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ARS Ana Paula Cavalcanti Simioni


ano 10
n 20 Anatomia de um Móvel Moderno: algumas questões em torno
do Mobiliário da Casa Modernista, de Gregori Warchavchik 1

palavras-chave: A afirmação da estética modernista no Brasil perpassa diversas práticas artísti-


Gregori Warchavchik; cas, entre elas o da decoração de interiores. De um modo geral, o protagonismo
mobiliário; modernismo;
na introdução do design modernista no Brasil é atribuído ao suíço John Graz e
Casa Modernista
ao ucraniano Gregori Warchavchik, dois imigrantes aportados no país em inícios
da década de 19202. Sem contestar o papel que ambos desempenharam para a
promoção de uma atualização do design de interiores, o presente artigo pretende
analisar o mobiliário concebido por Gregori Warchavchik para a Casa Modernista
procurando mostrar que esse, em sua materialidade, apresenta contradições que
transparecem os impasses então vivenciados entre um certo ideário modernista
almejado e as práticas concretas possíveis para sua realização na cidade de São
Paulo em inícios do século XX.

keywords: Gregori The affirmation of the modernist aesthetics in Brazil involves various artistic practi-
Warchavchik; furniture; ces, including the decoration of interiors. In general, the protagonism in the intro-
modernism; Modernist
duction of modernist design in Brazil is attributed to the swiss artist John Graz and
House
the ukrainian architect Gregori Warchavchik, two immigrants that have contributed
artistic field in the 1920s. Without denying the role of the both to promote and
update the interior design in Brazil, this article analyzes the furniture design made
by Gregori Warchavchik to the Modernist House of 1930, trying to show that, in its
materiality, presents contradictions that are apparent deadlocks then experienced
between a certain modernist ideals pursued , and concrete practices possible for its
realization in the city of Sao Paulo in the early twentieth century.
Artigo recebido em
03 de agosto de 2012
e aprovado em 17 de
outubro de 2012

Gregori Warchavchik.
Móveis feitos para
o interior da Casa
Modernista, 1930. Foto
gentilmente cedida por
Adolpho Leirner.
47

ARS Ana Paula Cavalcanti Simioni


ano 10
n 20 Anatomia de um Móvel Moderno: algumas questões em torno
do Mobiliário da Casa Modernista, de Gregori Warchavchik 1

palavras-chave: A afirmação da estética modernista no Brasil perpassa diversas práticas artísti-


Gregori Warchavchik; cas, entre elas o da decoração de interiores. De um modo geral, o protagonismo
mobiliário; modernismo;
na introdução do design modernista no Brasil é atribuído ao suíço John Graz e
Casa Modernista
ao ucraniano Gregori Warchavchik, dois imigrantes aportados no país em inícios
da década de 19202. Sem contestar o papel que ambos desempenharam para a
promoção de uma atualização do design de interiores, o presente artigo pretende
analisar o mobiliário concebido por Gregori Warchavchik para a Casa Modernista
procurando mostrar que esse, em sua materialidade, apresenta contradições que
transparecem os impasses então vivenciados entre um certo ideário modernista
almejado e as práticas concretas possíveis para sua realização na cidade de São
Paulo em inícios do século XX.

keywords: Gregori The affirmation of the modernist aesthetics in Brazil involves various artistic practi-
Warchavchik; furniture; ces, including the decoration of interiors. In general, the protagonism in the intro-
modernism; Modernist
duction of modernist design in Brazil is attributed to the swiss artist John Graz and
House
the ukrainian architect Gregori Warchavchik, two immigrants that have contributed
artistic field in the 1920s. Without denying the role of the both to promote and
update the interior design in Brazil, this article analyzes the furniture design made
by Gregori Warchavchik to the Modernist House of 1930, trying to show that, in its
materiality, presents contradictions that are apparent deadlocks then experienced
between a certain modernist ideals pursued , and concrete practices possible for its
realization in the city of Sao Paulo in the early twentieth century.
Artigo recebido em
03 de agosto de 2012
e aprovado em 17 de
outubro de 2012

Gregori Warchavchik.
Móveis feitos para
o interior da Casa
Modernista, 1930. Foto
gentilmente cedida por
Adolpho Leirner.
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I. Gregori Warchavchik: utopias modernistas na São Paulo da década ANA PAULA SIMIONI ARS construção da casa, planejou e produziu toda a decoração interior, como
de 1920 Anatomia de um Móvel ano 10 os móveis, as peças de iluminação, as portas e janelas. Seguindo uma divi-
Moderno: algumas
n 20 são do trabalho comum aos circuitos modernistas, o jardim ficou a cargo
questões em torno
Em 1923, o arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik desembarcava do Mobiliário da Casa de sua esposa, Minna Klabin Warchavchik5.
Modernista, de Gregori
em São Paulo, após ter se formado no célebre Instituto Superior de Belas- A residência erguia-se como uma obra de arte total. A arquitetura
Warchavchik
-Artes de Roma, portando cartas de recomendação para atuar profissional- funcionando como uma moldura, preenchida por um conjunto significa-
mente na Companhia Construtora de Santos, pertencente a Roberto Simon- tivo de obras modernistas, como um bronze de Lipshcitz, almofadas de
1. O presente artigo é fundamentada já feita
sen. Apenas dois anos depois, em 1925, Warchavchik lança-se no campo uma versão desenvolvida sobre o arquiteto “Gregori Sonia Delaunay e Dominique, um tapete da Bauhaus, molduras de Pierre
local afirmando-se como um “precursor” da arquitetura moderna no Brasil, do texto apresentado no Warchavchik:combates Legrain. Tais peças, pertencentes a coleções brasileiras, ombreavam-se
35º Encontro Anual da pelo futuro”, In:
por meio da publicação do artigo “Intorno all’architettura moderna”, sob a ANPOCS, dentro do Fórum WARCHAVCHIK, G. com os exemplares modernistas nacionais: quadros, esculturas e gravuras
rubrica “Il futurismo”, na coluna de arte do jornal paulistano Il Piccolo. Em intitulado: Imagens, arte Arquitetura do século XX e de Segall, Gomide, Di Cavalcanti, Cícero Dias, Anita Malfatti, Celso An-
e novas tecnologias: a outros escritos. São Paulo:
novembro daquele mesmo ano, o artigo saía publicado em português, no atualidade da pesquisa em Cossac & Naify, 2006. tonio, Brecheret, Goeldi, Jenny Klabin Segall, e ainda almofadas de Re-
Correio da Manhã do Rio de Janeiro, mostrando a sua relativa repercussão3. ciências sociais, realizado gina Graz, um baixo-relevo de John Graz e peças do próprio Warchavchik
em Caxambu, em 2011. 4. Sobre o lugar de
O texto é considerado o primeiro manifesto a favor da arquitetura Warchavchick na estavam ali reunidos, numa comunhão de linguagens modernas6.
2. A esse respeito historiografia da A própria concepção de uma casa como uma totalidade integrada
modernista publicado no país4. Segundo José Tavares Correia de Lira,
consultar o livro de arquitetura brasileira
especialista na produção e trajetória do arquiteto, propunha de um lado referência sobre o consultar: MARTINS, de obras decorativas de linguagens interdependentes estampava como o
“repensar a edificação tradicional a partir da racionalidade interna de seus assunto: DOS SANTOS, Carlos Ferreira. arquiteto estava atinado com experiências internacionais do mesmo gê-
Maria Cecilia Loschiavo.
atributos técnicos e decorativos”; de outro, reconhecer as exigências im- O móvel moderno no 5. Sobre a produção de nero levadas a cabo por arquitetos decoradores ao longo dos anos 1920
postas pelo desenvolvimento da indústria em uma “época de capitalismo Brasil. São Paulo: Studio Minna Klabin Warchavchik na Europa, entre eles Mallet-Stevens, Djo-Bourgeois, Rulhmann, Eileen
Nobel/EDUSP, 1995. ler: PERECIN, Tatiana.
incipiente, onde a questão da economia predomina sobre todas as de- Especificamente sobre Azaléias e mandacarus. Gray e, particularmente, Le Corbusier, que, em parceria com Charlotte
a atuação de John Graz, Mina Klabin Warchavchik, Perriand, criou unidades domésticas formalmente integradas a partir das
mais”. A defesa da racionalidade construtiva passava, naquele momento,
ler: AFONSO, Anna paisagismo e
pela recusa absoluta ao ornamento e da reivindicação da economia cons- Maria. John Graz: o modernismo no Brasil. premissas de racionalidade, simplicidade, utilidade, economia e higiene,
trutiva, com isso afastando-se deliberadamente das correntes historicistas arquiteto de interiores. Dissertação de mestrado compreendendo desde a fachada até os elementos mínimos de seu inte-
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
e ecléticas que dominavam o panorama arquitetônico local. em Fundamentos Urbanismo, EESC-USP, rior, ao que denominavam “machine à habiter”7.
Um outro passo significativo para a afirmação do modernismo ar- da Arquitetura e do 2003. É interessante Naquele contexto, é importante destacar que o mobiliário havia
Urbanismo), Faculdade de notar que diversos casais
quitetônico em São Paulo é efetivado pelo arquiteto em 1930. Trata-se da Arquitetura e Urbanismo, de artistas realizaram se tornado um elemento fundamental para uma concepção moderna de
construção da emblemática Casa Modernista, localizada na rua Itápolis, Universidade de São projetos decorativos residência, a ponto de praticamente todos os grandes arquitetos do perío-
Paulo, 2008. coletivos, nesses
no bairro do Pacaembu, em São Paulo. No dia 24 de março daquele ano, geralmente, os homens do terem se aventurado também em projetos decorativos, criando móveis
3. Sobre a trajetória de eram incumbidos de específicos para os interiores que concebiam8. Warchavchik participou
a casa foi aberta à visitação do público, estampando o caráter de obra
Gregori Warchavchik e sua realizarem as partes
exemplar com que fora concebida pelo arquiteto. Essa havia sido pensada produção como arquiteto mais importantes como o de tal processo, e assim como seus contemporâneos, partidários do cre-
como uma obra de arte única, na qual todas as partes estariam integradas e teórico consultar o livro projeto (a concepção total), do modernista, considerava uma excrescência a utilização de móveis de
de LIRA, José Tavares C. o mobiliário, as luminárias
por intermédio de linguagens harmônicas, revelando uma concepção de Gregori Warchavchik. etc, ao passo que as época dentro de ambientes modernos. Preocupação que se evidencia no
design incomum na capital paulista de então. A fachada, a estrutura da Fraturas da vanguarda. mulheres ocupavam-se mencionado artigo de 1925 quando indaga:
São Paulo: Cossac & dos gêneros vistos como
casa, a decoração interna – inclusive o mobiliário, as cortinas, os tapetes, Naify, 2011. Muitos inferiores, como os têxteis,
“Encontrarão nossos filhos a mesma harmonia entre os últimos ti-
dos argumentos aqui ou jardinagem. Isso
as portas, as luminárias – e até mesmo sua parte externa, comportando pos de automóveis e aeroplanos de um lado e a arquitetura de nos-
mobilizados dialogam ocorre, por exemplo, com
o jardim, foram planejados em diálogo com os partidos estéticos moder- diretamente com o livro outra dupla importante
sas casas de outro? Não, esta harmonia não poderá existir enquanto
em questão que é a de artistas-decoradores o homem moderno continue a sentar-se em Salões Luis tal ou em
nistas, mormente de tipo funcionalista. Isso demandou uma atuação po- salas de jantar estilo Renascença e não ponha de lado os velhos
pesquisa mais minuciosa no Brasil: John e Regina
livalente da parte do arquiteto, que, além de desenhar e acompanhar a e bem Graz. A esse respeito métodos de decoração das construções”9.
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I. Gregori Warchavchik: utopias modernistas na São Paulo da década ANA PAULA SIMIONI ARS construção da casa, planejou e produziu toda a decoração interior, como
de 1920 Anatomia de um Móvel ano 10 os móveis, as peças de iluminação, as portas e janelas. Seguindo uma divi-
Moderno: algumas
n 20 são do trabalho comum aos circuitos modernistas, o jardim ficou a cargo
questões em torno
Em 1923, o arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik desembarcava do Mobiliário da Casa de sua esposa, Minna Klabin Warchavchik5.
Modernista, de Gregori
em São Paulo, após ter se formado no célebre Instituto Superior de Belas- A residência erguia-se como uma obra de arte total. A arquitetura
Warchavchik
-Artes de Roma, portando cartas de recomendação para atuar profissional- funcionando como uma moldura, preenchida por um conjunto significa-
mente na Companhia Construtora de Santos, pertencente a Roberto Simon- tivo de obras modernistas, como um bronze de Lipshcitz, almofadas de
1. O presente artigo é fundamentada já feita
sen. Apenas dois anos depois, em 1925, Warchavchik lança-se no campo uma versão desenvolvida sobre o arquiteto “Gregori Sonia Delaunay e Dominique, um tapete da Bauhaus, molduras de Pierre
local afirmando-se como um “precursor” da arquitetura moderna no Brasil, do texto apresentado no Warchavchik:combates Legrain. Tais peças, pertencentes a coleções brasileiras, ombreavam-se
35º Encontro Anual da pelo futuro”, In:
por meio da publicação do artigo “Intorno all’architettura moderna”, sob a ANPOCS, dentro do Fórum WARCHAVCHIK, G. com os exemplares modernistas nacionais: quadros, esculturas e gravuras
rubrica “Il futurismo”, na coluna de arte do jornal paulistano Il Piccolo. Em intitulado: Imagens, arte Arquitetura do século XX e de Segall, Gomide, Di Cavalcanti, Cícero Dias, Anita Malfatti, Celso An-
e novas tecnologias: a outros escritos. São Paulo:
novembro daquele mesmo ano, o artigo saía publicado em português, no atualidade da pesquisa em Cossac & Naify, 2006. tonio, Brecheret, Goeldi, Jenny Klabin Segall, e ainda almofadas de Re-
Correio da Manhã do Rio de Janeiro, mostrando a sua relativa repercussão3. ciências sociais, realizado gina Graz, um baixo-relevo de John Graz e peças do próprio Warchavchik
em Caxambu, em 2011. 4. Sobre o lugar de
O texto é considerado o primeiro manifesto a favor da arquitetura Warchavchick na estavam ali reunidos, numa comunhão de linguagens modernas6.
2. A esse respeito historiografia da A própria concepção de uma casa como uma totalidade integrada
modernista publicado no país4. Segundo José Tavares Correia de Lira,
consultar o livro de arquitetura brasileira
especialista na produção e trajetória do arquiteto, propunha de um lado referência sobre o consultar: MARTINS, de obras decorativas de linguagens interdependentes estampava como o
“repensar a edificação tradicional a partir da racionalidade interna de seus assunto: DOS SANTOS, Carlos Ferreira. arquiteto estava atinado com experiências internacionais do mesmo gê-
Maria Cecilia Loschiavo.
atributos técnicos e decorativos”; de outro, reconhecer as exigências im- O móvel moderno no 5. Sobre a produção de nero levadas a cabo por arquitetos decoradores ao longo dos anos 1920
postas pelo desenvolvimento da indústria em uma “época de capitalismo Brasil. São Paulo: Studio Minna Klabin Warchavchik na Europa, entre eles Mallet-Stevens, Djo-Bourgeois, Rulhmann, Eileen
Nobel/EDUSP, 1995. ler: PERECIN, Tatiana.
incipiente, onde a questão da economia predomina sobre todas as de- Especificamente sobre Azaléias e mandacarus. Gray e, particularmente, Le Corbusier, que, em parceria com Charlotte
a atuação de John Graz, Mina Klabin Warchavchik, Perriand, criou unidades domésticas formalmente integradas a partir das
mais”. A defesa da racionalidade construtiva passava, naquele momento,
ler: AFONSO, Anna paisagismo e
pela recusa absoluta ao ornamento e da reivindicação da economia cons- Maria. John Graz: o modernismo no Brasil. premissas de racionalidade, simplicidade, utilidade, economia e higiene,
trutiva, com isso afastando-se deliberadamente das correntes historicistas arquiteto de interiores. Dissertação de mestrado compreendendo desde a fachada até os elementos mínimos de seu inte-
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
e ecléticas que dominavam o panorama arquitetônico local. em Fundamentos Urbanismo, EESC-USP, rior, ao que denominavam “machine à habiter”7.
Um outro passo significativo para a afirmação do modernismo ar- da Arquitetura e do 2003. É interessante Naquele contexto, é importante destacar que o mobiliário havia
Urbanismo), Faculdade de notar que diversos casais
quitetônico em São Paulo é efetivado pelo arquiteto em 1930. Trata-se da Arquitetura e Urbanismo, de artistas realizaram se tornado um elemento fundamental para uma concepção moderna de
construção da emblemática Casa Modernista, localizada na rua Itápolis, Universidade de São projetos decorativos residência, a ponto de praticamente todos os grandes arquitetos do perío-
Paulo, 2008. coletivos, nesses
no bairro do Pacaembu, em São Paulo. No dia 24 de março daquele ano, geralmente, os homens do terem se aventurado também em projetos decorativos, criando móveis
3. Sobre a trajetória de eram incumbidos de específicos para os interiores que concebiam8. Warchavchik participou
a casa foi aberta à visitação do público, estampando o caráter de obra
Gregori Warchavchik e sua realizarem as partes
exemplar com que fora concebida pelo arquiteto. Essa havia sido pensada produção como arquiteto mais importantes como o de tal processo, e assim como seus contemporâneos, partidários do cre-
como uma obra de arte única, na qual todas as partes estariam integradas e teórico consultar o livro projeto (a concepção total), do modernista, considerava uma excrescência a utilização de móveis de
de LIRA, José Tavares C. o mobiliário, as luminárias
por intermédio de linguagens harmônicas, revelando uma concepção de Gregori Warchavchik. etc, ao passo que as época dentro de ambientes modernos. Preocupação que se evidencia no
design incomum na capital paulista de então. A fachada, a estrutura da Fraturas da vanguarda. mulheres ocupavam-se mencionado artigo de 1925 quando indaga:
São Paulo: Cossac & dos gêneros vistos como
casa, a decoração interna – inclusive o mobiliário, as cortinas, os tapetes, Naify, 2011. Muitos inferiores, como os têxteis,
“Encontrarão nossos filhos a mesma harmonia entre os últimos ti-
dos argumentos aqui ou jardinagem. Isso
as portas, as luminárias – e até mesmo sua parte externa, comportando pos de automóveis e aeroplanos de um lado e a arquitetura de nos-
mobilizados dialogam ocorre, por exemplo, com
o jardim, foram planejados em diálogo com os partidos estéticos moder- diretamente com o livro outra dupla importante
sas casas de outro? Não, esta harmonia não poderá existir enquanto
em questão que é a de artistas-decoradores o homem moderno continue a sentar-se em Salões Luis tal ou em
nistas, mormente de tipo funcionalista. Isso demandou uma atuação po- salas de jantar estilo Renascença e não ponha de lado os velhos
pesquisa mais minuciosa no Brasil: John e Regina
livalente da parte do arquiteto, que, além de desenhar e acompanhar a e bem Graz. A esse respeito métodos de decoração das construções”9.
50 51

O texto afirma que a busca pela harmonia entre a cultura e a resi- ANA PAULA SIMIONI ARS O lema modernista da busca pelos materiais adequados ao presente,
dência do homem moderno passa necessariamente por uma unificação da Anatomia de um Móvel ano 10 os quais deveriam ser utilizados de modo visível nas construções, evitando seu
Moderno: algumas
linguagem e da técnica empregues em sua construção. É preciso deixar n 20 camuflamento por meio de elementos acessórios ou decorativos, traduzido
questões em torno
de copiar os velhos estilos e reivindicar as formas do presente, as quais do Mobiliário da Casa em outro lema modernista conhecido como a “verdade dos materiais”, en-
Modernista, de Gregori
são fruto de um tempo estruturado pelo ritmo das máquinas, pela racio- contrara no mobiliário de Warchavchik uma contradição muito significativa.
Warchavchik
nalização do trabalho industrial, pela velocidade dos automóveis. Como
afirma Warchavchik, o arquiteto deve “amar sua época, com todas as suas II. Disputas pelo móvel “moderno” no campo do design internacional,
consultar: SIMIONI, Ana 11. Sophia Telles já havia
grandes manifestações do espírito humano”, o que significa ser capaz de Paula C. Regina Gomide percebido a contradição década de 20:
projetar, integralmente, uma casa adequada aos novos tempos, inclusive Graz: modernismo, arte de tal mobiliário.
têxtil e relações de gênero TELLES Sophia. A
nos seus elementos mais íntimos, como o mobiliário10. no Brasil. In: Rev. Inst. arquitetura modernista, A produção do conjunto de móveis para a Casa Modernista não
É com esse intuito que o arquiteto projeta e produz o conjunto de Estud. Bras. [online]. um espaço sem lugar. pode ser plenamente compreendida fora do debate internacional. Ao lon-
2007, n.45, p. 87-106. In: TOLIPAN, Sergio.
peças realizado para a sala de estar da casa da Rua Itápolis, o qual pode Sete ensaios sobre o go da década de 1920 travou-se uma real batalha entre os designers de
ser considerado como visivelmente inovador para o ambiente paulistano de 6. A esse respeito, modernismo. Rio de interiores, na época denominados artistas-decoradores, sobre os usos e sig-
ler LIRA, Op. cit., Janeiro: FUNARTE, 1983.
outrora, ou, no jargão da época, “futurista”: suas linhas ostensivamente geo- especificamente o nificados dos materiais utilizados pela moderna arquitetura. Nas páginas
métricas, predominantemente retas, são aguçadas pelo contraste cromático capítulo 7, Uma casa em 12. Idem, Ibidem, p. 37-8. da revista francesa Art et Décoration, um dos mais importantes periódicos
exposição. Grifos meus.
obtido pelo uso simultâneo da madeira prateada e estofados em veludo vio- dedicados às artes decorativas desse momento, é possível acompanhar tal
leta. Warchavchik já havia desenhado anteriormente alguns desses móveis 7. OZENFANT e 13. Consultar: BAYER, celeuma. O campo das artes decorativas vivenciava uma grande prolifera-
JEANNERET [Le Patricia. Intérieurs
para sua casa na Rua Santa Cruz; porém, na versão inicial optou por manter Corbusier]. A situação Art Déco. Thames and ção de estilos, tendências, debates e disputas acirradas entre grupos13. Na
a cor da madeira escura, encerada à boneca, ao passo que, neste caso, mui- atual da vida moderna, Hudson, 2007. ocasião do afamada Exposition des Arts Decoratifs de 1925, a partir da qual
In: MARTINS, Carlos
to do efeito vanguardista pretendido resultou do emprego da cor metálica. F. (org). Depois do se disseminou a expressão “art déco”, a crítica especializada já percebia
Precisamente esse uso da tinta prateada sobre a estrutura de ma- cubismo. São Paulo: com clareza a existência de ao menos duas orientações distintas – e anta-
Cossac & Naify, 2005.
deira revela um dos aspectos mais interessantes, e contraditórios, de tal gônicas – para os novos rumos das artes aplicadas, por um lado os artistas
mobiliário11. O uso da pigmentação denota o desejo de obter um efeito 8. A esse respeito denominados como modernos e, por outro, os contemporâneos:
consultar: BENTON,
específico: aparentar ser um móvel metálico. A questão do material a ser Charlotte. Le Corbusier:
empregue não é um detalhe, mas bem ao contrário, trata-se de um ele- Furniture and the “[...] A ebenesteria moderna rejeita o ornamento. Esse é seu tra-
Interior, In: Journal of ço específico. Será, porém, seu traço distintivo? A arte dos Emile
mento crucial nos debates estéticos em vigor naquele momento. Elemen- Design History, Oxford, Ruhlmann, de André Groult, de Süe e Mare, não é ela moderna?
to do qual Warchavchik era plenamente consciente já em 1925, a ponto vol , nº2/3, 1990. [...]
Charlotte Perriand. Le
Não se saberia com mais bondade, inteligência e habilidade ligar o
de concluir seu eminente manifesto com a seguinte sentença: 9. Warchavchik, G. Bar sous le toile. Obra
apresentada ao Salon
passado ao presente e renovar a tradição: Louis Süe e André Mare
Acerca da arquitetura
D´Automne. Art et se apegam às formulas da Restauração, Groult àquelas do século
“O arquiteto moderno deve amar sua época, com todas as suas moderna. In: Arquitetura
do século XX e outros Décoration, Paris, déc. XVIII e Ruhlmann às do Império [...]. Eles próprios, aliás, decli-
grandes manifestações do espírito humano, como a arte do pintor
escritos, Op. cit., p.35-6. 1927, p. 173. nam quanto à qualificação de artistas ‘modernos’. Eles são ‘con-
moderno ou poeta moderno deve conhecer a vida de todas as ca-
Originalmente publicado temporâneos’. Emile Ruhlmann cria móveis ‘contemporâneos’. É
madas da sociedade.
sob o título “Futurismo” no ‘Museu de Arte Contemporânea’ que se dispõe Süe e Mare na
Tomando por base o material de construção de que dispomos, es-
no jornal Il Piccolo, São exposição que se abre.
tudando-o e conhecendo-o como os velhos mestres conheciam sua
Paulo, 14 jun. 1925, e ‘Contemporâneo’ e não ‘moderno’: constatação de um estado de
pedra, não receando exibi-lo no seu melhro aspecto do ponto de depois traduzido como fato, mas não de profissão de uma doutrina. Quem diz ‘moderno’
vista da estética, fazendo refletir em suas obras as ideias do nosso Acerca da arquitetura define, com efeito, uma estética. [....] São os recursos técnicos atu-
tempo, a nossa lógica[....]. moderna, no Correio da
ais, as condições econômicas e domésticas presentes que os sedu-
Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a divi- Manhã, 1 nov. 1925.
zem. Com efeito, nossa preocupação com a higiene, nosso gosto
sa que deve ser adotada pelo arquiteto moderno”12.
10. Idem, Ibidem, p. 37.
pelos esportes, nosso cientificismo não atribuem ao banheiro uma
importância determinante? Nós criamos para ela, como consequ-
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O texto afirma que a busca pela harmonia entre a cultura e a resi- ANA PAULA SIMIONI ARS O lema modernista da busca pelos materiais adequados ao presente,
dência do homem moderno passa necessariamente por uma unificação da Anatomia de um Móvel ano 10 os quais deveriam ser utilizados de modo visível nas construções, evitando seu
Moderno: algumas
linguagem e da técnica empregues em sua construção. É preciso deixar n 20 camuflamento por meio de elementos acessórios ou decorativos, traduzido
questões em torno
de copiar os velhos estilos e reivindicar as formas do presente, as quais do Mobiliário da Casa em outro lema modernista conhecido como a “verdade dos materiais”, en-
Modernista, de Gregori
são fruto de um tempo estruturado pelo ritmo das máquinas, pela racio- contrara no mobiliário de Warchavchik uma contradição muito significativa.
Warchavchik
nalização do trabalho industrial, pela velocidade dos automóveis. Como
afirma Warchavchik, o arquiteto deve “amar sua época, com todas as suas II. Disputas pelo móvel “moderno” no campo do design internacional,
consultar: SIMIONI, Ana 11. Sophia Telles já havia
grandes manifestações do espírito humano”, o que significa ser capaz de Paula C. Regina Gomide percebido a contradição década de 20:
projetar, integralmente, uma casa adequada aos novos tempos, inclusive Graz: modernismo, arte de tal mobiliário.
têxtil e relações de gênero TELLES Sophia. A
nos seus elementos mais íntimos, como o mobiliário10. no Brasil. In: Rev. Inst. arquitetura modernista, A produção do conjunto de móveis para a Casa Modernista não
É com esse intuito que o arquiteto projeta e produz o conjunto de Estud. Bras. [online]. um espaço sem lugar. pode ser plenamente compreendida fora do debate internacional. Ao lon-
2007, n.45, p. 87-106. In: TOLIPAN, Sergio.
peças realizado para a sala de estar da casa da Rua Itápolis, o qual pode Sete ensaios sobre o go da década de 1920 travou-se uma real batalha entre os designers de
ser considerado como visivelmente inovador para o ambiente paulistano de 6. A esse respeito, modernismo. Rio de interiores, na época denominados artistas-decoradores, sobre os usos e sig-
ler LIRA, Op. cit., Janeiro: FUNARTE, 1983.
outrora, ou, no jargão da época, “futurista”: suas linhas ostensivamente geo- especificamente o nificados dos materiais utilizados pela moderna arquitetura. Nas páginas
métricas, predominantemente retas, são aguçadas pelo contraste cromático capítulo 7, Uma casa em 12. Idem, Ibidem, p. 37-8. da revista francesa Art et Décoration, um dos mais importantes periódicos
exposição. Grifos meus.
obtido pelo uso simultâneo da madeira prateada e estofados em veludo vio- dedicados às artes decorativas desse momento, é possível acompanhar tal
leta. Warchavchik já havia desenhado anteriormente alguns desses móveis 7. OZENFANT e 13. Consultar: BAYER, celeuma. O campo das artes decorativas vivenciava uma grande prolifera-
JEANNERET [Le Patricia. Intérieurs
para sua casa na Rua Santa Cruz; porém, na versão inicial optou por manter Corbusier]. A situação Art Déco. Thames and ção de estilos, tendências, debates e disputas acirradas entre grupos13. Na
a cor da madeira escura, encerada à boneca, ao passo que, neste caso, mui- atual da vida moderna, Hudson, 2007. ocasião do afamada Exposition des Arts Decoratifs de 1925, a partir da qual
In: MARTINS, Carlos
to do efeito vanguardista pretendido resultou do emprego da cor metálica. F. (org). Depois do se disseminou a expressão “art déco”, a crítica especializada já percebia
Precisamente esse uso da tinta prateada sobre a estrutura de ma- cubismo. São Paulo: com clareza a existência de ao menos duas orientações distintas – e anta-
Cossac & Naify, 2005.
deira revela um dos aspectos mais interessantes, e contraditórios, de tal gônicas – para os novos rumos das artes aplicadas, por um lado os artistas
mobiliário11. O uso da pigmentação denota o desejo de obter um efeito 8. A esse respeito denominados como modernos e, por outro, os contemporâneos:
consultar: BENTON,
específico: aparentar ser um móvel metálico. A questão do material a ser Charlotte. Le Corbusier:
empregue não é um detalhe, mas bem ao contrário, trata-se de um ele- Furniture and the “[...] A ebenesteria moderna rejeita o ornamento. Esse é seu tra-
Interior, In: Journal of ço específico. Será, porém, seu traço distintivo? A arte dos Emile
mento crucial nos debates estéticos em vigor naquele momento. Elemen- Design History, Oxford, Ruhlmann, de André Groult, de Süe e Mare, não é ela moderna?
to do qual Warchavchik era plenamente consciente já em 1925, a ponto vol , nº2/3, 1990. [...]
Charlotte Perriand. Le
Não se saberia com mais bondade, inteligência e habilidade ligar o
de concluir seu eminente manifesto com a seguinte sentença: 9. Warchavchik, G. Bar sous le toile. Obra
apresentada ao Salon
passado ao presente e renovar a tradição: Louis Süe e André Mare
Acerca da arquitetura
D´Automne. Art et se apegam às formulas da Restauração, Groult àquelas do século
“O arquiteto moderno deve amar sua época, com todas as suas moderna. In: Arquitetura
do século XX e outros Décoration, Paris, déc. XVIII e Ruhlmann às do Império [...]. Eles próprios, aliás, decli-
grandes manifestações do espírito humano, como a arte do pintor
escritos, Op. cit., p.35-6. 1927, p. 173. nam quanto à qualificação de artistas ‘modernos’. Eles são ‘con-
moderno ou poeta moderno deve conhecer a vida de todas as ca-
Originalmente publicado temporâneos’. Emile Ruhlmann cria móveis ‘contemporâneos’. É
madas da sociedade.
sob o título “Futurismo” no ‘Museu de Arte Contemporânea’ que se dispõe Süe e Mare na
Tomando por base o material de construção de que dispomos, es-
no jornal Il Piccolo, São exposição que se abre.
tudando-o e conhecendo-o como os velhos mestres conheciam sua
Paulo, 14 jun. 1925, e ‘Contemporâneo’ e não ‘moderno’: constatação de um estado de
pedra, não receando exibi-lo no seu melhro aspecto do ponto de depois traduzido como fato, mas não de profissão de uma doutrina. Quem diz ‘moderno’
vista da estética, fazendo refletir em suas obras as ideias do nosso Acerca da arquitetura define, com efeito, uma estética. [....] São os recursos técnicos atu-
tempo, a nossa lógica[....]. moderna, no Correio da
ais, as condições econômicas e domésticas presentes que os sedu-
Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a divi- Manhã, 1 nov. 1925.
zem. Com efeito, nossa preocupação com a higiene, nosso gosto
sa que deve ser adotada pelo arquiteto moderno”12.
10. Idem, Ibidem, p. 37.
pelos esportes, nosso cientificismo não atribuem ao banheiro uma
importância determinante? Nós criamos para ela, como consequ-
52 53

ência, um mobiliário inteiramente novo. São móveis estabelecidos ANA PAULA SIMIONI ARS poucos incorpora materiais novos como o metal em seu trabalho, o que é
para uma sociedade apressada, privada de servidores, mas que, so- Anatomia de um Móvel ano 10 visto como um “progresso”. O próprio título do artigo “Uma etapa rumo
bretudo, ama a ordem e o método, essa higiene do espírito”14. Moderno: algumas
questões em torno
n 20 ao móvel metálico”, deixa claro o quanto o móvel de metal era visto como
do Mobiliário da Casa um devir obrigatório:
Modernista, de Gregori
O texto assinado pelo crítico Guillaume Janneau (1887-1968) iden- Warchavchik
tificava duas perspectivas predominantes no salão. De um lado, artistas- “Nos vagões, nos automóveis, o metal progressivamente eliminou a
-decoradores dedicados a recuperar elementos daquilo que aponta como madeira. Deve ele também estar, um dia mais ou menos longínquo,
14. JANNEAU, et des conditions dentro do mobiliário da casa? Veremos nós móveis inteiramente
a “tradição nacional francesa” e readequá-los às demandas do presente, Guillaume. Introduction économiques et metálicos, ou ao menos, nos quais a madeira, quente, colorida, com
a L´Exposition des Arts domestiques presents qualidades inigualáveis não intervirá apenas como adorno? Aguar-
o que implicava manter a sofisticada cultura ebanista secular do país,
Décoratifs: Considerations qu´ils les déduisent.
demos a profecia. Mas, do ponto de vista da resistência às mu-
adaptando-a para os novos usos, funções, espaços e gostos; a esses nomea- sur l´Esprit Moderne. En effet, notre souci
danças da temperatura, os autores dos móveis reproduzidos nessas
In: Art et Décoration, d´hygiène, noutre
va contemporâneos. Dentre eles destacava os nomes de Emile Ruhlmann, páginas atingiram suas metas. E, do ponto de vista estético, suas
maio, 1925, p. 149- goût des sports, et
Louis Sue, André Mare, Grouault. De outro lado, um grupo de jovens 150. No original: “ […] notre scientificisme experiências provam que, mesmo num escritório de trabalho, ou
l´ébénisterie moderne n´accordent- ils pas num quarto, o metal e a madeira fazem uma boa parceria. Que se
artistas ansioso justamente por romper com o passado, instaurando uma marque ou não uma etapa rumo ao móvel inteiramente metálico,
rejette l´ornement. à la sale de bains
estética calcada na funcionalidade, livre de quaisquer tipos de ornamen- C´est meme lá son une importance os móveis semi-metálicos de Ruhlmann e de Chareau acusam um
tações, elementos esses constantemente acusados nos discursos de serem trait spécifique. Est-ce déterminante? On novo progresso do móvel metálico”16.
toutefois son trait crée pour elle, en
historicistas, fúteis e atrelados a um tempo que deveria ser superado15. distinctif? L´art des Emile consequence, un
Ruhlmann, des André mobilier tout nouveau O ano de 1927 evidencia o triunfo dos móveis em metal no Salão,
Para tanto, defendiam que o mobiliário deveria utilizar-se de materiais
Groult, des Süe et Mare, (…) Ce sont lá des tornando-se mesmo o principal assunto da mostra. Dentre os artistas de-
novos, compassados ao mundo do presente, então associado ao universo n´est-il pas moderne? […] meubles établis pour une
On ne saurait avec plus de société pressée, privée coradores designados como contemporâneos o metal é utilizado ao lado
das indústrias, da ciência, do trabalho, do movimento, da higiene. Tal
bonheur, d´intelligence de serviteurs, mais da madeira, que continua a ser o elemento predominante, tal como nos
grupo era denominado como os modernos, dentre os quais se contava et d´habilité, relier au qui,surtout, aime l´order
passé le present et et la méthode, cette exemplares projetados por Ruhlman. Mas dentre os modernos cada vez
a participação de Le Corbusier, Charlote Perriand, Mallet Stevens, Djo-
renouer la tradition: Louis hygiene de l´esprit [...]”. mais nota-se um esforço em transformar o metal no material predomi-
-Borjouis, entre outros. Süe et André Mare se Tradução da autora.
rattachant aux formulas
nante no mobiliário. Particularmente importante no campo francês da
A disputa entre modernos e contemporâneos foi intensa e constan-
de la Restauration, Groult 15. Tais posturas decoração deste momento é o conjunto proposto por Charlotte Perriand
te ao longo de toda a década de 1920, fazendo-se notar nas exposições, à celles du dix-huitième encontram-se
siècle et Ruhlmann à representadas em para um bar, posto que se trata de um projeto inteiramente feito em me-
nos salões e na crítica. A questão dos materiais adequados ao mobiliário
celles de l´Empire […]. textos modernistas tal, destacando-se bastante no Salão daquele ano, tal como se percebe no
ocupava um papel crucial na divisão de grupos e orientações. Já em 1925, Eux-mêmes, d´ailleurs, programáticos
déclinent la qualification fundamentais, tais como: destaque obtido na prestigiosa publicação.
na exposição anual do Salon des Artistes Décorateurs, a mais afamada
d´artites ‘modernes’. Ils LOOS, Adolf. Ornament É fundamental também lembrar que a afirmação do móvel metá-
mostra internacional de artes decorativas, o uso do metal no mobiliário sont ‘contemporains’. und Verbrechen (1908),
Emile Ruhlmann crée des trad. portuguesa lico não ocorria apenas na França17. Na verdade, o pioneirismo deve ser
despontou como um emblema de modernidade. Inicialmente utilizado
meubles ‘contemporains’. Ornamento e crime. atribuído às produções de Marcel Breuer, desenvolvidas em Dessau, na
apenas em algumas partes dos móveis, como nos pés ou nas maçanetas, a C´est le “Musée Lisboa: Cotovia, 2006;
d´art contemporain’ LE CORBUSIER, L’art Alemanha, no interior da prestigiosa escola de Bauhaus. Em 1925 este já
fim de prover estruturas mais resistentes ao uso, aos poucos se tornando
qu´aménagent Süe et decoratif d’aujourd’hui havia concebido uma cadeira inteiramente feita em tubos de aço,a Cadei-
um elemento compositivo central. Mare à l´exposition qui (1925), trad. portuguesa,
s´ouvre. Contemporain’, A arte decorativa de ra Club, posteriormente denominada como “Vassily”. Os móveis concebi-
non ‘moderne’: hoje. São Paulo: Martins dos por Breuer tiveram sucesso imediato, dentro e fora da escola, Gropius
Comentando o Salão de 1927, o crítico Leon Deshairs detém-se constatation d´un état de Fontes, 1996.
fait, mais non profession
convidara-o para mobiliar todo o edifício da escola. E, já no ano seguinte,
particularmente sobre os móveis de E. Ruhlmann, artista exemplar da
d´une doctrine. Qui dit 16. DESHAIRS, Leon. os móveis por ele concebidos já encontravam uma aplicação industrial,
tendência anteriormente descrita como “contemporânea” por seu esmero ‘moderne’ définit, en Une étape vers le meuble
effet, une esthéthique. métalique. In: Art et por meio da empresa Standar-Möbel fundada por ele e Kálmán Lengyel.
técnico na renovação da tradição ebanistíca, no uso de materiais requin-
[…] C´est des ressources Décoration, Paris, abril Em 1927, Breuer assinava um contrato com a empresa Thonet, uma mar-
tados e exclusivos. Mesmo esse partidário do diálogo com a tradição, aos techniques actuelles, de 1927,
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ência, um mobiliário inteiramente novo. São móveis estabelecidos ANA PAULA SIMIONI ARS poucos incorpora materiais novos como o metal em seu trabalho, o que é
para uma sociedade apressada, privada de servidores, mas que, so- Anatomia de um Móvel ano 10 visto como um “progresso”. O próprio título do artigo “Uma etapa rumo
bretudo, ama a ordem e o método, essa higiene do espírito”14. Moderno: algumas
questões em torno
n 20 ao móvel metálico”, deixa claro o quanto o móvel de metal era visto como
do Mobiliário da Casa um devir obrigatório:
Modernista, de Gregori
O texto assinado pelo crítico Guillaume Janneau (1887-1968) iden- Warchavchik
tificava duas perspectivas predominantes no salão. De um lado, artistas- “Nos vagões, nos automóveis, o metal progressivamente eliminou a
-decoradores dedicados a recuperar elementos daquilo que aponta como madeira. Deve ele também estar, um dia mais ou menos longínquo,
14. JANNEAU, et des conditions dentro do mobiliário da casa? Veremos nós móveis inteiramente
a “tradição nacional francesa” e readequá-los às demandas do presente, Guillaume. Introduction économiques et metálicos, ou ao menos, nos quais a madeira, quente, colorida, com
a L´Exposition des Arts domestiques presents qualidades inigualáveis não intervirá apenas como adorno? Aguar-
o que implicava manter a sofisticada cultura ebanista secular do país,
Décoratifs: Considerations qu´ils les déduisent.
demos a profecia. Mas, do ponto de vista da resistência às mu-
adaptando-a para os novos usos, funções, espaços e gostos; a esses nomea- sur l´Esprit Moderne. En effet, notre souci
danças da temperatura, os autores dos móveis reproduzidos nessas
In: Art et Décoration, d´hygiène, noutre
va contemporâneos. Dentre eles destacava os nomes de Emile Ruhlmann, páginas atingiram suas metas. E, do ponto de vista estético, suas
maio, 1925, p. 149- goût des sports, et
Louis Sue, André Mare, Grouault. De outro lado, um grupo de jovens 150. No original: “ […] notre scientificisme experiências provam que, mesmo num escritório de trabalho, ou
l´ébénisterie moderne n´accordent- ils pas num quarto, o metal e a madeira fazem uma boa parceria. Que se
artistas ansioso justamente por romper com o passado, instaurando uma marque ou não uma etapa rumo ao móvel inteiramente metálico,
rejette l´ornement. à la sale de bains
estética calcada na funcionalidade, livre de quaisquer tipos de ornamen- C´est meme lá son une importance os móveis semi-metálicos de Ruhlmann e de Chareau acusam um
tações, elementos esses constantemente acusados nos discursos de serem trait spécifique. Est-ce déterminante? On novo progresso do móvel metálico”16.
toutefois son trait crée pour elle, en
historicistas, fúteis e atrelados a um tempo que deveria ser superado15. distinctif? L´art des Emile consequence, un
Ruhlmann, des André mobilier tout nouveau O ano de 1927 evidencia o triunfo dos móveis em metal no Salão,
Para tanto, defendiam que o mobiliário deveria utilizar-se de materiais
Groult, des Süe et Mare, (…) Ce sont lá des tornando-se mesmo o principal assunto da mostra. Dentre os artistas de-
novos, compassados ao mundo do presente, então associado ao universo n´est-il pas moderne? […] meubles établis pour une
On ne saurait avec plus de société pressée, privée coradores designados como contemporâneos o metal é utilizado ao lado
das indústrias, da ciência, do trabalho, do movimento, da higiene. Tal
bonheur, d´intelligence de serviteurs, mais da madeira, que continua a ser o elemento predominante, tal como nos
grupo era denominado como os modernos, dentre os quais se contava et d´habilité, relier au qui,surtout, aime l´order
passé le present et et la méthode, cette exemplares projetados por Ruhlman. Mas dentre os modernos cada vez
a participação de Le Corbusier, Charlote Perriand, Mallet Stevens, Djo-
renouer la tradition: Louis hygiene de l´esprit [...]”. mais nota-se um esforço em transformar o metal no material predomi-
-Borjouis, entre outros. Süe et André Mare se Tradução da autora.
rattachant aux formulas
nante no mobiliário. Particularmente importante no campo francês da
A disputa entre modernos e contemporâneos foi intensa e constan-
de la Restauration, Groult 15. Tais posturas decoração deste momento é o conjunto proposto por Charlotte Perriand
te ao longo de toda a década de 1920, fazendo-se notar nas exposições, à celles du dix-huitième encontram-se
siècle et Ruhlmann à representadas em para um bar, posto que se trata de um projeto inteiramente feito em me-
nos salões e na crítica. A questão dos materiais adequados ao mobiliário
celles de l´Empire […]. textos modernistas tal, destacando-se bastante no Salão daquele ano, tal como se percebe no
ocupava um papel crucial na divisão de grupos e orientações. Já em 1925, Eux-mêmes, d´ailleurs, programáticos
déclinent la qualification fundamentais, tais como: destaque obtido na prestigiosa publicação.
na exposição anual do Salon des Artistes Décorateurs, a mais afamada
d´artites ‘modernes’. Ils LOOS, Adolf. Ornament É fundamental também lembrar que a afirmação do móvel metá-
mostra internacional de artes decorativas, o uso do metal no mobiliário sont ‘contemporains’. und Verbrechen (1908),
Emile Ruhlmann crée des trad. portuguesa lico não ocorria apenas na França17. Na verdade, o pioneirismo deve ser
despontou como um emblema de modernidade. Inicialmente utilizado
meubles ‘contemporains’. Ornamento e crime. atribuído às produções de Marcel Breuer, desenvolvidas em Dessau, na
apenas em algumas partes dos móveis, como nos pés ou nas maçanetas, a C´est le “Musée Lisboa: Cotovia, 2006;
d´art contemporain’ LE CORBUSIER, L’art Alemanha, no interior da prestigiosa escola de Bauhaus. Em 1925 este já
fim de prover estruturas mais resistentes ao uso, aos poucos se tornando
qu´aménagent Süe et decoratif d’aujourd’hui havia concebido uma cadeira inteiramente feita em tubos de aço,a Cadei-
um elemento compositivo central. Mare à l´exposition qui (1925), trad. portuguesa,
s´ouvre. Contemporain’, A arte decorativa de ra Club, posteriormente denominada como “Vassily”. Os móveis concebi-
non ‘moderne’: hoje. São Paulo: Martins dos por Breuer tiveram sucesso imediato, dentro e fora da escola, Gropius
Comentando o Salão de 1927, o crítico Leon Deshairs detém-se constatation d´un état de Fontes, 1996.
fait, mais non profession
convidara-o para mobiliar todo o edifício da escola. E, já no ano seguinte,
particularmente sobre os móveis de E. Ruhlmann, artista exemplar da
d´une doctrine. Qui dit 16. DESHAIRS, Leon. os móveis por ele concebidos já encontravam uma aplicação industrial,
tendência anteriormente descrita como “contemporânea” por seu esmero ‘moderne’ définit, en Une étape vers le meuble
effet, une esthéthique. métalique. In: Art et por meio da empresa Standar-Möbel fundada por ele e Kálmán Lengyel.
técnico na renovação da tradição ebanistíca, no uso de materiais requin-
[…] C´est des ressources Décoration, Paris, abril Em 1927, Breuer assinava um contrato com a empresa Thonet, uma mar-
tados e exclusivos. Mesmo esse partidário do diálogo com a tradição, aos techniques actuelles, de 1927,
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ca emblemática no ramo do mobiliário internacional desde o século XIX, ANA PAULA SIMIONI ARS mais ‘natural’ da madeira, mostrando a busca de um diálogo com a tradi-
e passava a desenhar para ela uma série de peças em aço tubular, como Anatomia de um Móvel ano 10 ção artesanal francesa, com o vernacular. Tal escolha estética possui um
Moderno: algumas sentido político, o de demonstrar o apreço pela “antiga França”, que havia
a Cadeira Cantilever. Com efeito, o mobiliário em metal elaborado por questões em torno
n 20
Breuer foi fundamental para a própria constituição e projeção de imagem do Mobiliário da Casa resistido bravamente aos impactos da I Guerra. De outro lado, Charlot-
Modernista, de Gregori te Perriand que, nos anos 1920 havia redigido manifestos programáticos
de modernidade propagada pela Bauhaus18. Warchavchik
O significado do uso do metal transcendia a sua mera aplicabilida- contra a madeira e realizado obras paradigmáticas, como o bar de 1927,
de técnica, possuindo um profundo sentido cultural aos olhos de seus de- nos anos de 1930 passa a realizar obras em que opta pelo uso abundante
p. 110. No original: “Dans 18. COBBES, Arnt.
fensores. Era então alçado à condição de material emblematicamente mo- les wagons, les autos, le Marcel Breuer,
do material outrora negado, defendendo-o dessa vez como mais “adequa-
derno: adaptado à civilização mecânica, à era das máquinas e do trabalho, metal a progressivement 1902-1981.Criador da do à esfera humana”. Matizando sua posição anterior integralmente sim-
éliminé le bois. Doit-il en forma do século XX.
higiênico, resistente, funcional, limpo e prático, símbolo de modernidade. être de même, um jour Koln: Taschen, 2009, p.
pática aos princípios revolucionários dos “modernistas”, nos escritos da
Além do mais, trazia consigo a possibilidade de uma produção industria- plus ou moins lointain, 21. Para uma análise década de 1930 a artista-decoradora passou a defender o uso de elemen-
dans le mobilier de la densa sobre o designer
lizada para consumo de grande público. Com isso, o uso do aço tubular Maison? Verrons-nous e sua produção ler:
tos associados ao vernáculo, e mesmo a assimilar influências “regionais”20.
paulatinamente tornou-se sinônimo de estética modernista, ao passo que des meubles entièrement ARGAN, Giulio Carlo. No entanto, em finais dos anos de 1920, essa volta à tradição ainda
métalliques, ou du moins Marcel Breuer- desenho
a utilização da madeira associou-se, naquele decênio, à prática dos artis- ou le bois, chaud, colore, industrial e arquitetura.
era vista com muitas reservas pelos modernistas, antes bem ao contrário,
tas tidos como contemporâneos, termo que, diferentemente de seu sentido aux qualités sans égales, In: Arte moderna na trata-se de um momento de euforia para com os elementos constitutivos
n´interviendra plus Europa, de Hogarth
atual, agrupava artistas de orientação mais tradicional. Cada um desses que comme garniture? a Picasso. São Paulo:
da “civilização do presente”. O artigo assinado por Leon Werth21 na revis-
meios era então impregnado de simbologias; o metal representava o pri- Gardons-nous de jour au Companhia das Letras, ta Art et Décoration é esclarecedor dos sentido cultural que os materiais
prophète. Mais, au point 2010.
mado da funcionalidade, do presente e do futuro. Já a madeira adquiria de vue de la résistance
adquiriram, notadamente no que tange à crença no metal como um ele-
um sentido oposto, o de sofisticação, de artesania, de apego às tradições, aux changements de 19. A esse respeito mento de afirmação da sociedade do presente, e do futuro:
température, les auteurs consultar: GOLAN,
em suma, era entendido como a materialização do apego ao passado19. des meubles reproduits Romy. Modernity and
en ces pages ont atteint Nostalgia: Art and “E é aqui que Ruhlmann nos convida à antecipação, Ruhlmann
Todavia, é importante lembrar que tais discursos faziam questão de
leur but. Et, au point Politics in France que prefere costumeiramente nos seduzir somente pela perfeição e
negligenciar certos pontos. Primeiramente, o fato de que havia sido Ruhl- de vue esthétique, leur between the Wars. New
aristocracia de seu gosto. Ele expõe um móvel metálico (um ensaio
expérience a prouvé que, Haven, London, Yale
mann o introdutor do metal em seus trabalhos, em pequenos detalhes sobre um móvel de aço). Léon Deshair demonstrou aqui mesmo o
même dasn um cabinet de University Press, 1995.
como os pés e maçanetas, antes de os designados “modernos” o fazerem. conflito entre nosso apego ao ‘calor da madeira’ e as esperanças que
travail ou une chambre,
metal et bois peuvent 20. GOLAN, Romy, Op. o metal e a mecânica sugerem ao nosso espírito. Nós vivemos uma
Em segundo lugar, que o custo de tal material era tamanho que tornava idade do metal. Sem que seja mesmo necessário se fazer intervir
faire bon ménage. Qu´ils cit. Sobre o retorno de
seu consumo altamente elitizado, contrariando o princípio democrático marquent ou non une Perriand aos materiais considerações utilitárias, e pouco sedutoras que possam ser a ma-
perseguido pelos modernistas. Com efeito, muito da produção dos mo- étape vers le meuble tradicionais, ler Benton, téria, o metal, em nossa época de maquinismo, exerce uma atração
entièrement metallique, Op cit. Sobre Perriand, sobre nós. Nós queremos móveis estritos como as carrocerias. [...]
dernistas realizada na França não contou com uma aplicação industrial, les meubles semi- ler também: RUBINO, móveis perfeitamente adaptados a uma civilização mecânica e a um
métalliques de Ruhlmann Silvana. Corpos, universo desmadeirizado”22.
como ocorrera na Alemanha com as obras de Breuer, possuindo assim um
et de Chareau accusent cadeiras, colares:
caráter muito mais de projeto, de modelo do que propriamente de objetos un nouveau progrès Charlotte Perriand e Lina
du meuble moderne”. Bo Bardi. Cadernos Pagu
de consumo. E, em terceiro lugar, a partir dos anos de 1930 percebe-se
Tradução da autora. [online]. 2010, n.34, p. III. A forma possível: os sentidos das contradições do mobiliário da
uma tendência geral, compartilhada por ambos os lados, em optar pela 331-362.
Casa Modernista
madeira como material preponderante, em um movimento que pode ser 17. Sobre a história da
técnica do mobiliário 21. Léon Werth (1878-
compreendido como o de “volta ao homem”, como bem definiu Romy em metal, consultar: 1955) foi um importante
É muito provável que Warchavchik conhecesse tal debate por inter-
Tubular Steel Furniture: crítico de arte e de
Golan. Segundo a autora, evidencia-se durante a década de 1930 uma
Antecedents and Early política, além de ensaísta médio das revistas ilustradas comercializadas mundialmente que aporta-
tendência geral mais conservadora na produção cultural francesa, incluin- History, In: Journal of e novelista. Era próximo
vam no Brasil23. Nesse sentido, realizar um conjunto de móveis adaptado
Design History, Oxford, a Octave Mirabeau, além
do o campo do mobiliário. Ruhlmann, por exemplo, abole o polimento da
vol 3. N.2/3. 1990. de Saint-Exupery, que ao ideal de uma casa modernista era um objetivo programático. Afinal,
superfície, que era então uma de suas marcas, a fim de salientar o aspecto lhe dedica seu
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ca emblemática no ramo do mobiliário internacional desde o século XIX, ANA PAULA SIMIONI ARS mais ‘natural’ da madeira, mostrando a busca de um diálogo com a tradi-
e passava a desenhar para ela uma série de peças em aço tubular, como Anatomia de um Móvel ano 10 ção artesanal francesa, com o vernacular. Tal escolha estética possui um
Moderno: algumas sentido político, o de demonstrar o apreço pela “antiga França”, que havia
a Cadeira Cantilever. Com efeito, o mobiliário em metal elaborado por questões em torno
n 20
Breuer foi fundamental para a própria constituição e projeção de imagem do Mobiliário da Casa resistido bravamente aos impactos da I Guerra. De outro lado, Charlot-
Modernista, de Gregori te Perriand que, nos anos 1920 havia redigido manifestos programáticos
de modernidade propagada pela Bauhaus18. Warchavchik
O significado do uso do metal transcendia a sua mera aplicabilida- contra a madeira e realizado obras paradigmáticas, como o bar de 1927,
de técnica, possuindo um profundo sentido cultural aos olhos de seus de- nos anos de 1930 passa a realizar obras em que opta pelo uso abundante
p. 110. No original: “Dans 18. COBBES, Arnt.
fensores. Era então alçado à condição de material emblematicamente mo- les wagons, les autos, le Marcel Breuer,
do material outrora negado, defendendo-o dessa vez como mais “adequa-
derno: adaptado à civilização mecânica, à era das máquinas e do trabalho, metal a progressivement 1902-1981.Criador da do à esfera humana”. Matizando sua posição anterior integralmente sim-
éliminé le bois. Doit-il en forma do século XX.
higiênico, resistente, funcional, limpo e prático, símbolo de modernidade. être de même, um jour Koln: Taschen, 2009, p.
pática aos princípios revolucionários dos “modernistas”, nos escritos da
Além do mais, trazia consigo a possibilidade de uma produção industria- plus ou moins lointain, 21. Para uma análise década de 1930 a artista-decoradora passou a defender o uso de elemen-
dans le mobilier de la densa sobre o designer
lizada para consumo de grande público. Com isso, o uso do aço tubular Maison? Verrons-nous e sua produção ler:
tos associados ao vernáculo, e mesmo a assimilar influências “regionais”20.
paulatinamente tornou-se sinônimo de estética modernista, ao passo que des meubles entièrement ARGAN, Giulio Carlo. No entanto, em finais dos anos de 1920, essa volta à tradição ainda
métalliques, ou du moins Marcel Breuer- desenho
a utilização da madeira associou-se, naquele decênio, à prática dos artis- ou le bois, chaud, colore, industrial e arquitetura.
era vista com muitas reservas pelos modernistas, antes bem ao contrário,
tas tidos como contemporâneos, termo que, diferentemente de seu sentido aux qualités sans égales, In: Arte moderna na trata-se de um momento de euforia para com os elementos constitutivos
n´interviendra plus Europa, de Hogarth
atual, agrupava artistas de orientação mais tradicional. Cada um desses que comme garniture? a Picasso. São Paulo:
da “civilização do presente”. O artigo assinado por Leon Werth21 na revis-
meios era então impregnado de simbologias; o metal representava o pri- Gardons-nous de jour au Companhia das Letras, ta Art et Décoration é esclarecedor dos sentido cultural que os materiais
prophète. Mais, au point 2010.
mado da funcionalidade, do presente e do futuro. Já a madeira adquiria de vue de la résistance
adquiriram, notadamente no que tange à crença no metal como um ele-
um sentido oposto, o de sofisticação, de artesania, de apego às tradições, aux changements de 19. A esse respeito mento de afirmação da sociedade do presente, e do futuro:
température, les auteurs consultar: GOLAN,
em suma, era entendido como a materialização do apego ao passado19. des meubles reproduits Romy. Modernity and
en ces pages ont atteint Nostalgia: Art and “E é aqui que Ruhlmann nos convida à antecipação, Ruhlmann
Todavia, é importante lembrar que tais discursos faziam questão de
leur but. Et, au point Politics in France que prefere costumeiramente nos seduzir somente pela perfeição e
negligenciar certos pontos. Primeiramente, o fato de que havia sido Ruhl- de vue esthétique, leur between the Wars. New
aristocracia de seu gosto. Ele expõe um móvel metálico (um ensaio
expérience a prouvé que, Haven, London, Yale
mann o introdutor do metal em seus trabalhos, em pequenos detalhes sobre um móvel de aço). Léon Deshair demonstrou aqui mesmo o
même dasn um cabinet de University Press, 1995.
como os pés e maçanetas, antes de os designados “modernos” o fazerem. conflito entre nosso apego ao ‘calor da madeira’ e as esperanças que
travail ou une chambre,
metal et bois peuvent 20. GOLAN, Romy, Op. o metal e a mecânica sugerem ao nosso espírito. Nós vivemos uma
Em segundo lugar, que o custo de tal material era tamanho que tornava idade do metal. Sem que seja mesmo necessário se fazer intervir
faire bon ménage. Qu´ils cit. Sobre o retorno de
seu consumo altamente elitizado, contrariando o princípio democrático marquent ou non une Perriand aos materiais considerações utilitárias, e pouco sedutoras que possam ser a ma-
perseguido pelos modernistas. Com efeito, muito da produção dos mo- étape vers le meuble tradicionais, ler Benton, téria, o metal, em nossa época de maquinismo, exerce uma atração
entièrement metallique, Op cit. Sobre Perriand, sobre nós. Nós queremos móveis estritos como as carrocerias. [...]
dernistas realizada na França não contou com uma aplicação industrial, les meubles semi- ler também: RUBINO, móveis perfeitamente adaptados a uma civilização mecânica e a um
métalliques de Ruhlmann Silvana. Corpos, universo desmadeirizado”22.
como ocorrera na Alemanha com as obras de Breuer, possuindo assim um
et de Chareau accusent cadeiras, colares:
caráter muito mais de projeto, de modelo do que propriamente de objetos un nouveau progrès Charlotte Perriand e Lina
du meuble moderne”. Bo Bardi. Cadernos Pagu
de consumo. E, em terceiro lugar, a partir dos anos de 1930 percebe-se
Tradução da autora. [online]. 2010, n.34, p. III. A forma possível: os sentidos das contradições do mobiliário da
uma tendência geral, compartilhada por ambos os lados, em optar pela 331-362.
Casa Modernista
madeira como material preponderante, em um movimento que pode ser 17. Sobre a história da
técnica do mobiliário 21. Léon Werth (1878-
compreendido como o de “volta ao homem”, como bem definiu Romy em metal, consultar: 1955) foi um importante
É muito provável que Warchavchik conhecesse tal debate por inter-
Tubular Steel Furniture: crítico de arte e de
Golan. Segundo a autora, evidencia-se durante a década de 1930 uma
Antecedents and Early política, além de ensaísta médio das revistas ilustradas comercializadas mundialmente que aporta-
tendência geral mais conservadora na produção cultural francesa, incluin- History, In: Journal of e novelista. Era próximo
vam no Brasil23. Nesse sentido, realizar um conjunto de móveis adaptado
Design History, Oxford, a Octave Mirabeau, além
do o campo do mobiliário. Ruhlmann, por exemplo, abole o polimento da
vol 3. N.2/3. 1990. de Saint-Exupery, que ao ideal de uma casa modernista era um objetivo programático. Afinal,
superfície, que era então uma de suas marcas, a fim de salientar o aspecto lhe dedica seu
56 57

como nota Charlotte Benton, o design do móvel moderno alçara a condi- ANA PAULA SIMIONI ARS bre possível, estudará os arredores imediatos e as exigências da vida
ção de alegoria exemplar do próprio modernismo24. Desse ponto de vista, Anatomia de um Móvel ano 10
particular dos futuros habitantes. Assim as construções terão cará-
Moderno: algumas ter original, fomar-se-á um estilo novo, próprio ao lugar, confortável
a concretização do móvel plenamente adaptado ao seu tempo significava n 20 e de absoluta beleza”25.
questões em torno
uma aproximação com as propostas mais vanguardistas, que defendiam a do Mobiliário da Casa
Modernista, de Gregori
eliminação do historicismo, do ornamento, a reprodutibilidade industrial Os materiais do presente (ferro, vidro, concreto) são tomados como
Warchavchik
e, finalmente, o uso obrigatório do metal. a base de um princípio universalmente compartilhado. O mobiliário em
Todavia, apesar do “efeito” obtido pela tinta prateada aproximar questão revela justamente as distâncias existentes entre o desejo de uma
mais conhecido livro “O adapte à une civilisation
visualmente o móvel das produções que Warchavchik considerava inova- Pequeno Príncipe”, de mécanique et à um estética moderna internacionalmente difundida pelos modernistas e as
doras, a estrutura é toda de madeira, material desvalorizado pela crítica orientação anarquista, Univers déboisé.”. possibilidades concretas, reais, com que o designer brasileiro contava. Tal
publicou textos e livros Tradução da autora.
modernista internacional por ser tradicional, pesado, caro, nobre, inapro- contra a colaboração questão já foi analisada por Carlos Lemos, em 1983, referindo-se aos pro-
priado aos tempos de predomínio de uma civilização técnica. A primeira Francesa ao III Reich, 23. Infelizmente não se jetos arquitetônicos, de sorte a apontar a incongruência entre a dimensão
durante a Segunda conhece o paradeiro da
vista o móvel parece uma realização primeira, pioneira, do móvel moderno Guerra Mundial. biblioteca do arquiteto, publicista de Warchavchik e sua prática como construtor, particularmente
no Brasil por conta de seu absoluto despojamento formal, calcado em no entanto, sabe-se que no caso da residência da Vila Marina. Segundo o autor:
22. WERTH, Leon. Le revistas modernistas
um claro rigor geométrico, em uma ostensiva recusa ao ornamento, bem Salon des Artistes importantes como a Esprit
“[...] Foi sua primeira tentativa de arquitetura moderna, infelizmen-
como em seu aspecto metálico. Todavia, como compreender as suges- Décorateurs. In: Art Nouveau, a Deutsche
te, a nosso ver, sem validade, porque se ateve somente aos aspectos
et Décoration, Paris, Kunst um Dekoration,
tivas contradições intrínsecas ao objeto? Nele, a luminosidade prateada numèro exceptionel, a The Studio, a Cahiers
formais. A técnica construtiva empregada foi a tradicional dos mu-
ros contínuos de alvenaria de tijolos, não usando o já vigente con-
não advém de uma base metálica, como seria de se esperar, mas sim de junho de 1927, p. 168. d´Art entre outras, eram
No original: Et c´est lidas no Brasil, discutidas creto armado, não fazendo o esperado terraço jardim, cobrindo a
uma tinta que imitaria o almejado material, sob a qual o arquiteto escon- ici Ruhlmann que nous entre os grupos dos casa com telhas comuns de barro logo escamoteadas. [...] Percebe-
dia, disfarçava mesmo, sua base real: a madeira. Ao “maquiar” seu objeto, convie à l´anticipation, quais Warchavchik fazia -se, nesse raciocínio, que ele transformava um edifício tradicional
Ruhlmann qui prefere parte. A esse respeito: em ‘moderno’ com a simples eliminação de molduras e ornatos.
Warchavchik rompia com mais um mandamento do ideário modernista, a d´ordinnaire nous séduire LIRA, Op. cit., p. 143; Esse comportamento leva-nos a pensar que o arquiteto entendia
saber, o de salientar a verdade dos materiais. par la seule perfection et CAPPELLO, Maria Beatriz. mais a modernidade arquitetônica como um ‘estilo’ do que uma
la seule aristocratie de Arquitetura em revista:
O arquiteto era extremamente consciente da importância que os postura perante os recursos e pensamentos contemporâneos. Pu-
son goût. Il expose um arquitetura moderna no
demos ver casa de plantas semelhantes e de mesma volumetria ves-
materiais haviam adquirido para as práticas modernistas, não apenas no meuble métallique (essai Brasil e sua recepção
tidas de roupagem neoclássica, arte-nouveau (sic) ou neocolonial,
sur le meuble d´acier). nas revistas francesas,
que tange aos princípios construtivos observados, mas em sua explicitação. Léon Deshairs a montré inglesas e italianas. São segundo o desejo do proprietário e, na verdade, podemos dizer que
Um dos elementos que os diferenciava enquanto grupo era, justamente, ici même le conflit entre Paulo, Tese de Doutorado, a casa da Vila Mariana era também uma casa tradicional, porém
notre attachement à Faculdade de Arquitetura ‘despida’ e, por isso, ‘moderna’”26.
o não ocultamento dos materiais construtivos por intermédio do uso de la ‘chaleur du bois’ et e Urbanismo-USP, 2006;
fachadas, ornamentos, coberturas, práticas associadas aos “passadistas”, les espérances que le CARVALHO, Lilian Escorel
Também José Lira analisa a distância entre as práticas construtivas
metal et la mécanique de. A revista francesa
nome dado aos caudatários dos princípios ecléticos. Nesse sentido, afirma suggèrent à notre esprit. L´esprit Noveau na mobilizadas e os ideais modernistas defendidos por Warchavchik, notada-
Warchavchik: Nous vivons un âge formação das ideias
mente na Casa da Rua Santa Cruz, mas ao invés de condená-la, de ver nas
du metal. Sans même estéticas e da poética de
qu íl soit nécessaire Mário de Andrade. São incongruências sinais do fracasso do arquiteto, de sua limitação estética
“Pouco tempo passará, e não se poderá mais falar de estilo góti- de faire intervenir des Paulo, Tese de Doutorado
considérations utilitaires,
ou de sua adesão incompleta ao credo modernista, se propõe a tirar parti-
co, Renascimento, Luís XV e outros sem parecer ridículo, salvo em Literatura Brasileira,
referindo-se ao passado. et si peu séduisante Universidade de São do da contradição, pois como afirma o autor:
qu´en puísse être Paulo, 2008.
Haverá um só estilo moderno, com as suas diferenças oriundas do
la matière, le metal, “[...] a casa da rua Santa Cruz, porque contraditória, é a obra
clima e dos costumes. Teremos talvez uma arquitetura européia, en notre époque de
outra sul-americana, outra americana. Finalmente todas juntas for- 24. Diz a autora: “The mais emblemática da virada arquitetônica brasileira. Urbana e
machinisme, exerce
marão um só estilo mundial, criado pelas mesmas exigências da design of the modern suburbana, moderna e clássica, inovadora e convencional, pro-
une attraction sur
vida, pelo material idêntico usado para a construção, o concreto, o chair thus became a kind vinciana e cosmopolita, a casa representa eloquentes matrizes
nous. Nous voulons des
ferro, o vidro [....]. O arquiteto do futuro não copiará coisa alguma. meubles stricts comme
of exemplary allegory of compositivas e, simultaneamente, a negação de todos os estilos.
modernism. The modern [....] As discrepâncias visuais, concessões e desvios patentes em
Procurará inspirar-se no material, do qual usará sempre o mais no- des carrosseries. […] du
man and woman needed
meuble parfaitement sua arquiteutra, em vez de atestarem uma defasagem, aludem às
56 57

como nota Charlotte Benton, o design do móvel moderno alçara a condi- ANA PAULA SIMIONI ARS bre possível, estudará os arredores imediatos e as exigências da vida
ção de alegoria exemplar do próprio modernismo24. Desse ponto de vista, Anatomia de um Móvel ano 10
particular dos futuros habitantes. Assim as construções terão cará-
Moderno: algumas ter original, fomar-se-á um estilo novo, próprio ao lugar, confortável
a concretização do móvel plenamente adaptado ao seu tempo significava n 20 e de absoluta beleza”25.
questões em torno
uma aproximação com as propostas mais vanguardistas, que defendiam a do Mobiliário da Casa
Modernista, de Gregori
eliminação do historicismo, do ornamento, a reprodutibilidade industrial Os materiais do presente (ferro, vidro, concreto) são tomados como
Warchavchik
e, finalmente, o uso obrigatório do metal. a base de um princípio universalmente compartilhado. O mobiliário em
Todavia, apesar do “efeito” obtido pela tinta prateada aproximar questão revela justamente as distâncias existentes entre o desejo de uma
mais conhecido livro “O adapte à une civilisation
visualmente o móvel das produções que Warchavchik considerava inova- Pequeno Príncipe”, de mécanique et à um estética moderna internacionalmente difundida pelos modernistas e as
doras, a estrutura é toda de madeira, material desvalorizado pela crítica orientação anarquista, Univers déboisé.”. possibilidades concretas, reais, com que o designer brasileiro contava. Tal
publicou textos e livros Tradução da autora.
modernista internacional por ser tradicional, pesado, caro, nobre, inapro- contra a colaboração questão já foi analisada por Carlos Lemos, em 1983, referindo-se aos pro-
priado aos tempos de predomínio de uma civilização técnica. A primeira Francesa ao III Reich, 23. Infelizmente não se jetos arquitetônicos, de sorte a apontar a incongruência entre a dimensão
durante a Segunda conhece o paradeiro da
vista o móvel parece uma realização primeira, pioneira, do móvel moderno Guerra Mundial. biblioteca do arquiteto, publicista de Warchavchik e sua prática como construtor, particularmente
no Brasil por conta de seu absoluto despojamento formal, calcado em no entanto, sabe-se que no caso da residência da Vila Marina. Segundo o autor:
22. WERTH, Leon. Le revistas modernistas
um claro rigor geométrico, em uma ostensiva recusa ao ornamento, bem Salon des Artistes importantes como a Esprit
“[...] Foi sua primeira tentativa de arquitetura moderna, infelizmen-
como em seu aspecto metálico. Todavia, como compreender as suges- Décorateurs. In: Art Nouveau, a Deutsche
te, a nosso ver, sem validade, porque se ateve somente aos aspectos
et Décoration, Paris, Kunst um Dekoration,
tivas contradições intrínsecas ao objeto? Nele, a luminosidade prateada numèro exceptionel, a The Studio, a Cahiers
formais. A técnica construtiva empregada foi a tradicional dos mu-
ros contínuos de alvenaria de tijolos, não usando o já vigente con-
não advém de uma base metálica, como seria de se esperar, mas sim de junho de 1927, p. 168. d´Art entre outras, eram
No original: Et c´est lidas no Brasil, discutidas creto armado, não fazendo o esperado terraço jardim, cobrindo a
uma tinta que imitaria o almejado material, sob a qual o arquiteto escon- ici Ruhlmann que nous entre os grupos dos casa com telhas comuns de barro logo escamoteadas. [...] Percebe-
dia, disfarçava mesmo, sua base real: a madeira. Ao “maquiar” seu objeto, convie à l´anticipation, quais Warchavchik fazia -se, nesse raciocínio, que ele transformava um edifício tradicional
Ruhlmann qui prefere parte. A esse respeito: em ‘moderno’ com a simples eliminação de molduras e ornatos.
Warchavchik rompia com mais um mandamento do ideário modernista, a d´ordinnaire nous séduire LIRA, Op. cit., p. 143; Esse comportamento leva-nos a pensar que o arquiteto entendia
saber, o de salientar a verdade dos materiais. par la seule perfection et CAPPELLO, Maria Beatriz. mais a modernidade arquitetônica como um ‘estilo’ do que uma
la seule aristocratie de Arquitetura em revista:
O arquiteto era extremamente consciente da importância que os postura perante os recursos e pensamentos contemporâneos. Pu-
son goût. Il expose um arquitetura moderna no
demos ver casa de plantas semelhantes e de mesma volumetria ves-
materiais haviam adquirido para as práticas modernistas, não apenas no meuble métallique (essai Brasil e sua recepção
tidas de roupagem neoclássica, arte-nouveau (sic) ou neocolonial,
sur le meuble d´acier). nas revistas francesas,
que tange aos princípios construtivos observados, mas em sua explicitação. Léon Deshairs a montré inglesas e italianas. São segundo o desejo do proprietário e, na verdade, podemos dizer que
Um dos elementos que os diferenciava enquanto grupo era, justamente, ici même le conflit entre Paulo, Tese de Doutorado, a casa da Vila Mariana era também uma casa tradicional, porém
notre attachement à Faculdade de Arquitetura ‘despida’ e, por isso, ‘moderna’”26.
o não ocultamento dos materiais construtivos por intermédio do uso de la ‘chaleur du bois’ et e Urbanismo-USP, 2006;
fachadas, ornamentos, coberturas, práticas associadas aos “passadistas”, les espérances que le CARVALHO, Lilian Escorel
Também José Lira analisa a distância entre as práticas construtivas
metal et la mécanique de. A revista francesa
nome dado aos caudatários dos princípios ecléticos. Nesse sentido, afirma suggèrent à notre esprit. L´esprit Noveau na mobilizadas e os ideais modernistas defendidos por Warchavchik, notada-
Warchavchik: Nous vivons un âge formação das ideias
mente na Casa da Rua Santa Cruz, mas ao invés de condená-la, de ver nas
du metal. Sans même estéticas e da poética de
qu íl soit nécessaire Mário de Andrade. São incongruências sinais do fracasso do arquiteto, de sua limitação estética
“Pouco tempo passará, e não se poderá mais falar de estilo góti- de faire intervenir des Paulo, Tese de Doutorado
considérations utilitaires,
ou de sua adesão incompleta ao credo modernista, se propõe a tirar parti-
co, Renascimento, Luís XV e outros sem parecer ridículo, salvo em Literatura Brasileira,
referindo-se ao passado. et si peu séduisante Universidade de São do da contradição, pois como afirma o autor:
qu´en puísse être Paulo, 2008.
Haverá um só estilo moderno, com as suas diferenças oriundas do
la matière, le metal, “[...] a casa da rua Santa Cruz, porque contraditória, é a obra
clima e dos costumes. Teremos talvez uma arquitetura européia, en notre époque de
outra sul-americana, outra americana. Finalmente todas juntas for- 24. Diz a autora: “The mais emblemática da virada arquitetônica brasileira. Urbana e
machinisme, exerce
marão um só estilo mundial, criado pelas mesmas exigências da design of the modern suburbana, moderna e clássica, inovadora e convencional, pro-
une attraction sur
vida, pelo material idêntico usado para a construção, o concreto, o chair thus became a kind vinciana e cosmopolita, a casa representa eloquentes matrizes
nous. Nous voulons des
ferro, o vidro [....]. O arquiteto do futuro não copiará coisa alguma. meubles stricts comme
of exemplary allegory of compositivas e, simultaneamente, a negação de todos os estilos.
modernism. The modern [....] As discrepâncias visuais, concessões e desvios patentes em
Procurará inspirar-se no material, do qual usará sempre o mais no- des carrosseries. […] du
man and woman needed
meuble parfaitement sua arquiteutra, em vez de atestarem uma defasagem, aludem às
58 59

possibilidades concretas do modernismo no solo social e cultural ANA PAULA SIMIONI ARS cessárias, porque é delas, principalmente, que depende a solução
específico em que se exprime”27. dessa enorme interrogativa, constituída de um assunto técnico e
Anatomia de um Móvel ano 10
Moderno: algumas humanitário, concretizada na indústria de casas adequadas ao ho-
n 20 mem do nosso século”29.
Tal perspectiva parece-nos muito fecunda para compreender o questões em torno
do Mobiliário da Casa
que se passava também no campo do mobiliário. A almejada utilização Modernista, de Gregori
Talvez se possa entender a realização de tal mobiliário, mesmo que
de peças industrializadas, tão valorizada pelo discurso modernista inter- Warchavchik
permeado de contradições das quais o arquiteto era plenamente consciente,
nacional, mostrava-se no Brasil uma quimera, a qual foi, no entanto, per-
se o tomarmos como um modelo para um futuro desejável, ou seja, um pro-
seguida pelo arquiteto. Em seu pronunciamento como representante da a modern chair”. In:
BENTON, Charlotte, Op. tótipo que poderia sensibilizar as elites industriais nacionais para os rumos
América do Sul no Congresso de 1931, Warchavchik comentava as difi-
cit., p. 104. de um devir que estava em suas mãos, um devir talvez quimérico, mas com
culdades tecnológicas vivenciadas no Brasil e o quanto essas impactavam
o qual se podia sonhar na São Paulo de finais das décadas de 1920 e 1930.
a produção dos arquitetos e designers locais: 25. Warchavchik,
G. Decadência e O mobiliário da Casa Modernista é, assim, revelador das incongru-
Renascimento da
“Há uma outra dificuldade: não podendo contar com a indústria,
Arquitetura. In:
ências profundas entre os discursos e utopias modernistas e as práticas
precisamos aproveitar a mão de obra. O operário no Brasil, onde se Arquitetura do século históricas concretas com que tais “pioneiros da modernidade” se defron-
constrói muito e rapidamente, adquire grande habilidade. No en- XX e outros escritos, Op.
tanto, não é fácil formá-lo para o trabalho moderno, e confrontei- cit., p. 59. Originalmente
taram. São a própria materialização das contradições entre a funcionali-
-me com sérias dificuldades, quando quis organizar os diversos gru- publicado em Correio dade e a plástica propagadas pelo discurso vanguardista internacional e as
pos capazes de executar meus projetos. Eu mesmo tive que montar Paulistano, 5 de agosto
injunções locais; entre os emblemas de uma civilização industrial simbo-
ateliês para que fossem executadas janelas, portas de madeiras lisa, de 2008.
móveis, etc., porque a indústria , que aliás trabalha bastante bem lizados pelo metal e as condições reais de um país e de uma cidade que se
para a arquitetura comum, não pôde realizar o que eu lhe pedia 26. LEMOS, pretendiam modernos, mas sem um desenvolvimento técnico e industrial
com a precisão e o cuidado necessários”28. Carlos. Arquitetura
contemporânea. In:
condizente com seus auspícios; entre a crença na forma e na função racio-
História geral da arte nalistas e a abundância dos materiais orgânicos, essencialmente passadis-
Nesse contexto, em nome da unidade formal, o arquiteto abdicava no Brasil, vol. 2 , coord.
tas, mas pouco custosos. Tais móveis são a materialização da síntese pos-
de princípios programáticos e realizava, mesmo que artesanalmente, os Walter Zanini, p. 832
sível entre um discurso internacionalista e uma prática enraizada numa
elementos compositivos fundamentais para a obtenção de um efeito visual 27. LIRA, Op. cit., p. 152-3.
experiência concreta, símbolos dos caminhos tortuosos, incongruentes e
de conjunto harmônico e moderno. De fato, o moderno inseria-se aí a par-
contraditórios trilhados, de forma fragmentada e não evolutiva, para a
tir das contingências do possível, não como realidade técnica e material, 28. WARCHAVCHIK, G. Op.
cit.., p. 171, originalmente afirmação do modernismo entre nós.
mas como forma pura, como “estilo”. A falta de uma indústria e de uma o texto foi publicado na
tecnologia desenvolvidas era um empecilho dificilmente contornável para revista Cahiers d´Art, em
Paris, 1931.
as práticas modernistas, todavia, exemplos como os da Casa da rua Itápolis
poderiam sensibilizar aqueles outros sujeitos tão fundamentais para ode- 29. Warchavchik, G.
senvolvimento da cultura brasileira na direção desse almejado “futuro”: Ainda as teorias de Le
Corbusier. In: Arquitetura
os empresários, diversas vezes solicitados nos discursos de Warchavchik, do século XX e outros
referidos como os novos mecenas da contemporaneidade. Ao comentar os escritos. Op. cit., p.
86-87. Publicado
entraves para a execução de casas-tipo no Brasil, que passavam especial- originalmente em
mente pela ausência de materiais industrializados adequados, o arquiteto Correio Paulistano, 14 de
setembro de 1928.
assinala a importância dos industriais para a sociedade contemporânea:

“[...] Seria, pois, de grande conveniência que os nossos grandes


industriais, aos quais cabe o papel dos Medici no século XIV, se
interessassem por esse problema, patrocinando as experiências ne- Ana Paula Cavalcanti Simioni é Mestre e Doutora em Sociologia pela USP e docente do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
58 59

possibilidades concretas do modernismo no solo social e cultural ANA PAULA SIMIONI ARS cessárias, porque é delas, principalmente, que depende a solução
específico em que se exprime”27. dessa enorme interrogativa, constituída de um assunto técnico e
Anatomia de um Móvel ano 10
Moderno: algumas humanitário, concretizada na indústria de casas adequadas ao ho-
n 20 mem do nosso século”29.
Tal perspectiva parece-nos muito fecunda para compreender o questões em torno
do Mobiliário da Casa
que se passava também no campo do mobiliário. A almejada utilização Modernista, de Gregori
Talvez se possa entender a realização de tal mobiliário, mesmo que
de peças industrializadas, tão valorizada pelo discurso modernista inter- Warchavchik
permeado de contradições das quais o arquiteto era plenamente consciente,
nacional, mostrava-se no Brasil uma quimera, a qual foi, no entanto, per-
se o tomarmos como um modelo para um futuro desejável, ou seja, um pro-
seguida pelo arquiteto. Em seu pronunciamento como representante da a modern chair”. In:
BENTON, Charlotte, Op. tótipo que poderia sensibilizar as elites industriais nacionais para os rumos
América do Sul no Congresso de 1931, Warchavchik comentava as difi-
cit., p. 104. de um devir que estava em suas mãos, um devir talvez quimérico, mas com
culdades tecnológicas vivenciadas no Brasil e o quanto essas impactavam
o qual se podia sonhar na São Paulo de finais das décadas de 1920 e 1930.
a produção dos arquitetos e designers locais: 25. Warchavchik,
G. Decadência e O mobiliário da Casa Modernista é, assim, revelador das incongru-
Renascimento da
“Há uma outra dificuldade: não podendo contar com a indústria,
Arquitetura. In:
ências profundas entre os discursos e utopias modernistas e as práticas
precisamos aproveitar a mão de obra. O operário no Brasil, onde se Arquitetura do século históricas concretas com que tais “pioneiros da modernidade” se defron-
constrói muito e rapidamente, adquire grande habilidade. No en- XX e outros escritos, Op.
tanto, não é fácil formá-lo para o trabalho moderno, e confrontei- cit., p. 59. Originalmente
taram. São a própria materialização das contradições entre a funcionali-
-me com sérias dificuldades, quando quis organizar os diversos gru- publicado em Correio dade e a plástica propagadas pelo discurso vanguardista internacional e as
pos capazes de executar meus projetos. Eu mesmo tive que montar Paulistano, 5 de agosto
injunções locais; entre os emblemas de uma civilização industrial simbo-
ateliês para que fossem executadas janelas, portas de madeiras lisa, de 2008.
móveis, etc., porque a indústria , que aliás trabalha bastante bem lizados pelo metal e as condições reais de um país e de uma cidade que se
para a arquitetura comum, não pôde realizar o que eu lhe pedia 26. LEMOS, pretendiam modernos, mas sem um desenvolvimento técnico e industrial
com a precisão e o cuidado necessários”28. Carlos. Arquitetura
contemporânea. In:
condizente com seus auspícios; entre a crença na forma e na função racio-
História geral da arte nalistas e a abundância dos materiais orgânicos, essencialmente passadis-
Nesse contexto, em nome da unidade formal, o arquiteto abdicava no Brasil, vol. 2 , coord.
tas, mas pouco custosos. Tais móveis são a materialização da síntese pos-
de princípios programáticos e realizava, mesmo que artesanalmente, os Walter Zanini, p. 832
sível entre um discurso internacionalista e uma prática enraizada numa
elementos compositivos fundamentais para a obtenção de um efeito visual 27. LIRA, Op. cit., p. 152-3.
experiência concreta, símbolos dos caminhos tortuosos, incongruentes e
de conjunto harmônico e moderno. De fato, o moderno inseria-se aí a par-
contraditórios trilhados, de forma fragmentada e não evolutiva, para a
tir das contingências do possível, não como realidade técnica e material, 28. WARCHAVCHIK, G. Op.
cit.., p. 171, originalmente afirmação do modernismo entre nós.
mas como forma pura, como “estilo”. A falta de uma indústria e de uma o texto foi publicado na
tecnologia desenvolvidas era um empecilho dificilmente contornável para revista Cahiers d´Art, em
Paris, 1931.
as práticas modernistas, todavia, exemplos como os da Casa da rua Itápolis
poderiam sensibilizar aqueles outros sujeitos tão fundamentais para ode- 29. Warchavchik, G.
senvolvimento da cultura brasileira na direção desse almejado “futuro”: Ainda as teorias de Le
Corbusier. In: Arquitetura
os empresários, diversas vezes solicitados nos discursos de Warchavchik, do século XX e outros
referidos como os novos mecenas da contemporaneidade. Ao comentar os escritos. Op. cit., p.
86-87. Publicado
entraves para a execução de casas-tipo no Brasil, que passavam especial- originalmente em
mente pela ausência de materiais industrializados adequados, o arquiteto Correio Paulistano, 14 de
setembro de 1928.
assinala a importância dos industriais para a sociedade contemporânea:

“[...] Seria, pois, de grande conveniência que os nossos grandes


industriais, aos quais cabe o papel dos Medici no século XIV, se
interessassem por esse problema, patrocinando as experiências ne- Ana Paula Cavalcanti Simioni é Mestre e Doutora em Sociologia pela USP e docente do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

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