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1 Pes srs whan eps 2 de ae er igen gtd sie ton Sh A casa em volta de si, a casa como organismo vivo Bianca Bernardo (presente artigo & fragmento de um capitulo que pensa a casa come ele e investigs ae poticas de outros eapags pases para trabalho dos aristas Busca promover um encontro sensvel com 2 maquina ensamento de Fundertwasserpropondoaesrta a part da experi ‘Ana Mendieta, Lygia Cla e Cristina Ribas so as rs artistas traias| para oteto dest texto, artistas que, no rasto de um vent continuo, ‘stabelacem poscionamentos que ativam o “habits” no deseo de re- ‘Tercera pele, heteotopia,expeiénia artistic, Segudamente as aninitas' na estrada para o sul Cruzamos parte do traetot de vento fio eforte, psa de aca. 0 sol se stcava ne encontro do horizonte enquanto a nuvem de posta esfumarava nesos rastios. Depos de um certo tempo no desert, a yaisagem se repete como extenso, core linha, Qualquer miragem & subline ‘A primers onimita que encontreiestava abandonada. Casinha poquena, sem jandlas, tama porta de vito e tethado ncinado Ge madera. No sou interior, ots, cats, veas, ters, fnes, santos, santos esapatinhos de bebé. De pe. Olhando para ela. ntigada Durante a ite voe®acena de lnge coe fl. Como uma cachorra que urina no chlo Em entrevista a Linda Montano, publicada em paste no Gula da 27 Bienal de Szo Pau- Uo, Ana Mendieta espondendo @ quatio perguntas-chave que eucider 0 infeo de sua produgio artistic, mencons a necessidade de concentagio, de se situa, do processo Ae escola de lugares para seu faeraristco, Eze lar de privacidad que a artista esenha para também @ o temence de eau ritual na arte, Minha primate proposta € bord a performer cubana coma ua “sacedotis”,saguindo as conceltuages de Cale Paglis. Segundo a atora de Personas seus, no period prt-histirco Ga cvlzagbo identificagdo da mulher com a natureza poseuia carter universal. A cubsisténcia das fociedades sod regime de caghecoleta er totalmente dependente da natueza, Eo eto 4 femealidad’ principio manente da fertiidade, que dominava osmbeliio primi, Em tempos ancestas, a mulher seriu de protétipo para todas as figuras da Grande Mie Conendo o mundo, coxeando o nascimento da rico, a mulher etava no contro, ert om a casa ¢ fim, Sous “mlsteracospoderes de prociaeio,e asemethanga de seus sens, bara quails edondos com 0; contornes dats sacalzaran sou corpo com tome: as, 0 corpo da mlher era, entio,o modelo mais perfeito de todos os espagassagrados Minha tese @ a de que Ana Mendieta se aproxima de uma “sacerdotisa que guarda 0 temenos de mistérios daimOnicos"*a partir de sua crenga declarada na forga motore do neolitico que materializa nos ritos a consagracdo do seu habitat: habitar os espagos dda tema como espacos da atte. Como uma cackerra que urina no chao, Ana Mendieta @ posseira do territério que cescolhe para obrar.' Tradicionalmente, os antigos povos patagénicos queimavam seus mortos, empilhando sobre seus compos um monte de lena, Foi o que um velho senhor chilena nos contou enquanto apontava pequenos relevos ao Longe” cada morto era presenteado com uma pedra. A pedra era fincada ao cho sobre suas cinzas. Ao largo das cinzas desenihavam um anel de pedras. Esse circulo de pedras 6 a fronteira que limita e que concebe aquele espace como cemitério. Poeticamente exemplificado por Michel Foucault como lugar heterot6pico, o cemitério é espago que mantém ligacéo nevitavel com todos os individuos de uma sociedade.’ Na maneira pela qual o mundo experimenta a si mesmo como organograma, as heterotopias de Michel Foucault so “lugares que esto fora de todos os lugares, embora sejam efetivamente localizaveis"* AAs heterotoplas foucaultianas se posicionam concretamente em oposi¢go as utopias de posicionamentos irreais. 0s posicionamentos so do tipo de passagem, parada provisoria e repouso, identifican- do em suas camadas intermediérias os expacos de posicao que neutralizam e invertem a ordem institucionalizada, Classificada em dois grandes blocos, 2 heterotopia de crise 6 um conjunto de posicionamentos que se relacionam em estados de profunda ruptura, ossas atuais heterotopias de desvio ocupam o lugar geral das heterotopias de crise, caracterizada camo um dasvio comportamental do individuo em relaglo a sociedade estratificada © espaco que eu gostaria de chamar de “sacrério" é intimo, ritual, uma habitagio ards do sagrado, Acredito que o exerecio artistico de Ana Mendieta se desenvolvia no habitar @ tensa construindo sacratios. Imprimindo dietamente seu corpo no ergo da terra, Gravando-se. 0 corpo usado como matéria plastica, corpo-suporte da gravura No registro de Abma silueta en fuego (Silueta de cenizas) em filme 8mm, a artista propée uma formatacio do rito coma ceriménia. A gravacio, a ser exibida 20 piilico posteriormente, é um livro aberto para observagdo das priticas rituais que a artista exerceu, absolutamente sozinha e em segredo. 0 video narra a evocacio de umm ritual sagrado ancestral, no qual se vé a silhueta de um compo envolto no tecido branco da morte e queimado até tomar-se cinzas, As cinzas sio nuinas, residuos, po, restos, sobras, indices: fogo ateado, corpo queimado, fogueira apagada. A relagio entre a sillueta em fogo e a silhueta em cinzas é essencial. Para chegar as cinzas, passamos pelo fogo, pelo calor, pelasbrasas, pela fumaca. Todo esse percurso simboliza a prépria poética da passagem, da continua transformacéo dos elementos no fregiente estado de renovagdo que toda materia prope si mesma, 0 corpo da artista ea representacio “0 ‘oncinnits ano 6, yom 2, nimers 12, eeranbio 2008 5 Pal, op. i, p. 2 6 Ue cacharm qu mtn todo rust fa quads ¢ um arta do gate, dan (hp ured sets 2 ea ovata (a pr, Ae mulheres, cane a cals nec pet tera, MOMS poe li das rors do ego. O esac € revise opal ocupadn, 0 ita do pose.” In Paglia, op. ct, 9.31. (A nota oo tat: Sobre a pla pose &aSeuite: a pal ingles squte,usata ma vere oii 4a auto, @ um ogo de alas qu sig fea ao meso Leno, “0 ue 8 asc" € “yoni cron, 9, Rio do Sane Forres Us esi, 2004, p47 834, id 9 Mende, Ana. Peomane atts aking inthe cigs. erly eas Angles: Un vesy ef Ctfemia Pass, 2000. n gato, Use «Feiss, Aan (eds) Com vier utes Guia ds 2 nal de Sia Pala. So Paul: Fad ies. 2006, 2. 10 Martin Heideprpropie as relaes en ‘te hone e espace esdoads cona rede Aecfano 0 saree etd ne muro 258 ‘ontrai cotuanan, 0 heir deca rvespsta qu cas heen abl 30 ge fates coe 20 eae. A paz do argo & 4 reincla do eccrca oo Sgt, vest Terie do ser precio. Yer: Hedge, atin, Const naar, pasa n ena € coofrncas, PaLOpols Yee, 1998. 1 Foucault op ct, p40. 12 Wier, dethony,Pleuronene. In és {Gute do Ro de sare, 1886, 9, 45 137 lag ete a cede ral 3 cade etl que flu 9a 3 de nasa 9 el oa ousngvmert aque qu evs Ser ead In Wr oe. 46 14.) A aturera de ae hea ease ta tose importace apenas apart de mento at que os agutetes tom tients dpsed de iagindo em su mar ou se, elie lugores gue cost 98 anes nemors ‘cide, Yansfomar cde mn teste fs os habitonerquprin de mlde ful rents porta, prs om vistante” nV la, op tp 647. (0 autor ns fla sere 3 costa esses aes manors bongs Ao peiods medial ereasertista, ore {os prac ere nope ore en ticadoee Yates como “tents memoria ‘Campana como "wep", ele atuam como sinais dessa habitagdo proviséria, ritos que constituem sua morada, de volta ao titero da terra: Em 1973 realizei meu primeiro trabalho numa tumba asteca invadida por ervas daninhas e mato ~ o crescimento daquelas plantas me fer pensar no tempo. Comprei flores no mercado, deitei-me sobre a tumba © cobri-me com flores brancas. & analogia era a de que estava coberta pelo tempo e pela hist6ria.® ‘Ana Mendieta se permitia; se pemmitia deitar-se nua sobre uma antiga tumba asteca aban- donada. 0 alto mato crescido. Buqués das pequeninas flores brancas cobrindo seu corpo. ‘Ana Mendieta encostando sua pele no tempo. Cada ritual @ uma gravura, uma proposta laborada ¢ acionada pela propria artista. Nesse sentido, Ana Mendieta pode ser conside- rada artista propositora do self. Seu corpo move a agio no didlogo da esséncia primitiva do ser e estar sobre a terra. Seu eu & outro no espago da extensio. Consciéneia do lugar Michel Foucault, em Outros espacos, texto de conferéneia de 1967, traga um percurso historico da experiéncia espacial do Ocidente. Seu percurso comeca no periodo medieval na instituigdo de Galileu como espago da localizacao. Constituido pelo conjunto hierarqui zado de lugares," esse espago era organizado por oposigSes entrecruzadas, como espacos profanos e esparos sagrados, urbanos ¢ rurais, abertos e fechados. Anthony Vidler, por sua vez, aponta a meméria urbana medieval como uma imagem identificavel, que no € a “realidade" da cidade, tampouco uma “utopia” imaginéria,* mas complexo mapa men- tal através do qual a cidade podia ser reconhecida como “lar”, como algo familias, que constitui o mais perto que seja de um ambiente moralmente protegido para a sucessio do cotidiano."* A imagem da cidade medieval permite a cada cidadéo localizar-se, ao mesmo tempo, no presente e no passado, Concluimos entao que a experiéncia do espaco do hiomem medieval renascentista esté fundamentalmente entrelacada com o tempo, e, de forma inevitavel, Lygia Clark também percebe a arquitetura medieval como “um corpo, abrigo postico, tendo o homem ainda necessidade de habité-lo". Esse espago em que nos localizamos 6 entendido pela artista como a “nostalgia do sitero", um esparo reconhecido em algu- ‘mas proposigées que suprimem o objeto intermediavio por um espago interior do corpo. Caracteriza-se como a passagem que nos condu2 a vida, a0 mesmo tempo tinel, abismo e morte. 0 espaco interior, elaborado por Lygia Clark como vazio-pleno, seria a consciéncia de um espago que se liga entre a metafisica e @ imanéncia, o homem em coléquio com ‘o mundo, multiplicando-se para fora de si, “O engolir o espaco exterior para abrindo os ppulmées num grito.”” ‘casa em vtta de sa caea como eganismo vivo Banca Bede a Durante a Bienal de Veneza de 1968, Lygia Clark monta a estrutura A casa é 0 corpo, um. labirinto dividido em quatro etapas: penetracdo, ovulagdo, germinagéo e expulsdo. Cada compartimento oferece ao participante uma experiéncia sensorial distinta. Lygia Clark subscreve a propasigéo de A casa 0 corpo como mimética e nia ilustrativa. A estética artistica fundamentada por Aristoteles propde a mimesis como imitacio verdadeira da natureza. Por imitagdo, entendemos a reproducdo ou copia de qualquer modelo maios, sendo ao mesmo tempo abundante ¢ transcritiva. A reproduggo é um traduair, no que toca transferir, mudar alguma coisa de seu lugar. Como a fungdo pela qual todos os seres vivos se perpetuam na espécie, a reprodugao do homem é sexuada e ocorre na fusio de Guas células especificas, os gametas. Durante nossa reproducdo genética, as caracteris- ticas dos progenitores séo diluidas na formagio dos descendentes. 0 ser que sobrevive @ reproduz perpetua sua espécie, gerando herdeiros geneticamente distintos entre si, Sua fase de geracio tem 0 corpo da mulher como lugar de abrigo. A mulher gravida é plena. Nas mitologias primitives, a identificagao da mulher com a natureza prosseguia sob 0s mistérios da gestacio: Um labirinto onde o homem se perde, £ um jardim murado, 0 hortus conelusus medieval, onde a natureza faz sua daiménica bruxaria, A mulher 6a fabricante primeva, a verdadeira Primeira Causa. Transforma tum ranho de detrito numa rede de ser senciente, futuando no serpen- tino cordéo umbilical pelo qual traz todo homem na correia.™ 0 gesto traduz o pensamento como mimica e sinal. A arte de imitar exprime através do gesto o pensamento, ¢ 0 sinal, seu vestigio. Ao mesmo tempo a agio e seu registro, 0 ato ¢ seu rastro, Assim séo os atos solenes. 0 gesto ~ ato que traz em si seu proprio rastto ~ de A casa é 0 corpo exprime o pensamento de Lygia sobre suas conversas com 4 arte, sexualidade, arquitetura e o espago organico. Na fase que sucede a Nostalgia do corpo suprime 0 objeto na pasticipagéo do homem como suposte vivo da obra. 0 objeto que existia antes como meio indispensavel entre o participante e a sensagao, desaparece, tornando cada homem o “objeto de sua propria sensapdo".” Sugeridas como proposicées, as experiéncias sensoriais de Lygia Clark perpetuam a aco no gesto do espectador ativo. Esse didlogo traduz 0 pensamento da artista para o pillico, que por ela é provocado a participar. 0 homem, como organismo vivo, 6 capaz de incorporar na expressio do gesto © conceito que mave a acio: Fe cessa de ser 0 objeto do outro, religando 0 processo éa introverséo .Hleinverte os conceltos casa e corpo. Agora 0 corpo & a casa, £ uma experiénciacomunitiia, Nao ha regresséo porque existe tama abertura do homem para 0 mundo.* a extroversa A iinvengdo da proposicio é coletiva e objetiva conectar os individuos na rede de um tecido comunitério, Dessa maneira, “o homem comunica com o mundo, se desenvolvendo a oncnnltas ane 8, voluse 2, nimero 13, dezembro 2008 1 Clark, yg 2 speed objeto (no "ages in Fel, Gla Caen, Cai. sos de ares ones 60/70. 8 de "loge tata fr 2006, p. 255 16 Rega do fto qu sido seu verde 0 at tn a opp 355 1 lark, ot, 9.35, 18 Poi, 0, it, 2. 39 Car, Lye lg Co Sarena: Fund (Anton! Tapes, 197, p. 247. 201, ite. 268 Fete de Face de Aue, 207, Ft: Ro atte Bor. 21, id, p08 TROCO AZULEJOS a toque ui acuiejo de sua casa por um azaioo azul eS 2 vos ‘para fora de si mesmo, dando aos outros suporte para que este exprima também’," A casa € o corpo, a0 ser desdobrada, estrutura o homem como o oxganismo de uma “arquitetura biolégica e celular”, proposta como “um abrigo poético onde o habitar é o equivalente do comunicas. 0s movimentos do homem constroem este abrigo celular habitavel, partindo de um nicleo que se mistura aos outros" No gesto, 0 eu passa a ser outro, luo na “malha de umn tecdo ifinito” Tal passagem € 0 exercico de um tempo ulterior, estado em que o eu se vivencia como outro, nunca 4 priori, mas como gesto postumo, de morte mesmo. 0 indviduo que se renova cont- suamente também se tora estranho asi, sempre eu que sou outro. Como regente dessa vivéncia do depois, o tempo ulterior diz respeito sempre ao momento @ posteriori: como paginas opostas, as obras poderlam ser construides pelos seus versos O artista cruza 0 quarto de sua obra quando se vé do outro lado, situado além desse “en” que ficou para tras, Essa projecdo nao evidencia um segundo self mas o ultra-ex, um eu excedente, 0 tempo ulterior nos conduz 20 outro, que somes n6s, depois. fo acontecer além do limite, a dilatacdo entre a obra eo artista, o lugar eificao por esta obra em sua extensto. Hesse sentido, 0 artista-outro esta sempre de parti ~ sua jomada segue, como artista provi- sério obrand na ulteridade. £ no tempo interior, do vario-pleno, que nos damos conta de nossa localnaeao e travamas contato com o mundo, de maneira que tanto ele nos eabe quanto eabemos dentro dele. 0 héspede provisério Cristina Ribas minha amiga. Nos conhecemas durante o curso do mestrado, Naquele dia, Cristina chegou com seus arquivos ~ da grande bolsa - fichério, cademnos, livros, ‘Acasa em volta de, «esa come orgenime vivo Giana ereda a escritos e presentes. A cada uma de nés entregou um folheto, Azul. Podia-se ler em letras garrafais: “Troco azulejos”. Oferecendo arte como servigo, Troca de azulejos é uma proposigao de dilogo com 0 outro, Sua a¢ao consiste em entrar na casa das pessoas tocar um azulejo doméstico por outro, azul. A padronagem comum as paredes de azulejo 6 desestabilizada na inseredo de um outro subjetivante do lugax, Tal processo de “azulejax”, verbo conjugado entre o assenta- mento de azulejos ¢ o azular, de tomar ou tingir de azul, assemelha-se ao conceito de “polor”, no sentido de que “deve fazer fermentar as estruturas e fazer rebentar nas casas a linha rata. Cada habitante deve cultivar 0 seu préprio bolor doméstico’.* A metéfora do bolor, introduzida por Hundertwasser em “Verschimmelungsmanitfest”,* 6 ‘um conceito de extensdo aplicado ao “dominio eonstruido ou ao construir da atividade fluidoide e espiraloide na pintura’. Acredito que o azulejo azul de Cristina Ribas azu- lece, preenche a casa de cor pura e viva, 0 novo elemento é ormamento, servico de um ecorador, como aquele que decora ou que aprende de cor ~ duplo sentido que favorece ‘uma percepeio mais aprofundada: a cor que é tom pode ser coragao.*” 0 coragao, por sua ver, abrange os campos do animo, do afeto e da meméria. Talvez seja por isso que a palavra decorar se situe entre a omamentacio propriamente dita e a memorizacio. 0 gesto de Cristina Ribas singulariza a moradia, afirmando no encontro a transformacio do habitat, potencializando a evocacio de emogBes metafisicas como resultado de uma vibraggo harmonica da dual possibilidade de ser cor. Transcende o racionalismo para transformé-lo em vefculo que integra o espectador & obra e 0 conduz para outzo campo dde experimentagao da forma-cor. Hundertwasser configura a habitacdo como tereeira pele,* pois “a casa que o homem talha segundo sua fantasia ¢ a extensdo do vestuirio que cobre sua pele biologica’” (O Manifesto do Bolor, contra o racionalismo da arquitetura, gerencia o transautomatis- mo” para a habitagio tanto do individuo quanto da coletividade: suas leis recusam 0 racionalismo das linhas retas empregadas na arquitetura funcional, apontando para um construir Uiberto, organico, expansivo. Seu manifesto descreve a pessoa do construtor, na figura de um gester, que idealiza a reuniio funcional da trindade arquiteto-pedrei- xo-habitante. Hundertwasser anuncia 0 bolor como renovacio organica da arquitetura através da “putrefacdo da arquitetura racional’.” 0 bolor € agente na decomposicdo de matérias organicas, separando os elementos componentes a fim de os alterar profunda- mente. 0 mofo, ativado como o inverso positivo de toda putrefacdo, & pura modificacéo, tum azulejo azul que redefine 0 espaco por contaminaedo. Por coincidéncia, alguns bolores apresentam tonalidade azulecid Escrevi o artigo “0 héspede provisério"® como primeiro esboco para a azgumentagie do trabalho de Cristina Ribas, sob uma poética do precério. Partindo de busca etimolégica da palavra, cheguei a precarius, que se origina no latim tardio precari, que se desen- volve para pregar, aglutinando o sentido de temporario e duvidoso e as derivacdes de 4“ oncnnitas eno 9, ola 2 ete 12, deen 2008 24 Retry, Here 0 poder do ete under ese pre eet pt, Thats, 199, . 2. 24 Nome enpregnd gor Hundertsesr pra manifest do Boor conse Racor ra Ariat, on 1968, O arta autre veazou en Pars sua pina expsiia 2954 dese ero, no cessou mals de tala, agutinandoo& exces de aru tet, anblenatta, raturita e higieisa tara atin como seated de pour © rare 27 Corgi, come substantive feminine 60 sto 0 eta deco como ting ar cos [mesmo que +s eon, no sto een Cer For sta vex. paar cor come ss tantva mascuo € caren, também cana ventade e deseo. A expresso “aprender de er una dear romana, qu toha 0 eran cone 2 sede da ema. For ut via 2 pla cor cone sustancv fein a era do tn ct, gue vem seco ese, caldete com os 2 pele aut recor 0 corpo. fe camads, censor por ums exp encine qs pare doe profane pra 0 rund een, perch por semere ra tein seers aoe nice cnet. Se Cine pls de Hunde’ so: 2 pina pale, eiceme: a sepuda pole, vests: 2 tec pal, 2 sa» quae pal, nessa eta soci: 2 uit pele, oss poe Pianeta As cinco pls de Hance ‘0 um lao devia, una veto pounds Ayer star ote 8 tera, lace em tie 2 long de sus ora artist, 29 Reston op. tp 23. 20°"A ais tera do tansiatonatione 6 finutansamerte une cts 20 sale re preceptio do pibln e 2 shimao de rnecesiage de una prtipgiocritiva do pico pects = oba de arte” In Rstany, pects p.2t sa Resta opt p23 52 We 0 Hbspade Prviia, Oa Prarie tae, XT Erconte do Praca PisGoduerde em Anes Vio, Rio de io cla ce Beias Artes d Universi Fes o Ho eat, 207 35 Car op cta997, 9.2 54a, Cristina Teco retina dpa aaa, 207 35 Far ouvir e cantar: “0 nines lt oa Aro, nt em pe fate ir, come | minh comin gp] Ona Sido € infiite pla meted. O mea ote 45 al matade su eu, 3 ta feta atm de i: Fagen “Db Jo sen-iemfieao", mies compas © ‘interac por ibe Gi invocagéo e convite cortés. Ao considerar que a mesma raiz latina derivou tanto preca- riedade quanto pregacéo, sugeri que a temporalidade instével presente no precétio seja também referéncia a um outro, 0 “hospede provis6rio”. A pottica do presario proposta por Lygia Clark era um novo conceito de existencia aue se colocava contra toda cristalizagio estitia da duragSo.” Seu manifesto que legitimava o agora como campo de experiéncia recusando a duragio como o interme dium da expressio também reivindicava liberdade. A duragio como tempo durdvel de todas as coisas é sm permanecer que resisteconservaco, pois ido se gasta nem porde suas qualidades. A poétics do precério se posiciona contra a dursbilidade, trazendo para a arte o tempo presente instavel, consciente de um eterno didlogo, com o outro si mesmo ¢ o outro enquanto outro. O convite, entendido na simultaneidade da con- vocat6ria'e da dadiva, é feito ao convidado, homem ou deus, no intuito de atrair e provocar a urgéncia do encontro. Tra de azuleos & agdo que acontece por escamnbo: um azulejo da casa, quebrado e descartado, por um azulejo do projeto (azulejos azuis, de 15cm’, comprados om loja de material de demotigio). A divulgacio acontece por publicidade precéra, via distribuicdo de folhetos nas ruas ou nas esixas de correio das casas Os emunciades prineipais tomam a primeira leitura eonfusa, posto que de- claram “troco azulejos” em seguida “fagn vocé mesmo". Sobre tal situagao, Crista selareee que "habitar este universo impreciso da arte como servigo me interessa nesse projeto; assim como entrar nas casas, diseutir 0 que é a proposta e como ela se apresenta fazem parte da iniciativa’™ A partir de relacBes de forga que se instauram ‘nas contradigbes entre a légica do privado e do piblico, a acéo artistica de Cristina Ribas é oferecida em primeira instancia como um servigo pablico, agio prestativa que compromete a hospitalidade como troca. Considerada uma virtude, uma expressfo de generosidade, a hospitalidade € uma verdadeica “prova do outro", que implica compromissos, sacifcios ¢ mesmo &s vezes confit. Elaborados por Jacques Dert- da, os valores de amizade e hospitalidade incondicionais sio propostas de aceitagio do outro enquanto outro, também presente na persona do estrangeiro, de mancira 4 ndo o suhmater as leis que rogom a casa anfiri8 (que em fnuitos casos especifca 4 hostilidade), mas promover através do contato com 0 desconhecido o aprendizado pelo entendimento da diferenga. Cristina Ribas, gaticha de Séo Borba, deu impulso a Troca de Azulejos quando vivia como artista-residente na cidade de Belo Horizonte. Ao visitar uma loja de materiais de demoli¢ao comprou cite azulejos azuis. 0 namero oito, apesar da natureza car~ inal, € simboticamente representativo, sendo o “infinito em pé",* invocamento do eterno retorno. Considerando a singularidade de cada azulejo e toda a situagdo que esse promove durante a troca, sua qualidade de repeti¢ao @ sem modelo. Cada viven- cia potencializa o discurso acerca do lugar especifico da obra, em que lugar de produ- fo e lugar de fruicao se confundem no ambiente doméstico. 0 cixeuito de intimidade @ mantido dentro de um movimento exterior de acréscimo de significados & agdo da ‘casa em ota de cata come organism vio Bianca Bernardo “6 troca: no ambito do affecto,* todos os presentes envolvidos participam do processo de acontecimento da obra, desde sua etapa de procura ¢ aceitagao, passando pela du- pla doacdo (o hospedeiro se desfaz de um azulejo na contrapartida de o héspede lhe conceder um outro) E possvel penser que quatto a artista entra na casa de pessoas, amigas ou nao, com o intuito de trocar um azulejo doméstico por outro, azul, estar, obrigande tudo ao seu redor a se reorganizar. Até que se torne ruina, sofrende no abandono a acéo do tempo, potlemos dizer que a casa hospedeira foi marcada. Cristina chegou as quatro, Convidada para uma tarde de hospedagem, tendo minha residéncia como lugar da criagdo. Em segredo, Ihe preparava um banquete. Depois e olharmos toda a casa, Cris se deixou envolver pela parede curva do lavabo, um pouce estreito € pequeno, abrigo de um corpo s6. Como se fechada dentro da casca, comegou a quebrar. 0 rompante da primeira martelada, Cristina comeca a rasgar a pele da casa, Preciso abrir um buraco na parede, cavar essa rocha urbana. Na porta, éramos verdadeiras parteiras acompanhando a gestacio urgente da obra. Cristina uma ver me escreveu: “0 ollio do outro te vé, 0 corpo dele te sente, e essa é a realidade a performance’. A forca para quebrar a parede é real, seu cansaco é real. Inclinadas na nogio perfeita de finitude, sentfamos prazer em assistit a seu proceso, esperan- do a completa expulsdo do azulejo. Dos primeiros cacos estilhacados, uma pequena “6 encanltas ano 9, volume 2, mer 13, demo 2008, retin os Toor de Amo, dena de Banca © Rolle, Nite Foto: Rabecs Fase, 2008 35 Conprendo 0 asta cono seu prio labors, fina de ren do eae val ue consi seu fare nu edule de eas. abertura vai sendo ampliada e no corroer das beiradas, chega-se ao espaco negative. 0 quadrado esculpido evidencia uma falta, Cristina examina as reentréncias e vai cuidadosamente terminando de preparar o terreno. No copinho de plastico, prepara a ‘massa branca com a ponta dos dedos. Enfim, 0 azulejo azul é estendido e encaixado. Deixa o sitio do descarte para estabelecer um lugar do novamente ser casa. Nesta casa que também considero minha terceira pele. Bianca Bernardo é artista visual e performer, graduada em Artes Plésticas © mestre em ‘Artes pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Entre 2006 e 2008 desenvolveu a tere A fabrioa de pees: Hundertwasser e o caminhar contemportneo, na linha de pes-

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