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MEMORIA: TIPOS E MECANISMOS — ACHADOS RECENTES Ivan Antonio Izquierdo Jociane de Carvalho Myskiw Fernando Benetti Cristiane Regina Guerino Furini a Examinamos as definicées e caracteristi: cas gerais dos principais tipos de mem rias de acordo com sua fun¢ao, contetido eduracao, as areas cerebrais responsaveis por elas e os mecanismos moleculares sinapticos envolvidos na formacao e extingao dos diversos tipos de memeérias nessas éreas, Damos particular destaque a alguns aspectos de sua biologia, com alguma énfase na meméria de trabalho, namemériadecurta duragéoenamemé- riadeextincao,comentando os principais processos fisiolégicos responsaveis por sua formacao, evocacaoe extin¢ao, assim como sobre sua modulacao por sistemas cerebrais e periféricos. Encerramos com algumas recomendacées para a manu- tencdo das rincipaisformas dememéria Palavras-chave: meméria declarativa, meméria procedural, meméria de traba- Iho, memériadecurtaduracao, evocagao, extingio. ABSTRACT We examine the definitions and main cha- racteristics of the major types of memory, according to their function, contents and duration, the brain areas responsible for them, and the molecular synaptic me- chanisms that underlie the formation and extinction of the various memory types in those areas. We comment on certain aspects of their biology, particularly con- cerning working memory, short-term me- mory, retrieval and extinction, with some emphasis on their formation, retrievaland extinction, as well as their modulation by brain and peripheral system. We end with somerecommendationsforthemaintenan- ce of the major memory forms. Keywords: declarative memory, procedu- ral memory, working memory, short-term memory, retrieval, extinction. MEMORIAS E AMNESIA ‘om relagao ao conted- do, as memrias podem ser divididas em dois grandes grupos: as de- clarativas (eventos, fatos, conhecimentos) eas de procedimentos ou hdbitos, que adquirimos ¢ evocamos de maneira mais ou menos automatica (andar de bicicleta, usar um teclado). Na meméria declarativa participam o hipocampo (uma regido cortical filogeneticamente antiga), a lala, ambos localizados no lobo tem- ami poral, e varias regides corticais (pré-frontal entorrinal, parietal, ete.), enquanto, nas memérias de procedimentos ou hibitos, 0 hipocampo parece estar envolvido apenas nos primeiros momentos aps 0 aprendiza- do, sendo elas dependentes basicamente de circuitos subcorticais que incluem o nticleo caudato e circuitos cerebelares. Denomina-se aninésia, em geral, a perda de meméria declarativa, pois as doengas que 4 provocam afetam em maior propor reas vinculadas com esse tipo de meméria. A depressdo € a causa mais frequente, mas a menos grave. Em geral no se acompanha de dano neuronal irreversivel e, a0 trat a amnésia desaparece. As deméncias (de particula privativa; mens: mente) so pro- gressivas ¢ mais graves; envolvem perda definitiva de neurdnios e de fungdes cere- oa, brais. A deméncia mais comum € a doen de Alzheimer, na qual predomina o déficit de meméria, Nela ocorrem lesOes nas dreas cerebrais responsaveis pela meméria decla- rativa (C6rlex entorrinal, hipocampo), e mais tarde em outras partes do cérebro. A doenga de Parkinson, nos seus estigios avangados (ci que fieam comprometidos circuitos que liga idato ao c6rtex), a depen- dencia cronica do alcool, da cocaina e ou- no nicleo ¢: tras drogas, as lesdes vasewlares do cérebro, 6 traumatismo craniano repetido (no boxe, por exemplo) ealgumas doengas metabsticas (Sindrome de Creutzfeld-Jacob, doenga de Pick), também causam quadros demenciai AS MEMORIAS ESTAO NAS SINAPSES Em fins do século XIX. Santiago Ramén y Cajal, fundador da neurocigncia, postulou que as memérias obedecem a moditicagdes da estrutura ¢ fungao das sinapses. Nos Gil- timos trinta anos se demonstrou que isso € Verdade, ¢ agora conhiecemos as alleragbes ‘moleculares sindpticas que subjazem a for- magio, persisténcia e evocagio das mem« rias em muitas regides encefticas. sinapses as jungdes entre neurdnios, geralmente entre as terminagdes, de seus prolongamentos. Chamam-se axd- rnios 0s prolongamentos que se dirigem a ou- Denominam- IVAN ANTONIO. IZQUIERDO & professor titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da PUGRS, ‘coordenador do Centro de Meméria do Instituto do Cerebro da PUGAS © pesquisador principal do Instituto Nacional de Neurociéncia Translacional do CNPq, JOCIANE DE ‘CARVALHO MYSKIW &professora adjunta cde Geriatria e Gerontologia da PUCRS, FERNANDO BENETTI & professor adjunto da Faculdade de Medicina do Departamento de Medicina Interna da PUGRS. CRISTIANE REGINA ‘GUERINO FURINI & bolsista pos- doutoral do Instituto Nacional de Neurociéncia Translacional do CNPq. 11 dossié Meméria 19 tros neurdnios, e dendritos aqueles sobre os quais terminam os ax6nios. A maioria das si- nnapses funciona através da liberagdo de subs- tancias denominadas neurotransmissores, os quais se ligam a proteinas especificas deno- minadas de receptores, e sua ativagio desen- cadeia sequéncias complexas de processos moleculares. Os neurotransmissores podem estimular ou inibir 0 neurdnio seguinte. O neurotransmissor excitat6 © glutamato, e 0 inibitério mais comum € © dcido gama-amino-butirico, Outros neu- rotransmissores (dopamina, noradrenali serotonina ¢ acetilcolina) desempenham em geral funcdes moduladoras (ver adiante), relacionadas com as emogdes, 0 alerta € 0 estado de dinimo, Sua liberagao esta alterada na ansiedade e na depressao, FUNCAO E DURACAO DAS MEMORIAS o mais comum Todas as memérias so associativas: se adquirem através da ligagao entre um grupo de estimulos (um livro, uma sala de aula) © outro grupo de estimutos (o material lido, aquilo que se aprende; algo que causa prazer ou pentiria). O do segundo grupo, que é de maiores consequencias biolégicas, chama-se estimulo condicionado ou reforgo. Em alg mas formas de aprendizado, associa-se um grupo de estfmulos com a ausencia do outro ou de qualquer outro. A forma mais simples dessas formas de “aprendizado negativo” associa um estimulo repetido (um som, uma cena) com a falta de qualquer consequencia; esse tipo de aprendizado se chama habitua- (do. Permite que seja possivel trabalhar em ambientes cheios de rufdos, ou dormir em ambientes iluminados, por exemplo. Alguns autores consideram a habituagdo uma mem6- ria ndo associativa. Do ponto de vista da fungao, hd um tipo, de meméria que é cruci da aquisiga0 como no momento da evocagio de toda e qualquer outra meméria, declarati- vva ou nai: a meméria de trabalho. Operacio- nalmente, representa aquilo que a meméria RAM representa nos computadores: man- | Lanto no momento tém a informagao “viva” durante segundos ‘ou pouicos minutos, enquanto ela esté sen do percebida ou processada, Essa forma de memeéria ¢ sustentada pela atividade elétrica de neurdnios do cértex pré-frontal, em rede via c6rtex entorrinal com o hipocampo e a amigdala, durante a percepeao, a aquisigao ou a evocagao, A meméria de trabalho dura segundos e nio deixa tragos: depende exclu- mente da atividade neuronal on line, Um exemplo € a terceira palavra da frase ante- rior: durou 2 ou 3 segundos, para dar sentido a frase e conecté-la com a seguinte, mas ja desupareceu de nossa meméria para sempre. Na esquizofrenia ha falhas graves da memé- ria de trabalho, que causam uma percepg distorcida ou alucinatéria da realidade. As memérias que persistem além de segundos denominam-se memdria de cur- ta duragao ¢ meméria de longa duracao. A primeira dura 0,5-6 horas e utiliza pro- cessos bioquimicos breves no hipocampo © cértex entorrinal, largamente estudados em nosso laboratsrio. A meméria de longa duragio perdura muitas horas, dias ou anos. Quando dura anos, denomina-se remota, Sua formagao requer uma sequéncia de passos ‘moleculares que dura de 3a 6 horas, no hi- pocampo, nos nicleos amigdatinos, e em outras dreas, durante as quais é suscetivel numerosas influéncias. A meméria de cur- ta duragio mantém a cognigdo funcionando durante as horas que a meméria de longa

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