. Permite facilmente a
elaboração espontânea e natural de sínteses, por não estar
condicionada a extremos, e resiste ao perigoso poder hipnótico dos
agregados psíquicos que intentam enganá-la para atuarem na sombra.
É necessário fortificar a consciência mas é igualmente necessário que
esta não seja rígida.

Não veremos o objeto de libido tal como é se não descobrimos as


múltiplas facetas do desejo que por ele sentimos. A resistência em
observar e admitir a existência de cada faceta sutil assinala rigidez,
covardia e medo de se confrontar com o inconsciente.

A moral atrapalha a despotenciação dos egos. Se fundamenta no


simples recalque e é elaborada para contenção dos fluxo libidinal. O
resultado é seu represamento e explosão súbita, sob a forma de
neuroses, hedonismo ou sob o disfarce de virtude. A experiência
demonstra que os grupos humanos mais moralistas são sempre os mais
hipócritas e cruéis. Há que se diferenciar a neutrificação da entrega ao
desenfreio, também chamada hedonismo. São absolutamente distintos.

A neutrificação é o empenho da consciência em superar o estado de


compulsão, assimilando (compreendendo) o complexo pela
observação de seus vários detalhes até se atingir a neutralidade em
relação ao objeto de libido. A neutralidade é o esquecimento, a leveza:
uma forma benéfica de morte.

Por outro lado, o desenfreio é a entrega total ao desejo sem


participação da consciência. Visa permanência no estado de
possessão e loucura. Descarta completamente a vigilância, o estudo e
a transcendência dos elementos autônomos.

Quem confundir essas duas atitudes psicológicas robustecerá seus


complexos ao invés de dissolvê-los. Se tornará mais e mais escravo dos
instintos ao invés de tê-los como aliados.

A neutrificação é uma morte de tipo psicológico e positiva. Se


fundamenta na observação que conduz ao descobrimento
desinfectante e contínuo das facetas sutis de nosso comportamento. O
que interessa é o desconhecido que há em nós. Aquilo que estamos
fazendo aqui e agora é um ótimo alvo para observação em estado de
máxima e relaxada lucidez. A lucidez intensa resulta do relaxamento. É
um estado de entrega à realidade que se processa no presente.

38
Talvez uma exposição didática de passos ajude:

1) Perceba o que está fazendo agora, concretamente, sem supor e


nem imaginar nada do que possa estar por trás ou além de sua atitude.
Esqueça do mundo e de todo o resto.

2) Sem tirar a atenção do que está fazendo, procure captar tudo o que
surgir em seu campo de atenção. Você começará a captar muito
sobre você: movimentos, expressões corporais, sentimentos evocados
pela situação que está vivenciando, pensamentos que tentam distraí-lo
para outras coisas, entonações de voz etc. A gama de elementos que
se enxerga é muito extensa e não pode ser apontada em sua
totalidade.

3) Tenha o cuidado de sutilizar ao máximo a atenção, enfocando os


traços comportamentais mais diminutos que puder e assim que
começarem a brotar. Não espere que eles cresçam e se tornem visíveis
como um elefante ou uma jamanta.

4) Continue assim, se percebendo cuidadosamente, ao passar para


outras atitudes e comportamentos.

5) Prolongue esta observação, sem ansiedade, pelo tempo que


conseguir. Ao perdê-la, não se incomode e volte a ela novamente.
Nunca se canse, esqueça o cansaço e a preguiça.

6) Reinstale continuamente a observação sempre que puder, ao longo


de todo o dia e até durante a noite.

Em síntese, tudo se resume a ter a nossa pessoa como foco de atenção


contínua e curiosa. O caminho é simplesmente o de explorar a si próprio
através da observação no cotidiano.

O maior de todos os cuidados é posto sobre a mente. A mente


acelerada e solta, que pensa continuamente e sem nenhuma linha
diretriz, desencadeia emoções e atitudes indesejáveis.

Este é o caminho para explorar a dimensão do inconsciente pela via


direta.

A despeito do culto ocidental ao raciocínio, os pensamentos turvam o


brilho da consciência. A percepção clara dos detalhes
comportamentais exige redução dos pensamentos ao mínimo:

"A mente é o grande Assassino do Real." (Blavatsky, 1997, p. 45)

39
A atividade mental intensa ofusca a percepção das realidades internas
e externas. Não permitem que as vejamos tal como são. Atividade
mental intensa é o pensar insistente, autônomo e ininterrupto.

Há uma diferença entre pensar e enxergar. Quando pensamos em algo,


não vemos esse algo mas apenas os pensamentos que criamos a seu
respeito. Compreendemos um fenômeno psíquico com máxima
objetividade quando o observamos e a observação requer o não-
pensamento (salvo nos casos em que um pensamento específico é o
objeto).

Os complexos são elementos de percepção subjetiva. A parcialidade


que apresentam, oriunda do condicionamento libidinal, é o fator
subjetivante. Quando odiamos alguém, vemos apenas suas más
características. Se estamos tomados por pressa, vemos apenas a
pequenez do tempo disponível para atendermos nosso interesse. A
visão dos complexos é unilateral e excludente.

A visão objetiva requer poder de síntese. A síntese se produz na fusão


dos opostos. A parcialidade culmina em subjetividade. A visão subjetiva
dos complexos é equivocada na medida em que nos leva a confundir o
parcial com o total. Por nos conduzir ao erro, ao engano e ao desastre,
é representada nas mitologias e religiões como algo diabólico, que
provém de Satanás, "o Pai da Mentira", ou Mara, "o Senhor da Ilusão". A
mentira e a ilusão são a própria percepção subjetiva dos
acontecimentos externos e internos, cotidianos ou não.

Referências:

BLAVATSKY, Helena Petrovna. A Voz do Silêncio (The Voice of the


Silence). Trad. de Joaquim Gervásio de Figueiredo. São Paulo:
Pensamento, 1997.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/muniz-c.html

40
O Estado Não Usual Da Consciência Extra-Vígil
(cap. III de "A Experiência Onírica Consciente: Viagens da Consciência ao Mundo dos
Sonhos" – monografia apresentada para conclusão do curso de especialização em
Abordagem Junguiana pela COGEAE da PUC-SP em 2001 e orientada pela Prof.ª
e Dr.ª Noeli Montes Moraes)

25 de agosto de 2011

Por Cleber Monteiro Muniz

Estar desperto dentro de um sonho (no sentido literal da expressão) é


estar em um estado não usual de consciência. A modalidade de
discernimento e alerta que se tem durante sonhos lúcidos é pouco
comum na sociedade em que vivemos, não é muito frequente. Para a
maioria das pessoas seria um estado de consciência alterado,
modificado.

Para alguns estudiosos, o funcionamento consciente usual, aquele que


a maioria das pessoas possui no estado normal de vigília, não é o único
existente. É o que afirmou Willian James em uma obra conhecida por
muitos ( apud Capra, 2000):

"Nossa consciência normal do estado de vigília - a consciência racional,


como a denominamos - constitui apenas um tipo especial de
consciência, ao passo que, ao seu redor, e dela afastada por uma
película extremamente tênue, encontram-se formas potenciais de
consciência inteiramente diversas" (p. 31, grifo meu).

Além do funcionamento consciente normal da vigília, ou seja, aquele


que se tem quando o corpo físico está acordado, o ser humano
possuiria, em estado latente, outras modalidades de despertar. Essas
modalidades de consciência seriam extra-vígeis, presentes nas horas em
que o homem não estivesse acordado. Obviamente, se não
correspondem à consciência de vigília, tudo indica que James se refere
a uma consciência durante o sono.

Experiências conscientes nas quais se ultrapassa o mundo tridimensional


seriam conhecidas pelos místicos do oriente, os quais "parecem estar
em condições de atingir estados não-usuais de consciência nos quais
transcendem o mundo tridimensional da vida cotidiana de modo a
experimentar uma realidade mais elevada, multidimensional. Assim,
Aurobindo refere-se a ‘uma mudança sutil, que faz com que a vista veja
numa espécie de quarta dimensão’." (Capra, 2000, p. 133, grifo meu). O
mundo tridimensional não seria o único passível de experimentação
consciente. Outros níveis dimensionais também fariam parte da
realidade e poderiam ser acessados pela consciência alterada.
Poderíamos incluir aqui o mundo onírico pelo fato dele não ser

41
tridimensional: seus elementos componentes não possuem, desde um
ponto de vista físico e externo, as características que chamamos
largura, altura e comprimento. As imagens noturnas não podem ser
medidas em centímetros ou pesadas. Entretanto elas são reais pois
estão vivas dentro de nós.

O homem possuiria recursos internos para acessar o que não pode ser
visto, ouvido, tocado e palpado com o corpo físico pois
suas "experiências multidimensionais transcendem o mundo dos
sentidos"(idem, p. 228), ou seja, conduzem ao contato com o que está
além do nosso universo sensorial. As figuras arquetípicas que surgem em
sonhos possuem formas e, algumas vezes, cores. Há, nos sonhos uma
forma de "visão psíquica" que nos permite descrever as características
morfológicas das imagens com as quais sonhamos. Porém, bem
sabemos que esse tipo de visão não pertence aos cinco sentidos
externos. Ela os transcende e, não obstante, ainda assim pertence ao
ser humano pois está presente nos relatos oníricos.

Referindo-se a estados não-usuais de consciência em culturas primitivas,


antigas e aborígenes, Grof nos diz que nelas "existe a idéia de que esta
realidade visível não é a única existente, há outras realidades paralelas
onde existem espíritos, demônios, elementos arquetípicos ou
mitológicos, entidades encarnadas, animais de poder e assim por
diante". Essas culturas não conceberiam como aberrante ou absurda a
idéia de que o mundo fantástico é, à sua maneira, real. Paralelamente
à realidade visível, haveria uma realidade invisível que poderia ser
acessada conscientemente (atente-se para o fato de que o estudioso
está se referindo a estados de consciência e não de inconsciência; ele
não está tratando de processos que se dão sem a presença da lucidez).
Tal realidade corresponderia ao mundo imaginal e poderia abranger
também seu lado onírico pois seria habitada por entes arquetípicos
fantásticos e mitológicos, os quais sempre surgem em sonhos.

Corroborando essa visão, Harnisch (1999, p.7) afirmou que "os índios da
América do Norte consideravam os sonhos como visões de uma outra
realidade, que para eles traçava um paralelo com o seu mundo
desperto. De uma forma parecida compreendiam-se os sonhos na
China. Atribuía-se-lhes uma uma elevada qualidade vivencial e estes
eram vivenciados com uma intensidade tão extraordinária que as
pessoas se perguntavam: qual será pois a verdadeira realidade: o sonho
ou aquilo que que se vivencia no estado de vigília?" (grifo meu)

Nessas culturas, o universo dos sonhos e o universo vígil são paralelos.


Cada um desses universos é real à sua maneira.

Ao empreender uma descida consciente às profundidades do oceano


interior, o homem penetraria em um mundo real, verdadeiramente

42
existente, embora sob outra forma. A esse respeito, Jung (1984)
escreveu:

"É muito difícil acreditar que a psique nada representa ou que um fato
imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência míope a
procura. Ela existe, embora não sob uma forma física. Ë um preconceito
quase ridículo supor que a existência só pode ser de natureza
corpórea [física]. Na realidade, a única forma de que temos
conhecimento imediato é a psíquica. Poderíamos igualmente dizer que
a existência física é pura dedução uma vez que só temos alguma
noção da matéria através de imagens psíquicas, transmitidas pelos
sentidos." (p. 14)

A existência psíquica seria real e válida como a física e talvez até mais.
Conclui-se, por extensão, que adentrar a uma cena onírica
conscientemente é adentrar a um mundo feito de imaginação mas
nem por isso menos verdadeiro. A realidade imaginal interna é paralela
à externa.

Nas já mencionadas culturas antigas e primitivas são "criados espaços


para que (...)[as experiências em estados de consciência não-
usual] possam ser vivenciadas com segurança e métodos para se
desenvolverem com intensidade. Nesses estados alterados de
consciência é que nascem a rica mitologia e a espiritualidade daqueles
povos. Estados não-usuais de consciência são utilizados por culturas
ancestrais para (...) [a realização de] coisas práticas e corriqueiras tais
como encontrar objetos ou pessoas perdidas ou para localizar rebanhos
de animais a serem caçados, inclusive elas desenvolveram cerimônias
para aumentar ainda mais a capacidade de modificar a consciência,
com objetivos bastante práticos." (Grof, 2000, internet). A realidade
invisível seria acessada conscientemente e esse acesso estaria
fortemente ligado ao cotidiano prático e concreto desses povos, os
quais teriam inclusive aperfeiçoado ritos para intensificá-lo e nele
minimizar a exposição a possíveis perigos. A consciência assim alterada
teria uma utilidade no mundo tridimensional: caça e localização de
pessoas perdidas. Ela não serviria a uma fuga da realidade externa mas
a completaria. O universo mítico brotaria de seu seio e por ele os
homens se orientariam.

Entretanto, haveria em nossa cultura uma limitação que a tornaria


avessa a tais experiências e a levaria a tomá-las como estranhas:

"Nós não apenas patologizamos estas práticas como também proibimos


a utilização de substâncias ou cerimônias que possam levar à mudança
de estados da consciência. Por exemplo, dentro da psiquiatria saxônica
não há uma distinção clara entre misticismo e estágios psicóticos. Em
geral, esta diferença de visão de mundos entre as sociedades

43
tradicionais e a nossa sociedade industrial/ocidental é explicada pela
‘superioridade filosófica’ da nossa visão ‘limitada’ de mundo. Depois de
trabalhar 40 anos nessa área do conhecimento, minha opinião sobre
isso é que esta diferença de visão de mundo tem mais a ver com a
enfermidade e com a ignorância da ciência ocidental em relação aos
estados não-usuais de consciência." (idem)

Assim, nossa dificuldade em lidar com esses estados se deveriam a


bloqueios culturais fortes, relacionados com a possessão coletiva por
complexos de superioridade e que exerceria seus efeitos principalmente
sobre a ciência, aliada à uma atrofia ritualística. A incapacidade,
presente na ciência em moldes eurocêntricos, de diferenciação entre a
experiência mística e os estágios psicóticos seria decorrente desse
estado enfermo e da ignorância ocidental com relação a formas de
consciência presentes em culturas antigas, primitivas e orientais e aos
meios de se desenvolvê-las. A ausência de espaço na modernidade
para o cultivo prático e alternativo da consciência teria ocasionado
uma atrofia dos seus estados não-usuais em modo não-patológico e
estabelecido entre nós e outros povos um abismo. Em virtude desse
abismo, não seria possível a correta comunicação de certas
experiências pois os relatos de teor extra-sensorial (tais como aparições
de entes fantásticos ou viagens a outros mundos) seriam vistos por nós
como manifestação de ignorância pura e simples. Ao invés de
considerarmos cuidadosamente tais manifestações desde o mesmo
ponto de vista cultural que as origina, como corresponderia a uma
postura legitimamente científica, imporíamos na abordagem das
mesmas nossa visão de mundo, nos esquecendo de que a realidade
não se adapta aos nossos caprichos teóricos. Seríamos surdos e cegos
para certas experiências psíquicas pelo fato de não as enxergarmos tal
como são mas sim como nos parecem. Ao abordá-las, veríamos nelas
apenas os nossos próprios pontos de vista. A ciência ocidental relutaria
em reconhecer que a espiritualidade é "algo importante e profundo, (...)
parte da psique humana e não apenas uma questão de falta de
educação científica" (ibidem).

Essa confusão a respeito da natureza de certas experiências


conscientes transcendentais preservadas e aperfeiçoadas em outras
culturas através dos séculos se deveria à limitação do alcance do nosso
intelecto:

"Quando se trabalha com estados não-usuais de consciência,


começamos a entender melhor esta confusão e vamos chegar ao que
Jung já havia descoberto há anos: o intelecto é parte da psique e esta
é cósmica, abriga tudo o que existe. Não podemos entender, com o
intelecto, como funciona a psique de uma outra pessoa (...)." (Grof,
2000, internet)

44
A abordagem exclusivamente intelectual seria um obstáculo que
dificultaria a compreensão do funcionamento psíquico de alguém. E,
parece-me, isso é sobremaneira válido no caso desse alguém pertencer
a um contexto cultural completamente adverso ao nosso. Por abrigar
tudo o que existe no universo, a psique precisa ser abordada também
sob prismas não-intelectuais. Isso não significa que o intelecto seja inútil
mas parcial. À abordagem intelectual, dever-se-ia acrescentar outras
que na sociedade atual não são utilizadas. Se buscamos a totalidade,
não podemos aderir teimosamente a apenas alguns instrumentos
cognitivos. Entre as abordagens válidas está a simbólica, com sua via
analógica que nos permite conceituar e expressar intelectualmente
aquilo que é inacessível à mente racional. A metáfora é a ponte entre o
compreensível e o incompreensível e nos permite a comparação. Uma
demonstração analógica torna o obscuro menos incompreensível.

Para Jung (1984) a extroversão excessiva dos dias atuais levaria a uma
negligência para com os acontecimentos internos, inclusive dentro da
ciência. Ele nos diz que o"preconceito, muito difundido, contra os
sonhos, é apenas um dos sintomas da subestima muito mais grave da
alma humana em geral. Ao magnífico desenvolvimento científico e
técnico de nossa época, correspondeu uma assustadora carência de
sabedoria e introspecção. É verdade que nossas doutrinas religiosas
falam de uma alma imortal, mas são muito poucas as palavras amáveis
que dirige à psique humana real; esta iria diretamente para a perdição
eterna se não houvesse uma intervenção especial da graça divina.
Estes importantes fatores são responsáveis em grande medida – embora
de forma não exclusiva – pela subestima generalizada da psique
humana." (pp.18-19). Embora tivéssemos grande desenvolvimento
técnico, teríamos grande atraso introspectivo. Haveria uma aversão
bem difundida contra as viagens do ego às vastidões profundas do si
mesmo e isso decorreria da ignorância a respeito da natureza da alma.
Nem mesmo as nossas religiões seriam capazes de preencher essa
lacuna. Haveria uma subestima da psique e um preconceito contra os
sonhos. Os sonhos lúcidos não seriam, portanto, cultivados ou vistos com
bons olhos em nossa sociedade.

Entretanto, nos dias atuais a ciência estaria se abrindo para a


possibilidade de se desligar a consciência dos órgãos sensoriais externos
e transpô-la para além dos mesmos, mas essa abertura seria ainda
incipiente (Grof, 2000):

"A tanatologia vem estudando casos de cegueira congênita, em que as


pessoas que viveram experiências fora do corpo descrevem o que
acontece na sala de operações ou em outros locais e, quando voltam,
descrevem o que viram, as explicações são confirmadas, só que
quando retornam ao corpo físico, continuam cegas como antes. Estas

45
experiências continuam sendo negadas pela comunidade
científica." (grifo meu)

As pessoas investigadas seriam cegas. Não teriam, portanto, o poder da


visão externa mas, durante cirurgias, visualizariam os acontecimentos da
sala de operações em que estavam e até acontecimentos fora dela e
isso seria passível de confirmação. As imagens obtidas sem o recurso dos
olhos seriam comparadas às realidade visível e haveria uma
correspondência entre ambas: de alguma maneira os pacientes
saberiam o que se passava nas imediações. O fato dessa percepção
não-usual acontecer em salas de operações sugere que a pessoa
estaria dormindo ou desmaiada experienciando, provavelmente, uma
modalidade não-usual de sonho.

Algumas pessoas com maior aprimoramento intelectual seriam


especialmente sensíveis a ponto de perceberem outras realidades
conscientemente. A experiência que Grof teve "principalmente com
pessoas que têm grande treinamento científico e filosófico e que têm
Q.I. muito desenvolvido, (...)[foi] que estas, quando em trabalho com
estados não-usuais de consciência, entram em contato com
experiências espirituais e místicas. E elas, não podendo negar a
realidade espiritual, começam a se interessar pelas tradições místico-
religiosas, tanto no oriente quanto no ocidente." (ibidem, grifo meu).
Não seriam apenas pessoas pertencentes a culturas ágrafas ou
"atrasadas" que experienciariam conscientemente as realidades
paralelas, entre as quais podemos incluir a dimensão onírica. Isso
parece reforçar ou sugerir a idéia de que o funcionamento consciente
que consideramos não-usual é arquetípico e está latente mesmo nas
pessoas ocidentais e intelectuais. Para que ele se desenvolvesse,
precisaria ser contatado e ativado. O aperfeiçoamento científico-
filosófico e a inteligência não o excluiriam. O que o excluiria seria o
preconceito, o qual resultaria em negligência e impediriam o seu
cultivo. Não obstante, o próprio Grof, um cientista que teve formação
materialista em um país do leste europeu, afirmou transcender
conscientemente os limites do corpo físico sob efeito do LSD. Referindo-
se a uma experiência feita na clínica em que trabalhava, o estudioso
relatou:

"Quando estava no ponto máximo do experimento, no ponto mais


intenso do efeito daquela substância, eles me chamavam, para que se
fizesse a experiência do monitoramento das [minhas] ondas cerebrais.
Deitado com uma luz estetoscópica na minha frente, de repente me
senti como que no meio de uma explosão atômica. Hoje analiso que o
que eu vivi mesmo, naquele momento, foi a luz inicial da minha
consciência, que foi catapultada para fora do meu corpo... e em um
instante ‘eu’ saí da clínica, saí de Praga e saí para fora do planeta.
Minha consciência era o reflexo de tudo que existia no universo. E

46
aumentando a intensidade da experiência com o aparelho, fui
voltando ao meu corpo físico."(ibidem)

Esta experiência apresenta conteúdos semelhantes aos de certas


experiências em meditação e de um sonho tido pelo próprio Jung
(1963) no qual ele nos relata ter voado até deixar o planeta Terra e vê-lo
das alturas. É interessante notar que a experiência de Grof apresenta o
abandono temporário das percepções sensoriais corporais pela
consciência, pois do contrário a mesma não poderia ter sido lançada
para fora do corpo físico, da clínica e da capital da antiga
Tchecoslováquia. Ser lançado para fora de algo é deixá-lo e, por isso,
entendo que a consciência deixou as funções sensoriais externas do
corpo físico. Obviamente, isso não seria possível sem que este, no
decorrer da experiência, perdesse o estado vígil. Caso contrário não se
diria que a consciência "saiu do corpo".

Quando dormimos em situações comuns, sem recursos químicos


adicionais, e adentramos às regiões oníricas, as percepções externas
cessam, nos casos em que não há sonambulismo, do mesmo modo que
na experiência de Grof. Evidenciamos, assim, que o abandono do
corpo físico pela consciência é um ponto comum às experiências
mencionadas. Quando adormecemos, deixamos de perceber muitas
coisas que se passam conosco: que estamos deitados, mal
posicionados, que temos saliva escorrendo pela boca, que roncamos
etc. Provavelmente, ninguém negaria que durante o sono as funções
sensoriais externas ficam muito reduzidas e que na morte elas param. O
relato de Grof parece ser um caso de experiência onírica consciente
sob o efeito da droga.

Essa atuação da consciência dentro do sonhos e relativamente


desligada dos sentidos corporais pode irromper durante certos
pesadelos (Sanford,1988):

"A participação da consciência num sonho é responsável pelo fato de


as pessoas dizerem às vezes que despertam dos sonhos pela própria
vontade, especialmente quando se tornam aterrorizadores. Às vezes
ouvimos das pessoas: ‘Eu disse para mim mesmo para despertar, e o
fiz’." (p. 56)

Essas pessoas diriam a si mesmas, principalmente durante sonhos


terríveis, que deveriam despertar e usariam isso como recurso para sair
da cena onírica indesejável. Para que o ego chegue ao ponto de dizer
isso para si mesmo, é preciso que ele tenha o discernimento de que está
dormindo. Ninguém afirmaria que precisa acordar se não
compreendesse que sonha.

47
Essa modalidade especial de consciência seria uma variante da
capacidade de interferir conscientemente no conteúdo dos sonhos,
programando-os previamente. Isso facultaria ao ego a chance de
modificar sua forma de reagir ao contato dos elementos oníricos, desde
que este não tentasse impor seus caprichos ao inconsciente. Ao
modificar as reações no sonho, a pessoa poderia adquirir experiências
novas:

"Uma das variações do sonhar programado chama-se ‘sonhar com


lucidez’. Convida-nos a nos tornarmos ‘despertos’ no sonho ou, por
outras palavras, a sermos capazes de reconhecer, no sonho, que
estamos sonhando. Dizem que isso nos capacitaria a redirecionar nossos
sonhos. Se conseguirmos fazê-lo no sentido que quisermos, ou se formos
capazes de dar ao sonho um final agradável ou favorável, no meu
modo de pensar, isto seria uma grande perda(...). Contudo, se esse
‘estado de vigília’ for utilizado com o objetivo de termos oportunidade
de mudar nossas reações no sonho e podermos escolher outras
respostas [e não apenas as mesmas de sempre, aquelas nas quais nos
mecanizamos e às quais estamos apegados], o assunto já é diferente.
Nesta hipótese, teríamos uma forma de ‘imaginação atuante’, o que
seria [um] processo auxiliar (...)[na interação com os conteúdos
psíquicos que estão se expressando e personificando durante o sonho].
Há grande diferença entre tentar manipular o inconsciente para
adaptá-lo à nossa fantasia e alterar as respostas de nosso ego de
acordo com o que está acontecendo em volta, e devemos nos lembrar
e aproveitar essa distinção." (grifo meu, idem, p.57)

A lucidez no decorrer do sonho deveria ser aproveitada, isto é,


explorada. Ela seria um fator auxiliar no processo de auto-
conhecimento, desde que o ego a utilizasse corretamente ao invés de
impor ao sonho os seus caprichos.

No nível psíquico profundo, seria possível até mesmo transcender


conscientemente o nível pessoal e experimentar-se como parte da
mitologia dos povos ou confundir-se com a força criadora da natureza:

"Em estado transpessoal você pode ser qualquer tipo de experiência,


entre ficar com o ego - a identidade- até o princípio criador. Podemos
nos experienciar como seres mitológicos ou em níveis mitológicos de
consciência - onde o ser humano é definido como um campo de
possibilidades sem limites." (Grof, 2000, internet, grifo meu).

Haveria a possibilidade de nos experimentarmos conscientemente num


nível mitológico: sermos unos com os heróis lendários e ao mesmo
tempo sabermos que estamos experimentando isso. Um nível mitológico
de consciência é um estado psíquico no qual somos conscientemente
uma figura mitológica.

48
Possuiríamos vários níveis conscientes em nosso interior e estes poderiam
ser conhecidos particularmente pelo homem que "olha para dentro e
explora a sua consciência em seus vários níveis"(Capra, 2000, p. 227). A
existência de vários níveis de consciência dentro do homem e a
possibilidade de acesso a eles significaria que não apenas uma
modalidade de consciência, a do estado normal de vigília, seria a
realmente existente em nós mas haveria outras e estas seriam
conhecidas há muito tempo pelos orientais. Seus místicos "exploraram,
através dos séculos, vários modos de consciência e as conclusões a que
chegaram são, com frequência, radicalmente diferentes das idéias
sustentadas no ocidente" (idem, p. 225).

Deste modo, o nível onírico, que corresponde às camadas mais


profundas da psique, poderia apresentar funcionamentos conscientes,
faculdade não exclusiva do ego vígil.

De acordo com esses estudiosos, haveria uma realidade invísivel: a do


mundo imaginal. Ela estaria fora do universo consciente imediatamente
acessível ao ego durante o estado normal da vigília mas poderia ser
atingida fora dele, sob condições especiais nas quais o funcionamento
da consciência fosse alterado.

49
REFERÊNCIAS

CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: um paralelo entre a física moderna e o


misticismo oriental.(The Tao of Physics: An Exploration of the Parallels
Between Modern Physics and Eastern Mysticism). Trad. de José
Fernandes Dias. Edição 19-22. São Paulo, Cultrix, 2000.

GROF, Stanislav. Estados não usuais de consciência. Palestra e


depoimento dado ao site Quiron. www.quiron.com.br/ciência.htm.
Reprodução via internet em novembro de 2000.

HARNISCH, Günter. Léxico dos Sonhos: mais de 1500 símbolos oníricos de


A a Z interpretados à luz da psicologia. (Das Grosse Traumlexikon: Über
1500 traumsymbole von A bis Z psychologisch gedeutet).Trad. de Enio
Paulo Gianchini. Quinta edição. Petrópolis, Vozes, 1999.

JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos e Reflexões. (Memories,Dreams


and Reflections, 1963)Trad. de Dora Ferreira da Silva. Vigésima Primeira
Impressão. Editora Nova Fronteira.

JUNG, C. G. Psicologia e Religião (Zur Psychologie westlicher und


östlicher Religion: Psychologie und religion). Trad. de Pe Dom Mateus
Ramalho Rocha. Segunda edição. Petrópolis, Vozes, 1984.

SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing).


Trad. de José Wilson de Andrade. Terceira edição. São Paulo, Paulus,
1988.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/o-estado-nao-usual-
da-consciencia-extra.html

50
O que é uma experiência onírica consciente?

Por Cleber Monteiro Muniz em 25/08/2001

Uma experiência onírica consciente é um tipo especial de sonho:


aquele no qual a pessoa que dorme compreende que está sonhando.

Também conhecida como sonho lúcido, a experiência onírica


consciente (E.O.C.) vem sendo cultivada em muitas culturas ao longo
da história. Os povos antigos, primitivos e orientais, bem como certos
grupos religiosos atuais, desenvolveram muitas formas de alcançá-la.

Normalmente, o ego sonhador não sabe que sonha e toma as cenas


oníricas como se fossem do mundo exterior. Em um sonho lúcido, essa
confusão não existe.

A consciência humana tem o poder de despertar intra-oniricamente, ou


seja, de fazer com que acordemos dentro de um sonho.

Aqui, a palavra "sonho" é usada para designar as vivências que temos à


noite, enquanto estamos dormindo na cama, e das quais algumas
vezes nos lembramos quando acordamos pela manhã. Não estaremos
utilizando essa palavra como sinônimo de "devaneio","ilusão" ou "algo
que não existe" mas para designar o contato direto com o mundo
imaginal.

Todos temos um mundo interno, feito de imaginações, anelos e desejos.


Esse mundo interno é psíquico e energético. Não é denso e fixo como o
mundo externo porém é, à sua própria maneira, concreto e real.

Quando adormecemos, as percepções do mundo exterior cessam e


adentramos ao nosso reino interior. As vivências nesse reino são os
chamados sonhos.

Infelizmente, quase sempre viajamos através do mundo onírico


inconscientemente e não percebemos que estamos em um mundo
paralelo ao vígil.

Quando aprendemos a exercitar corretamente a nossa consciência,


isto é, o fator psíquico que nos permite prestar atenção e nos manter
em alerta natural, podemos viajar pelos mundos interiores com plena
lucidez. Isso é muito melhor do que ter alucinações por drogas ou por
indução hipnótica.

A consciência educada para manter a lucidez durante o sono nos


proporciona vivências e sensações incríveis:

51
1) Podemos assimilar informações depositadas em nosso inconsciente e
passar por experiências arquetípicas. Temos muito conhecimento
depositado no inconsciente. A consciência intra-oniricamente desperta
pode trazer esse conhecimento à existência vígil.

2) O medo da morte diminui. O espectro da morte é resignificado


quando nos descobrimos íntegros e vivos enquanto nosso corpo físico
dorme na cama.

A experiências oníricas conscientes são, antes de tudo, experiências


humanas. Algumas vezes assumem a forma de experiências religiosas ou
esotéricas mas, antes disso, são experiências psicológicas. Por esse
motivo, nenhum cientista deve ter preconceito com relação às mesmas
e nem rechaçá-las.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-o-que-
e-uma-experiencia.html

52
A realidade do mundo dos sonhos nos tempos antigos
e hoje
(cap. I de "A Experiência Onírica Consciente: Viagens da Consciência ao Mundo dos
Sonhos" – monografia apresentada para conclusão do curso de especialização em
Abordagem Junguiana pela COGEAE da PUC-SP em 2001 e orientada pela
Profa Dra Noeli Montes Moraes)

04 de abril de 2001

Por Cleber Monteiro Muniz

Nos tempos antigos, os sonhos eram considerados como a expressão de


um mundo verdadeiro e diferente deste. O mundo espiritual era visto
como importante e real, ao contrário do que ocorre hoje. As visões
oníricas eram tomadas como o contato do homem com a dimensão
desconhecida de sua existência. Disso decorria a grande importância
atribuída aos sonhos nas culturas antigas e confirmada por Sanford
(1988) ao abordar a questão da depreciação nos dias atuais:

"(...) enquanto nosso tempo ignora e despreza o assunto dos sonhos, nos
tempos antigos eles eram muito mais valorizados. Tanto quanto
conheço, não existe nenhuma cultura antiga na qual os sonhos não
fossem vistos como extremamente importantes." (p.12)

Ao contrário do que ocorre na cultura moderna, na qual não se presta


atenção cuidadosa aos sonhos e se os considera desprezíveis, o homem
antigo atribuía importância extrema às experiências oníricas. Essa
valorização demonstra que eram entendidos como portadores de
alguma forma de realidade pois do contrário não seriam tomados em
tamanha consideração. Não se dá importância ao que não existe. Até
mesmo uma mentira ou um boato precisam existir, ainda que seja sob a
forma de uma idéia vaga na cabeça de alguém, para que se dê a eles
alguma importância.

Os comportamentos irracionais do homem, presentes ainda no mundo


de hoje, seriam, para os primitivos, sinais da existência de uma realidade
espiritual que envolveria forças que os ultrapassavam. Tais forças,
incompreensíveis, moveriam os seres humanos e os arrastariam a
comportamentos subversores do controle consciente, sendo, além disso,
parte de um universo invisível e poderoso mas acessível por meio dos
sonhos, nos quais também irromperia. O mundo espiritual manifestado
em sonhos possuiria uma forma específica de realidade que seria
sinalizada pelo comportamento humano irracional. Haveria ligação
entre o ato de nos comportarmos como se estivéssemos possessos e os
sonhos pois um seria sinal do outro:

53
"O comportamento humano não é racional e a humanidade se
comporta em todo o mundo como se fosse possessa. Para o homem
primitivo tudo isso era sinal óbvio darealidade do mundo espiritual que
lhe aparecia nos sonhos. (...) Persistimos em nosso materialismo
racionalista, sob a ilusão de que somos racionais e os outros não. Se há
distúrbios em nossos sentimentos e em nossa afetividade, atribuímos a
causa ao que os outros nos fazem e continuamos pensando que só tem
sentido o que nos parece lógico e racional, que só é real o que vemos,
ouvimos, cheiramos, tocamos e provamos. Os sonhos tem sentido, mas
um sentido que não é lógico. São muito reais, mas sua realidade não é
apreendida por nenhum dos sentidos do nosso corpo." (idem, p. 14,
grifos meus)

Nos dias atuais, acreditamos que aquilo que não compreendemos não
existe. Segundo essa forma de pensar, a existência não possuiria um
aspecto desconhecido, um lado não entendido; o incompreensível
seria inexistente. Levada ao extremo, tal idéia nos leva a crer que
sabemos tudo, que não há mistérios. Trata-se de uma violenta inflação
egóica. Em decorrência dessa inflação, rechaçamos o mundo dos
sonhos enquanto modalidade especial de realidade por não
compreendê-lo. Nosso ceticismo arbitrário não nos permite aceitar a
existência daquilo que não conseguimos compreender através dos
cinco sentidos. Esses são os únicos instrumentos que sabemos usar em
nossos processos de cognição. Ignoramos que o problema está em nós
e não no mundo onírico e que temos uma consciência adormecida e
medíocre que nos impede de experimentar outras realidades. Não
colocamos atenção sincera na limitação dos nossos sentidos usuais.
Não percebemos os sonhos diretamente pelos órgãos sensoriais externos
e, por isso, pensamos que eles não existem, nos esquecendo de que a
realidade possui níveis ou facetas usualmente não-sensoriais. Em tais
condições, tudo se passa, para nós, como se o usualmente não-
sensorial fosse o nada. Se isso fosse verdade, não haveria um espectro
contendo sons inaudíveis e feixes luminosos invisíveis ao olho nu,
detectáveis apenas recentemente com o uso de equipamentos
modernos.

Nem mesmo a religião conseguiu ampliar nossa consciência na direção


de captar mais diretamente as realidades internas, apesar de
aparentemente se posicionar contra o arbitrário ceticismo reinante. A
igreja " já poderia nos ter resgatado dessa filosofia materialista e
arrogante, se ela mesma não tivesse renegado suas próprias tradições
e, como tudo o mais, sucumbido ao materialismo racionalista dos nossos
dias.(...) Ao enfatizar a vida da instituição mais do que a da alma,
deixou de lado os sonhos.(...) Foi o que minou a base da vida espiritual
da igreja, expondo-a ao mesmo materialismo e racionalismo que ela
combatia e que se estendeu pelo mundo inteiro. A igreja preferiu
ignorar o fato de que a rejeição aos sonhos ia contra a visão contida na

54
bíblia e no cristianismo primitivo." (ibidem, p.14). O significado que o
mundo dos sonhos possui para os religiosos de hoje seria
completamente estranho às comunidades cristãs do século I. Ao
rechaçá-lo, nossa igreja teve suas bases espirituais minadas. A vitalidade
espiritual perdeu seu alicerce.

Certos sonhos que servem de fundamento às experiências religiosas


possuem impressões de realidade tão impactantes que chegam ao
ponto de aterrorizar o sonhador. Eles "parecem carregados, de modo
especial, com energia psíquica. São os sonhos chamados ‘numinosos’.
A palavra vem do latim numen, que significa a divindade ou a força
espiritual atuante. Dizemos que experimentamos algo numinoso quando
isso parece nos levar a participar da natureza de uma realidade
espiritual diferente, que existe para além de nossa natureza pessoal. (...)
A santidade de Deus é a própria numinosidade. [Rudolf] Otto enfatiza
que, diante do Deus de Israel, o homem sente temor, admiração, horror,
enfim, sente o ser próprio de criatura. A numinosidade constitui a
matéria-prima da experiência religiosa." (Sanford, 1988, pp. 33-34, grifo
meu). Experiências oníricas numinosas nos dão a sensação de participar
de uma realidade transpessoal. Sentimos estar em contato com algo
verdadeiro que está além de nós mesmos e nos ultrapassa.
Obviamente, a experiência não provocaria terror se o seu conteúdo
não fosse tomado como real.

Segundo a Bíblia, a realidade transcendente se revela ao homem


durante as horas do sono, embora ele não perceba:

"(...)Deus fala de um modo, sim, de dois modos mas o homem não


atenta para isso.

Em sonho ou em visão de noite, quando cai o sono profundo sobre os


homens, quando adormecem na cama, então lhes abre os ouvidos e
lhes sela a sua instrução, para apartar o homem do seu desígnio e livrá-
lo da soberba; para guardar a sua alma da cova e a sua vida de passar
pela espada." (Jó 33. 14-18, grifo meu)

Deus instrui o homem dentro do mundo onírico e torna-o receptivo à


Sua instrução. Ele o protege e o ajuda a evitar a morte e a espada do
inimigo. Isso não seria possível se mundo dos sonhos fosse tomado como
irreal.

Na autobiografia do filósofo e teólogo persa Al-Ghazzali, do século XI, a


realidade dos sonhos chegava a ser vista como a de um estado similar
ao de Deus e fornecer o dom da profecia. Ele considerava que "Deus
aproximou o profetismo dos homens ao dar-lhes um estado análogo a
Ele em seus caracteres principais. Esse estado é o sono. Se dissésseis a
um homem sem nenhuma experiência com um fenômeno dessa

55
natureza que existem pessoas capazes, em dados momentos, de
desmaiar de modo que pareçam mortas e que [nos sonhos] ainda
percebam coisas que estão ocultas, ele o negaria [e exporia suas
razões para isso]. Não obstante, suas alegações seriam refutadas pela
experiência real." (apud James, 1995, p. 253)

Além de real, o mundo dos sonhos era visto como tendo conexões com
o mundo externo. Uma relação de correspondência dessa natureza
pode ser encontrada em um relato de Enoch, infelizmente depreciado
pela Igreja e pouco divulgado, a respeito dos momentos que
antecederam sua viagem através dos sete mundos celestes:

"No primeiro dia do primeiro mês, estava eu sozinho em minha casa


descansando no meu leito, quando adormeci.

E quando estava adormecido, uma grande tristeza tomou conta do


meu coração e chorei durante o sono, e não podia entender que
tristeza era aquela ou o que iria acontecer-me.

E então me apareceram dois homens, extraordinariamente grandes,


como eu nunca vira antes na Terra; suas faces resplandeciam como o
sol, seus olhos eram como uma chama e de seus lábios saía um canto e
um fogo variados, de cor violeta na aparência; suas asas eram mais
brilhantes do que o ouro, suas mãos mais brancas do que a neve.

Eles estavam em pé, na cabeceira do meu leito e puseram-se a


chamar-me pelo nome.

Acordei e vi claramente aqueles dois homens, de pé, na minha frente."

(O Livro dos Segredos de Enoch 1:4-8)

Os homens que Enoch viu no sonho estavam na cabeceira de sua


cama. Ao acordar, ele diz ter visto os mesmos homens à sua frente. De
acordo com o relato, parece haver ocorrido uma sincronicidade: ele
sonhou com algo que posteriormente aconteceu no mundo externo. Os
mesmos homens vistos por Enoch durante o sonho eram os que estavam
em pé próximo à sua cama quando ele acordou.

Um contato com o mundo espiritual na ausência da vigília pode ser


encontrado em uma revelação de Isaías. O profeta teve uma visão
durante a qual perdeu os sentidos externos. Ele se manteve em silêncio
e foi dado como morto pelos que o observavam:

"E enquanto Isaías falava sob a inspiração do Espírito Santo, e todos o


escutavam no mais profundo silêncio, o seu espírito foi elevado acima
dele mesmo, e ele não mais enxergou os que estavam em pé diante
dele.

56
"E seus olhos permaneciam ainda abertos, mas a sua boca não proferia
mais palavras, e o seu espírito foi levado acima dele mesmo.

Ele, no entanto, vivia ainda; mas estava imerso numa visão celeste.

E o anjo que lhe fora enviado para revelar-lhe esta visão não era um
anjo deste firmamento, nem um desses anjos gloriosos deste mundo: era
um anjo descido do sétimo céu.

E o povo que lá se encontrava com a assembléia dos profetas


acreditou que a vida de Isaías tinha-lhe sido subtraída.

E a visão do santo profeta não foi deste mundo aqui, mas uma visão do
mundo misterioso no qual não é permitido ao homem penetrar."

(O Livro da Ascensão de Isaías 6: 10-15)

De acordo com o escrito, nos momentos em que os olhos de Isaías


deixaram de captar as pessoas à sua frente, ele tinha uma visão de
outro mundo, misterioso e impenetrável. Seus olhos se mantiveram
abertos durante o contato, um possível indicador de que seu estado era
o de um sonâmbulo ou algo semelhante. O fato do povo reunido julgá-
lo sem vida é um indicador de que certas funções corporais típicas de
quem esta vivo, como o movimento e a fala, haviam sido suspensas
(cadáveres normalmente não se movem). O estado do seu corpo não
era vígil uma vez que não havia consciência desta realidade externa. A
mesma ausência de consciência ocorre no sono usual, no
sonambulismo, no desmaio, na meditação, no transe ou no coma: em
todos esses estados o funcionamento das exopercepções é
interrompido e o corpo desfalece. Entendo que sua consciência deixou
o mundo externo e penetrou na dimensão onírica ou fez algo muito
próximo disso, pois o profeta não dava sinais de estar acordado. O
universo onírico existe paralelamente ao físico sob a forma psíquica (os
mundos interno e externo são simultâneos e paralelos) e, em geral,
quando se abandona um se vai para o outro. Em todo caso, o mundo
acessado nessa experiência foi considerado real, o que favorece a
afirmação de que os antigos não depreciavam a realidade interior.

Como se vê, os estados em que a consciência deixava o corpo físico


eram a ponte para a realidade espiritual. As experiências que se tinha
durante o sono funcionavam como portas ou "portais", através dos quais
o homem poderia contatar outras realidades, distintas da usual. O
universo além dos limites do estado vígil não era considerado irreal ou
visto como algo que tivesse uma existência vaga e ilusória. O fato de ser
tratado como uma forma de manifestação divina demonstra que esse
mundo era tomado em consideração seriamente.

57
A experiência mística era obtida enquanto se dormia. E nesse estado se
poderia obter a autoridade de quem teve uma revelação de Deus.
Uma autoridade de tal natureza, proporcionada pela experiência
religiosa profunda, pode, segundo Willian James (1995,) chegar a
destruir as bases da formal concepção lógico-racional de realidade
pois os"estados místicos, quando bem desenvolvidos (...) quebram a
autoridade da consciência não mística ou racionalista, que se baseia
apenas no intelecto e nos sentidos. Mostram que esta não passa de
uma espécie de consciência. Abrem a possibilidade de outras ordens
de verdade nas quais, na medida em que alguma coisa em nós
responda vitalmente a elas, possamos continuar livremente a ter fé." (p.
263, grifo meu). Para ele, há várias formas de consciência que dão
acesso a vários tipos de realidades e a religiosa, aquela que se tem nos
estados místicos, seria uma delas. Deste modo, as experiências religiosas
possuiriam um fundamento real, peculiar ao tipo de consciência que lhe
corresponde, e não falso. Foi o que ocorreu com Enoch e Isaías, que
tiveram experiências religiosas em estado extra-vígil e autênticas à sua
maneira, desde um ponto de vista espiritual.

Atualmente, a valorização dos sonhos parece estar retornando. O


ceticismo arbitrário, aquele que está fixo na dúvida gratuita e busca
adaptar os fatos à teoria (que seria melhor definida como crença) e aos
métodos ao invés de adaptar estes últimos às evidências, está
retrocedendo e a realidade do mundo onírico sendo levada em
consideração. Sanford (1988) entende que hoje a ciência está
investigando com mais cuidado e seriedade os desafios cognitivos que
lhe são lançados pelos sonhos:

"Atualmente, estamos nos aproximando da mudança. Durante o século


XX, o sonho volta a se tornar objeto válido de estudo e investigação. E
temos, por exemplo, as pesquisas sérias relativas ao sono e aos sonhos
que começaram a ser feitas depois da Segunda Guerra Mundial." (p.15)

Compreender a importância de explorar o mundo dos sonhos ao invés


de esquivar-se ingenuamente dos problemas postos por ele é ampliar as
fronteiras da ciência. É também aproximar-se mais da visão de Isaías,
Enoch, Jó, dos povos ágrafos atuais e das culturas antigas e "pagãs",
recuperando as bases verdadeiramente espirituais do cristianismo
primitivo, descartadas pela igreja.

A idéia de um mundo interior real é compartilhada por Saiani (2000)


para quem o pressuposto de que a "realidade objetiva" e o "puramente
subjetivo" diferem é preconceituoso uma vez que a realidade abrange
eventos físicos e psíquicos. Levada adiante, isso significa que existem
objetos psíquicos assim como existem objetos físicos e que nem sempre
o psíquico é subjetivo.

58
Além disso, Jung (1986) entendia que o eu está contido em um mundo,
que esse mundo era a alma e que seria razoável atribuir-lhe a mesma
validade que se atribui ao mundo empírico uma vez que ela possui
tanta realidade quanto ele. Segundo seu pensamento, a psicologia
deveria reconhecer que o físico e o espiritual coexistem na psique e
que, por razões epistemológicas, esse par de opostos foi cindido pelo
homem ocidental.

Dentro do homem há um universo verdadeiro, feito de imaginação, que


se faz notar incessantemente por meio de pensamentos, sentimentos,
recordações e dos sonhos, quando então se faz mais espesso e tangível.
Esse mundo no qual a ciência está penetrando aos poucos, pertence a
uma dimensão desconhecida do espírito humano. Nós a chamamos de
inconsciente porque não temos, usualmente, contatos conscientes e
diretos com ela:

"(...)eis uma teoria básica sobre os sonhos: originam-se em outra


dimensão de nossa personalidade a qual, pelo fato de não termos
consciência da mesma, é chamada de inconsciente." (Sanford, 1988,
p.29, grifo meu)

Além desta dimensão em que vivemos durante a vigília, há outra: a


dimensão do inconsciente. As regiões de onde os sonhos provém
parecem ainda ser pouco acessíveis à investigação científica no nosso
atual estágio de desenvolvimento. Entretanto, a consideração séria dos
mesmos enquanto realidade passível de estudo livre e dos relatos de
pessoas que realizam viagens oníricas conscientes (sonhos lúcidos) pode
abrir novas portas nesse campo e ajudar a dissipar nossa ignorância,
além de ocupar um espaço que de outra forma poderia ser destinado
ao charlatanismo e às mistificações irresponsáveis.

Referências bibliográficas:

JAMES, William. As Variedades da Experiência Religiosa: Um Estudo sobre


a Natureza Humana. (The Varieties of Religious Experience). Trad. de
Otávio Mendes Cajado. Décima edição, 1995. São Paulo, Cultrix.

JUNG, C.G. & Wilhelm, R. (organizadores). O Segredo da Flor de Ouro:


Um Livro de Vida Chinês. Trad. de Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza
Appy. Terceira edição. Petrópolis, Vozes, 1986.

O Livro da Ascensão de Isaías. In TRICCA, Maria Helena de Oliveira (org.


e comp.). Apócrifos : Os Proscritos da Bíblia. Edição de 1995. São Paulo,
Mercúrio, 1992.

59
O Livro de Jó. In: A Bílblia Sagrada: O Antigo e o Novo Testamento. Trad.
de João Ferreira de Almeida. Segunda edição. Barueri, Sociedade
Bíblica do Brasil, 1993.

O Livro dos Segredos de Enoch (II Enoch). In TRICCA, Maria Helena de


Oliveira (org. e comp.). Apócrifos : Os Proscritos da Bíblia. Edição de
1995. São Paulo, Mercúrio, 1992.

SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma análise da relação


professor/aluno. Primeira edição. São Paulo: Escrituras, 2000.

SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing).


Trad. de José Wilson de Andrade. Terceira edição. São Paulo, Paulus,
1988.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/realidade-do-mundo-
dos-sonhos-nos.html

60
Um paralelo entre os estados meditativo e onírico
consciente
7 de fevereiro de 2002.

Por Cleber Monteiro Muniz

Podemos traçar um paralelo entre os estados oníricos conscientes e os


estados conscientivos alcançados na meditação por meio das técnicas
de relaxamento e concentração desenvolvidas nas culturas antigas e
orientais.

Na meditação há repouso do mesmo modo que nos sonhos lúcidos.


Entretanto, o repouso e relaxamento no primeiro caso são muito
profundos, superiores aos do sono usual. De acordo com o pediatra e
acupunturista Norvan Mantinho Leite (em Morais, 2001, p. 74, grifo meu),
idealizador da sala de meditação do Hospital do Servidor Paulistano, a
meditação proporciona um descanso maior do que o que desfrutamos
à noite em situações comuns:

"Um homem dormindo consome seis vezes mais oxigênio do que


meditando.(...) Os batimentos cardíacos diminuem e aumentam no
cérebro as ondas alfa e teta, associadas ao relaxamento."

O consumo de oxigênio e o ritmo cardíaco sofrem diminuições que


ultrapassam os níveis do sono comum. Morais (idem) afirma que um
homem que medita tem um repouso mais profundo do que quando
dorme:

"Os benefícios da meditação começam pelo repouso corporal, que


durante o período de concentração é superior ao do sono." (grifo meu)

Verifica-se, assim, que a meditação vai além do sono usual que se


refere ao repouso do corpo físico, ao descanso. Não há meditação sem
esse repouso. O corpo precisa adormecer na prática. Por essa razão
não vejo problema em categorizá-la como um supersono, altamente
reparador. Logo, sendo o repouso da meditação um sono mais
profundo, entendo que as experiências que se tem durante essa prática
podem ser qualificadas como oníricas, uma vez que as temos enquanto
o corpo físico dorme.

O momento presente é o objeto da atenção na meditação. Segundo o


diretor da clínica de redução do estresse do Centro Médico de
Massachusetts, Jon Kabat Zinn, durante sua prática, a pessoa toma
consciência do que se passa no agora ao invés de permitir que os
pensamentos fiquem presos ao ontem ou ao amanhã:

61
"A mente agitada está sempre fixada no passado ou no futuro ao passo
que meditar é concentrar-se no presente." (em Morais, 2001, p. 74 )

À medida em que o repouso corporal atinge níveis progressivamente


mais profundos, a lucidez do que se passa no agora se torna maior. Ao
conectar-se com o presente, a consciência se torna desperta e se dá
conta da realidade imediata na qual está inserida. Alcançar esse
estado particular de lucidez durante a meditação é experimentar uma
forma de sono profundo do corpo físico no qual há uma aguda
vivência consciente do presente vivenciado. E esse presente, no caso
do repouso corporal ter atingido a profundidade do sono, é onírico, ou
seja, é a realidade do agora que está se dando dentro de um sonho.
Sendo a meditação uma modalidade transcendental e profunda de
sono físico, suas visões podem ser qualificadas como sonhos lúcidos pois
neles há uma percepção direta do momento imediato, requisito
indispensável para se compreender que não se está no mundo externo.
A chave para adquirir a lucidez e a compreensão de que se está fora
do mundo físico é a atenção sobre a realidade que está se
processando concretamente neste instante. Kornfield (1995, p. 160)
considera que "penetrar no momento presente é a primeira entrada nos
domínios espirituais pois estes não estão nem no passado e nem no
futuro. O passado é mera lembrança e o futuro pura imaginação. O
presente fornece a porta de entrada em todos os reinos da consciência
que estão além das nossas atividades cotidianas normais. Estar aqui
exige uma fixação da mente, uma concentração e uma atenção. É a
velha frase dos cassinos de Las Vegas: ‘Você tem de estar presente
para ganhar.’ Você tem que estar no cassino assim como deve estar
presente na sua prática de meditação." (grifo meu)

Similarmente, o reconhecimento do teor onírico de uma experiência é


feito dentro do próprio sonho, nos instantes exatos em que ele está
ocorrendo em nosso mundo interior e não fora dele, em outros
momentos. Há um presente vígil e um presente onírico, o qual é vivido e
reconhecido durante o sonho lúcido. O reconhecimento ocorre quando
estamos conscientemente presentes à cena experimentada ao mesmo
tempo em que o corpo físico repousa profundamente no leito (ou na
sala de meditação).

A compreensão de que transpomos a fronteira da vigília advém a nós


quando nossa consciência capta no agora onírico fatores
denunciadores de sua natureza extra-física: conteúdos imagéticos que
assumem formas exclusivas dessa dimensão da existência e que não
poderiam ocorrer no mundo exterior.

O estado de alta lucidez aliado ao profundo repouso é atributo típico


da meditação. Porém, com menor intensidade, os encontramos
também nos sonhos lúcidos. A experiência indica que os dois estados

62
não usuais de consciência apresentam uma mesma natureza mas
diferem na profundidade. O sonho lúcido corresponde a um estágio de
lucidez anterior ao da meditação e a ele conduz quando ultrapassamos
seu ápice de desenvolvimento, seu limite. Vivências semelhantes
podem ser obtidas nos dois casos como, por exemplo, transformar-se
em animal ou em planta, viajar ao passado ou ao futuro, participar de
contos mitológicos ou transformar-se em entes arquetípicos etc.

A atenção distensional contínua indutora de sonhos lúcidos

A concentração, elemento básico nas práticas de meditação, é um


poderoso agente indutor de sonhos lúcidos.

A meditação e a concentração são experiências humanas que podem


ser compreendidas e explicadas sem misticismo, dentro das
terminologias e teorias psicológicas academicamente aceitas.

Usual e equivocadamente, concebe-se a concentração como um ato


de esforço. Parece-me que o referido erro possui raízes linguísticas.

Em nossa língua portuguesa e em línguas a ela aparentadas, o termo


"concentração" é utilizado para designar um conjunto de elementos
fortemente compactados e que se mantém coesos sob grande tensão.
Não é este o sentido que lhe atribuímos neste artigo.

Aqui, a palavra concentração tem um significado diferente e até


oposto. Trata-se do fluxo de atenção focado sobre um objeto de modo
contínuo e tranquilo. É uma observação distensional, ou seja, relaxada.

A atenção distensional contínua, usualmente denominada


"concentração" é uma modalidade de observação cuidadosamente
educada.

Não há sentido em concebermos uma atenção tensa na fase preliminar


da meditação pois a mesma estaria cheia de ansiedade e sabotaria o
exercício.

A etapa da concentração é uma continuidade à etapa do


relaxamento neuromuscular. Deve, portanto, aprofundá-lo aumentando
a paz e a tranquilidade.

O descanso será aprofundado na etapa da concentração se houver


entrega. A entrega requer ausência de medo.

É comum sermos assaltados pelo susto ou por outras reações egóicas


sabotadoras quando a concentração se aprofunda e temos as

63
primeiras percepções alteradas. Então o processo em curso é revertido
subitamente.

Um dos motivos das súbitas reações sabotadoras são as idéias absurdas


e concepções prévias, oriundas do estudo teórico, que criamos sobre o
que seria esta experiência. Tendemos a confrontar a vivência objetiva e
crua das percepções não usuais sob concentração profunda com os
conceitos absurdos que criamos, ou seja, reagimos mentalmente contra
a experiência, tentando analisá-la ao invés de deixarmos que flua
espontaneamente.

Há uma diferença radical entre receber o novo tal como nos chega e
confrontá-lo absurdamente com conceitos estabelecidos a priori.

A observação receptiva ao novo sob qualquer aspecto que este se


revele a nós (mantendo, no entanto, a fidelidade ao alvo escolhido)
proporciona um descondicionamento com relação a uma meta
atencional única dentro do objeto eleito. Em outras palavras: não
devemos adotar uma observação estática, focada apenas sobre um
ponto do processo observado. O objeto selecionado já é o ponto único
escolhido. Todas as variações e detalhes que revelar precisam ser
acolhidos.

Uma consciência em observação tranquila recebe o objeto observado


tal como chega, sem resistir-lhe ou tentar impor-lhe caprichos egóicos,
pessoais.

Uma vez relaxados, passamos a observar o objeto que escolhemos para


ser alvo da atenção distensional contínua (concentração). Este alvo
pode ser uma imagem mental internalizada a partir de um objeto
exterior, um som mentalmente emitido ou as próprias sensações
corporais decorrentes do sono. Alguns religiosos utilizam instintivamente
as orações como alvo de sua concentração para obter estados
visionários.

Qualquer que seja o alvo, precisa ser recebido pela consciência sem
nenhum medo ou preconceito por parte desta.

A partir do momento em que a atenção é focada, o objeto observado


apresenta transformações que precisam ser acompanhadas em estado
de lucidez crescente.

Ante as transformações do objeto de atenção, a consciência pouco


educada tende a reagir com medo ou com a tentativa de conceituar
e encaixar o que vê dentro dos princípios lógicos que conhece ou das
suposições que criou sobre o que seria uma experiência meditativa. São
reações egóicas sabotadoras do experimento.

64
Durante a observação, precisamos esquecer toda a experiência e
princípios lógicos do passado. Se não o fizermos, o fluxo atencional livre
sobre as imagens que começam a se processar de modo autônomo
será interrompido.

A única restrição que se impõe durante a atenção distensional contínua


é a de nos atermos a apenas um alvo (daí o nome "concentração").

O importante é prolongar a atenção contínua, a despeito de todas as


mudanças que o objeto sofrer. As fases de alteração no objeto são as
fases em que a atenção está fragilizada.

A atenção que cessa quando objeto se transforma ao invés de


atravessar o ponto de transformação para ver o que se revela não é
contínua, é descontínua.

Normalmente, somos capazes de focar a atenção sobre um alvo


apenas por breves instantes e logo a perdemos. Quando nos
educamos, adquirimos o poder de prolongar a observação por longos
períodos e de modo relaxado.

A concentração é um modo de estudo. Elegemos um alvo e o


observamos, conhecendo-o progressivamente e sem reações
intelectuais.

Trata-se de percepção pura e direta do objeto, sem inferências ou


evasivas. É um ato de render-se à realidade apresentada pelo fato
estudado.

À medida em que penetramos mais e mais no objeto, vamos extraindo


da psique inconsciente informações sobre o mesmo.

Em nenhum momento esta observação é um ato de esforço. Ao


contrário, é distensional pois nos entregamos àquilo que nos chega ao
invés de resistirmos ou nos esforçarmos para tentar controlar a forma
como se apresenta.

Para atingirmos um estado onírico consciente podemos nos valer da


concentração sobre uma imagem mental, que servirá como pontapé
inicial do sonho lúcido, ou apenas observarmos todas as percepções e
sensações corporais relacionadas ao sono.

Se acompanharmos lucidamente a instalação do sono, logo nos


descobrimos paralisados na cama e dormindo.

Não rejeitamos ou analisamos nada que provenha do objeto. Não


obstante, deixamos de lado tudo o mais que não esteja relacionado a
ele.

65
Todos os pensamentos, recordações, possibilidades etc. são
abandonados para prestarmos atenção apenas no alvo escolhido e
acompanhá-lo. Teremos então um só pensamento que apresentará
transformações e não vários pensamentos distintos e desconexos.

Durante o dia, devemos treinar a atenção distensional contínua


observando o nosso próprio comportamento a todo instante. A
capacidade de observarmos aquilo que estamos fazendo
concretamente aqui e agora precisa ser aprimorada até o infinito e sem
preguiça.

O treino diário da atenção livre, receptiva e relaxada educa a


observação para o momento noturno de indução do sonho lúcido.

Nem mesmo o desejo por manter-se concentrado deve perturbar a


tranquilidade pois a ansiedade pelo êxito interrompe os processos
psíquicos observados.

A lucidez se aprofunda à medida em que o relaxamento se acentua.

A concepção corrente de observação concentrada é equivocada


porque a associa, por via inconsciente, à tensão dos olhos e do
entrecenho, bem como a uma expectativa ansiosa. Causa muito dano.

Vitimados por esta idéia equivocada, muitos se esforçam durante os


treinos de concentração a ponto de adquirirem dores de cabeça,
tonturas e náuseas. O resultado é a frustração.

Na atenção contínua distensional há ausência de expectativa


específica com relação ao objeto observado e, ao mesmo tempo,
fidelidade total ao mesmo pois não o abandonamos para nos
concentrar em outros alvos.

A entrega ao ato de apenas nos darmos conta mais e mais daquilo que
o objeto nos revela faz com que penetremos gradativamente na
imagem psíquica que temos do mesmo. Deste modo, atingimos facetas
imagéticas que antes jaziam na escuridão do inconsciente. Toda
imagem interna correspondente a um objeto externo possui um lado
desconhecido e infinito.

O medo de nos desviarmos do alvo e perdermos a concentração


origina relutância em nos entregarmos corajosamente à viagem e a
interrompe.

A síntese entre a ausência de restrição ao que provém do objeto e a


restrição total ao que não provém do objeto produz a receptividade
adequada.

66
O nosso comportamento diário é o meio de aperfeiçoarmos a atenção
contínua distensionante em estado de receptividade plena. Para tanto,
basta que observemos aquilo que estamos fazendo aqui e agora.

O que importa é descobrir ou perceber os infinitos detalhes do nosso


próprio comportamento, acompanhando-o contínua e
conscientemente mas sem nos prendermos a nada que descobrimos.

Interessa-nos enxergar mais e mais o desconhecido e simultaneamente


esquecer mais e mais aquilo que vamos enxergando para que
possamos enxergar outras coisas novas sobre o objeto.

Mas não enxergaremos nada se ficarmos pensando, pensando... Há


uma diferença radical entre inventar pensamentos sobre o objeto
estudado e enxergar o que o objeto em si nos revela. O objeto pode ser
um pensamento único eleito ou o nosso próprio comportamento. Não
devemos esperar que o objeto estudado permaneça estático. A
imagem mental observada transforma-se continuamente.

O campo abrangido pela consciência precisa sofrer uma limpeza


contínua dos resíduos mnemônicos. Resíduos mnemônicos são as
escórias mentais inúteis relacionadas ao passado e ao futuro: aquilo que
vivemos, viveríamos, poderíamos ter vivido, viveremos...

A consciência que observa é totalmente silenciosa, mesmo quando o


objeto observado emite sons externos ou internos. O observador não é
tagarela. A capacidade de observar é a maior preciosidade da psique.
Sem ela nada seríamos. Toda a disciplina para o desenvolvimento da
psique se pauta na observação lúcida.

Os procedimentos para transportar a consciência aos


mundos interiores
Parte I
(Mensagem publicada no fórum do INTERPSI da PUC-SP em 22 de dezembro de 2001)

Chegamos agora à parte mais interessante desses estudos e, talvez, ao


final: os procedimentos para que comprovemos a realidade dos
universos paralelos. Creio já ter dito tudo o que eu precisava nesta lista.

Como não gostamos de transferir o ônus da prova para terceiros,


precisamos detalhar ao máximo as possibilidades experienciais dos
sonhos.

Temos que comprovar por nós mesmos que há algo mais além da forma
tosca de existir.

67
Uma coisa é provar por si e para si mesmo que existem outros mundos.
Outra coisa é provar para o outro.

Quando o outro se interessa, podemos ensiná-lo a verificar por si. Mas


quando o outro não se interessa ou está empenhado em não aceitar,
então nada há a fazer. O cético unilateral está condenado à
ignorância pois trava seu próprio passo. Embora viva, como todas as
pessoas, na dimensão onírica, está decidido a não enxergá-la cara a
cara e a não enfrentá-la cruamente.

A comprovação de que existem dimensões paralelas é possível quando


despertamos dentro de um sonho e o investigamos in loco com a
mesma consciência crítica que utilizamos durante a vigília. Então
constatamos que estamos ante um modo de realidade distinto do
usualmente conhecido mas nem por isso menos válido.

Uma vez lúcidos, podemos tocar e palpar os objetos internos para


conhecê-los.

À medida em que nos desenvolvemos mais e mais, aprendemos a nos


deslocar com desenvoltura sob esse modo de existência.

O ato de dormir é chave para que comprovemos a existência das


dimensões paralelas.

Ao dormir, adentramos ao mundo onírico. Se educarmos


adequadamente a atenção, podemos adentrar às zonas obscuras
carregando a mesma consciência que atua durante a vigília, ou seja,
esta consciência que utilizamos agora para fazer nossos julgamentos.

Todos atuamos simultaneamente em vários níveis existenciais. O grande


problema não é entrar nas dimensões paralelas mas sim levar conosco
a consciência e trazer a recordação.

Há muitos procedimentos para isso. Em primeiro lugar, temos que


aprender a nos perguntar constantemente se estamos ou não
sonhando.

Durante o dia, em estado vígil, temos que nos acostumar a observar


constantemente as cenas do mundo exterior para verificar se as
mesmas são oníricas ou não. Ao nos acostumarmos a fazer isso,
repetiremos tal procedimento durante as horas do sono.

Em geral, quando sonhamos, acreditamos estar acordados. Tendemos


sempre a confundir a realidade onírica com a realidade física.

68
Quando informamos as pessoas que dormem do fato de que estão
sonhando, elas dificilmente conseguem aceitar isso. Estão
condicionadas a crer que a única realidade possível é a tridimensional.

Assim, uma primeira necessidade é a de descondicionar a consciência,


levando-a a ser capaz de realmente se perguntar se está em contato
com uma realidade externa ou interna. Enquanto não formos capazes
de duvidar da crença de que todas as imagens nítidas e concretas que
percebemos são sempre tridimensionais, a lucidez no interior de um
mundo paralelo será impossível.

Adicionalmente, também devemos procurar adormecer


profundamente relaxados e lúcidos, permitindo que o corpo desfaleça
sem perda da consciência. Em outras palavras:temos que acompanhar
conscientemente o processo de adormecimento do corpo.

A concentração é imprescindível. Temos que ter uma imagem interna


(um pensamento) que sirva como objeto de atenção para que
possamos mergulhar nela e nos perder completamente. Temos que nos
entregar à concentração.

Se prestarmos atenção a essa imagem e acompanharmos seu curso


natural, iniciamos a viagem. Gradativamente adentramos ao reino dos
sonhos levando conosco a consciência.

A isso podemos acrescentar a técnica da comunicação auditiva. O


sonhador precisa receber, através de um fono de ouvido, a mensagem
de que está sonhando. Podemos gravar uma fita ou dizer em
microfone: "Isto é um sonho, observe a realidade que te cerca". Não
devemos usar um volume muito alto ou o pobre sonhador levará um
susto e acordará.

Além disso, convém estudar um pouco a respeito do que é a realidade


onírica para que o inconsciente não nos pregue peças.

Após algumas semanas de contato consciente com o mundo imaginal


noturno, nossa consciência estará bem descondicionada e se
acostumará a duvidar com naturalidade do caráter físico da realidade
que a cerca.

É claro que a pessoa não ficará louca. Ela não se condicionará no pólo
oposto, que seria o de sempre acreditar que toda realidade é onírica. O
que acontece é que passará a observar criticamente os
acontecimentos externos, com a real curiosidade de conhecer se são
tridimensionais ou não.

69
A consciência intra-oniricamente desperta nos fornece muitas
possibilidades de exploração experimental. Espero que os senhores as
aproveitem.

Uma possibilidade seria a de testarmos a visão remota solicitando ao


sonhador que tente acessar alguma imagem interna sobre algo que
desconhece (e que possa ser acessado por nós). Em seguida podemos
fazer a verificação para avaliar o grau de correspondência entre a
imagem onírica e sua correspondente tridimensional.

Outra possibilidade é a de pedirmos para que dois ou mais sonhadores


tentem se comunicar por via onírica, estando estes separados e sem
comunicação prévia a respeito do conteúdo a ser sonhado. Em
seguida, podemos comparar qualitativamente os relatos.

Outra possibilidade é a de pedirmos para que o sonhador faça um


esforço no sentido de penetrar na atmosfera tridimensional. Entretanto,
isso é muito difícil de se conseguir pois seu corpo onírico possui uma
frequência vibracional muito distante daquela que seria necessária
para se tornar visível. Mas talvez se possa fazê-lo pois no mundo dos
sonhos a vontade, os desejos e a imaginação são os maiores
determinantes dos acontecimentos.

Estas são algumas das muitas possibilidades experimentais que temos


que explorar exaustivamente, se é que realmente queremos ser
investigadores nesse campo.

Os procedimentos para transportar a consciência aos


mundos interiores

Parte II : A concentração
(Mensagem publicada no fórum do INTERPSI da PUC-SP em 23 de dezembro de 2001)

Perdoem por escrever ainda um pouco mais. Como a comprovação é


a mais importante das nossas questões, sinto que faltou detalhar algo.

Um elemento chave para se transportar a consciência ao mundo


paralelo é a concentração. Temos que desenvolvê-la. Há técnicas para
isso.

Uma vez bem acomodados e relaxados, podemos escolher uma


imagem interna e a ela nos entregarmos. Essa imagem pode ser a de
algo que não sai de nossa cabeça, de algo que temos medo, algo que
nos desperte muito interesse ou um objeto externo que tenhamos
selecionado.

70
No caso de um objeto externo, temos que fitá-lo por alguns instantes até
que sua imagem fique gravada em nossa mente. Então o esquecemos
e trabalhamos apenas com a representação mental que teremos.

Uma vez de posse da imagem, precisamos esquadrinhá-la e explorá-la


por meio da observação. Precisamos visualizar os detalhes dessa
imagem e enxergar as transformações espontâneas pelas quais vai
passando sem tentar controlá-las.

Temos que ser receptivos àquilo que a imagem nos traz, não forjando
pseudo-revelações de acordo com nossos caprichos egóicos.

Como toda imagem mental possui uma contraparte inconsciente,


podemos extrair da mesma informações que estavam contidas no
fundo da psique. Muitas dessas informações adentraram por canais
subliminares.

O discernimento de que estamos em contato com uma imagem


psíquica e não com um objeto tridimensional precisa ser preservado.

À medida em que os conteúdos ctônicos do objeto imagético vão se


revelando, adentramos ao mundo interior. Se nos permitirmos
adormecer, produz-se um sonho lúcido.

É importante que nos mantenhamos seguindo sempre o mesmo curso,


não correndo atrás de outras imagens que surgem e que nada têm a
ver com o objeto.

Esse procedimento ativa, aperfeiçoa e refina as endopercepções. A


endovisão, que os esotéricos chamam de "clarividência", refina-se .
Uma "clarividência" é uma vidência clara, isto é, uma visão nítida. O
objeto desta visão é interno.

Também surgem endopercepções auditivas, que os esotéricos


denonimam "clariaudiência", e de outros tipos.

Se o nosso objeto imagético for uma moeda, por exemplo, chegará o


momento em que a veremos com os olhos fechados como se estes
estivessem abertos. Poderemos ouví-la tilintar ao cair e correr sobre o
solo. Porém tudo será interno. Outras pessoas não ouvirão o som e nem
verão a moeda.

Temos que esquecer o corpo, abandoná-lo. Então logo nos


descobriremos existindo sob outro modo de realidade, paralelo a este.

A "clarividência" é a percepção consciente receptiva ao que revela um


objeto imagético. Ambos são uma só coisa com dois nomes diferentes.

71
Alguns esotéricos não gostam muito que se diga isso mas é verdade. Os
objetos e os mundos percebidos pela clarividência são imaginais.

Algumas vezes, revelações obtidas por este procedimento apresentam


correspondências com traços da realidade exterior que
desconhecíamos: podemos descobrir algo novo sobre um objeto
interno e, depois, verificarmos que externamente a mesma
característica existia.

A clarividência não se apresenta sempre sob a forma de visão remota


de elementos tridimensionais. Em alguns casos surge como visão
exclusiva de outras dimensões.

Se a pessoa for supersticiosa e com tendências ao fanatismo, acreditará


que essa informação lhe chegou por via sobrenatural. Poderá sofrer
uma inflação egóica e a invasão por um arquétipo.

Não há, entretanto, nada de sobrenatural nesses casos. A cognição se


processa também fora do campo abrangido pela consciência vígil
usual. A pessoa simplesmente acessou em sua psique algo que já sabia
mas que não havia percebido.

Essa prática foi denominada por Jung de "imaginação ativa". Ele refinou
muito suas endopercepções, como vemos em "Memórias, Sonhos e
Reflexões". Contatou entes do seu mundo imaginal frente a frente e
com eles dialogou. Os enxergou com riqueza de detalhes. Alguns
ignorantes o consideram psicótico por causa dos seus relatos. Não
sabem o que dizem.

Há uma diferença entre um estado patológico e este que estamos


analisando. Campbell diz que o espiritualista aprende a nadar no mar
do inconsciente enquanto que o louco nele se afoga.

Alguns religiosos realizam instintivamente este exercício. Se entregam a


ritos e orações, neles se perdendo. Atingem estados alterados nos quais
obtêm visões de outros mundos e de seres celestiais e infernais.

Quando retornam ao estado usual de consciência, descrevem o que


experimentaram utilizando o arcabouço linguístico do grupo social que
os ampara. Nesta hora se expõem à ridicularização por parte de algum
ignorante que se presuma de esperto e seja incapaz de entendê-los.

O abismo linguístico e cultural associado à incompreensão por parte de


alguns que se pretendem estudiosos aumenta a distância entre o
acadêmico e o extra-acadêmico.

Engana-se quem acredita que a concentração é um ato de esforço.


Ela é uma atenção plena e sem esforço dirigida sobre um objeto.

72
Não silenciamos os múltiplos pensamentos pelo esforço bruto e sim pela
atenção dirigida e receptiva.

Temos que tomar cuidado com a tendência em reagir contra as


primeiras imagens eidéticas que surgem durante o exercício aqui
indicado. Se não mantivermos a serenidade, interromperemos a
percepção consciente do fluxo cênico.

Os procedimentos para transportar a consciência aos


mundos interiores

Parte III: A concentração (continuação)


(Mensagem publicada no fórum do INTERPSI da PUC-SP em 31 de dezembro de 2001)

A concentração é uma focalização atencional plena e contínua sobre


um processo. A partir do momento em que nos esforçamos para tanto,
o único que conseguimos é uma dor de cabeça.

Quando estamos acompanhando o desenrolar de um processo,


externo ou interno, e não desviamos nossa atenção, estamos nele
concentrados. Então o receberemos em nossa consciência e sua
natureza nos será revelada.

Quando nos esforçamos para manter a atenção focada, o resultado


imediato, ou quase, é o surgimento de múltiplos pensamentos que nos
fascinam e distraem. Cria-se um conflito entre nossa consciência e a
mente, a qual elabora autonomamente seus pensamentos e emana
inúmeras imagens. O resultado é o fracasso na tentativa de
concentração.

Por alguma razão que ainda não entendo, os estudantes sempre caem
nesse erro. Há algo que sempre os leva a associar concentração com
esforço. Tensionam o entrecenho, apertam os olhos, adquirem dores de
cabeça e, ao cabo de algum tempo, desistem.

Suspeito que a raiz dessa confusão esteja na linguagem. Nos


acostumamos a entender que a palavra "concentração" significa algo
compactado intensamente, sob a influência de um esforço extremo e
gigantesco. Então, quando alguém a usa, imediatamente pensamos
em uma tensão.

Em alguns casos, que nada têm a ver com o que tratamos, tal forma de
empregar a palavra está correta. No caso da concentração que visa
nos conduzir à meditação, no entanto, está errado.

73
Esta concentração à qual me refiro é uma observação dirigida. A
observação não é um ato de esforço mas, ao contrário, de
receptividade.

Não é necessário esforço para sermos receptivos. O ato de ser


receptivo é o ato de enxergar algo que antes não se enxergava. É uma
atitude psicológica de entrega.

Em virtude do desconhecimento prático, é sempre propagada a idéia


de que concentrar-se é segurar um pensamento pela vontade,
repelindo os demais pelo esforço. A experiência mostra que o máximo
que se consegue com isso é a frustração.

Concentrar-se é acompanhar um acontecimento, seguir o seu curso


com a máxima lucidez para conhecê-lo sem tentar controlá-lo . Esse
acontecimento pode ser uma imagem mental, caso em que se dirá
que a pessoa tem apenas um pensamento. Mas isso não quer dizer que
o pensamento foi mantido pela força dos desejos de se concentrar mas
sim que foi mantido no campo da consciência ininterruptamente por
um certo tempo graças à atenção natural que sobre o mesmo se
colocou.

Referências bibliográficas

KORNFIELD, Jack. Obstáculos e vicissitudes da prática espiritual. In GROF,


Stanislav & GROF, Cristina (orgs.): Emergência Espiritual: Crise e
Transformação Espiritual(Spiritual Emergency: When Personal
Transformation Becomes a Crisis). Trad. De Adail Ubirajara Sobral. São
Paulo, Cultrix, 1995.

MORAIS, Jomar. O poder da mente vazia. Superinteressante. São Paulo.


Ano 15. Número 1: 72-76. Janeiro de 2001.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-e-
meditacao.html

74
A viagem consciente ao mundo onírico como
experiência religiosa
Por Cleber Monteiro Muniz

Há um substrato comum às experiências psíquicas conscientes obtidas


na meditação, nos sonhos lúcidos e nos vários estados de quase-morte.
Em todas elas o corpo físico desfalece e perde os sentidos enquanto a
consciência concebe o mundo em que se move como não-físico. Essas
experiências tocam o limite extremo da ciência, beirando o que em seu
atual estágio de desenvolvimento é incognoscível.

A idéia da sobrevivência da alma em outro mundo após a morte do


corpo, comum a muitas religiões, é reforçada por experiências desse
tipo. Aqui encontramos mais uma utilidade para os sonhos lúcidos.

As pessoas que se desenvolveram no campo da experiência


transcendental parecem sentir menos medo da morte após esse
desenvolvimento do que antes dele. A morte passa a ser vista como
uma viagem literal a outro mundo, o que parece dar ao processo de
destruição do corpo físico um caráter mais aceitável e uma maior
naturalidade.

Grande parte das experiências psíquicas cujo conteúdo imagético


abrange anjos, demônios, deuses, céus e infernos são obtidas em
momentos em que o corpo desfalece.

O desfalecimento temporário do corpo associado à consciência de


que se está em contato com imagens não-físicas proporciona uma
modalidade de experiência que adentra ao terreno religioso.

Ao discernirmos que as imagens contatadas são oníricas, o risco de


inflação por um arquétipo parece ser diminuído. Se o sonhador vê a
figura de Jesus Cristo, por exemplo, e compreende que é onírica, seu
poder de desconfiar do caráter divino da mesma parece ser maior. Tal
capacidade de desconfiança com relação ao caráter literal das
imagens não ocorreria se a pessoa, tendo o discernimento de estar no
mundo onírico, não se desse conta de que suas imagens são simbólicas.
A consciência de que se está em um sonho não é suficiente para evitar
a inflação. A recordação de que o mundo é simbólico e de que seus
componentes possuem um caráter fantástico são imprescindíveis para
evitar a loucura. Aquele que não compreender como se dá a realidade
onírica estará perigosamente exposto às influências perigosas dos
arquétipos, sejam eles celestiais ou infernais. Do mundo onírico provém
criaturas de tormento, demônios interiores conhecidos pelas religiões:

75
"Os monstros do inferno são os pesadelos do cristianismo e (...) nunca o
pincel ou o cinzel teriam produzido tais fealdades se não tivessem sido
vistas em sonho." (Lévi, p. 397)

Os conteúdos encontrados em experiências religiosas são muitas vezes


oriundos de sonhos nos quais há maior ou menor lucidez do que se
passa.

As experiências oníricas conscientes parecem assinalar uma etapa da


evolução da consciência mais elevada do que a das experiências
usuais, nas quais tudo está indiferenciado e não sabemos o que é
externo e o que é interno. Porém ela possui seus riscos. A mera noção
de onde se está não é tudo. Além de sabermos a dimensão em que
estamos, é preciso manter a compreensão de que o mundo onírico é
fantástico e simbólico pois, do contrário, caimos no erro de certos
pseudo-ocultistas que tomaram o outro mundo como realidade literal e
foram enganados. A lucidez no sonho pode atingir um grau que permita
ao sonhador ter a certeza de estar sonhando ou apenas disso
desconfiar sem, no entanto, se recordar de que não está em um mundo
de significados literais. Uma vez que se tenha certeza disso, por outro
lado, o poder de se explorar esse mundo conscientemente irá variar
muito pois há vários graus de consciência desperta. Em uma etapa
muito elevada, os sonhos são transcendidos e a pessoa vive na
dimensão desconhecida em intensificada vigília.

Nessa dimensão desconhecida, o reino misterioso das nossas viagens


noturnas, estão os entes fantásticos, os seres mitológicos que este
mundo fingiu esquecer. Em sua vastidão ecoa a voz de Deus através
dos séculos, se perdendo na noite infinita dos tempos. Esse mundo é o
portal por onde se revelam os anjos e os demônios e por onde se
ascende aos céus ou se é precipitado ao inferno.

Das profundezas desse abismo emergem as legiões do bem e do mal


que subjugam os homens e o anjo da morte que os arrebata no
momento final, cujo nome é Abadon segundo as teogonias antigas.

Nessa realidade paralela e fantástica, podemos contatar seres


arquetípicos, mitológicos e históricos. Transcendemos a barreira do
tempo e do espaço e mergulhamos no oculto. Cruzamos os vales
sombrios e os mares da serenidade e do desespero até vermos a aurora
brilhante dos tempos obscuros. Suas mensagens são enviadas na
linguagem do arco-íris: elas falam em silêncio e para sempre!

76
Referência bibliográfica

LÉVI, Eliphas. "Dogma e Ritual de Alta Magia". Trad. de Rosabis


Camayasar. São Paulo, Pensamento.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
viagem-consciente-ao.html

77
As viagens da consciência através dos Eons

Por Cleber Monteiro Muniz em 07/11/01

O estudo não-dogmático dos materiais literários produzidos nos vários


círculos cristãos dos séculos I, II e III revela que o cristianismo original era
muito mais próximo das culturas primitivas e orientais do que de suas
distorcidas versões protestante e romanista. Além disso, descobre-se
nestas fontes históricas vasto conhecimento sobre a psicologia do
inconsciente.

Assim como naquelas culturas, o cristianismo primitivo visava a


alteração da consciência rumo à transcendência e representava seus
vários estágios de confronto com o inconsciente por meio de símbolos
cujos significantes eram elementos naturais.

Os vários estagios de penetração no universo interior eram simbolizados


pelos Eons.

No universo cristão primitivo, os Eons eram mundos paralelos. Coexistiam


simultaneamente como modalidades autônomas e infinitas de tempo-
espaço.

De acordo com o Pistis Sophia, Jesus ensina que os Eons, assim como os
Sephiroth dos hebreus, eram mundos internos. Essa característica os
torna objeto de interesse da psicologia.

A viagem pelos Eons é a viagem de Sophia, a alma, através do doloroso


caminho da libertação do pecado. A tirania dos regentes dos universos
internos tenebrosos a atormenta e sua salvação vem daquele que
habita os Eons superiores de luz.

Os Eons são regidos por potências maléficas que precisam ser


destronadas por Sophia através do Altíssimo.

Os tiranos dos Eons são complexos autônomos, agregados de energia


(ou matéria) psíquica que habitam as profundezas do inconsciente e se
tornam visíveis durante experiências oníricas conscientes. Sophia é a
frágil consciência que se torna forte pelo contato com a Grande
Realidade que está além dos regentes tirânicos.

No universo mitológico cristão primitivo, a Grande Realidade é Deus sob


várias formas ou em suas várias faces. Christus é uma delas. O Pai, que
corresponde ao Sephiroth Kether, é outra face de Deus.

78
Cada Eon, ou Sephiroth, corresponde a uma "zona" ou "estrato" do
inconsciente. Desse fato provém a afirmação, aparentemente
paradoxal, de que são mundos paralelos ao externo tridimensional (sem
excluir este) e, ao mesmo tempo, partes do homem. Ocorre que
concebemos a psique como algo vago e de existência ilusória
enquanto que os cristãos a viam como um conjunto de mundos cuja
existência objetiva em nada devia ao usualmente denominado
material.

Durante os sonhos, saímos deste Eon, o mundo vígil, e adentramos ao


Eon mais próximo. Entretanto, há muitos outros além do que contatamos
normalmente. Para acessá-los necessitamos aperfeiçoar a consciência
para entrar em estado positivamente alterado. Isso se consegue por
meio da correta educação da atenção e da imaginação
concentradas. Por isso a oração concentrada funciona como um
poderoso agente de alteração da dinâmica psíquica. A alteração da
consciência por drogas é prejudicial.

Os estados oníricos apresentam vários graus de profundidade. Não


correspondem apenas ao sonho típico das espessas recordações que
temos pela manhã. Basicamente, desde o instante em que perdemos a
lucidez pela identificação com um pensamento entramos em um
sonho, ainda que o corpo físico esteja com todos os funcionamentos
vígeis ativados.

Nesse ínterím, podemos dizer que há dois tipos de sonho: aqueles que
são reconhecidos pelo sonhador como tal e aqueles que são
confundidos com a realidade vígil. Devemos passar do segundo estado
para o primeiro. Em seguida, devemos passar do primeiro para a
ausência de sonho.

Do sonho usual temos que passar para o sonho lúcido. Do sonho lúcido
temos que passar para a vigília intensa durante a profunda letargia
corporal. Isso requer uma educação da consciência, um treino da
atenção.

Mas isso não será possível se, ainda dentro deste Eon, formos incapazes
de reconhecer a natureza das imagens que surgem em nossa mente a
cada instante. Temos que compreender que são múltiplos
pensamentos. Embora pareça estranho à consciência adormecida pelo
torpor egóico, tendemos a não reconhecer que as imagens dos
pensamentos são apenas imagens mentais. Por isso, quando dormimos
e sonhamos à noite, confundimos as cenas dos sonhos com cenas do
tridimensional. Se nos perdermos em devaneios da imaginação,
identificados com as cenas que se formam em nosso interior,
acostumaremos nossa consciência a não discernir o teor das imagens
com as quais entra em contato.

79
O direcionamento da atenção para as imagens internas é indispensável
para que o sono se instale e não deve ser evitado pelo aspirante a
onironauta. Entretanto, se esse direcionamento não for acompanhado
pelo discernimento do teor dessas imagens, o sono será apenas usual.

Desde o momento em que nos acomodamos na cama para dormir,


devemos discernir que as imagens que contatamos não são externas
mas sim internas. A consciência não deve apenas abranger as imagens
que surgem na mente mas também seu caráter não-tridimensional. Se
perdermos esse discernimento ainda em estado vígil, muito menos o
obteremos após a imersão total no mundo onírico.

Um incauto fraco de entendimento não deve tentar viajar por esses


Eons porque enlouquecerá. Sofrerá inflação por um arquétipo e se
identificará com figuras mitológicas, as quais estão vivas dentro de nós.
Será um infeliz sonhador que tomará os símbolos sob forma literal e
perderá todas as defesas. Então poderá se tornar um desses líderes
loucos e carismáticos que arrastam as multidões, as quais são
igualmente propensas ao enlouquecimento e à invasão pelas forças do
inconsciente.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-as-
viagens-da.html

80
A ampliação do sentido de realidade que nos
permite superar o ceticismo unilateral

Cleber Monteiro Muniz em 27 de maio de 2002

A capacidade de não sermos vitimados pelo impacto realístico das


imagens oníricas, o qual nos leva sempre a confundí-las com imagens
exteriores, se desenvolve lentamente à medida em que experienciamos
os primeiros sonhos lúcidos e a concretude da matéria ideoplástica que
compõe os elementos internos contatados.
Antes das primeiras experiências oníricas conscientes, é difícil conceber
e aceitar como oníricas imagens com forte impacto realístico e que
emanam a sensação de concretude. A consciência que nunca atingiu
um estado onírico consciente não experienciou a realidade
transcendente e, por extensão, ainda não comprovou o caráter
material do mundo interior, não possuindo a necessária base perceptiva
diferencial que lhe permita captar o contraste entre os modos externo e
interno de materialidade.
Se, durante o sonho e em tal estado usual de indiferenciação, nos
indagamos se estamos sonhando, simplesmente somos vitimados pela
numinosidade das sensações de concretude que nos levam sempre a
conceber como real e material aquilo que é exclusivamente
tridimensional e físico. Duvidaremos, equivocadamente, da
possibilidade de estarmos inseridos na eternidade. Cairemos em um
ceticismo equivocado e unilateral. Diremos: "Não! Tais cenas concretas
e nítidas que vejo são físicas pois têm todas as características do mundo
‘material’. Posso palpar estes objetos que são sólidos e, portanto, a
única possibilidade ‘lógica e coerente’é que eu esteja mesmo
‘acordado’, isto é, no mundo físico". A numinosidade nos vitima e nos
lança a uma relação de idolatria com o mundo exterior, ainda que nos
creiamos ateus e materialistas.
Não basta, portanto, indagar superficialmente. Temos que dar à
pergunta uma base que corresponda à visão de mundo em que o
material possa também ser considerado onírico.
A trava para reconhecer o sonho durante seu processamento é um
equívoco, em geral semiconsciente ou subconsciente, na concepção
de realidade. A idéia de real como sinônimo exclusivo do exterior
condiciona as percepções sem que o percebamos e, como resultado,
quedamos inconscientes durante as viagens à dimensão extra-vígil:
viajamos para o outro mundo sem nos darmos conta.
O caminho para inverter o indesejável condicionamento é atingir a
capacidade de mirarmos as cenas exteriores aceitando
verdadeiramente a possibilidade de que pertençam a um sonho, a
despeito de serem reais, concretas e nítidas. Ao observarmos a
realidade, seja deste lado ou do lado de lá, temos que nos permitir ser

81
atingidos profundamente pela dúvida real: o que vemos são cenas
físicas ou oníricas? Caso contrário, os testes de realidade serão inúteis.
O ceticismo unilateral e a ausência de testes de realidade são os
principais fatores que nos impedem de despertar a consciência na
dimensão onírica paralela.
Ao testarmos e observarmos a realidade circundante, todo cuidado em
não concluirmos apressadamente que estamos no mundo físico é
pouco. A dúvida deve se aprofundar, indo muito além das primeiras
impressões, o que implica em não aceitar aquilo que a realidade nos
sugere à primeira vista: a idéia de que estamos sob forma tridimensional.
Mesmo que tal nos seja sugerido fortemente por muitas evidências,
ainda assim temos que duvidar e ir além, buscando mais detalhes e
informações que possam nos revelar se estamos ou não dentro de um
sonho.
Para a consciência egóica, adormecida, extrovertida e condicionada
pelo ceticismo unilateral, a realidade onírica sempre assume uma
aparência física que a engana. É como diferenciar duas salas idênticas
ou dois irmãos gêmeos: temos que ser profundos e detalhistas, indo
além das aparências e até mesmo duvidando das evidências. Aqui, ser
profundo significa: duvidar da aparência por mais tempo, exigir mais
evidências antes de concluir e nunca fechar possibilidades concluindo
definitivamente. Se vemos um amigo falecido vivo e alegre, atentemos
para esta incoerência e não nos deixemos enganar pela vivacidade do
seu olhar, a temperatura do seu corpo, a mobilidade e normalidade
vital que apresenta pois, a despeito de tudo isso, ele pode ser uma
imagem onírica. O amigo contatado naquele presente indubitável
pode ser o duplo psíquico da pessoa falecida introjetada por nós.
Podemos estar sonhando naquele momento.
A educação conscientiva aqui explicada conduz à síntese entre o
materialismo e o espiritualismo, duas tendências normalmente opostas.
Corresponde ao ceticismo levado a fundo e à capacidade de duvidar
bilateralmente. Nada tem a ver com o ateísmo e nem tampouco com
as crenças religiosas. Leva à investigação de uma realidade natural que
parece ser sobrenatural por ultrapassar as concepções usuais de
mundo.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
ampliacao-do-sentido-de.html

82
Reflexões e conselhos úteis relacionados com o
trabalho de ativar a consciência dentro dos sonhos
e/ou durante a vigília
25 de agosto de 2011
Por Cleber Monteiro Muniz

O que fazer ao estar lúcido sob forma onírica.


21/02/02

Ao nos descobrirmos lúcidos dentro de um sonho, temos que procurar


desenvolver três capacidades: evitar o regresso involuntário ao estado
vígil adquirir o poder de flutuar e voar nos deslocarmos através do
tempo e do espaço instantaneamente através do pensamento.
As três habilidades acima requerem serenidade profunda. A
perturbação emocional as sabota. Dentro do sonhos, é fundamental
que nenhuma emoção nos deixe agitados.
Para evitar o regresso súbito e involuntário, temos que esquecer
totalmente que temos um corpo adormecido na cama. Nenhuma
dúvida ou vacilação com relação à estabilidade da permanência no
sonho deve nos assaltar. O simples fato de cogitarmos a possibilidade
de regresso ou com ela nos preocuparmos, pode nos trazer de volta
contra a vontade. Qualquer emoção intensa também poderá fazê-lo.
Para flutuar, temos que nos concentrar com muita calma tentando
fazê-lo lentamente. Em seguida podemos exercitar o vôo, aumentando
aos poucos a velocidade, sem nenhuma exaltação emocional.
Para nos deslocarmos no tempo ou no espaço pulando momentos ou
lugares intermediários, temos que nos concentrar calmamente na
época ou no local em que pretendemos estar. O simples ato de pensar
nos transportará. Se ficarmos ansiosos, acordaremos.
No mundo dos sonhos tudo é definido pelos fluxos conscientes e
inconscientes de pensamentos e sentimentos.

O discernimento desde os primeiros instantes do trabalho.


07/11/01
A natureza psíquica do fluxo cênico em nossa mente precisa ser
reconhecida desde o instante em que nos acomodamos para dormir.
Não temos que ficar esperando que os sinais letárgicos apareçam para
então iniciarmos o reconhecimento. Caso o façamos, perderemos o
discernimento e ficará difícil recuperá-lo.
Quando fechamos os olhos, as imagens mentais que surgem já podem
ser tratadas e reconhecidas como oníricas, uma vez que o são em um
estágio embrionário. É por isso que a imaginação concentrada induz ao
sonho lúcido: elas permitem o contato da consciência com imagens
interiores mantendo o discernimento do seu teor desde os instantes
iniciais da prática.

83
As imagens surgem na tela de nossa mente durante os momentos de
distração e as imagens oníricas são as mesmas. A diferença está
apenas na percepção que temos delas. Quando estamos dormindo, se
tornam espessas e realísticas porque as percepções externas cessam.
De modo que aprender a estar lúcido entre elas é aprender a estar
lúcido dentro de um sonho pois são sonhos em estado incipiente.
As imagens que indicam o início de um estado onírico são móveis,
autônomas e, em geral, de tipo visual. Se fecharmos os olhos e
relaxarmos, logo surgirão algumas. A chave está em conseguir
acompanhá-las conscientemente, apenas permitindo que se
desenvolvam. Durante todo o tempo, temos que manter o
discernimento de que são alucinatórias e não exteriores.
Se acompanharmos esse movimento, as cenas visualizadas vão se
tornando progressivamente compactas até que, por fim, chegamos ao
sonho profundo em estado de lucidez.
A imagem cujo desenvolvimento deve ser acompanhado por você
conscientemente e sem perda do discernimento de que é interna pode
ser escolhida porque lhe chama a atenção, ou capturada de repente
na tela da sua mente. Algumas vezes nos flagramos perdidos em
imagens de alto teor eidético-numinoso mas, infelizmente, sem nenhum
discernimento. Temos que nos descobrir dentro de tais imagens mas sem
espantá-las ou interrompê-las pelas reações do ego.
Assim que as percebemos, temos que identificar seu teor para dar-lhe
continuidade ou ela desaparecerá. Essa continuidade, se
acompanhada pelo discernimento, nos conduzirá ao sonho lúcido.
Se isso lhe parecer difícil, então apenas escolha uma imagem que lhe
chame a atenção (que você goste) e a acompanhe mantendo a
lucidez. Para que a imagem o absorva ela tem que ser interessante e
agradável. Desenvolva-a sem se desviar dela e vá embora,
mergulhando e desaparecendo sem medo.

Por que certos grupos misticóides atrapalham


28/10/01
Sei de vários casos de pessoas que perderam ou atrofiaram a
capacidade de ter sonhos lúcidos por se associarem a grupos
misticóides, esotericóides ou gnosticóides. Essas pessoas, antes de se
entregarem ao fanatismo, facilmente despertavam dentro dos sonhos
ou acompanhavam lucidamente seu processo de instalação desde o
momento em que se deitavam. Entretanto, a partir do momento em
que começaram a se identificar com linhas doentias de pensamento,
perderam essa faculdade natural.
Isso ocorre porque tais grupos têm o vício de criar uma aura de mistério
em torno da experiência onírica.
Muitas dessas pessoas apresentam distúrbios psíquicos. Quando sonham
com uma figura histórica ou um ente querido falecido, por exemplo,
acreditam que contataram a mesma pessoa que viveu no passado. Tais

84
doentes mentais não compreendem que estão em contato com
imagens interiores e cometem o erro de literalizar os símbolos.
Normalmente, esses grupos de enfermos chamam os sonhos lúcidos de
"viagem astral" ou "desdobramento astral". Seus líderes sempre possuem
um arzinho de mistério e dão a entender aos discípulos, por uma via
semi-inconsciente, que são grandes onironautas lúcidos que podem
bisbilhotar a intimidade das pessoas. Assim, os pobres canditados a
ocultistas ficam atemorizados.
As personalidades mais influentes nesses meios às vezes dizem aos seus
pobres discípulos que se relatarem para alguém que tiveram um sonho
lúcido nunca mais os terão. Isso é falso, pois muitas pessoas se
submetem a experimentos científicos e relatam os sonhos lúcidos que
tiveram repetidas vezes.
Nesses círculos cria-se a idéia de que o sonho lúcido é sobrenatural e
proporciona poderes sobre-humanos. Todos ficam obsecados pela
experiência e ninguém consegue resultado. Trata-se de um inteligente e
altamente efetivo estratagema sabotador.
Quanto mais conferirmos um caráter sobrenatural ao sonho lúcido,
tanto mais o mistificaremos. Quanto mais o mistificarmos, mais
ansiosamente o cobiçaremos. Quanto mais o cobiçarmos, por crermos
que nos transformaremos em entes divinos, menos os alcançaremos ou,
se os alcançarmos, isso terá efeitos patológicos.
A verdadeira viagem astral é muito boa e importante, jamais deve ser
condenada. O problema está apenas em usá-la como pretexto e ponto
de apoio para o fanatismo. Há muitos grupos espiritualistas verdadeiros
e sérios que não devem ser incluídos entre os charlatães que
denunciamos aqui e que prejudicam as pessoas.

As reações egóicas ante as primeiras percepções alteradas


28/10/2001
A partir do momento em que nos acomodamos para dormir,
imediatamente se iniciam alterações sensoriais típicas do sono. O grau
de nitidez das endopercepções vai progressivamente se intensificando.
Podemos nos perceber inflando, em posições que não correspondem
ao nosso posicionamento na cama, submetidos à passagem de uma
corrente elétrica dos pés à cabeça, ouvindo nitidamente sons dentro
de nossa cabeça ou vendo imagens internas como se fossem externas.
Devido à ignorância reinante em nossa cultura a respeito da
fenomenologia onírica, criamos ao longo da nossa vida mecanismos
egóicos sabotadores dos sinais que antecedem as entradas conscientes
ao sonho.
Quando alguns dos interessantes sinais endoperceptivos indicadores de
inserção no mundo onírico são abrangidos pelo campo da consciência,
esta imediatamente reage redirecionando seu fluxo para o mundo
externo. Essa reação mecânica sabota a prática.
O estado que temos que atingir é o de permitir que as alterações
perceptivas prossigam mesmo dentro do campo da consciência. Essa é

85
uma tarefa difícil pois tendemos sempre aos extremos: ou as alterações
apresentam um movimento progressivo inconsciente ou então um
movimento regressivo consciente. O que precisamos é de um
movimento das alterações perceptivas que seja ao mesmo tempo
progressivo e consciente.
Para alcançarmos o movimento progressivo consciente temos que
deixar o ego "amarrado". Caso contrário, este reagirá contra o fluxo de
imagens com medo ou ceticismo arbitrário (para diferenciar de um
ceticismo lúcido), impedindo sua progressão no nível consciente da
psique. De acordo com os nossos propósitos, nada adianta uma
progressão eidética de imagens restrita ao campo do inconsciente. Isso
apenas nos conduz ao sonho usual. O que buscamos é um estado não
usual de lucidez intra-onírica.

Observação livre e lúcida do fluxo de imagens internas


22/10/2001
As imagens internas, eidéticas e numinosas, nos arrastam para o mundo
onírico à medida em que atraem a consciência e a desligam dos
funcionamentos exoperceptivos.
Um dos grandes problemas em se adentrar conscientemente ao sonho
consiste na dificuldade de observarmos o movimento livre das imagens
internas à medida em que o sono se aprofunda. Tendemos a ser
absorvidos por essas imagens, perdendo o discernimento, ou a
reagirmos contra elas, impedindo seu livre fluxo.
Se formos capazes de observar sua formação mantendo a
compreensão de que são interiores e, ao mesmo tempo, deixando-as
livres para assumirem por si mesmas suas formas, seremos capazes de
adentrar conscientemente ao mundo dos sonhos.
Por isso, ao deitar, não fique fazendo esforço para ter um sonho lúcido.
Apenas escolha uma imagem que lhe atraia e a acompanhe sem
tentar submetê-la ao controle do seu ego. O ego é muito caprichoso e
sempre quer que as coisas andem como lhe agrada.
A imagem a ser acompanhada em estado de lucidez pode ser
proveniente do primeiro pensamento que passar pela sua cabeça. O
importante é que lhe atraia.
Geralmente essas imagens são "espertinhas" pois fluem apenas quando
estamos de costas para elas e, quando as encaramos de frente,
cessam. Resolva isso da seguinte maneira: quando estiver distraído e a
imagem começar a se movimentar aborde-a com a intenção prévia de
"empurrá-la" para que continue. Em outras palavras: quando você se
flagrar distraído e sem perceber a imagem, que estará se processando
de modo autônomo sem ser vista por você, inicie a observação dando
continuidade à tendência prévia, ou seja, ao movimento do objeto
observado (já que tenderá a se congelar e desaparecer em seguida).
Esse é um meio de manter o fluxo imagético intacto e ao mesmo tempo
observá-lo até que se configure uma cena onírica com alto impacto
realístico.

86
Temos que ser absolutamente receptivos a essas imagens. O ego
sempre tende a reagir às mesmas confrontando-as com sua lógica ao
invés de se abrir à lógica que trazem. Ante a nova lógica, sente medo.
São reações que interrompem subitamente a observação consciente
do fluxo cênico interno.
Em última instância, tudo se resume a aprender a observar o imprevisto
sem medo e com receptividade total, abrindo-nos à lógica que se
revela ao invés de tentar relacioná-la ou compará-la à lógica
conhecida.
O que interessa é o desconhecido, o novo.

O que fazer quando estamos paralisados na cama e sentimos que o


experimento está estancado.
14/10/2001
Nesses casos, imagine uma cena e passe a vivê-la como se fosse
fisicamente real mas sem perder o discernimento de que é psíquica.
Se isso não funcionar, há outra alternativa: preste atenção nos sons
ambientes. Durante a paralisia, as percepções auditivas são as primeiras
a manifestar um caráter onírico. Pode ser que você ouça amigos seus,
parentes ou estranhos falando, crianças brincando ou chorando, cães
latindo etc. Muitos desses sons já serão internos, ou seja, você os estará
ouvindo com nitidez mas as pessoas que estiverem acordadas no
mundo exterior não. Nesse ponto principia uma experiência onírica
consciente mais profunda.
Se você considerar que, apesar de sua paralisia, você já está dentro de
um sonho e olhar todos os objetos como tal, poderá se desprender mais
facilmente, ainda que esteja em um estado intermediário. Ao invés de
tentar levantar com todo o corpo, você pode simplesmente tentar
mover os braços ou a cabeça até que os sinta livres da paralisia. Então
poderá se levantar com todo o "corpo" de sonho. Faça "de conta",
quando estiver paralisado, que você já está dentro de um sonho e que
até mesmo a paralisia é uma parte desse sonho. Mantenha a
consciência e desfrute. Você poderá ter até mesmo uma OBE.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
reflexoes-e-conselhos.html

87
Você pode ficar consciente durante o sonho

Muniz, C. M. (2002). Você pode ficar consciente durante o sonho. Poder da Mente nº
7, ano 1, pp. 42-46.

Por Cleber Monteiro Muniz (publicado na revista Poder da Mente)

Na maioria das vezes em que nos deitamos e dormimos, não


percebemos o que está ocorrendo conosco. Nossa consciência "se
apaga" e atuamos dentro do sonho sem perceber que estamos
sonhando.
Não temos, nos sonhos normais, o discernimento de que dormimos.
Tendemos, quase sempre, a acreditar que estamos presenciando cenas
exteriores e não interiores.
Entretanto, há momentos em que reconhecemos o sonho no exato
momento em que se processa. Quando isso acontece, dizemos: "Estou
sonhando, isto que estou vivenciando agora é um sonho".
A modalidade de sonho na qual o sonhador compreende que está
sonhando e não atuando sob forma vígil, isto é, durante a vigília, que é
o estado de quem está acordado, chama-se sonho lúcido (Eeden,
1913).
Um sonho lúcido é, portanto, uma modalidade de estado onírico
(onírico é aquilo que se refere ao sonho) na qual o sonhador está
consciente do que se passa. Compreende que seu corpo dorme na
cama e que viaja para dentro de si mesmo, através das profundidades
da alma. Durante os sonhos lúcidos, a realidade do mundo interno não
é confundida com a realidade exterior.
Há dois modos de realidade: a exterior e a interior. A realidade exterior é
a tridimensional, também denominada "material". A realidade interior é
a dos sonhos, a realidade onírica.
Assim como há um mundo exterior, há um mundo interior. Podemos
dizer que é imaginal pois é feito de imaginações. São imagens internas
de objetos, casas, cidades, pessoas e animais. Trata-se de uma vastidão
que pode ser conhecida e explorada.
Quando temos o discernimento de que estamos sonhando, podemos
aproveitar o sonho ao máximo. É possível viajar para lugares distantes,
conhecer o que está oculto dentro de nós mesmos e aprender a nos
relacionarmos melhor com os nossos conteúdos psíquicos.
Se não estivermos conscientes, confundiremos as cenas oníricas com
cenas físicas. Por tal razão, ao sonharmos com um leão, por exemplo,
fugiremos apavorados acreditando que poderemos ser atacados. É
claro que o animal imaginal, pertencente ao sonho, é inofensivo.
O mundo dos sonhos é real. Podemos dizer que é outro mundo,
pertencente a outra dimensão de nossa existência: "a dimensão do
inconsciente" (Sanford, 1988). É o mundo misterioso ao qual adentrou o
profeta Isaías (Tricca, 1992) em estado de êxtase ante uma multidão.

88
Estando lúcidos, podemos ser exploradores da dimensão desconhecida
e viajar pelas longínquas do mundo interno.

Como se tornar um observador consciente nos seus sonhos

A viagem consciente ao mundo onírico pode ser aprendida por


métodos que visam educar a atenção.
Um método consiste em nos acostumarmos a observar durante o dia as
cenas exteriores que nos rodeiam, realizando "testes de
realidade" (Harari & Weintraub, 1993) com a intenção de descobrirmos
se estamos ou não sonhando. Se o fizermos várias vezes ao dia,
repetiremos a mesma observação à noite, dentro do sonho. Como os
sonhos apresentam cenas ilógicas (cavalos que voam, elefantes
arborícolas etc.), aprenderemos a reconhecê-los através de
acontecimentos impossíveis para este mundo. É um método que se
baseia na prática de discernir constantemente a respeito da natureza
do mundo em que estamos aqui e agora. Funciona pela atenção
cuidadosa e sincera focada sobre os elementos que estão ao nosso
redor: as pessoas, os animais, os carros, as árvores, as casas, etc.
Para que o método da observação da realidade circundante dê
resultados, precisamos ser capazes de permitir que as cenas observadas
nos revelem se são oníricas ou físicas. Muitas vezes, os acontecimentos
que presenciamos nos revelam, por si próprios, se estamos ou não
sonhando. Não necessitamos quebrar a cabeça a respeito, tentando
discernir por meio de raciocínios: basta observar. A observação revela.
Ao tentar discernir por meio de inferências lógicas e não de
constatações puras, nos tornamos incapazes de captar as diferenças
entre os mundos.
Outro método consiste em acompanharmos conscientemente o
processo de instalação do sono. É a técnica do relaxamento
consciente, desenvolvida no budismo tibetano e aplicada por cientistas
em testes de laboratório para indução e estudo de estados oníricos
conscientes. Para aplicá-la, devemos nos deitar e observar
atentamente as alterações corporais e psíquicas pelas quais vamos
passar conforme o sono se instala. É preciso ser paciente e receptivo. A
contemplação consciente e contínua do relaxamento progressivo
permite que adormeçamos sem perder a lucidez. Um cuidado a ser
tomado é o de não bloquear o adormecimento corporal confundindo-
o com perda de consciência.
À medida em que o relaxamento consciente se aprofunda, passamos a
ter percepções alteradas sob múltiplas formas e intensidade cada vez
maior: podemos sentir vibrações na cabeça ou no corpo todo e
chiados intra-cranianos. Podemos, ainda, sentir que estamos caindo ou
que uma corrente elétrica nos percorre. São indicadores de que
estamos atingindo um estado não usual de consciência.

89
Por fim, atingimos a paralisia do sono. É a última etapa. Nesta fase, o
corpo não obedece mais aos nossos comandos, apesar de estarmos
lúcidos, porque está em sono profundo.
A paralisia é inofensiva. Proporciona as primeiras visões e sons do mundo
dos sonhos. Para prosseguir a viagem, temos que receber as imagens e
sons internos que nos chegam, permitir que se configurem por si mesmos
como uma cena onírica.
A ultrapassagem do umbral entre os dois mundos efetivamente se inicia
quando os pensamentos e as imagens mentais se concretizam ante
nossa consciência, passando a ser percebidos com a mesma nitidez
com que percebemos os elementos do mundo exterior durante a vigília.
No instante em que vemos e ouvimos imagens e sons internos
objetivamente, como se fossem externos, estamos inseridos na
dimensão onírica.
A combinação das duas técnicas, a do discernimento diário e a do
relaxamento consciente, acelera a obtenção do sonho lúcido.

As vantagens do sonho lúcido

O medo da morte sofre atenuação quando nos experimentamos vivos,


intactos, lúcidos e acordados enquanto o corpo está adormecido e
desfalecido no quarto.
A experiência de estar lúcido dentro de um sonho nos põe em contato
com um estado de realidade incomum e proporciona a certeza de que
não somos apenas uma massa tridimensional de carne e ossos.
Além disso, o contato direto com os acontecimentos oníricos nos
permite extrair informações do inconsciente. Através da observação e
do diálogo com as figuras que surgem em sonhos, podemos descobrir
muito a respeito de nós mesmos, de outras pessoas ou do mundo. A
psique inconsciente contém informações que ultrapassam o alcance
da consciência e podem ser acessadas durante o sono (Jung, 1963).
A superexcitação e a ansiedade intensa trazem o sonhador lúcido de
volta ao estado vígil contra a sua vontade. Portanto, ao nos
descobrirmos dentro de uma realidade paralela, não devemos ficar
exaltados emocionalmente ou perderemos a experiência. Por meio da
serenidade, conseguimos estabilidade no mundo interior e podemos
prolongar a duração do estado alterado de consciência. O medo, a
alegria, a surpresa ou outras emoções intensas interrompem
subitamente o sonho.
Ao nos descobrirmos lúcidos oniricamente, podemos exercitar, em
estado de máxima serenidade, o vôo, a flutuação, a alteração das
cenas circundantes e o transporte através do tempo e do espaço.
As cenas oníricas tomam forma a partir dos impulsos conscientes e
inconscientes de pensamento e sentimento. Por isso, podemos criar
acontecimentos dentro do sonho lúcido através da imaginação e da
vontade. Por meio da imaginação e da vontade concentradas,

90
podemos voar, ir à países distantes, assumir a aparência de outras
pessoas e até nos experimentarmos como se fôssemos elas próprias.
O poder de interferir conscientemente no roteiro do sonho depende do
grau de discernimento e liberdade de ação que nossa consciência
possui; se não estivermos lúcidos, será muito pequeno.
Um novo mundo se abrirá ante aquele que aprender a viajar
lucidamente para o universo da alma. Sua vida será resignificada e
sua idiossincrassia (visão de mundo) renovada. As entidades da psique
demonstrarão que possuem realidade objetiva (Jung, 1963). Então, o
sonhador descobrirá por si mesmo que o universo imaginal anímico do
homem é, à sua maneira, concreto. É a porta que nos permite chegar
aos limites extremos da ciência no que concerne às questões espirituais
e até ultrapassá-los.

Referências:
EEDEN, Frederik Van. A Study of Dreams. Vol. 26. Proceedings of the
Society for Psychical Research, 1913. Disponível na internet via WWW.
URL: www.psychology.about.com/science/psychology/library/weekly C
apturado em março de 2001.

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias: O


Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.

JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões (Memories, Dreams,


Reflections). Trad. de Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1963.

O Livro da Ascensão de Isaías. In: TRICCA, Maria Helena de Oliveira (org.


e comp.). Apócrifos: Os Proscritos da Bíblia.. São Paulo: Mercúrio, 1992.

SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing).


Trad. de José Wilson de Andrade. Terceira edição. São Paulo: Paulus,
1988.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-voce-
pode-ficar.html

91
Transcendendo a preocupação com a concretude

Por Cleber Monteiro Muniz em 14 de maio de 2001


Atualizado em 26 de abril de 2002

Resumo: Não seremos capazes de reconhecer o sonho no instante


exato em que se processa dentro de nós se considerarmos sua
existência ilusória, vaga e não-concreta. A lucidez intra-onírica exige
que o tomemos como realidade paralela à vígil.
A elevada numinosidade das cenas oníricas dão a elas um realismo que
se equipara ao do mundo físico. Nitidez nas percepções, intensidade de
sentimentos e impactante solidez dos objetos são fatores que fascinam
a consciência ainda imatura para o contato direto com a matéria
onírica.
O discernimento advém quando aprendemos a aceitar o mundo
onírico tal como é. Quando mantemos, ainda que na sombra, a idéia
de que as cenas dos sonhos são "voláteis" em si mesmas e não em
relação à forma densa de existir, não as reconhecemos quando nos são
apresentadas. Ao tentarmos observá-las e reconhecê-las tendo por
base sua volatilidade, as tomamos por físicas uma vez que a
observação está condicionada por um pressuposto falso.
Tentar reconhecer o sonho "in loco" tendo por base sua pouca
concretude é desprezar sua numinosidade e tomá-lo como algo que
não é: um mundo que aparece ao explorador como vago e de
existência ilusória. Essa é uma abordagem equivocada que resulta na
continuidade do adormecimento da consciência e reforça a
incapacidade de distinção entre os mundos onírico e físico.
O "conhecer com" de Edinger (1999), a simultaneidade entre objeto
conhecido e sujeito de conhecimento (pp. 49-50) não é atingido em
sonhos pela consciência condicionada por um pressuposto equivocado
e que dele é incapaz de se libertar.
O problema está na influência inconsciente ou semi-consciente da
equivocada concepção do onírico. Podemos crer que
compreendemos a relatividade da concretude e seu efeito numinoso
mas, ao mesmo tempo, continuarmos utilizando critérios equivocados
para diferenciação sem que nos apercebamos disso.
A alta plasticidade da matéria que compõe os elementos dos sonhos
não implica em sua abstratilidade. Por mais plástica e mutáveis que
sejam as cenas, no momento em que se configuram no universo
imaginal apresentam solidez. Se, em uma experiência onírica
consciente, batermos com o pé em uma rocha, podemos sentir o
choque da colisão com a mesma intensidade que sentiríamos se o
fizéssemos no mundo físico.
O solo em que pisamos, o corpo que apalpamos e o inimigo com quem
lutamos em sonho são sólidos naquele instante. O vento que sentimos
no rosto, a chuva que nos encharca e o pássaro que voa no céu são
concretos naquele momento para o sonhador. É o vivo poder da

92
numinosidade, que engana as almas ingênuas e as vitima com a
inflação por arquétipos.
A lucidez intra-onírica é o reconhecimento da situação em que estamos
enquanto o corpo dorme. Advém da faculdade de enxergarmos o
mundo dos sonhos como é, numinoso e concreto, e não como o
extrovertido homem ocidental moderno supõe normalmente: vago e
ilusório.
Quando em sonho e durante a educação vígil da atenção, a auto-
indagação a respeito de onde estamos precisa ser acompanhada pela
observação consciente da realidade circundante sem a contaminação
pela idéia de que um mundo de objetos sólidos é físico. A observação
correta não se pauta pela concepção de que a solidez é exclusividade
da modalidade tridimensional de existir.
O ato de testar o teor da realidade circundante por meio da
observação exige que partamos do pressuposto de que, caso
estivéssemos em um sonhos, estaríamos em um mundo idêntico ao
exterior no que se refere ao impacto realístico das imagens, concretude
inolvidável dos objetos e nitidez de percepções e sensações.
O reconhecimento do estado onírico exige que dispensemos a
concretude como meio de identificação do teor da realidade
observada. A observação correta recebe as imagens circundantes sem
reações racionais e permite que seu teor onírico ou físico se revele
espontaneamente através dos acontecimentos presenciados no nível
imediato.
É preciso esclarecer, quando afirmamos que o mundo dos sonhos é
concreto, que o estamos fazendo levando em consideração a
relatividade matéria-energia. É claro que, de um ponto de vista
exclusivamente tridimensional, suas cenas são abstratas. Mas do ponto
de vista da realidade intra-onírica imediata, isto é, do ego que as
vivencia e saboreia sem o intermédio da recordação posterior, é
concreto.
Durante o sono o ego se desliga, em grande parte, do corpo físico e das
exopercepções. Passa a ser, então, energia quase pura. As imagens do
inconsciente com as quais estabelece contato são igualmente
energéticas, tendo a mesma natureza psíquica. Devido a essa
afinidade vibracional, consciência e imagens oníricas assumem uma
configuração reciprocamente sólida. Daí a tangibilidade das imagens
internas no sonho.
Sobre a percepção da materialidade dos sonhos
(em 25 de abril de 2002)
Ao tentamos discernir se estamos ou não sonhando, temos que fazê-lo
partindo do princípio de que o mundo onírico é tão material quanto o
físico.
Quando, dentro de um sonho, observamos a realidade circundante e
nos questionamos a respeito de estarmos ou não em uma dimensão
paralela, a materialidade dos objetos que vemos nos engana, nos leva
a acreditar que vemos cenas físicas.

93
A educação ocidental nos inculcou a idéia errônea de que o espírito se
opõe à matéria e de que a alma se opõe ao corpo. A idéia de que o
espírito e a alma sejam imateriais condicionam nossa percepção e nos
impedem de despertar no interno.
Nos condicionamos a sempre duvidar da possibilidade de estarmos em
uma dimensão paralela. Quando estamos em sonho e nos depararmos
com a concretude da realidade onírica, somos enganados por sua
materialidade e acreditamos estar sob forma física.
A concepção de que o interno é imaterial, abstrato e ilusório impede a
aceitação de que as cenas vistas sejam "astrais" (no dizer dos ocultistas).
Ao concebermos, ainda que inconscientemente, as cenas oníricas
como imateriais, nos tornamos incapazes de reconhecê-las quando nos
são apresentadas.
O mundo dos sonhos é tão material quanto o mundo físico, embora o
seja sob outra forma. Para despertar, é importante concebê-lo como
realmente é.
O discernimento não dá resultado quando é realizado sob uma base
falsa. A idéia de um mundo interior ("onírico" para a ciência ou "astral"
para os ocultistas) abstrato é uma base falsa para o discernimento.
A observação fundada sobre uma base verdadeira revela o teor da
realidade circundante. A quinta dimensão concebida como universo
concreto, material e paralelo é a base verdadeira pois corresponde à
realidade dos fatos.
Esta dimensão existencial em que vivemos, a física, não é "a dimensão
por excelência". É apenas uma das muitas existentes. A crença de que
outros universos sejam menos reais e concretos tem a mancha do
materialismo cético unilateral que aborta as viagens interiores.
O fato de atuarmos conscientemente no universo físico não significa
que este seja o único universo material existente. Os mundos da quarta,
quinta e sexta dimensões são reais e feitos de matéria. A idéia de que
são abstratos provém da alucinação materialista e gera um
condicionamento psíquico que obstrui a passagem interdimensional à
consciência.
Há que se inverter a usual concepção de realidade e radicalizar esta
inversão até o final sem medo da loucura. A loucura não vitima quem
ativa e desperta a consciência. Conseguimos a inversão ao aplicarmos
durante o dia um exercício ensinado por Tholey que consiste em
observar o mundo físico, com todo o seu impacto realístico de
concretude, como se fosse um sonho. Se formos capazes de sentir em
profundidade os sabor emocional desta observação, quebraremos a
crença materialista arraigada em nossa mente.

94
Referência bibliográfica

EDINGER, Edward F. A Criação da Consciência: O Mito de Jung para o


Homem Moderno. (The Creation of Consciousness: Jung’s Myth for
Modern Man). Trad. de Vera Ribeiro. Nona edição. São Paulo, Cultrix,
1999.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
transcendendo.html

95
O presente como porta para a realidade onírica
natural
Muniz, C. M. (2001). O Presente como Porta para a Realidade Intra-onírica
Natural. Catharsis, ano 7, número 38, pp. 14-16. Marigny & Kerber.

Por Cleber Monteiro Muniz em 23/02/01


(publicado na revista Catharsis)

O nosso funcionamento consciente usual não nos mantém em contato


constante com a realidade imediata. Fascinada pelo poder hipnótico
dos pensamentos mecânicos e subjetivos, função da mente autônoma
e rebelde, nossa consciência se processa em modo medíocre. Apesar
do nosso assombroso desenvolvimento intelectual, sofremos a perda da
faculdade de viver no presente.

A vivência intensa do agora é natural e está latente nos seres humanos,


podendo ser ativada pelo uso. Trata-se de um funcionamento
arquetípico da psique que aflora à medida em que é ativado.

As crianças, os animais e os povos primitivos ainda conservam, algumas


vezes, traços mais ou menos marcantes desse modo de sentir a
realidade.

O homem moderno ocidental sofreu uma atrofia desse poder por


supervalorizar a mente e polarizar-se excessivamente na extroversão. Ao
não perceber seus próprios processos internos, ele não pôde vigiá-los.
Por outro lado, o endeusamento do raciocínio como forma única de
acesso à realidade fez com que seus processos mentais se acelerassem
mais e mais. Como resultado, sua mente se tornou autônoma: ela não
obedece ao comando da consciência e projeta pensamentos sem que
isso lhe seja solicitado.

Dotados de um poder hipnótico fortíssimo, os pensamentos impedem o


estado de alerta. A consciência adormece entre eles, deixando-se
fascinar. Identificada com os processos mentais, se esquece da
distinção que a separa dos mesmos. O resultado é a incapacidade de
enxergarmos a realidade presente na qual estamos inseridos.

A realidade possui dois lados: o interno e o externo. Ambos estão no


agora.

Se quisermos adentrar ao universo interior, precisamos aprender


vivenciar o presente com profundidade cada vez maior. Por essa razão,
Kornfield (1995) considera que"penetrar no momento presente é a
primeira entrada nos domínios espirituais pois estes não estão nem no
passado e nem no futuro. O passado é mera lembrança e o futuro pura
imaginação. O presente fornece a porta de entrada em todos os reinos

96
da consciência que estão além das nossas atividades cotidianas
normais. Estar aqui exige uma fixação da mente, uma concentração e
uma atenção. É a velha frase dos cassinos de Las Vegas: ‘Você tem de
estar presente para ganhar’. " (p. 160)

O mesmo estado conscientivo tinham os samurais nos combates e foi


cultivado no Jeet Kune Do de Bruce Lee. Porém, nesses casos o alerta
era aplicado a uma finalidade física.

A educação da consciência para contatar o mundo interior passa pelo


exercício de estar presente. À medida em que nos acostumamos a viver
no agora, tomamos consciência de muitos acontecimentos interiores
que estavam na sombra. Entretanto, temos que focar o aspecto interno
do agora. Não se trata de olhar o presente exclusivamente pela via da
extroversão. É preciso recordar sempre que há um mundo interno que
nos acompanha a todo momento.

O presente possui vários aspectos que vão sendo gradativamente


absorvidos pela consciência à medida em que ela se educa. Um deles
é o nosso comportamento, aquilo que estamos fazendo no agora. Ele
envolve os pensamentos, os sentimentos, os movimentos, as tendências
instintivas e a sexualidade, entre outros, e se relaciona com a
assimilação das múltiplas facetas do inconsciente. Outro aspecto do
presente é o lado de nossa existência em que estamos em um dado
instante. Esse aspecto envolve uma questão que normalmente chama
atenção de poucas pessoas e que se relaciona com a possibilidade de
estarmos, em certos momentos da nossa vida, dentro de um sonho
(literalmente). Na maioria das vezes, o ego sonhador não se dá conta
da realidade presente que contata durante a noite. A consciência
egóica em geral não sabe que está sonhando enquanto o corpo
dorme. Se aprendemos a vivenciar intensamente o presente durante o
dia, o faremos também durante à noite, dentro do inconsciente. Ao
fazê-lo, acordaremos para uma realidade psíquica paralela, que existe
dentro de nós e forma um mundo imagético.

O mundo interior é real e concreto. Embora seja sutil, energético e


dotado de objetos com formas altamente plásticas, sua existência não
é ilusória. Devemos por cuidado nas questões psíquicas porque elas nos
afetam tanto quanto as questões externas. Para Jung (1984) é um erro
atribuir à realidade externa o status de realidade única:

"É muito difícil acreditar que a psique nada representa ou que um fato
imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência míope a
procura. Ela existe, embora não sob uma forma física. Ë um preconceito
quase ridículo supor que a existência só pode ser de natureza
corpórea [física]. Na realidade, a única forma de que temos
conhecimento imediato é a psíquica. Poderíamos igualmente dizer que

97
a existência física é pura dedução uma vez que só temos alguma
noção da matéria através de imagens psíquicas, transmitidas pelos
sentidos."(p. 14)

Assim como aprendemos a viver no mundo exterior, temos que nos


desenvolver conscientemente no mundo interior. Isso implica em
estarmos acordados para ele o tempo todo, observando-o. Mas não
poderemos fazer isso se estivermos fora do presente, imersos em
pensamentos. Há uma diferença entre observar a psique e pensar sobre
a psique. Quando a observamos, seus componentes são vistos
objetivamente. Se ficarmos pensando, veremos apenas os pensamentos
que nós mesmos forjamos egoicamente.

A realidade interior é tão vasta quanto a exterior e forma um mundo


análogo ao físico sob certos aspectos e ao qual pertencem os sonhos,
as fantasias, os pensamentos e os sentimentos. Esse mundo contém
imagens que mantém correspondência com os elementos exteriores e
que, muitas vezes, se formaram a partir do contato com eles. Trata-se
de um mundo real à sua maneira e ao qual adentramos quando
sonhamos à noite. Esse mundo é tão real que seus efeitos se fazem sentir
fisicamente (Jung):

"Quando você observa o mundo, vê gente, vê casas, vê o céu, vê o


objetos tangíveis. Mas quando você se observa interiormente, vê
imagens animadas, um mundo de imagens que são, em geral,
conhecidas como fantasias. Entretanto, essas fantasias são fatos. É um
fato que um homem tinha esta ou aquela fantasia, uma fantasia tão
tangível que, quando um homem tem uma certa fantasia, um outro
homem pode perder a vida ou uma ponte pode ser construída. Todas
essas coisas foram fantasias... Convém não esquecer isto: a fantasia não
é o nada." (apud Saiani, 2000, p.34, grifo meu)

Essa idéia de um mundo interior real é compartilhada por Saiani para


quem o pressuposto de que a "realidade objetiva" e o "puramente
subjetivo" diferem é preconceituoso uma vez que a realidade abrange
eventos físicos e psíquicos (idem, p. 90). Levada adiante, isso significa
que existem objetos psíquicos assim como existem objetos físicos e que
nem sempre o psíquico é subjetivo.

Além disso, JUNG (1986) entende que o ego possui seu próprio mundo,
no qual está contido, e que esse mundo é a alma, sendo sensato
considerá-lo tão válido quanto o mundo empírico uma vez que possui
tanta realidade quanto ele. Segundo seu pensamento, a psicologia
deveria reconhecer que o físico e o espiritual coexistem na psique e que
por razões epistemológicas, esse par de opostos foi cindido pelo homem
ocidental.

98
À medida em que educamos nossa consciência para viver no presente
e não reagir evitando a visão do desagradável, ela vai amadurecendo.
Isso provoca o seu aumento pela descoberta do novo. Se a disciplina
prossegue, atingimos um ponto em que ficamos lúcidos dentro dos
sonhos enquanto o corpo físico dorme (Harari & Weintraub, 1993). Então,
podemos explorar as distantes terras interiores pois "da mesma forma
que o inconsciente age sobre nós, o aumento da nossa consciência
tem, por sua vez, uma ação de ricochete sobre o inconsciente."(Jung,
1963, p. 282). Esse ricochete é uma mudança na forma dos sonhos se
processarem: seus conteúdos se modificam como resultado da
ampliação da consciência do/no aqui-agora. Levamos para dentro
deles essa vigília, esse viver imbuído da realidade presente. Passamos,
então, a viver acordados no sonho, plenamente lúcidos.

Quando nos damos conta do teor da realidade onírica presente, à


noite, vivenciamos seus instantes intensamente e compreendemos que
estamos sonhando enquanto nosso corpo físico dorme na cama.

Os sonhos correspondem a uma dimensão real de nossa existência que


começou a ser estudada pela ciência há pouco tempo. Nós a
chamamos de inconsciente porque não temos, usualmente, contatos
conscientes e diretos com ela (Sanford, 1988):

"(...)eis uma teoria básica sobre os sonhos: originam-se em outra


dimensão de nossa personalidade a qual, pelo fato de não termos
consciência da mesma, é chamada de inconsciente."(p.29, grifo meu):

Essa outra dimensão começou a ser estudada pela ciência apenas nos
últimos cem anos. Os desafios cognitivos que ela lhe lançou estão sendo
investigados cada vez mais seriamente:

"Durante o século XX, o sonho volta a se tornar objeto válido de estudo


e investigação. E temos, por exemplo, as pesquisas sérias relativas ao
sono e aos sonhos que começaram a ser feitas depois da Segunda
Guerra Mundial."(idem, p.15)

O mundo dos sonhos é alvo de interesse da ciência e não um atributo


exclusivo do misticismo. As experiências místicas são, antes de tudo,
experiências humanas que devem ser abordadas desde o ponto de
vista da cultura em que surgem. A postura verdadeiramente científica
visa adquirir o conhecimento e se aproximar progressivamente da
verdade, através de sucessivas e temporárias construções teóricas. Se
quisermos compreender verdadeiramente uma experiência humana de
tipo místico, e esse algumas vezes é o caso da experiência onírica
consciente - que para certas correntes de pensamento possui
significado profundamente religioso - não podemos rechaçá-la por não
se enquadrar em moldes teóricos rígidos e inadaptáveis, arbitrariamente

99
estabelecidos a priori. Isso seria uma anti-ciência que acarretaria num
agnosticismo (a negação do conhecimento). Aquele que se intitula
agnóstico é um ignorante pois adota para si um nome cujo significado
literal é: "aquele que desconhece’’, ou seja, assume para si próprio e
para os demais um rótulo que o identifica como um desconhecedor,
desqualificando os conceitos que emite sobre alguns aspectos da
realidade, em geral incorretamente abordados sob a alegação de
serem falsos. Orgulhar-se disso é orgulhar-se de estar contra o
conhecimento, ou seja, em favor da ignorância. Esses são os que
negam a existência de uma realidade usualmente invisível em uma
dimensão supra e infra-sensível dentro do homem e o fazem por duas
razões: ela não se encaixa em suas estruturas intelectuais, instrumento
único de cognição que possuem, e ameaça a visão de mundo que
construíram durante toda a vida e sobre a qual erigiram os castelos de
areia de suas existências. Entretanto, a teoria deve se modificar para
acompanhar os fatos e não o contrário. Além do mais, é melhor
aprofundar e ampliar, pela observação e exploração, a compreensão
da maneira como se processa um fenômeno do que ficar imóvel
especulando sobre suas causas a partir de uma lógica excludente e
supervalorizada como única.

Mas não nos distanciemos muito do nosso assunto... Os sonhos lúcidos


existem, estão documentados por muitos cientistas e provam que a
dimensão intra-onírica possui um instante presente, um agora no qual
um mergulho é possível. Além desta dimensão em que vivemos durante
a vigília, há outra: a dimensão do inconsciente, de onde os sonhos
provém e à qual podemos adentrar se cultivarmos a vivência no
presente como fazem certos ascetas tibetanos, os quais viajam para
remotas paragens de si mesmos levando consigo a consciência plena,
façanha obtida por meio do relaxamento vigilante e profundo (Harari &
Weintraub, 1993). Ambas coexistem paralelamente e fazem parte da
natureza, que possui dois lados: um denso e outro sutil. O lado denso
corresponde ao mundo físico, no qual se move o nosso corpo, que é
feito da mesma matéria que compõe o mundo que o envolve. O lado
sutil da natureza corresponde à parte energética do planeta e do
homem, na qual a psique está inserida e de onde provavelmente
provém sua composição.

Por enquanto essas regiões naturais da psique ainda não são facilmente
acessíveis à exploração científica, no atual estágio do seu
desenvolvimento, mas a consideração séria das mesmas enquanto
realidade passível de investigação livre e dos relatos de pessoas que
realizam viagens oníricas conscientes (sonhos lúcidos) podem abrir
novas portas nesse campo e ajudar a dissipar a ignorância a respeito,
além de ocupar um espaço que de outra forma poderia ser destinado
a charlatanismos mistificatórios.

100
Referências bibliográficas

 HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias :


o Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.
 JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos e Reflexões. Trad. de Dora
Ferreira da Silva. Vigésima Primeira Impressão. Editora Nova Fronteira.
 JUNG, C. G. Psicologia e Religião (Zur Psychologie Westlicher und
Östlicher Religion: Psychologie und Religion). Trad. de Pe Dom Mateus
Ramalho Rocha. Segunda edição. Petrópolis, Vozes, 1984
 JUNG, C.G. & Wilhelm, R. (organizadores). O Segredo da Flor de
Ouro: Um Livro de Vida Chinês. Trad. de Dora Ferreira da Silva e Maria
Luíza Appy. Terceira edição. Petrópolis, Vozes, 1986.
 KORNFIELD, Jack. Obstáculos e vicissitudes da prática espiritual. In:
GROF, Stanislav & GROF, Cristina (orgs.): Emergência Espiritual: Crise e
Transformação Espiritual(Spiritual Emergency: When Personal
Transformation Becomes a Crisis). Trad. de Adail Ubirajara Sobral. São
Paulo, Cultrix, 1995.
 SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma análise da relação
professor/aluno. Primeira edição. São Paulo, Escrituras, 2000.
 SANFORD, J. A. "Os Sonhos e a Cura da Alma" (Dreams and
Healing). Trad. de José Wilson de Andrade. Terceira edição. São Paulo,
Paulus, 1988.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-o-
presente-como-porta.html

101
A percepção consciente dos traços oníricos sutis
09/05/2001
Por Cleber Monteiro Muniz

Além dos elementos fortemente subversores da lógica formal fáceis de


detectar, que seriam totalmente impossíveis e absurdos para o mundo
da vigília, os sonhos são ricos em traços sutis que os denunciam.
Correspondem a combinações de acontecimentos que se encaixam
perfeitamente na lógica vígil mas que não correspondem à
conformação usual do que vivemos diariamente ou à "forma como as
coisas deveriam estar". São alterações leves na forma como as coisas
comumente estão.

Nossa casa com um quadro novo, nosso carro com um arranhão que
não possuía no dia anterior, nosso computador fora de lugar ou com um
comando diferente não são impossíveis e nem absurdos para a lógica
em que vivemos durante o dia. No entanto, podem auxiliar a
reconhecer um sonho.

Se nos acostumamos a usar as alterações na conformação usual de


acontecimentos de nossa vida como estimulador da recordação em
discernir, o faremos sempre que algo novo acontecer. Isso repercurtirá à
noite.

O importante é nos educarmos para sempre reagir a tudo o que é novo


com a observação da realidade em que nos encontramos. A
observação não deve ser passiva, automática mas sim ativa e
consciente.

A partir do momento em alguma novidade nos chame a atenção,


precisamos observar os acontecimentos presentes à procura de mais
alterações ou novidades até que descubramos se realmente estamos
no mundo físico. Quando olharmos ao redor, temos que fazê-lo
buscando alterações na realidade, acontecimentos estranhos.

A prática de observação para o discernimento se fundamenta na


estranheza. O que não for usual deve nos causar estranheza. Devemos
estranhar tudo o que se desloque da configuração usual de
acontecimentos que conhecemos. Se nos educamos para perceber as
alterações sutis, as grandes alterações e os grandes absurdos serão
identificados pela consciência onírica.

Nossa consciência, adormecida, é míope para as alterações sutis. Nos


sonhos elas surgem aos milhares e não as vemos. Por meio da
educação da atenção, no entanto, aprendemos a captá-las
conscientemente mais e mais.

102
A percepção consciente do sutil precisa ser exercitada com cuidado e
disciplina durante o dia. As leves alterações na configuração dos
acontecimentos diários precisam ser tomadas como motivo de
observação e auto-questionamento a respeito da dimensão da
existência em que estamos num dado momento.

É claro a reação consciente ao sutil não implica em abandono do


cuidado observacional em face de situações extremas como uma
viagem a um país para o qual nunca fomos ou um cão falando ao
telefone.

Os traços tipicamente oníricos, indicadores da realidade fantástica,


apresentam uma escala que vai das pequenas modificações do que
pertenceria à realidade tridimensional até o extremo das situações
completamente impossíveis e absurdas. A subversão da lógica vígil
apresenta graus aos quais a consciência educada estará atenta. Seu
campo abrangerá os indicadores pequenos e os grandes.

Há casos em que a diferenciação entre os modos de realidade vígil e


onírico é muito difícil por ambos se apresentarem à primeira vista como
idênticos. Quando isso ocorre, a tarefa de discernir é como a de
diferenciar dois irmãos gêmeos: exige uma observação acurada que vá
além do que se revela à primeira vista.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
percepcao-consciente-dos.html

103
O despertar no mundo interno por meio do
conhecimento vígil da natureza do sonho
04 de março de 2001
Por Cleber Monteiro Muniz

As anotações de nossas vivências noturnas fornecem a oportunidade


de maior contato consciente com seus conteúdos por que atuam
como ponte entre as lembranças mais vívidas e as mais tênues, que
estão quase ou levemente apagadas da memória consciente. Se essas
recordações fossem absolutamente apagadas, nem mesmo as
anotações as resgatariam.

À medida em que nos aprofundamos no conteúdo das anotações,


vamos progressivamente descobrindo características e detalhes
tipicamente oníricos que vão sendo revelados à consciência. A
verdadeira natureza dos sonhos vai sendo assimilada por nós se formos
capazes de tomá-los como eles são e não como acreditaríamos ou
gostaríamos que fossem.

O conhecimento adquirido por meio da constatação direta e


progressivamente aprofundada nos possibilita reconhecer o sonho no
momento em que se processa. Ao aumentarmos nossa intimidade, nos
tornamos "amigos" do fenômeno onírico (Hillman, 1984, p.58). A
consciência que compreende a natureza típica desse fenômeno, torna-
se capaz de reconhecê-lo durante a noite.

As recordações do sonhos permitem aumentar a compreensão de suas


características típicas e atípicas. Esse é o alicerce para a identificação
do teor onírico de cenas visualizadas enquanto dormimos. Se não
sabemos o que é típico de um sonho, como iremos reconhecê-lo?

O aprofundamento do contato com o mundo das imagens noturnas


nos revelará dois tipos de características tipicamente oníricas: as
coletivas e as individuais.

As características coletivas são traços exclusivamente oníricos (ausentes


no mundo vígil) que povoam os sonhos de todas as pessoas. As
características individuais são as que pertencem apenas aos nossos
próprios sonhos. Ambas servem como ponto de apoio para despertar
nos mundos internos. Sejam elas recorrentes ou não, nos revelam a
natureza daquilo que estamos vendo, permitindo que a consciência
identifique a realidade onírica no momento em que a acessa.

Alguns traços oníricos não subvertem as leis do mundo tridimensional.


São acontecimentos possíveis para este mundo mas que não

104
correspondem à configuração de fatos de nossa vida particular e atual
como, por exemplo, o sonho de uma senhora de setenta anos de idade
no qual ela se vê dançando heavy metal ou o de um ateu que se vê
orando fervorosamente em uma igreja. Embora possíveis na existência
vígil, essas imagens não devem ser muito comuns em tal estado, sendo
mais provável que pertençam aos sonhos. Por destoarem do
tipicamente cotidiano, servem como aviso de que podemos estar
sonhando, embora não dêem a certeza disso. Não são indicadores
inequívocos, uma vez que não desafiam violentamente a lógica deste
mundo, mas nos estimulam a desconfiar do caráter físico da realidade
com a qual estamos em contato.

O despertar nos mundos internos é reflexo de um trabalho que fazemos


aqui, no mundo físico, no sentido de estarmos acordados para a
realidade em que estamos inseridos no presente, observando-a e
fazendo "testes de realidade" (Harari & Weintraub, 1993, pp. 35-37) para
descobrir se estamos sonhando ou não. Se anotarmos as vivências
noturnas e as estudarmos cuidadosamente, descobriremos
progressivamente mais e mais seus sinais tipicos, tanto individuais como
coletivos. Essa descoberta facilita o discernimento pelos testes de
realidade uma vez que enriquece os parâmetros de observação do
mundo que nos envolve.

É importante tomar cuidado com a atuação do intelecto. Embora ele


seja importante, pode atrapalhar os testes de realidade. Isso ocorrerá
caso tentemos reconhecer o mundo onírico por meio de raciocínios e
não da observação direta.

O discernimento resulta da constatação de que estamos sonhando sem


o intermédio do pensamento lógico. Em outras palavras: é o próprio
contexto intra-onírico nos revela sua natureza e não o intelecto. Por
meio de seus sinais típicos, ele nos informa que estamos experienciando
cenas interiores que possuem alto grau de numinosidade e nitidez. Se
tentarmos discernir pelo pensamento seremos enganados pelo impacto
da forte impressão de realidade das imagens, o qual chega a
proporcionar sensações semelhantes às físicas.

É preciso aprender a observar a realidade que nos rodeia sem pensar,


deixando que ela nos revele a forma sob a qual estamos existindo num
dado momento. Desse modo, a percepção consciente do outro mundo
nos "cai" durante a viagem noturna. Mas para isso precisamos nos
manter alertas durante o dia e rever sempre nossas anotações
mudando os parâmetros de abordagem.

105
Referências bibliográficas:

 HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. "Sonhos Lúcidos em 30 dias:


o Programa do Sono Criativo" (Lucid Dream in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.
 HILLMAN, James. "Uma busca interior em psicologia e
religião". (Insearch-Psychology and Religion). Trad. de Aracéli Martins
Elman. 3a edição. São Paulo, Paulus, 1984.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-o-
despertar-no-mundo.html

106
A síntese de indicadores de realidades opostas na
observação das cenas circundantes

Por Cleber Monteiro Muniz, 19/05/2001

No discernimento, o conhecimento dos traços típicos do mundo físico é


tão importante quanto o conhecimento das características peculiares
ao mundo onírico.

O poder de identificação do mundo em que estamos resulta da


consciência do que é exclusivo a cada uma das dimensões existenciais.
A observação diária da realidade circundante com a intenção de
reconhecê-la não deve se pautar apenas por marcas que assinalem
sonhos.

A presença de indicadores do mundo tridimensional aliada à ausência


de indicadores do mundo onírico nos dá a certeza de que não estamos
sonhando e vice-versa.

A continuidade espaço-temporal dos acontecimentos é um indicador


de que não estamos fora do mundo físico. Nos sonhos, as cenas dão
saltos no tempo e no espaço, não apresentando continuidade. A
pessoa que dialoga conosco em um instante pode não ser a mesma no
instante seguinte. A casa dentro da qual estamos em um momento
pode ser outra quando dela saímos.

No mundo físico, pelo menos durante estados usuais de consciência, o


desenrolar dos fatos é percebido como sequencial no tempo e no
espaço. Não podemos saltar subitamente de um país a outro, de uma
cidade a outra, de um local a outro sem atravessar as porções de
espaço que os separam. Também não podemos subverter as leis
temporais, vivenciando o dia durante a noite, retrocedendo à infância
ou nos vendo com a fisionomia que tínhamos há vinte ou trinta anos
atrás.

A continuidade espaço-temporal é o agente da estabilidade (ausência


de ruptura) percebida nos acontecimentos tridimensionais. A subversão
a esse princípio causaria certamente espanto neste mundo. O mundo
dos sonhos, entretanto, rompe muitas vezes com a mesma e o ego não
reage a isso com estranhamento em situações comuns.

Do explicado decorre a necessidade de educarmos a atenção vígil no


sentido de utilizar a estabilidade e a continuidade das cenas como um
critério de reconhecimento da realidade experimentada no agora.

107
O ato de observar a cena circundante durante o dia visando discernir
exige que sejamos sensíveis à continuidade que caracteriza o mundo
físico e, simultaneamente, aos traços típicos da realidade fantástica. A
síntese dos dois modos de receptividade origina o estado conscientivo
adequado à obtenção da lucidez intra-onírica.

A identificação com uma das duas modalidades de sinais interrompe a


síntese de fluxos de atenção e nos leva à confusão, não permitindo que
a auto-indagação seja real.

Há uma diferença entre a auto-indagação real e a simulada. Na


verdadeira existe dúvida e não apenas o cumprimento de um costume.
A consciência chega a um estado em que de fato não sabe se está no
mundo físico.

O mesmo não sucede com a indagação simulada, a qual é mecânica.


Nela, o sentimento de insegurança a respeito da dimensão em que
estamos não existe e, como consequência, não ansiamos
verdadeiramente por descobrir. Isso é agravado pela possibilidade de
auto-engano: a consciência, em certos casos, acredita que está
duvidando sem o estar. Por deficiência na auto-observação, o
ceticismo e sentimento de segurança, inconscientes, a fazem acreditar
que está atuando em modo tridimensional.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-sintese-
de-indicadores.html

108
As experiências oníricas conscientes como meio
adicional de investigação dos conteúdos ctônicos
04 de Março de 2001
Por Cleber Monteiro Muniz

Por nos permitirem a transposição do limiar das zonas obscuras


carregando conosco uma centelha luminosa, os sonhos lúcidos podem
ser um instrumento adicional de investigação do mundo psíquico
subterrâneo.

Como instrumento de cognição extraído de experiências humanas por


muito tempo marginalizadas e a ser submetido ao aperfeiçoamento
científico, esse tipo de sonho tem muito a oferecer. Para aqueles que o
experimentaram, ele é a prova de uma extensão sutil do ser.

Os sonhos lúcidos e experiências semelhantes nas quais há perda dos


sentidos externos, como a meditação e as experiências de quase-
morte, situam-se no limite impreciso entre a experiência científica e a
religiosa. Eles podem ajudar a aumentar a zona de intersecção entre
ambas, permindo que a ciência transcenda o tabu de não penetrar no
domínio do usualmente considerado incognoscível.

Métodos funcionais de investigação não podem ser descartados


simplesmente por não se encaixarem em moldes egóicos arbitrários.
Além da reconstrução constante dos métodos, é preciso que haja uma
reconstrução constante dos parâmetros científicos de realidade. Do
contrário a essência de certos fenômenos não será acompanhada e
compreendida por se estar submetido a formas mentais obsoletas. Os
sonhos lúcidos não são acessíveis a todos mas apenas àqueles que se
tornam sensíveis, voluntária ou involuntariamente, à realidade
fantástica.

As viagens oníricas conscientes não são um meio alternativo de


investigação da psique mas sim adicional. Como não se antagonizam
com os métodos usuais, podem ser acrescentadas a eles.

Uma consciência desperta e sincera na busca do si mesmo explora o


universo onírico à noite com mais eficiência e menos riscos do que uma
consciência adormecida. Além disso, é mais receptiva aos conteúdos
contatados por compreender que são oníricos e que, portanto, não
ameaçam os caprichos egóicos que porventura existam. A
compreensão de que se está em sonho fornece a possibilidade de
experimentar situações impossíveis para o mundo "real", revelando
significados que de outra forma permaneceriam na escuridão.

109
Na verdade, os sonhos sempre compensam as carências da vida
consciente e, quando são lúcidos, essas compensações entram no
campo visível, sendo assimiladas na vida. Incursões conscientes às
remotas paragens de nós mesmos, às vastidões interiores, são
acompanhadas por natural e espontânea assimilação do que se passa
em nossas profundidades.

A prática da imaginação ativa, método usado para contato com


conteúdos ctônicos, é, em seu aspecto mais profundo, o início de uma
experiência transcendente de caráter onírico. Um sonho lúcido é uma
prática de imaginação ativa levada a níveis muito distantes e na qual a
consciência se mantém coesa, desperta e desprendida do adormecido
corpo físico, totalmente focada na introspecção.

A psique inconsciente contém informações que transcendem os limites


do tempo e do espaço e encerra segredos que podem auxiliar a
modalidade vígil de existência. Aqui reside, precisamente, a
importância maior de se despertar a consciência onírica: a
possibilidade de se aprender a consultar o inconsciente diretamente.

Durante os sonhos usuais, a consciência adentra às zonas inconscientes


sem a compreensão de que o está fazendo. Embora possa, sob tal
condição, trazer ao universo vígil informações sobre o que se oculta nos
transfundos do mundo interior, a consciência onírica perde
oportunidades maiores de ampliação e aprofundamento do auto-
conhecimento por estar adormecida. Ao empreender as jornadas em
modo desperto, se verá diante de novas possibilidades de interação e
contato.

O universo interior é infinito. Há nele regiões ctônicas ainda inexploradas


e que podem ocultar surpresas. É claro que, estando intra-oniricamente
despertos, teremos a chance de investigarmos o que há em nós com
mais prudência do que se estivermos inconscientes. Quando viajamos
através do mundo onírico em estado de lucidez, o estamos assimilando
de modo natural.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-as-
experiencias-oniricas.html

110
O dês-condicionamento dos parâmetros
observacionais

Por Cleber Monteiro Muniz, 07/06/2001

Durante o exercício diário do discernimento, podemos incorrer no erro


de viciarmos a observação.

A observação viciada se pauta sempre sobre os mesmos sinais: busca


os indicadores oníricos de sempre. Quando as características
diferenciadoras estão ausentes do cenário, o discernimento não é
atingido.

Ao escolhemos determinados indicadores recorrentes e os esperamos


nos próximos sonhos, eles não aparecem porque há conteúdos
inconscientes para os quais não convém o despertar. Isso indica que
seguem uma lei própria e se evadem de serem usados como degrau
para a lucidez.

A observação do mundo externo imediato focada em apenas um ou


dois aspectos identificadores de sua natureza normalmente fracassa. A
pequena quantidade de elementos diferenciadores buscados diminui
as probabilidades de reconhecimento.

Quanto maior for o número de indicadores buscados, maiores serão as


chances de despertarmos. A atenção deve ser focada sobre a
realidade no intuito de abarcar a maior quantidade possível de
incoerências em relação à lógica vígil.

Precisamos nos manter abertos para a detecção de qualquer


‘anormalidade’ que desafie a natureza física dos acontecimentos e não
apenas a algumas que previamente escolhemos. A abertura atencional
deve ser circular: livre por todos os lados.

A observação focada em apenas alguns elementos previamente


escolhidos é uma observação excludente. Por ser excludente, não
incluirá sinais alheios aos egóicamente determinados e preciosos
indicadores não serão detectados.

Mas a extirpação total da excludência não é possível, uma vez que


somos seres egóicos. Podemos, entretanto, atenuá-la pela educação
diária da atenção. Esta, quando empenhada em se manter sensível a
múltiplas indicações, sofre uma alteração no sentido de reagir ao
estranho com auto-questionamento. Por outro lado, quando fixada em
apenas alguns indicadores, cai num círculo mecânico de repetições e
fracassos. A fixação dificulta o despertar.

111
O número de indicadores existentes no mundo onírico de cada um de
nós é muito grande, senão infinito. A consciência pode assimilá-los a
partir da análise vígil dos sonhos. Nas anotações, são identificáveis
situações tipicamente oníricas não reconhecidas no momento em que
se processaram.

Ao relermos nossas anotações ou simplesmente nos lembrarmos do que


sonhamos, podemos buscar indicadores negligenciados e que
poderiam ter sido aproveitados como agentes de reconhecimento. A
assimilação progressiva dos agentes torna a consciência mais sensível à
realidade onírica e a leva a reagir com o discernimento ante quaisquer
acontecimentos intra-oníricos que desafiem a dinâmica vígil usual.

Basicamente, tudo o que for diferente do rotineiro é motivo para auto-


indagação e para observação cuidadosa. O que for ‘impróprio’ ao
momento, ainda que não impossível, deve ser tomado como lembrete
para se por cuidado na atenção do meio circundante.

Se nos acostumamos durante o dia a reagir ao inusitado com


questionamento sobre sua natureza, faremos o mesmo à noite.

São elementos diferenciadores: cenas que se alteram bruscamente,


cenas que pertencem a momentos passados, temas oníricos recorrentes
e acontecimentos raros e/ou impossíveis para a realidade física.

Em síntese, o que precisamos buscar é o pouco comum para este modo


de realidade em que vivemos: o raro, o inusitado, o difícil, e não apenas
o impossível.

O reconhecimento do sonho é facilitado quando verificamos se a


realidade que presenciamos no agora nos fornece, entre outros, os
seguintes elementos: combustão ou movimento espontâneos de
objetos, aviões que caem do céu, mortos que falam ou se movem,
fantasmas, partes do corpo que caem ou apodrecem, sexo com uma
pessoa inacessível e intensamente desejada, atividades incomuns para
a nossa própria vida ou de alguém conhecido, paisagens que não
correspondem ao lugar ao qual pertencem etc. Se os identificarmos no
agora, a possibilidade de estarmos sonhando é muito alta ou absoluta

Quando o leque da consciência se expande ao máximo, abarca o


maior número possível de acontecimentos raros, ou seja, de traços
oníricos típicos. Ao fazê-lo, as chances de acordar dentro de um sonho
se ampliam.

Ao verificarmos se estamos sonhando devemos procurar a resposta na


situação presente. Ela contém os dados que nos informam a respeito do
modo de realidade com o qual estamos em contato.

112
Um grande impecilho ao despertar desse modo especial de
consciência é a incapacidade de crermos que podemos estar em um
sonho aqui e agora. Tal incapacidade deriva da crença de que não há
outros mundos além do tridimensional. Há pessoas que chegam a se
perguntar se estão sonhando em plena noite e, não obstante, não
conseguem aceitar tal possibilidade nem mesmo quando estão diante
dela. Em tais casos, chegamos a observar o mundo onírico mas não
somos capazes de reconhecê-lo, sendo vitimados por nosso próprio
ceticismo. Ao nos depararmos com cenas nítidas e altamente
numinosas, somos incapazes de aceitar tal possibilidade e não
despertamos para a realidade interna.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-o-
descondicionamento-dos.html

113
A técnica do relaxamento vigilante
Por Cleber Monteiro Muniz em 27 de abril de 2002.
Publicado na revista Viva Melhor.
Muniz, C. M. (2002). Sonhos Lúcidos: A Técnica do Relaxamento Vigilante. Técnicas de
Relaxamento e Meditação, nº 9, ano 1, pp 44-48 (edição especial de Viva Melhor).

Uma das dificuldades que encontramos na prática dos sonhos lúcidos é


a incapacidade de induzi-los à vontade, quando bem queremos.
Muitas pessoas sonham lucidamente mas de maneira esporádica, sem
uma regularidade definida. A lucidez intra-onírica lhes ocorre
repentinamente, sem que a esperem ou busquem, e, da mesma
maneira, desaparece por longos períodos.
Esse problema pode ser atenuado. Podemos atingir estados oníricos
conscientes com mais regularidade quando aperfeiçoamos uma
técnica para sua indução denominada "relaxamento
consciente" ou "relaxamento vigilante".

A técnica do relaxamento vigilante foi largamente utilizada no Tibete


para o ingresso profundo no mundo dos sonhos sem perda do
discernimento consciente (Harari & Weintraub, 1993):
"Os iogues do antigo Tibete que seguiam a Teoria dos Sonhos eram
conhecidos por suas extraordinárias proezas mentais. Diz-se que, usando
um método extremamente poderoso de imagens mentais dirigidas, eles
conseguiam penetrar cada vez mais profundamente dentro de si
mesmos até começarem a sonhar – sem nunca perder a percepção
consciente.
(...) os iogues que seguiam a Teoria dos Sonhos tinham controle quase
total sobre amplos aspectos de seus sonhos lúcidos. Usando sua
habilidade para sonhar lúcidos, eram capazes de criar infinitos Jardins
do Éden oníricos, explorar realidades alternativas e entender de
assuntos como a natureza da realidade e o significado da vida.
(...) a alta lucidez baseia-se numa técnica conhecida como
relaxamento vigilante, na qual o corpo se torna cada vez mais relaxado
enquanto a mente permanece vígil. Os atletas costumam entrar, muitas
vezes, neste estado de consciência alterado para ensaiar mentalmente
suas evoluções." (p. 56)

O relaxamento vigilante pode ser treinado e aperfeiçoado.


Basicamente, consiste em permitirmos que as alterações corporais e
psíquicas que acompanham a instalação do sono entrem em nosso
campo de consciência.
Quando nos deitamos para dormir, muitas transformações têm início: os
músculos lentamente se afrouxam, a respiração se altera e as imagens e
sons mentais se tornam mais vívidos. O que temos a fazer é atuar como
facilitadores dessas transformações. Ao invés de bloqueá-las, temos que
acompanhá-las deixando que sigam seu curso natural, sem apressá-las
ou retardá-las. Ao mesmo tempo, não devemos ficar passivos mas atuar

114
removendo conscientemente os obstáculos para a instalação do sono:
as tensões musculares.

Podemos começar pelos pés, recebendo na consciência as tensões ali


existentes e "desatando-as". Em seguida, fazemos o mesmo com as
pernas, o tronco, os braços e a cabeça. Temos que procurar nos sentir
cada vez mais leves e soltos, livres de toda preocupação, medo,
ansiedade etc.

Por vezes somos invadidos por sentimentos ou lembranças. Se tentarmos


reprimi-los, criamos um problema. O mais adequado é simplesmente
recebê-los para constatar o que contém. Qual é o sentimento que está
nos assaltando? De onde vem? A que se refere? Agindo assim, os
assimilamos em nossa consciência e podemos prosseguir.

Nesses momentos podem surgir a impaciência, a pressa, a vontade de


mudar a posição do corpo, dores físicas, desorientação a respeito do
que fazer, lembranças do passado, fantasias etc. São obstáculos
superáveis pela compreensão. Os compreendemos quando, sem
nenhum preconceito, os observamos com curiosidade natural,
descobrindo o que são e em que consistem. Assim, nos ocupamos com
os obstáculos na ordem em que surgem e os abandonamos na medida
em que se dissolvem, para em seguida nos ocuparmos com outros que
vão aparecendo.

Podemos comparar a prática do relaxamento vigilante a uma estrada


que conduz ao centro de um país e ao longo da qual há vários
obstáculos. Ao passarmos pelos obstáculos sem perder a consciência,
vamos penetrando mais e mais no país dos sonhos.

Um erro a ser evitado é o de tentar simplesmente rechaçar os


obstáculos à força bruta. Ao fazê-lo, criamos um conflito entre nosso
desejo de relaxar conscientemente e os desejos de inúmeros elementos
psíquicos inconscientes autônomos, os quais têm suas próprias metas e
não estão nem um pouco interessados em nossa prática. Então ficamos
estancados, envolvidos na tensão de forças opostas e até podemos
retroceder.

Os obstáculos são superados na medida em que são assimilados e os


assimilamos quando os compreendemos. Ao invés de nos prendermos
em uma tensão de forças, melhor é observar o que se passa conosco,
com interesse sincero em descobrir o novo.

À medida em que o relaxamento vigilante se aprofunda, a consciência


se intensifica e não sofre a redução que se verifica no sono normal.
Como resultado, o corpo adormece e nos vemos dentro de um sonho

115
com plena lucidez e discernimento. Então compreendemos que
estamos em uma dimensão existencial paralela à vígil e exclamamos:
"Eu, agora, estou dentro de um sonho."

Ao nos acostarmos, convém que o façamos em uma posição cômoda


e que sintamos o ato de dormir com toda naturalidade, exatamente
como o fazemos quando estamos cansados, porém conscientemente.
Este empenho em manter a consciência não deve ser entendido como
um esforço mas sim como o ato de nos darmos conta continuamente
do que está se processando. Trata-se apenas de manter a atenção no
presente, acompanhando tudo o que ocorre conosco à medida em
que relaxamos mais e mais.

A compreensão se forma pela percepção do que ainda não havia sido


percebido e isso se consegue pela observação.
Aplicando esta técnica, atingimos um ponto em que nossos
pensamentos e imaginações se tornam muito nítidos e vivos, o que
indica que já estamos ingressando no país dos sonhos, ou seja, que
estamos no ponto em que nossa estrada acessa o "lado de lá" da
fronteira.

O relaxamento vigilante se aprofunda, portanto, a partir da lucidez e da


compreensão e não do simples esforço cego.

O empenho em manter a lucidez é completamente distinto do


empenho em manter o corpo físico desperto e ativo. Não devemos
resistir ao sono mas devemos nos empenhar em manter a lucidez,
levando-a conosco até o final, quando atingiremos adiantados níveis
de letargia corporal.

Observar a progressão do relaxamento de modo contínuo é estar


concentrado e atento. Se nos descuidarmos da atenção, nos distraímos
e perdemos a oportunidade.

O sono e o sonho são indispensáveis à saúde física e psíquica. Ao


acompanhá-los conscientemente, permitindo que transcorram
normalmente, nos tornamos colaboradores de um processo natural e
benéfico.

***

Para melhor entendimento, podemos dividir a aplicação da técnica nas


seguintes etapas:

116
1. Escolha uma posição que lhe pareça cômoda e relaxante para
dormir. Sinta-se adormecendo com toda naturalidade (mas sem perder
a lucidez) focalizando a atenção em si mesmo.
2. Procure desfazer todas as tensões musculares que detectar (as piores
são as da cabeça e do rosto). Aprofunde um trabalho incansável de
encontrar e desfazer tensões.
3. Quando perceber o corpo físico bem relaxado, esqueça-o. Comece
então a acompanhar conscientemente a procissão de imagens que
desfilam em sua mente e as emoções que lhes correspondem. Observe
o teor de cada uma delas: o que dizem, o que contém, a que se
referem. Escolha uma e a acompanhe. Prossiga assim até vê-la e ouvi-la
interiormente com a mesma nitidez com que normalmente são
escutados ou vistos os objetos físicos quando estamos com os olhos
abertos.
4. Receba as primeiras imagens oníricas tal como lhe chegarem. Não
tente contê-las ou compará-las a nada. Nesta altura você deverá estar
no sonho lúcido.
4. Tente deslocar-se dentro do sonho e boa viagem.

Referência:

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias : o


Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
tecnica-do-relaxamento.html

117
Como lidar com os sinais que antecedem uma
experiência onírica consciente
Por Cleber Monteiro Muniz

Quando nos posicionamos para repousar e começamos a relaxar,


surgem sinais que indicam a aproximação progressiva do estado
letárgico.

A percepção consciente desses sinais é útil por nos avisar a respeito da


necessidade de maior cuidado uma vez que em tal momento a hora
de deixar o estado vígil está chegando. Temos sempre a tendência de
crer que estamos longe da transição para o sono, mesmo quando ela
está bem próxima.

Essa crença equivocada se baseia na idéia inconsciente de que não há


uma vigília em estados corporais profundamente letárgicos e em meio a
cenas oníricas. Supomos que o fato de estarmos um pouco despertos é
um indicador de que estamos longe do sono.

A aproximação progressiva do adormecimento corporal pode ser


identificada pela maior nitidez das vozes internas. Poucos instantes antes
de adormecermos, as vozes interiores falam em nossa cabeça com
nitidez cada vez maior. A progressão da nitidez é sutil e acontece
paralelamente ao processo de aprofundamento do sono.

À medida em que o processo letárgico corporal aliado ao despertar


conscientivo no mundo psíquico avança, as vozes são ouvidas como se
fossem físicas e são acompanhadas por endopercepções de teores
não-sonoros: visuais, táteis, gustativas e olfativas. Todas chegam à
consciência com nitidez e intensidade equivalentes às proporcionadas
pelas percepções externas e às vezes até maiores. Isso se deve ao alto
grau de numinosidade das imagens internas.

Nessa etapa, tendemos a perder a vigilância devido ao poder


altamente hipnótico dos pensamentos. Deveríamos intensificá-la e
acompanhar a experiência para esperar o resultado.

A maioria dos praticantes que tentam alcançar a experiência onírica


consciente tendem a reagir às primeiras imagens numinosas com
espanto, medo, ansiedade, curiosidade ou uma imensa euforia por
estarem adentrando a um mundo extra-físico. Essas reações podem
afugentá-las, fazendo a prática fracassar.

O praticante precisa manter a constante recordação de que está


presenciando uma realidade onírica e fantástica que corresponde ao
seu universo imaginal, sendo totalmente distinta da realidade física. Se

118
essa recordação for perdida, ele fica submetido ao poder hipnótico das
imagens, se torna vítima de sua numinosidade e perde o estado positivo
alterado de consciência, caindo em um sono/sonho usual. A
experiência transcendente fracassa quando nos esquecemos que
estamos em contato com cenas de um mundo onírico. Não devemos
confundir a realidade externa com a interna, devemos discernir.

O recomendável é não reagir aos primeiros sinais com nenhum tipo de


surpresa ou euforia e, ao mesmo tempo, conseguir acompanhá-los.
Para tanto o ego deve ficar "amarrado". É preciso observar os sinais
iniciais em imobilidade psíquica total, como se faz ao observar animais
selvagens, e acompanhar seus movimentos subsequentes sem espantá-
los. Qualquer movimento brusco ou sutil do ego, seja de tipo sentimental
ou intelectual (tentativa de entender ou encaixar o que está sendo visto
em preceitos lógicos conhecidos etc.), os afugenta.

O trabalho é árduo porque temos que unir dois extremos: observar os


sinais e, ao mesmo tempo, não afugentá-los. São dois processos que
normalmente não se combinam muito, não se realizam
simultaneamente. Também não devemos nos fascinar por nenhuma
imagem mas sim receber seu caráter numinoso sem com ele nos
identificarmos.

Procedendo assim, vamos muito longe na experiência. Dormimos para


este mundo e acordamos para o outro.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-como-
lidar-com-os-sinais.html

119
O problema da dinâmica usual do sono
e de como superá-la
04/03/2001
Por Cleber Monteiro Muniz

A dinâmica usual do sono tem a fascinação da consciência pelos


pensamentos como meio de dispensar a identificação do ego com o
corpo físico.

Essa dinâmica consiste na substituição da identificação com o corpo


pela identificação com as imagens mentais. Isso ocorre porque o sono
exige um esquecimento corporal para se instalar. Se estivermos
identificados com o veículo físico, não dormimos e não adentramos ao
reino onírico. Esse é o motivo de, por exemplo, ficarmos meio insones
quando temos dores físicas.

Se nos mantivermos identificados com o corpo, estaremos identificados


com os sentidos externos. Isso nos retém a existência psíquica no mundo
exterior. A solução encontrada pela natureza foi desligar as
exopercepções por meio das endopercepções em estado fascinatório,
ou seja, fazer com que fiquemos identificados com os pensamentos a
ponto de esquecer corpo e mundo físicos reais. No lugar da atenção
identificada com o corpo, passamos a ter a atenção identificada com
as imagens mentais, que são os pensamentos. Essa é a dinâmica
psíquica usual do sono, sem a qual não é possível adormecer o corpo
na cama.

É essencial para o sono a não-identicação física pois ele é o


esquecimento do corpo e do mundo, um leve estado de quase-morte
muito superficial e natural. Ocorre, entretanto, que esse processo de
substituição de identificações apenas o instala e nos leva ao mundo
onírico mas não nos fornece o discernimento de que isso ocorre.

A inexistência de identificação com o corpo é útil para a instalação do


sono mas não fornece nenhum tipo de consciência. A identificação
com imagens mentais, por sua vez, provoca um esquecimento de que
se está em contato com cenas não-físicas e faz com que adentremos
às regiões internas acreditanto estar em contato com imagens externas.
O resultado disso é o sonho usual, no qual não existe a consciência de
estar do outro lado da nossa vida. As imagens mentais, num estágio
mais profundo do sono, se transformam em imagens oníricas e, ao
contatá-las sem a compreensão desse teor, ficamos polarizados no
extremo do sono: o corpo e a consciência dormem simultânea e
paralelamente um ao outro.

120
Para se carregar a consciência para dentro do sonho é preciso algo
mais do que a não-identificação com o veículo físico (embora esta seja
indispensável) e o contato com as imagens internas. A elas precisamos
acrescentar a consciência do caráter psíquico dessas imagens. Essa
consciência é a compreensão de que as cenas não são do mundo
externo e pertencem ao mundo interior.

A partir do momento em que nos deitamos, temos que ter bem clara a
idéia de que dali em diante, nos próximos instantes, todas as cenas que
visualizaremos serão oníricas. Se essa recordação for esquecida,
cairemos no sonho usual.

A chave é conseguir uma síntese entre o despertar e o adormecer.


Precisamos de um estado que contenha simultaneamente o
adormecimento e o alerta, que sintetize esses dois elementos contrários.
Essa combinação não é fácil e exige que se ative a consciência ao
mesmo tempo em que se desative o corpo: aquela acorda e este
adormece. A dificuldade está na idéia comum e muito arraigada em
nossa cultura de que estar acordado é fazê-lo por meio das
exopercepções. Acreditamos que estar alerta é sempre o mesmo que
estar com os sentidos físicos ativos. Essa idéia é parcialmente verdadeira
pois é válida apenas para o estado vígil do corpo físico. Entretanto, fora
desse estado também podemos manter a lucidez.

Em situações normais, a tentativa de ficar desperto bloqueia o sono. Por


isso é preciso aprender a relaxar o corpo profundamente e a entrar em
contato com as imagens psíquicas sem esquecer que estamos fazendo
isso.

A antecipação do sono corporal à lucidez psíquica é principal agente


sabotador dos sonhos lúcidos. Identificados com a vontade de dormir,
nos esquecemos de discernir e dormimos sem saber onde estamos
entrando. Isso acontece principalmente quando estamos cansados e
queremos rapidamente deixar o mundo externo. Nesses casos,
abandonamos totalmente o alerta psíquico e nos entregamos ao sono
física e psiquicamente. A consciência adormece até mesmo antes do
corpo. Por isso não conseguimos sonhos lúcidos.

O ideal é anteciparmos à lucidez ao sono. Antes de deixarmos o corpo


cair em relaxamento profundo, a consciência precisa ser ativada ao
máximo. Isso exige cuidado especial em não se confundir alerta com
sobressalto, tensão ou ansiedade. Trata-se de um alerta natural e
tranquilo, sem preocupações de nenhum tipo e sem nenhum querer.
Não se pode adormecer o corpo se ficarmos querendo que ele
adormeça e não se pode ficar alerta se também ficarmos querendo
isso. Ao querermos que isso ocorra, nos identificamos com esse desejo e
fracassamos, seja por ficarmos insones, seja por dormimos em estado

121
conscientivo usual. Esse querer é egóico e caprichoso: o ego quer
controlar a prática e impor sua vontade. Os processos psíquicos não se
submetem a isso e se rebelam.

Uma forma de deixar a identificação com o corpo, antecipar a lucidez


ao sono, não bloquear o processo letárgico corporal e ao mesmo
tempo manter o discernimento de estar em contato com imagens
internas é a concentração. Por meio dela, a consciência do que se está
fazendo é mantida e se acompanha todo o processo em estado de
lucidez. Por isso muitas culturas, inclusive as religiosas, a usam para
induzir experiências oníricas desse tipo. O objeto da concentração varia
conforme a época e o lugar: mantras, orações, imagens agradáveis,
cenas oníricas passadas etc. O único que interessa é ter um grande
poder de concentrar o pensamento. Concentrar o pensamento é
reduzir todos os pensamentos a apenas um. Isso se consegue prestando
atenção em uma única imagem e excluindo as demais, esquecendo-
as. Deve-se desenvolver mais e mais a imagem escolhida, sem adotar
nenhum limite para isso (Jung apud Sanford, 1987, pp. 158-159). Por este
meio chega-se ao sono corporal profundo sem perder a consciência. É
preciso mergulhar na imagem mental escolhida, cair dentro dela sem
nenhum medo e a ela entregar-se de modo total e com plena lucidez.
Temos que observar o que estamos fazendo, perceber que estamos
começando um sonho, que a imagem não é física etc. Temos que
saber o que está acontecendo apenas por meio das constatações
diretas e sem raciocinar a respeito, inclusive nos casos ou situações em
que as coisas não estão claras. Combate-se a confusão com atenção
lúcida e não com raciocínios.

Um erro muito grave é confundir a concentração com um esforço


egóico. Semelhante confusão promove um conflito entre um ego que
quer se concentrar e muitos outros egos dentro da pessoa que não
querem aquilo. Na verdadeira concentração, não há esse conflito por
que o papel da consciência não é impedir que os múltiplos
pensamentos ocorram mas apenas prestar atenção em único
pensamento e isso é diferente. O único que precisamos fazer é focar e
manter a atenção em uma imagem escolhida esquecer as demais,
deixando-as à vontade em suas respectivas regiões internas para se
processarem. Há uma diferença radical entre prestar a atenção em um
elemento psíquico escolhido entre muitos que se movem e impedir esses
muitos de se moverem. O que nos interessa é apenas uma imagem
entre as milhares que se movem ininterruptamente em nossa mente. As
demais devem ser esquecidas. Querer silenciá-las não é esquecê-las e
lembrar delas. Com a recordação elas se nutrem mais e mais porque a
recordação traz identificação.

A experiência onírica consciente resulta naturalmente da atenção


cuidadosa e despreocupada.

122
Referência bibliográfica:

 SANFORD, J. A. Os Parceiros Invisíveis: o masculino e o feminino


dentro de cada um de nós.(The Invisible Partners). Trad. de I. F. Leal
Ferreira. 5ª edição. São Paulo, Paulus, 1987.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-o-
problema-da-dinamica.html

123
A superação da paralisia do sono por meio da
imaginação consciente

06 de abril de 2001
Por Cleber Monteiro Muniz
Revisto e atualizado em 02 de janeiro de 2005

Há casos em que o corpo físico apresenta uma paralisia quando nos


deitamos para dormir ou durante o relaxamento profundo. É um
fenômeno que pode ser induzido voluntariamente mas que também
ocorre espontaneamente com pessoas que nunca ouviram falar em
adentrar conscientemente ao sono. Nesse último caso, a paralisia é
motivo de medo e angústia.
Muitas pessoas, logo após se deitarem, se descobrem presas à cama,
incapazes do menor movimento. Embora estejam sadias, ficam como
se estivessem mortas: tentam falar, levantar-se e mover-se mas não
conseguem. Se sentem aterrorizadas e algumas vezes caem no mais
horrível desespero, acreditando que estão sofrendo uma catalepsia
patológica e irreversível, suposição que na maioria das vezes não é
correta.
Por desconhecer a natureza do fenômeno experimentado, o não-
iniciado em experiências oníricas conscientes tece julgamentos
equivocados sobre a paralisia do sono. Supõe que está morrendo, que
está enlouquecendo, que está doente ou, se for supersticioso, pode
acreditar que está sendo vítima de uma entidade demoníaca ou que
isso é um sinal maléfico indicador de mau-presságio, etc. A falsa
sensação de sufocamento ou asfixia que acompanha a imobilidade
corporal contribui ainda mais para intensificar o terror.
O que os desconhecedores da experiência onírica consciente
consideram um problema terrível é uma dádiva para os aspirantes à
mesma, uma oportunidade valiosa e desejável. Alguns a desejam tanto
que a afugentam.
O medo é injustificado. A fase de imobilidade corresponde à etapa de
transição entre a vigília e o sono. É uma catalepsia leve, reversível,
temporária, natural e inofensiva que corresponde ao primeiro umbral
para a dimensão interior desconhecida, um crepúsculo entre a luz e a
sombra, como disse Don Juan (Castaneda):
"O crepúsculo é a fresta entre os mundos" (p. 93)
A etapa crepuscular da viagem da consciência ao inconsciente nos
presenteia com a oportunidade de carregarmos a lucidez vígil para
dentro do mundo onírico.
Uma dificuldade do iniciante é ultrapassar a paralisia. Preso à cama, o
aspirante fica um bom tempo estancado: não prossegue a viagem e
não retorna. A solução encontrada por alguns é abandonar a prática e
entregar-se ao sonho usual, desistindo do sonho lúcido. Outros se
desesperam para retornar ao mundo vígil e até transformam o estado
alterado de consciência num problema emocional grave.

124
Por meio da imaginação consciente, também chamada imaginação
ativa, podemos superar essa etapa e prosseguir o trabalho até
conseguirmos um sonho lúcido denso.
Se construirmos, por meio da concentração, uma cena mental em
plena letargia e imobilidade do corpo e a vivenciarmos como
vivenciaríamos uma cena deste mundo, porém sem perder a
recordação de que pertence a uma realidade psíquica e paralela,
penetraremos conscientemente no mundo interno. A cena construída
se transforma em cena onírica enquanto o corpo adormece mais e
mais profundamente. Prosseguindo com a prática de imaginação,
chegaremos à fase em que a cena não é mais a que criamos
voluntariamente. A partir de então as cenas são numinosas, nítidas,
densas e se processam e se moldam por si mesmas.
A estratégia para transcender a fase da paralisia é, portanto,
simplesmente imaginar um sonho e vivê-lo como tal lucidamente,
aguardando os resultados.
Durante a paralisia, nosso fluxo de atenção ainda está muito voltado
para o corpo físico e isso nos leva a sentí-lo como se fosse a essência do
que somos. Precisamos, em tais momentos, entrar em afinidade com o
mundo psiquíco e desligar os sentidos externos. Para tanto, basta não
ter medo, esquecer o corpo paralisado e imaginar uma cena qualquer
(preferencialmente bonita para que não tenhamos um pesadelo). Esta
cena imaginada será o sonho lúcido inicial, dentro do qual poderemos
então viajar com pleno discernimento.
Enquanto a cena onírica é elaborada, precisamos ter o cuidado de não
esquecermos de que estamos em contato com imagens interiores. Caso
nos esqueçamos disso, perderemos o discernimento e passaremos a
sonhar de modo usual, acreditando estar em contato com o mundo
exterior ou físico.
A paralisia do sono é natural. Ao adormecer, o corpo precisa ser
desativado. Todas as funções ficam muito reduzidas. Os movimentos são
desacelerados, inclusive os diafragmáticos, cuja redução proporciona a
falsa sensação de asfixia e, às vezes, a de que temos "alguém do além"
sentado sobre nosso tórax. Os únicos movimentos que conservam
desenvoltura semelhante à vígil são os das pálpebras. Sob alguns
aspectos, o sono é semelhante a um estado de quase-morte. Apresenta
defunção parcial e é a inofensiva e leve simulação de um "coma" que
pode ser aproveitada para que nos acostumemos a abandonar o
corpo temporariamente, ou seja, esquecer que ele existe e nos
concentrarmos mais no universo imaginal. Uma vez bem guardado e
seguro, o corpo pode perfeitamente ser deixado de lado sem nenhum
problema. Não há nisso nada de místico ou perigoso. O que há de
místico em diminuir os movimentos de braços, pernas ou cabeça no
sono? É uma função humana natural. Todos sabem que o corpo diminui
os movimentos ao dormir. Entretanto, nem todos presenciam
conscientemente a diminuição em si próprios. Também não há
misticismo no ato de tomarmos consciência de que estamos sonhando,

125
pois isso não é nada mais do que percebermos que estamos
imaginando cenas, que adentramos ao mundo interior.
Muitas percepções alteradas acompanham a paralisia do sono.
Podemos sentir formigamento, arrepios ou algo que se assemelha à
passagem de uma corrente elétrica pelo corpo. Algumas pessoas
escutam sons e vêem imagens interiores como se fossem físicas, com a
mesma nitidez. Também pode ocorrer uma interpenetração de
percepções: sons ou imagens do mundo exterior real que se mesclam
aos produzidos em nossa imaginação.
Quando a letargia penetra no campo de consciência de quem está
adormecendo, é percebida como incapacidade de movimentos.
Aquele que se percebe paralisado na cama, transportou a consciência
vígil a um nível de adormecimento corporal mais profundo do que
usualmente é transportada. Pode, a partir daí, experimentar
conscientemente a vida no mundo dos sonhos e até mesmo atingir
lucidamente um nível transpessoal, sendo e sentindo-se
temporariamente como parte da natureza (rio, águia, rocha, lobo,
árvore...) ou vivenciando o papel de heróis míticos e entes arquetípicos.
Em todo caso, se ainda assim quisermos deter a paralisia e evitar
experiência tão agradável, teremos que reativar novamente as funções
vígeis, o que não se consegue subitamente. Será preciso reativar o
corpo físico por meio das funções que permanecem controláveis
durante a paralisia. Deveremos começar movendo os olhos, emitindo
gemidos (os únicos sons que conseguimos emitir nesses momentos)
agudos, movimentando os dedos e respirando com intensidade
crescente. É preciso ter paciência pois a máquina orgânica em sono
profundo é como um computador que demora muito para ser ligado.
Podemos ainda nos valer de outro procedimento adicional: dormir com
alguém por perto. Pedimos à pessoa que nos acorde assim que ouvir
nossos gemidos e perceber nossa inquietação. Então retornamos ou nos
entregamos ao sonho usual. Entretanto, o sonho lúcido é muito mais
interessante. Não é à toa que é cultivado nas culturas indígenas e
orientais desde tempos imemoriais.
A dinâmica da paralisia
Inconscientemente, acreditamos sempre ser uma simples forma física. A
associação equivocada que estabelecemos entre o Ser sua forma
tridimensional de expressão é o maior responsável pela paralisia do
sono. Por não compreendermos que o corpo físico é apenas um veículo
de expressão exterior da psique, resulta inconcebível para nós a idéia
de que possamos ser "alma".
Como os acontecimentos oníricos são governados pelos fluxos de libido
(formas de pensar e sentir), a crença de que somos o corpo exterior de
carne e ossos atua como um poderoso agente condicionante dos
acontecimentos. A experiência de nos levantarmos da cama, seja com
o corpo físico ou com o corpo onírico, é sabotada pela idéia
inconsciente de que somos o nosso próprio veículo de expressão
exterior. Identificados com a "matéria", ou melhor, com idéia

126
equivocada de matéria que nossa cultura extrovertida nos inculcou
desde a infância, tentamos arrastar o corpo físico adormecido no ato
de levantar. É claro que ele não responderá à tentativa pois está
desativado. O resultado é a sensação de paralisia.
Tentamos levantar o corpo físico e o onírico simultaneamente porque
nos identificamos com este último. E o fazemos porque apenas somos
capazes de conceber a realidade em termos de percepção exterior.
Erroneamente, acreditamos que apenas as coisas externas são
verdadeiras e que os objetos e acontecimentos psíquicos são
inexistentes, falsos e abstratos. O pior é que nem sequer
compreendemos tal equívoco que, não reconhecido e não admitido,
fica causando dano por via subliminar. Não adianta fazer de conta que
o problema não existe pois ele continuará lá, causando seus prejuízos. A
letargia do corpo físico faz com ele não obedeça ao nosso comando
inconsciente de se levantar.
Os acontecimentos nos sonhos resultam de uma combinação dos
infinitos fluxos de libido. Nossos medos, amores, paixões, angústias,
terrores, aversões e, o que é mais importante no caso que ora tratamos,
nossas crenças se combinam e dão forma às cenas que se
desenrolarão. Na criação das cenas, quase sempre prevalecem as
forças do inconsciente: sentimentos e pensamentos de vários tipos que
temos mas que não sabemos que temos e nem sequer admitimos. Nos
sonhos, esses elementos tomam forma e interagem entre si, gerando um
autêntico mundo, infinito e com leis próprias. Eis a razão pela qual a
crença de que somos apenas a matéria densa se concretiza na etapa
preambular ao sonho, que é a fase transitória entre estar acordado e
adormecido.
Algumas vezes, entretanto, experimentamos uma saída incipiente do
corpo físico, uma "quase-saída", proporcional à nossa pequena
capacidade de verdadeiramente nos sentirmos alma. Embora seja
incipiente, é uma capacidade que pode muito bem ser aproveitada
para superarmos a paralisia.
Quando estivermos presos à cama, incapazes de sair dela para
qualquer coisa, temos que procurar nos sentir vaporosos e sutis.
Mantendo esse estado de sentimento, tentemos a saída. Para facilitar e
garantir ainda mais o êxito, podemos, ao mesmo tempo, tentar
visualizar-nos no próprio ato de nos erguermos saindo do leito, tomando
a cena visualizada como se fosse real porém sem perder o
discernimento de que é imaginal, onírica. Se a cena for sentida
intensamente e o mais lucidamente possível, se concretizará
psiquicamente e em seguida nos veremos dentro de um sonho,
completamente conscientes.
É imprescindível que esqueçamos o veículo físico completamente e
focalizemos totalmente nossa atenção nas imagens oníricas à nossa
volta. A simples recordação do corpo faz a experiência retroceder à
etapa intermediária da paralisia.
Passos para indução de sonho lúcido a partir da paralisia

127
Podemos obter sonhos lúcidos a partir da paralisia. Para tanto, baste
seguirmos os seguintes passos quando estivermos paralisados:
Perca o medo.
Procure sentir que este acontecimento (você paralisado na cama) já é
o princípio de um sonho. Sinta e perceba as coisas como tal.
Considere tudo o que você percebe, escuta ou vê neste estado de
paralisia como sendo onírico, ainda que sejam exatamente as mesmas
coisas que você percebeu há pouco, quando acordado.
Sinta e conclua, por meio da vontade, que está livre para se
movimentar em forma sutil. Não duvide.
Tente movimentar oniricamente um braço ou uma perna de forma
lenta, relaxada mas alerta. Se você conseguir, já estará no sonho lúcido.
Não é necessário levantar e mover o corpo todo.
Se continuar paralisado, comece a prestar mais atenção nos sons ao
redor. Alguns serão sons do mundo externo real e outros já serão sons
oníricos mas ouça-os considerando, para todos os efeitos, que todos já
são oníricos. Preste atenção naqueles sons que se intensificam.
Deixe os sons aumentarem por si sós até se incorporarem totalmente em
sua percepção consciente.
Tente movimentar-se novamente na cama. Se tiver êxito terá adentrado
ao sonho. Caso contrário, repita novamente os passos.
Estes procedimentos visam desfocar a atenção do sonhador de seu
corpo físico de modo a liberá-lo para o sonhar sem as travas da
identificação com a paralisia.
A paralisia e os sonhos ocorrem todas as noites. Na maioria das vezes
não os percebemos e por isso não temos sonhos lúcidos.
O reconhecimento do estado de paralisia do sono e do estado onírico
geralmente é algo assim como "já está acontecendo...achei que ia
demorar mais!". Isto significa que entramos em tais estados antes do
momento em que esperávamos entrar e por isso não os vemos.
Passamos por tais estados sem nos darmos conta por acreditarmos que
ainda não chegamos aos mesmos.
Em questões de sonhos lúcidos ou, se preferirem uma terminologia de
tipo ocultista, de viagens astrais, desdobramentos astrais, experiências
fora do corpo ou projeções astrais, a identificação com o corpo físico é
sempre um grande problema que sabota a prática e nos estanca. É
pela identificação com o corpo físico que ficamos presos ao estado de
paralisia ou retornamos involuntariamente no meio de uma experiência
importante. Vamos tentar resolvê-lo.
Quando você estiver paralisado na cama, naquele ponto em que não
há avanço e nem tampouco retrocesso, a primeira coisa a fazer
é passar a considerar tudo como se já fosse um sonho lúcido a partir
dali. Isto atinge seu inconsciente e remodela a experiência. Em seguida,
mantendo este ponto de vista, experimente tentar mover os braços. Se
não conseguir, aprofunde mais o relaxamento muscular ao invés de
ficar ansioso. Tente novamente mover os braços, se ainda não
conseguir, aprofunde o relaxamento mais ainda. Espere pacientemente

128
e repita o quanto for necessário. Chegará o momento em que você
poderá movê-los livremente. Então levante-se mantendo a lucidez, não
para fazer uma viagem astral mas simplesmente como se fosse pegar
alguma coisa, algum objeto.
Uma vez que tenha se levantado, você estará no sonho (ou no mundo
astral, se preferir) lúcido. Para não retornar involuntariamente, esqueça
que possui um corpo, tire esta idéia da mente. Viva aquela realidade
paralela como se não houvesse outra aqui fora. Crie uma base sólida
do outro lado não se identificando com este. Sinta o outro lado como
real, material. Veja-o como um mundo concreto mas regido por leis
diferentes no que se refere à mudança de formas de objetos, contextos,
ambientes e situações.
O brincar de "faz-de-conta" auxilia muito nos sonhos lúcidos. Atinge a
mente inconsciente sem afetar a lucidez. Se você tiver problemas em
permanecer no sonho, se for daquelas pessoas que possuem
instabilidade e não conseguem ficar muito tempo sem acordar, faça de
conta que não há corpo algum para o qual retornar. Quando estiver
paralisado, faça de conta que já está sonhando, considerando, para
todos os efeitos, que até mesmo a paralisia, seu corpo físico, e todos os
objetos que você vê em seu quarto sejam oníricos, ainda que sejam
idênticos aos que você viu há pouco, quando acordado.
Não esqueçamos que o reconhecimento do estado onírico no fundo é
sempre mais ou menos intuitivo, nunca apenas perceptual e menos
ainda intelectual. Há sempre um "não sei o que" sentido no coração
que nos permite discernir à revelia do medo que nos assalta de
perdermos o senso lógico ao aceitarmos que estamos sonhando. Os
grandes mestres e onironautas veteranos simplesmente sentem e
concluem, de forma direta. Os novatos necessitam analisar e refletir
considerando os dados de que dispõem.

Referência:

CASTANEDA, Carlos. A Erva do Diabo: as experiências indígenas com


plantas alucinógenas reveladas por Don Juan. (The Teachings of Don
Juan, 1968). Trad. de Luzia Machado da Costa. 12ª edição. Record

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-
superacao-da-paralisia.html

129
Paralisia do Sono: Uma Dica

Por Cleber Monteiro Muniz, 27 de junho de 2013

Sempre tome cuidado com a posição do corpo ao deitar,


principalmente no que se refere à posição do pescoço, da coluna.

Quando você estiver sob a paralisia do sono, ao invés de se desesperar,


faça o seguinte: aquiete-se, relaxe ainda mais e, em seguida,
simplesmente vocalize o mantram "Om". Você terá uma surpresa!

Agora, se realmente você quiser acordar e desperdiçar essa


experiência tão interessante, comece a mover lentamente os dedos
das mãos e dos pés e vá aumentando os movimentos gradativamente.
Isso costuma funcionar para mim.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2013/06/paralisia-do-sono-
uma-dica.html

130
O reconhecimento da realidade intra-onírica durante
o sono
Por Cleber Monteiro Muniz em 25/04/2001

"I’ve gone beyond to see the truth" (Iron Maiden)

Os sonhos pertencem à anatomia sutil do homem. Inacessíveis


diretamente aos sentidos externos, escapam a análises que
negligenciam sua natureza essencial ao não tomá-los tal como são:
acontecimentos sutis e pertencentes ao universo imaginal.

Pelo subdesenvolvimento das endopercepções, há quem tome os


sonhos como fenômenos "virtuais", algo ao estilo das imagens
cinematográficas ou das simulações por computador.

No que se refere à inexistência dos sonhos enquanto concretude


exterior isso é verdadeiro. Os fenômenos oníricos e os virtuais realmente
possuem uma mesma modalidade de inexistência: a exterior concreta.
Sob esse aspecto são idênticos. Porém há uma diferença que precisa
ser considerada.

Quando presenciamos cenas simuladas na televisão ou em


computadores, mantemos o discernimento de estarmos em contato
com imagens não concretas do ponto de vista externo. Ainda que
soframos pelo destino do mocinho da história ou fiquemos
amedontrados com o monstro que surge na tela, sabemos que aquilo
não está fisicamente presente. Mesmo no caso de transmissões ao vivo,
nossa consciência de que as imagens da tela diferem do objeto
representado é mantida. Compreendemos que as pessoas, animais e
paisagens visualizados não estão exterior e concretamente inseridos
dentro do aparelho. É preservado o discernimento do teor das cenas.

Algo oposto ocorre nos sonhos usuais. Enquanto o corpo físico repousa
na cama, o ego sonhador saboreia vivamente as imagens que desfilam
diante dele. Não há, no estado onírico usual, o discernimento de
estarmos sonhando. O teor das cenas contatadas não é
compreendido. Em decorrência disso, acreditamos estar "acordados"
(vivendo no mundo vígil) em pleno sonho e, a despeito dos muitos sinais
indicadores presentes, não nos damos conta de nossa inserção em um
universo imaginal. Dificilmente temos um sonho como o relatado por
Jung em "Memórias, Sonhos e Reflexões", no qual lhe apareceu a
imagem da esposa já falecida e havia a lucidez de que a cena era
onírica.

131
Identificados com as imagens, não nos ocorre, em situações normais,
uma auto-indagação de que podemos estar em um mundo de sonhos.

Sob o aspecto supra-citado, os sonhos e as imagens virtuais diferem


totalmente. Nos primeiros não há o discernimento e no segundo há.

A indistinção entre realidade onírica e vígil provém do alto grau de


numinosidade dos objetos que percebemos. Mediante a recordação
de experiências oníricas conscientes (sonhos lúcidos) descobrimos que
as viagens noturnas nos levam a regiões de nós mesmos que
apresentam impacto numinoso e impressão de realidade idênticos aos
do mundo físico e até mais intensos.

A confusão da realidade externa com a interna enquanto dormimos é


acompanhada pela fuga aterrorizada nos pesadelos ou pela crença
de termos nos sonhos as mesmas obrigações da vida tridimensional.

Mediante a educação da atenção durante o estado de vigília,


podemos transcender esse condicionamento e, aos poucos, vamos
despertando nos mundos internos. Isso pode parecer novo e até
estranho para nós mas não para as culturas indígenas e orientais.
Também não era estranho nos tempos antigos. No tibete, os sonhos
lúcidos são trabalhados por meio da meditação (Harari & Weintraub,
1993)

A existência de uma modalidade específica de vigília intra-onírica, um


estado alterado de consciência no qual o sonhador possui alta lucidez,
é abordada em trabalhos de LaBerge (apud Lucidity Institute) e Eeden
(1913).

Não assimilamos profundamente, em nossa consciência atual, a


existência de outras vidas e realidades paralelas à vígil. Nesse campo,
tribos norte-americanas e asiáticas têm algo a nos ensinar (Harnisch,
1999).

Em parte, nosso atraso nesse campo se deve à indistinção entre ciência


e intelecto. Ao contrário das culturas indígenas, seria impensável, na
moderna cultura ocidental, um homem de ciência que não fosse
intelectual. O efeito colateral dessa unilateralidade é a exclusão de
modalidades conscientes de experiências inacessíveis ao instrumento
de cognição culturalmente legitimado. Como tais experiências são,
além de humanas, arquetípicas, prosseguem reforçando tendências
místicas à margem da ciência e, não poucas vezes, entre pessoas com
pequeno grau de instrução.

Nós, ocidentais modernos, nos polarizamos excessivamente na


extroversão e acreditamos que os reinos interiores não existem ou,

132
quando muito, existem sob a forma "virtual". Em razão desse
funcionamento consciente polarizado e fixo, não temos ainda uma
avançada e oficialmente reconhecida cultura de sonhos que se
equipare a de certos povos que resistem ao furacão etnocida que varre
o planeta. Parece-me importante que aprendamos a arte do sonhar e o
cultivo da consciência intra-onírica com as culturas primitivas, antigas e
orientais. É importante que resgatemos o conhecimento que possuem e
que as ajudemos a preservá-lo e difundí-lo.

O menosprezo para com modalidades de ciência pertencentes a


culturas diferentes da nossa pode estar ocultando um preconceito
racista eurocêntrico: por trás da negligência pode haver a crença de
que a cultura do homem branco pertence ao topo do processo
evolutivo humano e abarca todas as formas possíveis de cognição.

Referências bibliográficas

EEDEN, Frederik van. "A Study of Dreams". (1913) Reprodução via internet
em março de
2001. Psycology.about.com/science/psycholgy/library/weekly/aa103000
a.htm

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias :o


Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.

HARNISCH, Günter. Léxico dos Sonhos: mais de 1500 símbolos oníricos de


A a Z interpretados à luz da psicologia. (Das Grosse Traumlexikon: Über
1500 traumsymbole von A bis Z psychologisch gedeutet).Trad. de Enio
Paulo Gianchini. Quinta edição. Petrópolis, Vozes, 1999.

JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos e Reflexões. Trad. de Dora Ferreira


da Silva. Vigésima Primeira Impressão. Editora Nova Fronteira.

LUCIDITY INSTITUTE. Perguntas mais comuns (e suas respostas) sobre o


sonho lúcido. In: Jornal Sonhos no 1. Disponível via internet em janeiro de
2001.www.gold.com.br/~sonhos/lucidez.html

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-o-
reconhecimento-da.html

133
O discernimento pela memória residual

Por Cleber Monteiro Muniz, 03/04/2001 - atualizado em 24/02/2004

Durante o sonho persiste no ego uma recordação residual, semi-


consciente, de que as atividades da vida vígil terminaram. É uma
recordação tênue porém normalmente está presente e pode ser
utilizada como apoio para discernirmos que estamos fora da vida física.
Trata-se de uma memória residual de nos termos deitado e concluído os
nossos afazeres diários. À medida em que os agregados psíquicos são
dissolvidos, essa recordação aumenta de modo natural.

Podemos utilizá-la como recurso adicional para desenvolver a lucidez:


ao nos perguntarmos, intra-oniricamente, se estamos ou não no mundo
dos sonhos, podemos nos valer da recordação tênue para obter a
resposta.

É imprescindível conferir a esse procedimento um significado adicional e


não substitutivo. O discernimento pela memória residual não substitui a
prática de olhar para os objetos externos buscando a revelação do
mundo em que estamos. Tampouco substitui as estratégias de
adormecer conscientemente ou de atentar para fatos que desafiam a
lógica tridimensional.

A referida modalidade de discernimento consiste em buscar a resposta


na recordação e não na observação. Para sabermos se estamos em
sonho, nos perguntamos: "Eu já me deitei para dormir ou não?". Se
houver uma recordação tênue, ela pode nos dar a resposta. Completa-
se o trabalho com a observação externa lúcida e verificatório-
confirmatória, além da constatação de acontecimentos típicos da
lógica fantástica. Temos que entender que a pergunta principal ("Em
que mundo estou?"), cuja resposta é baseada na observação, não é
descartada em função da secundária. Esta a completa no caso da
mesma não ser suficiente para proporcionar a lucidez onírica. Quando
a diferenciação for muito difícil, por tudo estar muito igual à realidade
física, podemos apelar para a pergunta secundária como meio de
instalar uma desconfiança inicial.

Uma desconfiança com relação ao caráter numinoso das cenas é


indispensável no discernimento. É justamente a numinosidade,
associada à idéia inconsciente de que não existem reinos interiores com
impacto de realidade equivalente ao físico, que nos leva forçosamente
a sempre acreditar que estamos na vida tridimensional, ainda que
estejamos fora dela.

No que se refere à aquisição de lucidez, há dois tipos de sonhos:

134
1. Sonhos que apresentam anormalidades que os
denunciam.
2. Sonhos idênticos à realidade exterior.

A primeira modalidade onírica é facilmente reconhecida pela


observação das cenas circundantes. Apresentam elementos
subversores da lógica vígil: acontecimentos absurdos, rupturas lógicas,
saltos no tempo e no espaço. A lucidez, nesse caso, requer apenas que
se pratique no mundo físico um estado de alerta com relação a tudo o
que fugir da lógica comum.

A segunda modalidade é a mais difícil de ser reconhecida pelo


sonhador. Nesses casos, os sonhos são compactos, espessos e
coerentes. Os enredos são longos e marcados por uma semelhança
muito grande com a realidade física. O ego onírico não vê absurdos e,
por tal motivo, não detecta diferenças com relação ao mundo exterior.
A observação da cenas circundantes não surte efeito em tais sonhos
porque não há traços de oniricidade a serem observados.

O onironauta que conseguir lucidez nos sonhos idênticos à realidade


exterior conseguirá facilmente a lucidez nos demais. O único elemento
que a permite é a memória autobiográfica recente e altamente
recenta por conter a lembrança residual de onde estivemos há pouco.

Deste modo, há duas maneiras de exercitar o discernimento: 1) pela


observação dos fatos externos; 2) pela recordação de onde estivemos.

A memória onírica autobiográfica recente e altamente recente é


residual pela falta de uso. Podemos tirá-la da atrofia ao exercitá-la por
meio de auto-indagações como: "já adentrei ao sonho?", "será que não
deixei meu corpo dormindo há pouco?", "estas cenas tão
evidentemente reais e físicas que vejo não podem ser já as cenas de
um sonho?".

O exercício precisa ser repetido infinitamente no mundo físico, durante


o estado vígil. O segredo consiste em sentir no fundo do coração as
perguntas, querendo sinceramente a resposta verdadeira. É algo
emocional e não racional, como parece à primeira vista; trata-se de
sentir o desejo de descobrir. A emoção é chave. Quanto mais intensa e
profundamente desejarmos a resposta, maiores serão as chances de
discernirmos que estamos sonhando.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/sonhos-lucidos-o-
discernimento-pela.html

135
A Tendência de Buscarmos um Artificial "Algo Mais"
Cleber Monteiro Muniz em 3 de junho de 2002

Muitos aspirantes a onironautas intentam praticar o discernimento sem


se darem conta de que cometem um erro: o de tomar artificialmente a
realidade onírica. Inconscientemente, procuram um "algo mais" nos
objetos que observam à sua volta, acreditando que esse hipotético
elemento seria o fator de diferenciação entre os modos de realidade.

O "algo mais" seria uma natureza mágica específica que, ao entrar no


campo de consciência do onironauta, tornaria, segundo a equivocada
concepção sabotadora do inconsciente, a realidade do sonho
imediata, facil e inequivocamente reconhecível.

O hipotético elemento mágico identificador de modos de realidade


não existe nos sonhos e nem tampouco na realidade física. O que
existem são elementos muito semelhantes mas que se combinam de
modo a denunciar seu caráter imaginal/físico. As endopercepções
oníricas são análogas às vígeis em qualidade e intensidade, o que nos
obriga realizar a observação partindo do pressuposto de que, se
estivermos sonhando, estaremos em um mundo muito semelhante ao
vígil (ao menos à primeira vista de um principiante) em termos de
concretude e realidade.

O desejo inconsciente ou semi-consciente de enxergar um "algo mais",


além do que os objetos circundantes são em si mesmos, impede a
identificação da dimensão em que estamos.

A tendência de fazer, durante a prática do discernimento, um esforço


adicional para enxergar os elementos que nos chegam à percepção
além de sua aparência imediata se norteia por uma concepção
insuspeitada (e possivelmente equivocada) do que seria esse "algo
mais" inerente ao onírico.

Na etapa de desenvolvimento da consciência que estamos tratando,


identifica-se corretamente o estado de realidade ao tomarmos as
imagens que nos chegam tal como são ao invés de tentar descobrir nas
mesmas um "algo mais" que as identificasse como pertencentes a uma
realidade transcendente. A tentativa de descobrir esse "algo mais"
desvia o curso da atenção.

Tomar as imagens em sua simplicidade natural e primeira significa


simplesmente vê-las o mais objetivamente possível, com a maior riqueza
de detalhes que alcancemos e sem pensar a respeito do que vemos.
O pensar sobre é substituído pelo enxergar.

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Quando raciocinarmos sobre o que estamos percebendo, ainda que
levemente e de modo quase imperceptível, paralisamos a consciência
e nos distanciamos do discernimento.

O desenvolvimento da lucidez intra-onírica requer que miremos os


objetos oníricos que nos rodeiam do mesmo modo que faríamos se estes
fossem físicos mas com a diferença de estarmos verdadeiramente
abertos à possibilidade de estarmos sonhando.

Como é impossível evitar que concepções inconscientes se imiscuam


na prática, a alternativa que resta é observar as cenas circundantes sob
a idéia de que, mesmo sendo oníricas, são reais, concretas e objetivas,
em nada diferindo, sob este aspecto, das cenas acessadas em estado
vígil. Assim, o pressuposto inconsciente de que as objetos oníricos são
sobrenaturais e espetaculares é substituído pelo pressuposto de que são
naturais e apenas um pouco diferentes dos objetos físicos.

A fascinação misticóide provoca uma supervalorização do


transcendente e esta, por seu turno, leva à procura do "algo mais", o
que condiciona a prática da atenção a um pressuposto equivocado.

Fonte: http://cleberlucido.blogspot.com/2011/08/tendencia-de-
buscarmos-um-artificial.html

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