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Análise Econômica AP/DEPEC

Área de Planejamento Nº 88 - Ano VII – 10 março de 2022

Riscos e desafios da mudança climática

Antônio Marcos Hoelz Ambrózio (AP/DEPEC)

Introdução

A mudança climática é o grande desafio deste século: segundo estimativas do Painel


Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) a temperatura global já aumentou cerca
de 1ºC desde o fim do século XIX e espera-se um aumento ainda maior até o ano de 2100. A
questão fundamental é de quanto será esse aumento.1

Essa questão tem mobilizado cada vez mais atores relevantes da sociedade brasileira, e o BNDES
não é exceção. A ação contra a mudança global do clima faz parte dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS) perseguidos pelo Banco, onde foram desembolsados mais
de R$ 70 bilhões em projetos de mitigação climática entre 2015 e 2021. O AP/DEPEC buscará
contribuir para essa importante agenda a partir de uma série de artigos que visam disseminar
conhecimento sobre mudanças climáticas no BNDES, começando com esse overview do tema.

Contextualizando o problema

O consenso científico atual é de que o aquecimento global é causado principalmente pela


atividade humana. Os chamados gases de efeito estufa (dentre os quais destaca-se o dióxido de
carbono – CO2) têm a capacidade de reter calor solar na atmosfera, refletindo parte na
superfície terrestre. Uma fração desses gases podem ser absorvidos por plantas e algas marinhas
ou dissolvidos no oceano, mas a parte não absorvida fica na atmosfera por séculos. A
combinação de maior emissão devido à atividade econômica – fortemente ligada à queima de
combustíveis fósseis – e a menor capacidade do planeta em absorver esses gases (devido, em
boa parte, à atividade humana, como o desmatamento) levou a uma concentração sem
precedentes de CO2 na atmosfera, cerca de 50% maior do que os níveis prevalecentes no
período pré-industrial.

Como ilustrado no Gráfico 1, há estreita correlação entre variações da temperatura terrestre e


concentração de CO2 na atmosfera. Embora, conforme indicado pelo padrão histórico das
diferenças de temperatura, a terra tenha ciclos naturais de aquecimento e esfriamento, o
grande pico de emissões a partir do século XX, decorrente da ação humana, tem levado a um
aquecimento crescente do planeta. De fato, segundo o IPCC as últimas quatro décadas foram
sucessivamente mais quentes que qualquer década que as precedeu desde 1850.
Adicionalmente, estima-se que, se a emissão de gases de efeito estufa mantiver a trajetória
atual, a temperatura deve aumentar de 4ºC a 6ºC por volta de 2100.

1 IPCC (2021) “Climate change 2021: The physical science basis”.

1
Gráfico 1: Variação de temperatura e concentração de CO2 nos últimos 800 mil anos

Fonte: IMFx

Uma característica interessante do padrão das emissões é que este não é geograficamente
equitativo. Europa e Estados Unidos respondem pela maior parte das emissões históricas e, se
correntemente alguns países emergentes – notadamente a China, que atualmente é o principal
emissor – geram uma parcela crescente das emissões, deve-se considerar que os bens
produzidos ali são em grande parte consumidos em outras partes do globo. Se atribuirmos as
emissões aos consumidores e não aos produtores, há um consumo de 22,5 toneladas de CO2e 2
anuais per capita nos EUA, 13,1 na Europa Ocidental, 7,4 no Oriente Médio, 6 na China, 4,4 na
América Latina, 2,2 no Sudeste Asiático e 1,9 na África. Ainda, dentro dos países os ricos
consomem muito mais CO2 do que os pobres. Em linhas gerais, vale a “regra do 50-10”, onde
10% da população mundial (os maiores poluidores) contribui com cerca de 50% das emissões de
CO2, enquanto 50% da população que menos polui contribui com cerca de 10%. 3

Independente da origem da emissão, existem diversas consequências adversas associadas à


mudança climática. A maior evaporação decorrente do aquecimento global tende a mudar o
padrão de chuvas, tornando áreas secas mais secas e úmidas mais úmidas. O clima fica mais
volátil, tornando-se mais frequente a ocorrência de eventos extremos, como enchentes, secas,
furacões e incêndios florestais. A mudança climática também causa disrupções em ecossistemas
importantes, como o derretimento das geleiras polares e consequente aumento do nível do mar;
acidificação dos oceanos, o que, combinado com a maior temperatura do mar, ameaça a
sobrevivência de diversas espécies marinhas; e perda de biodiversidade, uma vez que muitas
espécies não terão tempo de se adaptar às bruscas mudanças de clima.

Importante destacar que os impactos da mudança climática são não-lineares, e pequenas


diferenças de temperatura podem trazer grandes consequências. Por exemplo, um aumento de
temperatura de 1,5ºC em relação ao período pré-industrial – aumento que as previsões atuais
consideram como praticamente inevitável, podendo inclusive ser alcançado nas próximas duas
décadas – deve fazer com que entre 70 a 90 por cento dos recifes de corais desapareçam, e fazer

2 CO2e ou “CO2 equivalente por emissões” se refere a emissões de gases de efeito estufa expresso em uma unidade
comum, ao converter o montante dos demais gases estufa ao equivalente de CO2 em termos do efeito sobre
aquecimento global.
3 Chancel L.; Piketty, T. (2015) “Carbon and inequality: from Kyoto to Paris”.

2
com que cerca de 14% da população mundial esteja exposta a um evento de calor intenso ao
menos uma vez a cada cinco anos. Caso o aumento da temperatura seja de 2ºC, os recifes de
corais serão praticamente extintos e eventos de calor extremo atingirão 37% da população
mundial. Aumentos de temperatura acima de 2ºC podem ocasionar eventos catastróficos e
irreversíveis, como o derretimento das camadas de gelo na Groenlândia e na Antártida
Ocidental, e a transformação da floresta Amazônica em uma savana. 4

Para além de ocorrências futuras, vale ressaltar que o aumento de temperatura que já vem
ocorrendo é capaz de gerar custos, econômicos e não econômicos. O setor agrícola é
particularmente impactado por elevações na temperatura e oscilações no padrão de chuvas.
Trabalhadores na indústria tendem a ser menos produtivos em períodos de maior calor. No setor
educacional, crianças tendem a ter pior performance em anos escolares mais quentes. Além
disso, têm sido crescentes os custos – e a perda de vidas – associados a desastres naturais.5

A disponibilidade de recursos, incluindo infraestrutura adequada e soluções tecnológicas, para


amenizar os impactos adversos causados pelas mudanças climáticas aponta para o problema
fundamental da iniquidade dos efeitos da mudança climática: eles devem ser maiores sobre
países mais pobres, e tende a afetar os mais vulneráveis dentro de cada país. Por exemplo, no
caso da baixa produtividade devido ao calor, as fábricas e escolas dos países ricos têm maior
chance de serem equipadas com ar condicionado, além de ser menor a proporção de pessoas
que desempenham atividades ao ar livre nesses países. Os mais pobres têm maior chance de
desempenhar alguma atividade agrícola, sendo mais suscetíveis a choques nesse setor, e como
usualmente moram em casas de menor qualidade, além de contar com uma infraestrutura
pública mais frágil, devem sofrer mais os efeitos de desastres naturais. Ainda, destaque-se que
os países mais pobres se concentram em regiões mais quentes, onde os impactos das mudanças
climáticas devem ser maiores.

Um estudo baseado em amostra de 125 países mostra que o aumento de temperatura de 1ºC
reduz a renda per capita em 1,4%, mas apenas nos países pobres.6 Uma consequência é que a
mudança climática deve ter um efeito importante sobre a desigualdade – de fato, esta já teria
sido responsável por aumentar em cerca de 25% a desigualdade entre países nos últimos 50
anos.

Em suma, o consenso atual é de que a mudança climática já é uma realidade que impõe diversos
desafios aos países e, embora seus piores efeitos sejam concentrados sobre os mais pobres, não
há país ou segmento da sociedade que não seja afetado. E a manutenção do padrão de emissão
atual deve causar elevações ainda maiores de temperatura capazes de gerar disrupções de
grande proporção nos ecossistemas terrestres.

Desse modo, há uma crescente conscientização sobre a necessidade de mitigar a mudança


climática, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa, bem como adotar medidas de
adaptação a fim de reduzir a vulnerabilidade frente aos efeitos da mudança do clima que já estão
ocorrendo. Mas o desafio não é simples.

De acordo com o IPCC, manter o aquecimento global limitado a 2ºC acima dos níveis pré-
industriais deve requerer uma trajetória decrescente de emissões de CO2e, atingindo-se
emissão líquida nula em 2070. Para limitar o aquecimento global a 1,5ºC (um nível considerado
mais seguro) o padrão de emissão líquida nula deve ser alcançado já em 2050. Obviamente,

4
IMFx (2022) “Inclusive Growth: Climate Change”. Curso disponível na plataforma edX. Acesso em janeiro de 2022.
5 Banerjee, A.; Duflo, E. (2019) “Good economics for hard times”. Capítulo 6.
6 Dell, M.; Jones, B.; Olken, B. (2012) “Temperature shocks and economic growth: Evidence from the last half century”.

American Economic Journal: Macroeconomics 4(3), p. 66-95.

3
quanto mais tarde se começar o processo de mitigação, maior a taxa anual de mitigação
necessária para o alcance das metas.

Em relação às medidas de adaptação, destaque-se a construção de uma infraestrutura mais


resiliente, que venha a beneficiar justamente as populações mais vulneráveis. Diante de eventos
naturais extremos, a baixa qualidade da infraestrutura e a ocupação territorial desordenada
serão elementos decisivos para a perda de bens materiais e especialmente de vidas, como bem
ilustrou a recente tragédia em Petrópolis.

Conclusão

A transição para um modelo de desenvolvimento sustentável e equitativo deve envolver a


transição para uma matriz energética limpa, desenvolvimento urbano inteligente (incluindo um
sistema de transporte não motorizado), uso sustentável da terra, inibindo principalmente
queimadas e desmatamento, aproveitamento mais eficiente da água e incentivo à economia
circular. Políticas públicas orientadas para a economia verde – como fim de subsídios aos
combustíveis fósseis e precificação sobre o carbono, incentivo à preservação ambiental e ao
reflorestamento, indução a inovações não poluidoras, campanhas de conscientização públicas,
entre outras – serão fundamentais para viabilizar essa transição.

A despeito disso, persistem uma série de questões fundamentais. Qual deve ser a melhor
combinação de instrumentos de política pública? Qual seria o papel – e eventuais limites – de
soluções de mercado (p. ex. créditos de carbono)? Subsídios necessários para novas tecnologias
não poluidoras são necessários temporariamente para induzir ganhos de escala ou precisam ser
permanentes? Quais os skills necessários para que um trabalhador consiga migrar da “velha”
para a “nova” economia? Quais os desafios específicos da questão climática no Brasil? Como o
BNDES pode contribuir para mitigar a mudança climática e seus efeitos? Um melhor
entendimento sobre essas e outras questões correlatas serão essenciais para o enfrentamento
dos desafios da mudança climática, e serão objeto de discussão em futuras edições do Análise
Econômica AP/DEPEC.

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