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O homem e sua lanterna RENE GUENON QO MESTRE DA TRADICAO CONTRA O REINO DA DETURPACAO No comego do século a obra de Guénon sacudia os alicerces da cultura ocidental, movendo um ataque macico a ciéncia e filosofia modernas, em nome da Tradigdo — a corrente de ensinamento metafisico da qual nasceram todas as religiées e formas espirituais do mundo. No préprio Oriente, depdsito intocado da Tradigdo, Guénon foi reconhecido como “o grande sufi” (na opiniao de Ramana Maharshi), “‘venerdvel lama do Ocidente” (segundo a fraternidade budista que editou a tradugdo de seus livros). Mas, no Brasil, seu trabalho é ainda praticamente desconhecido. POR OLAVO DE CARVALHO. estranho que, nos ambi- E entes © nos debates “espi ritualistas”, no Brasil, quase munca se escute pronunciar o nome de René Guénon, No en- lunto, basta um primeiro contato com esse autor para verificar que tenhuma abordagem de assuntos esotéricos ou simplesmente reli- giosos, no século vinte, pode ter qualquer pretensio A seriedade sem ter passado por um confronto com a sua obra. Claro, essa obra tem: caracteres tio especiais que a dificuldade de classificd-la — e portanto de enten- der suas verdadeiras intengdes — tar mesmo os mais ho- nestos leitores, No entanto, jé passou o tempo em que Guénon constituia uma Sdlitéria excecdo, um baluarte do pensamento tradicional resistindo, isolado, as tormentas de um Oct dente moderno que jé falava outra lingua © ndo queria entender a sua, Se Guénon nao deixou disci- pulos, inaugurou, no entanto, ¢ fe- cundou com sua influéncia espiri- tual, toda uma atmosfera intelec- {ual onde floresceram (para nos Retrato de René Guénon, executado par Pierre Lafflée. O homem e sua lanterna alermos ao aspecto_puramente quantitativo dessa influéncia, as pecto que num espirito verdadei- ramente guénoniano seria 0 tlti- mo € mais desprezivel) dezenas de estudiosos de ciéncias tradicio nais, livros da melhor qualidade sobre as formas esotéricas das miltiplas tradigdes. espirituais, congressos ¢ debates, e pelo me- nos duas revistas especializadas Etudes Traditionelles, na Franga, © ‘Studies in Comparative Religion, na Inglaterra Por isso talvez seja mais ficil hoje em dia falar dele, embora, na miséria intelectual brasileira, essa facilidade criada pela difusao da sua obra em todo 0 mundo seja mais do que relativa. Simples e rijo, como um diamante O mais surpreendente na obra de Gugnon é que ela ndo se apre- senta como um pensamento pes- soal, que pudéssemos comparar com as demais correntes e pens Gores do nosso tempo, mas como uma simples transcrigao, impe soal e desinteressada, da Verdade eterna e imutivel, una e continua, que, sob formas variadas na ap: réncia, se expressa nas tradigGes espirituais de todos os povos e lu- pares desde que 0 mundo é mun- do. (O contraste € chocante para o leitor: de um lado, a humildade de quem nao tem nenhuma preten- io a ser original numa época onde esta parece ser a preocupa- gGo maior de cada intelectual, que no apenas reconhece como enfatiza seu débito para com tradi- gGes de ensino varias vezes mile- nares; de outro lado, a arrogancia intoleravel de que, néo expondo uma simples opinido ou hipdtesc, mas nada menos que a Verdade, exige mais do que um primeiro as- sentimento: exige a submissdo in- tegral, Essa primeira impressio, por 14 desagradavel que seja, parece-me antes util do que prejudicial & compreensio dos textos, com a condigao, entretanto, de que ne- nhum dos termos venha mais tar- de a ser esquecido, isto é, de que, movido por uma reagao emocio- nal qualquer, 0 leitor ndo venha a enfatizar nem a impessoalidade humilde do homem, nem a rigidez dogmiitica dos textos, pois sdo ter- mos que se complementam e se explicam solidariamente. Esqueci- dos disso, os inimigos de Guénon embriagaram-se em especulagoes sobre 0 seu “orgulho intelectual”, © que seria legitimo somente no caso de ele alegar a posse pessoa! da Verdade e assumir a defesa da sua doutrina, coisa que ele jamais fez. René-Marie Joseph Guénon nasceu em Blois, Franca, a 15 de novembro de 1886, © nome traz a George Ivanovitch Gurdjieff: como Guénon, um ocultista muito respeitado. marca de devogdo ancestral a Vir- gem aS, José, e a familia, consti- tuida de viticultores, era de uma regitio que produz alguns dos me- Ihores vinhos da Franga. O perso- nagem, entretanto, terminara a vida no Cairo, casado com a filha de um xeque e tendo adotado to- dos os costumes muculmanos (in- clusive 2 proibigao de tomar vi- nho), apds ter-se tornado famoso como expositor de doutrinas hin- dus ¢ ter acabado de editar seu til- timo ¢ grande livto, A Grande Tria. de, sobre a doutrina taoista. Transito livre em todas as escola A vida, de certo modo, personi- fica a “unidade transcendente das religides” (titulo de um livro de F. Schuon), pois se hé algo que ca- racteriza_ 0 esforgo guénoniano como um todo é a defesa de uma Tradigdo, de uma Verdade unica que, no plano da doutrina metafi- sica, estabelece a unidade de todas as manifestacdes espirituais parti- culares, de todas as épocas ¢ cul- turas, Nesse sentido ele pode, por exemplo, tornar-se_ muculmano enquanto declarava a superiorida- de da tradigao hinduista (mais pi xima, segundo ele, da Tradigao primordial), ¢ defender as doutn- ‘nas orientais enquanto propunha que, para o Ocidente, sé havia um caminho legitimo, 0 retorno a Igreja Catélica. Note-se que essa possibilidade de transitar livremente de uma Tradigdo a outra é, hoje como sempre, apandgio exclusivo dos grandes Mestres espirituais, que $6 conseguem tazé-lo por ter ab- sorvido integralmente a ortodoxia de cada tradi¢do, nada tendo isso @ ver com certas “muisturas” € “sin- cretismos” os quais, no século pa sado, propuseram uma “religido universal” que ndo era mais do que uma pasta que fundia e desca- racterizava todas as tradigGes par- ticulares, sem lograr com isso ne- nhuma unidade verdadeira. A vida de Guénon pode ser re- sumida em poucas linhas. Apés ¢s- udos primdrios e secundarios bri- Ihantes, perturbados apenas pela salide instavel, fez 0 curso supe- rior de matematica, durante o qual aproximou-se de grupos de estudos ocultistas, liderados pelo famoso Papus. Nao demorou a desligar-se deles, por perceber a inconsisténcia de suas doutrinas e a auséncia de qualquer vinculo verdadeiro com uma Tradigao ini- cial. Teve, em seguida, a felicida- Ge de ligar-se a fontes legitimas das tradigdes espirituais orientais, em particular a hindu, a taoista ¢ islimica (sufismo), das quais seus livros representaram © represen- tam, até hoje, a primeira e melhor exposigdo em lingua ocidental Contra o ocultismo e o materialismo A luta de Guénon pela difusio da Tradigao primordial no Oc dente tinha em vista 0 mesmo ob- jetivo contemporaneamente pro- pugnado, no Oriente, pelo grande mestre iskimico Ahmed El-Alawi descendente do profeta Maom estabelecer uma frente unica de todas as tradigdes espirituais orto- doxas contra os dois inimigos co- muns: 0 materialismo 0 ocultis- mo, Tais esforgos nao objetivavam uma influéncia direta nem na cul- tura nem na sociedade, mas ape- nas atingir um certo nimero de pessoas, especialmente qualifica- das, que, conservando o conheci- mento da Tradicio, pudessem ser- vir de ponte para a construcdo de um novo mundo apés a liqidagao final do presente ciclo histérico, que todas as tradigdes mundiais (da China aos indigenas amenca- nos) assinalam para 0 nosso tem- po. Evidentemente, tais esforgos chocaram-se contra todas as ten- déncias de dispersio e fragmenta- cio, as quais, buscando cada qual sua afirmacio individual, rejeita- vam toda tentativa de unido sob a égide de uma Tradigao primordial comum. Assim, Guénon con guiu, de modo simultineo, fazer adeptos © despertar consciéncia dentro de cada uma das tradigdes existentes (no catolicismo, alguns de seus livros foram publicados com 0 mil obsiat cardinalicio, € no Oriente ele & hoje reconhecido como um grande renovador dos estudos islamicos e hinduistas), como também, em contrapartida, conseguiu ganhar a inimizade, fre- giientemente feroz, de alguns re- presentantes dessas mesmas tradi- Ges, que preferiam insistir na su- perioridade dos seus pontos de vis- ia particulares contra a raiz comum 15 O homem e sua lanterna da espiritualidade humana, Isso, no que diz respeito aos represen- tantes de tradigdes legitimas, como 0 catolicismo ¢ 0 iskamismo. Quanto aos adeptos de correntes ocultistas de improviso, bastante disseminadas no nosso tempo, es- tes voltaram-se contra cle das ma- neiras mais desleais e violentas. Houve inclusive tentativas de fa- zer seus livros desaparecerem do mercado, e ameacas diretas a seus editores. Tudo isso acaba por levi-lo a uma situacdo de quase total isola- mento no panorama cultural euro- peu. Na década de 30 ele parte para o Egito, onde, acredita, os tracos ainda vivos de uma civiliza- Go tradicional Ihe permitiriam vi- ver segundo os principios que fo- ram a base da sua vida e da sua obra, sem defrontar-se com os obstaculos que a civilizagdo mo- derna lhes opoe 0 dificil caminho em busca da coeréncia No Egito, Guénon adota o nome drabe Abdel-Wahed Yahia (“Jofo, servidor dO Unico”) € casa-se com a filha de um xeque (mestre espiritual), com a qual veio a ter quatro filhos. Nesse periodo continuou escrevendo ar- tigos, em arabe © em francés, da- tando dai alguns de seus trabalhos mais importantes, como Le Régne de la Quamtité. Respeitado e termdo, ele raramente foi e raramente lido de maneira_compreensi responsivel e “desde dentr Uma idéia da temerosa distancia que dele manteve a intelectuali- dade européia do seu tempo é dada pela reagio de André Gide: “Se Guénon tem razio, entéo toda a minha obra cai por terra. Quando Ihe perguntaram por que, entdo, nao reformava suas posi- goes, Gide confessou: “O que Guénon diz ¢ irrefutavel, mas eu ja estou velho demais para reco- mecar.” 16 Longe da hostilidade européia, Guénon morreu no Cairo, na lua nova de 7 de janeiro de 1951. Suas ultimas palavras, ditas & esposa Fatma na manha desse dia, foram: — Nao te inquietes. Eu néo te dei- xarel, Vis ndo me vereis, mas eu es- tarei aqui, € eu vos verei. Agora, quando uma das criancas no é sen- sata — seja a pequena Khadidja, de traneas castanhas, ou Leila, a me- norzinha, loirinha de olhos azuis, ou 0 pequeno Ahmed, que nao tem dois anos ~, a mae the diz: “Como ousas chorar sob 0 olhar de teu pai?” E a crianga se cala em presenga do In- visivel. Essa foi sua ultima frase, mas no sua Ultima palavra. No instan- te derradeiro, Guénon disse claramente: “Allah!” (*“Deus!”) No entanto, a declaragio a es- posa parece altamente significati- va, ¢ 56 a mé-vontade de seus criti cos € bidgrafos justifica que nao a tenham levado em conta para ex- plicar algo do comportamento ex- terno de Guénon, Proferida in art- aulo mortis, por que no poderia ser tomada como uma derradeira reafirmagio dos principios que, tendo orientado sua vida, deve- riam servir também para nortear a familia apés a perda do pai, € os amigos ¢ admiradores apés a mor- te do mesire? Por que nao po- deriamos considerar 0 préprio Guénon como a crianga que, por respeito ao Invisivel, reprime a ex- pressio da pura emocio pessoal ¢ se anula como individuo, para no macular @ realizagdo suprema da entrega ao Absoluto? Nesse sentido, no se entende como até um critico compreensi- vo como Paul Sérant (René Gué- non, Paris, Le Courrier du Livre, 1977) tenha julgado que “ao ho- mem, como a obra, faltava sem duvide alguma coisa. Que coisa? Talvez esse privilégio que consa. gra a vitoria do Espirito... esse privilégio ao qual a tradigao oci- dental deu, de uma vez para sem- pre, © nome de santidade.” Pois talvez nao haja outra pala- vra para caracterizii-lo, sendo a de Ramana Maharshi, para quem Guénon era “the great Sufi”. Ra- mana, a quem munguem negara a condic&o de santo, usava a lingua- gem da Tradi¢do, ¢ nesta, o termo ‘sufi ndo € empregado para desig- nar aquele que tenha qualquer li- gagao em qualquer nivel com uma certa corrente esotérica, mas uni- camente aquele que aleangou 0 supremo grau da realizagao espiri- tual, conhecido na Tradigao hindu como a Unido ou a Libertacao. Nao estou canonizando Gué- non por conta prépria, mas uma vida que, em recompensa da anu- lacio do individuo a servigo da Verdade, encontra apenas a in- compreensao, a perseguigao ¢, para ciimulo, a acusagao de orgu- Iho, coroa-se de uma certa aura que impde siléncio ¢ respeito, mesmo a seus adversirios, Combate ao espirito de negacao e revolta Se a vida tem a simplicidade li- near daquele que “serve a um tinico Senhor”, a obra, apesar da imensa variedade de temas, enfo- ques ¢ niveis de abordagem, tem no entanto uma estrutura igua mente simples. Toda ela articula- se em torno de dois temas basicos: ensinar a Verdade, combater 0 erro. A Verdade é 0 nucleo de princi- pios metafisicos, eternos ¢ imuta- veis, 0 qual permanece intacto através das multiplas ¢ diferentes tradigoes espirituais que, com sim- bolos, ritos € expressdes diversas, constituem apenas os varios or- gios do corpo histérico de uma Tradigao supra-historica, Essa Tradicao tem por origem 0 Abso- luto mesmo, ¢ como meta a con- servagio da unidade e da verdade — através da muluplicidade da his- tonia humana. O erro € a pretensao de cada parte no sentido de constituir por si mesma o Todo, € a ambigao de cada verdade relativa no sentido de tornar-se por si mesma 0 Abso- luto. O erro tanto pode provir de uma forma religiosa qualquer que. squecendo sua origem na Tradi- io comum, se erige arbitraria- mente em norma e parametro de (odas as outras, quanto de uma ci- vilizagéo em particular que, ndo teconhecendo seus limites, impoe seus prdprios simbolos e regras a homens de outra constituigao psi- quica e espiritual, ou ainda, o que €0 pior de tudo, pode provir de um simples individuo que absolu- le suas prdprias teorias € suas preferéncias pessoais. Talvez a amostra mais contun- dente da coeréncia da obra guéno- niana seja o fato de que, no seu pnmeiro artigo, publicado em 1909 (°O Demiurgo”), Guénon ja tenha definido, de maneira taxa tiva, tanto sua posigdo quanto a do adversdrio: dai até sua morte, em 1951, Guénon permaneceré, sem nenhuma alteragio doutrinaria, 0 defensor da Unidade contra “o espirito de negagao ¢ de revolta’ da parte contra 0 todo e do rela- to contra o Absolute, 0 qual espinto, personificado, reece nas tradigdes semiticas o nome de Shatan, Shaitan ou Sata, termos que querem dizer, precisamente, “0 Adversinio’ Como, num plano de totalidade metafisica, 0 adversirio nao tem nenhuma realidade, mas se re- volve apenas numa visdo parcial que aspira a ser total, o trabalho do defensor da Unidade consistira Precisamente em jamais descer a0 nivel de particularidade, que 0 po- ria 4 mercé do inimigo, mas ater- se ao plano da Doutrina me- talisica, ¢ reabsorver nele todos os golpes ¢ ameacas, restituindo-lhes a fisionomia que de direito thes pertence: a fisionomia do nada. Assim, por exemplo, ao comba- ter 0 “moralismo™ sentimental ¢ religioso dos ocidentais — que os impede de compreender as doutri- nas metafisicas orientais no seu devido plano — ele nao o ataca: anula-o, mostrando como repre- senta apenas um reflexo longin- quo, parcial € limitado das me mas verdades metafisicas contra as quais esse moralismo se volta, “Potente renovador dos estudos econdmico: Foi 0 que ele fez, ao mostrar aus arautos da “civilizacdo crista ocidental” que os “preceitos éti- cos”, em nome dos quais preten- diam civilizar 0 Oriente “bar- baro”, ndo eram senio 0 eco his- torico distante de velhissimas dou- trinas orientais, cujo sentido inte- lectual se perdera no Ocidente, deixando apenas um rango senti mental substitutivo. Assim ele fez, também, com a moderna ciéncia ocidental, 20 mostrar que muitas de suas teorias nao passam de velhas verdades metafisicas mal compreendidas e distorcidas pelo tempo. Por exem- plo, a0 mostrar que o sistema de numeragao bindria, — que sew in- ventor, Leibniz, pretendia consti tuir a chave (finalmente desco- berta!) dos hexagramas chineses dof Ching — niio passava de um aspecto secundario e contingente dentro de um texto sagrado cujas verdadeiras dimensdes nem Leib- niz nem todos 0s seus contempo- raneos ocidentais estavam em condigGes de imaginar. Tal ele fez também ao mostrar como o atual “progresso econdmi- co” do qual o Ocidente se orgu- Jha, € em nome do qual invade, sa- queia e descaracteriza outras civi- lizagdes, nao passa de-um proces- so de quantificagdo crescente, que 05 antigos textos védicos jd pre- viam, milénios atras, como 0 auge da desqualificagio e da decadén- cia, Guénon conhece, compreende ¢ exalta cada tradigzio em particu- lar, incluindo as religides, ¢ as ve- zes as expe com uma retidao tan- to ou mais “ortodoxa” do que conseguiriam seus representantes “oficiais". Mas, to logo o repre- sentante de uma religiio ou de uma corrente esotérica pretendes- se realgar sua “superioridade” pe- rante as demais, Guénon virava 0 disco, para mostrar a dependéncia dessa corrente especifica em rela- Gao a Tradi¢ao primordial. Por isso, entre os representantes tanto das religides quanto das so- ciedades esotéricas, Guénon s6 obteve 0 apoio, velado ou declara- do, dos homens de inteligéncia mais universal, capazes de sobte- por © “espirito, que vivifica”, a “letra, que mata”, Sua obra surge, assim, como um divisor de dguas, € por isso foi possivel vé-lo, ora discutindo com os representantes do oficialismo religioso (um Mari- tain, por exemplo), em nome da Tradi¢ao, ora reconvertendo cris- Gos, mugulmanos ou judeus mo- dernizados, as suas tradicdes de origem. No Isli, onde terminou 7 O homem e sua lanterna seus dias wnorado pela maiona dos representantes da religiao oficial, ele é hoje reconhecido como um potente renovador dos estudos is- lamicos. Mas pode-se dizer que os cristéos ainda nao reconheceram sua imensa divida para com uma obra capaz, por si s6, de dissolver todas as. objecdes do mais empe- dernido ““materialista cientifico” e devolvé-lo a Igreja de Cristo, por uma forga intelectual superior a toda confusao dialética do ateismo moderno, Toques para uma leitura de Guénon Em torno desses dois temas — verdade e erro —, Guénon estrutu- Ta seus textos em sete variagdes biisicas, que convem ao leitor ter em mente ao consultar os dezesse- te volumes de sua obra publicada em vida, bem como os onze volu- mes de obras péstumas: 1%) O combate aos erros moder- nos, que € a parte mais facilmente acessivel de sua obra, por estar mais proxima das preocupagdes do intelectual de hoje, dividida em trés setores: 4) Critica da cultura, da histéria € da sociedade. Nesta parte Gué- non desfaz muitos mitos moder nos, como o do progresso mate- rial, 0 da liberdade civil, o do indi- vidualismo, 0 do Ocidente. Tra- tam deste assunto livros. como Oriente e Ocidente, A Crise do Mun- do Moderno e, parcialmente, O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos: ) Critica da ciéncia e da filoso- (0 AUTOR tayo de Carvalho traduziu para o portugues « linica obra de Guénon até hoje editada no Bra 1 Metafisica Ortenal,Sio Paulo, Eigdes i= piter, 1961), Olavo, jornalistae astrélogo.€ ain- {a diretor da Escola Jipiter, onde também se realizou, no més de abril. © primeiro cuno sobre «obra de Guéron dado no Brasil, cwjo exposior foi Michel Veber, arists plistico © professor de artes marcias, que estudou sob a fonentacao pessoal do proprio Guénon, 18 fia modernas. Nesta parte Guénon demonstra a inconsisténcia inte- lectual das principais tendéncias do pensamento moderno, como 0 racionalismo, © historicismo, 0 pragmatismo, etc. Por exemplo: Principios do Céleulo Infinitesimal (1946); c) Critica da pseudo-espiri- tualidade. A maior parte das cor- Tentes pretensamente esotéricas da atualidade derivam da decom- posigao € do desvio de correntes tradicionais e, quando nao resul- tam da ignorancks pura e simples, emanam de uma tendéncia delibe- radamente contra-iniciatica. Por exemplo: L Erreur Spirite (1973): Le Théosophisme (1921) 29) A exposicdo da doutrina tradi- cional, que € a parte essencial (da qual a anterior representa apenas 9 reflexo inverso), abrange quatro preocupacdes basicas: a) A exposicao pura e simples da doutrina tradicional em si mes- ma, independentemente das suas varias expressdes particulares. Por exemplo: O Simbolismo da Cruz (1931); Os Estados Miiltiplos do Ser (1932); b) A afirmagdo da existéncia historica da transmissdo inicidtica que caracteriza a Tradigao nica, ou seja, a demonstraco da unida- de da Tradigao por cima das tradi ‘goes, Por exemplo: O Rei do Mun- do (1927); ¢) Estudos especificos sobre esta ou aquela tradigio tomada em particular (sem excluir, é cla- ro, comparacdes com outras tra ges). Por exemplo: A Grande Triade (1946), sobre a tradigo chi: nesa; O Esoterismo de Dante (1975), sobre a tradigao cris d) Estudos particularizados sobre os simbolos, que sio um meio basico de transmissio do en- sinamento tradicional. Os estudos nesse sentido esto disseminados por toda a obra guénoniana, sobretudo em seus artigos de re- vistas, muitos dos quais foram reu- nidos no livro Simbolos da Ciéncia Sagrada (1962). Muitos dos seus textos partici- pam de varios desses temas ao mesmo tempo, ¢ a mais notivel sintese de muitos planos de abor- dagem, a meu ver, é O Reino da Quantidade, onde todos os temas se interpenetram em cada capitu- Jo, de maneira majestosamente sinfénica, enquanto que em A Me- tafisica Oriental, por exemplo, a pura ¢ simples exposicdo da dou- trina oculta, nas entrelinhas de um discurso dos mais sdbrios € sere~ nos, as mais explosivas condena- es 20 mundo moderno. Quero dizer que essa estrutura- do & apenas uma das muitas possiveis para uma obra tremen- damente complexa, mas que ela basta para situar o leitor. A obra de Guénon exige, na- turalmente, certos cuidados de quem vai abordé-la, pois ela rever- te de alto a baixo todas as nossas nogdes sobre a histéria, a cultura, os valores e a verdade. Retirando- nos de um mundo de hipéteses ¢ teorias vagas, ela nos remete a0 coraco vivo da Verdade, € por is- 30, segundo diz meu professor Mi- chel Veber (que estudou sob a orientago pessoal de Guénon), essa obra pode constituir-se, ela mesma, no centro da vida de quem se dispoe a estudd-la, § © QUE HA PARA SE LER Em portugués: 4 Crise do Mundo Moderno (Lisboa, Vega, 1977); O Eso- terismo de Dante, seguido de Sao Ber- rnardo (Lisboa, Vega, 1978); O Rei do ‘Mundo (Lisboa, Minerva, 2* edicao, 1978); A Metafisica Oriental, edigao comentada por Michel Veber (Sio Paulo, Escola Jipiter, 1981). Das edigdes portuguesas, a tradu- gio de O Rei do Mundo deixa a dese- Jar. A nica edigdo brasileira ¢ de A Metafisica Oriental, mas em tiragem reduzida, fora do mercado, s6 poden- do ser obtida diretamente na Escola Japiter, a0 preco de Cr$350. (Pessoas de outros Estados interessadas em ad- quiri-lo devem remeter cheque de Cr$400, ja incluidas despesas de reembolso postal, em nome de Escola Jupiter — Promogdes © Comércio Ltda., Rua Raggio Nobrega, 40, Jar- dim ‘Paulistano, Sio Paulo, SP, 01431.) No original francés, as obras de Re- né Guénon, editadas em parte pela Gallimard, em parte pelas Editions Vega, podem ser adquiridas nas livra- rias Horus, Fretin ou Zipak, em Sio Paulo.

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