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Jogos e Aprendizagem: Uma Anilise do Jogo FEZ para 0 Ensino de Conceitos do Sistema Mongeano Sob a Otica da Génese Instrumental Daniel T. Nipo', David R. S. Gadelha', Mirian F. da Silva’ ‘Departamento de Expresso Grafica — Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Caixa Postal 7851 — 50732-970 — Recife — PE - Brasil niel.nipogufpe.br, @ufpe.br, mirian. @ufpe.br Abstract. Games are surrounded by challenges and rewards, where the user can learn and develop skills. Duly used in the teaching and learning processes, games can enhance creativity and contribute to the development of students, which characterizes Game-Based Learning. Given the potential of games, this article presents an analysis of the digital entertainment game FEZ, analyzed from the perspective of Instrimental Genesis as an educational resource for teaching Mongean System concepts. As a result, we point out similar characteristics berween the Mongean Svstem and design aspects of the FEZ game, which indicates the possibility of using the game as a didactic resource. Keywords— Game Based Learning, Mongean System, Instrumental Genesis Resumo. Jogos so cercados de desafios e recompensas, onde 0 usudrio pode aprender e desenvolver habilidades. Devidamente empregados nos processos de ensino e aprendizagem, os jogos podem potencializar a criatividade e contribuir com o desenvolvimento dos estudantes, 0 que caracteriza a Aprendizagem Baseada em Jogos. Diante do potencial dos jogos, este artigo presenta uma andlise do jogo digital de entretenimento FEZ, anaiisado sob a otica da Génese Instrumental enquanto recurso educacional para o ensino de conceitos do Sistema Mongeano. Como resultados, apontames caracteristicas similares entre o Sistema Mongeano e aspectos de design do jogo FEZ, 0 que indica a possibilidade de instrumentalizacao do jogo como recurso didatico. Palavras-chave— Aprendizagem Baseada em Jogos, Sistema Mongeano, Génese Instrumental 1. Introdugao Qs jogos sto cercados de desafios, objetivos, regras e recompensas onde 0 usudtio aprende € se desenvolve no intuito de aleangar a vitoria [De Carvalho 2015]. Eles oferecem interago com um novo mundo através de experiéncias imersivas ¢ interaga0 com outros jogadores (quando multiplayer). Além de estimularem a experimentagao de diversos tipos de emogdes [Pimentel 2021]. Quando inseridos no processo de ensino ¢ aptendizagem, os jogos - digitais ou analégicos - potencializam a criatividade & motivam o estudante [Savi 2008]. De acordo com os Pariimetros Curriculares Nacionais (PCN), as tecnologias sto uma vantagem na pritica pedagégica, pois despertam o interesse dos estudantes [Brasil 1997]. Portanto, os jogos digitais se mostram como um recurso promissor para engajar os alunos. Cabe ao professor analisar se um jogo tem potencial para ser utilizado como recurso educacional, avaliando se 0 jogo permite que o estudante adquira novos conhecimentos que o prepare para o futuro [Pimentel 2021]. Essa andlise do jogo como recurso educacional, pode ser conduzida, se tomando como aporte a teoria da Génese Instrumental, que evidencia a dialétiea entre artefato © instumento mediada pela apropriagao do sujeito [Rabardel 1995]. Nesse contexto, o presente artigo visa investigar se 0 jogo digital FEZ pode ser utilizado como recurso de apoio na aprendizagem de Geometria Descritiva, trabalhando os conceitos de Sistema Mongeano. A investigago se sustenta na teoria da Génese Instrumental [Rabardel 1995] como aporte teérico para evidenciar as possibilidades de instrumentalizagio do jogo. Apontamos algumas caracteristicas semelhantes entre as mecdnicas e a estética do jogo FEZ, e conceitos do Sistema Mongeano, o que indica as possibilidades de uso do jogo como recurso didético, Esperamos motivar educadores e pesquisadores a olharem para jogos digitais de entretenimento como recursos educacionais em potencial. 2. Aprendizagem Baseada em Jogos As investigagées apontam que jogos, devidamente empregados nos processos de ensino ¢ aprendizagem, contribuem para o desenvolvimento inteleemal dos alunos [Savi 2008). As regras dos jogos ¢ um clemento importante de ser compreendido por desenvolvedores e pesquisadores, pois trazem ordem e conduzem 0 jogador. Enquanto imerso nas regras, a concentragio do jogador & direcionada para a atividade € 0 divertimento proporcionado, ¢ nfo em seus resultados [Kishimoto 1993]. Por isso, jogos so considerados artefatos to importantes quando pensamos no contexto educacional. Hoje, professores ¢ institnigdes tém um olhar mais otimista para essa midia. Quando falamos sobre jogos aplicados na educacao, estamos remontando a Aprendizagem Bascada em Jogos (ABI), que € integrante das Metodologias Ativas de Aprendizagem. Trata-se de uma tendéncia que vem sendo incorporada cada vez mais na educagiio [De Sena 2016]. A Aprendizagem Ativa, coloca o aluno como protagonista de sua aprendizagem. Ele deve fazer mais do que ouvir: deve ler, escrever, discutir com 0 professor ¢ outros alunos, ¢ estar empenhado na resolugiio de problemas [De Carvalho 2015]. Jé a ABI, é uma metodologia focada no desenvolvimento e aplicagiio de jogos no contexto da educagio [De Carvalho 2015]. Nesse sentido, © uso de jogos pode ser explorado através de jogos projetados exclusivamente para a echicagao, onde regras so criadas para abordar contetidos especificos; ou através de jogos de entretenimento, que apresentem potencial de aplicag%o no contexto educacional [Pereira 2019]. A ABI também esta em consonancia com o estilo de aprendizagem dos estudantes das geracées atuais. A mesma, proporciona motivagao por ser divertida, além de ser bastante versétil, podendo ser adaptada a quase todas as disciplinas e habilidades a serem aprendidas, sendo muito eficaz se for corretamente utilizada [De Sena 2016]. Orientada por um professor, a ABI pode transformar uma sala de aula, uma vez que fomenta estratégias de ensino © de aprendizagem, que permitem dotar o aluno de competéneias que cada vez mais so colocadas como fundamentais para 0 século XXI. Dentre essas competéncias, podemos destacar a resolugao de problemas, a interagdo e colaboragaio, a comunicagao, © letramento digital e 0 pensamento eritico [De Carvalho 2015] Diante das evidéncias apontadas, podemos admitir que a exploracio de jogos na educagio é algo vidvel, sejam os jogos educativos, projetados especificamente para este fim, ou jogos de entretenimento, com potencial de uso em abordagens didaticas. 3. Sistema Mongeano Estruturado no final do século XVIII pelo matematico francés Gaspar Monge, o Sistema Mongeano surge como um dos estudos que deu inicio As bases da Geometria Descritiva O método desenvolvido por Monge, s6 teve autorizagtio de ser publicado em 1794, pois o mesmo era mantido como segredo militar. Sua publicagao revolucionou a Engenharia Militar ¢ © Desenho Técnico [Cruz 2012]. Seus estudos resultaram no surgimento das primeiras téenicas de representagdes gréficas que desenvolveram os Sistemas de Representacio [Cruz 2012], [Neves Rinior 2018]. O Sistema Mongeano, que é um dos estudos pertencentes aos Sistemas de Representagio, tem como propésito fundamental a capacidade de representar desenhos de objetos que posstem uma forma tridimensional, em um plano de duas dimensdes. A representagio de um objeto se daré através das snas vistas, por meio das suas projegdes ortogonais [Neves Ninior 2018]. Para obter as vistas deste objeto, € necessério a utilizagto de pelo menos dois planos que manterdo uma relagao de perpendicularismo entre si, Figura 1, Um plano na vertical (771) ¢ © outro na horizontal (72). Estes planos dividirto © espago em quatro éteas principais que denominamos como diedros, e a interseeo desses planos € denominada de linha de tera [Cruz 2012}. O objeto estar posicionado entre esses planos. Através de linhas projetantes, que sempre mantergo uma relago de perpendicularismo em relagao aos planos, € de paralelismo entre si, as informagdes desse objeto sto projetadas sobre os planos, gerando a stia representagao. Figura 1 - Planos de Projecao E feito entio um rebatimento entre estes planos, obtendo assim o que se chama de épura, Figura 2. O plano vertical projetante, ira mostrar © comprimento ¢ a altura do objeto, ¢ o plano horizontal projetante mostraré o seu comprimento e largura [Costa 1996], [Neves Jtinior 2018]; possibilitando assim, a representagao de um objeto de tres dimensdes em wm espago bidimensional [Cruz 2012]. 5 \ Figura 2 - Rebatimento dos planos de projecdo, Epura do objeto Também € possivel obter as demais vistas do objeto por meio de outros planos de projegio, posicionados de forma a envolver o objeto como em uma eaixa, 0 que denomina-se de ortoedro envolvente, Figura 3 [Neves tinior 2018] Figura 3 - Ortoedro Envolvente Os planos do ortoedro envolvente sfo rebatidos, obtendo a épura que apresentaré as seis vistas do objeto em um tinico plano, Figura 4. As vistas obtidas sto denominadas por vista: frontal (F), superior (S), lateral esquerda (LE), lateral direita (LD), posterior (P) ¢ inferior (). No desenho das projegdes das vistas de uma pega, nfo ha a necessidade de representar as arestas do ortoedro, e nem a deserigfo das vistas. Porém, é necessério que as vistas mantenham uma posicfo relativa entre elas; estejam alinhadas entre si; e devam possuir ta mesma distancia entre elas [Neves Kinior 2018] Bs \ [] Figura 4 - Rebatimento de Planos, Epuras (Vistas da Peca) O estudo das vistas ortogrétficas, o Sistema Mongeano, esté presente em diversas Areas do conhecimento; como nas Engenbarias, na Arquitetura, no Design, assim como também pode ser encontrado em outros Ingares, a exemplo, nos jogos digitais. 4. Génese Instrumental Génese Instrumental € um conjunto de fatos ¢ elementos que se interagem na dialética entre artefato e instrumento, visando os processos que se constroem nesta relagfo. Inicialmente, © sujeito interage com o artefato, conhecendo suas caracteristicas ¢ funcionalidades. Apés apropriagtio do artefato e suas funcionalidades, 0 sujeito desenvolve padrdes (esquemas) de utilizacao, de modo a transformar o artefato em instramento. Assim, © sujcito incorpora o instrament, modelando de acordo com sta pritica. Este procedimento é chamado de instrumentagao [Rabardel 1995]. Para entender o processo de Génese Instrumental, se faz necessério entender a diferenga entre artefato e instrumento. O artefato [Rabardel 1995], consiste em objetos téenicos, sistemas, méquinas, objetos simbélicos ou material, ou parte de wm artefato mais complexo. Jé o instrumento, é definido como uma entidade mista, onde inclui o artefato ou parte de um, on até mesmo um conjunto de artefatos, somados aos esquemas de utilizag&o. A relagio entre 0 sujeito € o objeto gera o instrumento (entidade mista), sendo wma construgto individual da qual ele se transforma em mensageiro de sentidos variados para o sujeito. Essa relagaio busca incorporar caracteristicas do artefato com as atividades do sujeito através de dois processos: instrumentagio ¢ instrumentalizagao. No primeiro, o sujeito deve desenvolver emergencialmente padrées de utilizagio do objeto. ‘Deste modo, a instrumentagao se relaciona na direeao interna do proprio sujeito; no segundo, se deve ao reconhecimento que o sujeito far com relagiio & evolugio e a0 momento critico dos distintos componentes do artefato, onde se reconhece progressivamente as potencialidades ¢ as limitagdes. Ou seja, este processo segue uma diregao externa ao sujeito, logo no artefato [Rabardel 1995]. Desta maneira, a Génese Instrumental depende do proceso de apropriagto do artefato, de seu uso, ¢ do valor funcional que ser agregado a ele, de modo que 0 avango na wtilizagao dos esquemas vém do uso do artefatos pelo sujeito nas tarefas [Bitar 2011]. Segundo o autor, a Teoria da Génese Instrumental, se trata de wm proceso longo e de dificil concepgfo e ascenstio do crescimento instrumental, Esta baseado na diferenca estabelecida entre o instrumento © © artefato, bem como no processo de transformagae onde 0 artefato se tora 0 instrumento [Rabardel 1995). Os processos de instrumentalizacio e instrumentac&o, compdem partes inseparaveis da Génese Instrumental ¢ se orientam do sujeito para 0 objeto e do objeto pata © stijeito, respectivamente, € nai permanecem estéticos, podendo o objeto ¢ o instrumento mudarem de fungao [Salazar 2009]. Esses processos, admitem a compreensio das relacdes dos estudantes com as ferramentas tecnolégicas. Neste estudo especifico, significa entender a relagao entre o estudante e o jogo sobre o ponto de vista da Geometria. De acordo com a teoria da Géneses Instrumental de Rabardel [Rabardel 1995], nao basta incluir 0 sujeito em atividades que wtilizam a ferramenta tecnolégica (artefato) ~ neste caso o jogo FEZ - porque o processo que ele vai utilizar para tansformar o FEZ em instrumento é tio importante quanto a incluso do artefato. Essa teoria nos aparelha de elementos adequados para investigar o aprendizado utilizando ferramentas tecnolégicas. Ela traz elementos capazes de sustentar estucos da relagio entre 0 estudante © 0 objeto/artefato, sendo neste artigo, o jogo FEZ 0 objeto tecnoldgico digital. 5. O Jogo FEZ Langado no dia 13 de Abril de 2012, idealizado ¢ desenhado por Philippe Poisson, © jogo FEZ conta a histéria do personagem Gomez, uma criatura bidimensional (2D), que se depara com a existéncia misteriosa de uma terceira dimensio, e € enviado em uma jomada repleta de desafios e obsticulos. O jogador entdo, € capaz de rotacionar 0 cenfrio do game, de forma a obter quatro perspectivas distintas em duas dimensdes, possibilitando a movimentagao do personagem pelo mundo do jogo. Disponivel nas plataformas Xbox 360, Microsoft Windows, Linux, OS X, PlayStation 3, PlayStation 4 e PlayStation Vita, o FEZ € wm jogo eletronico de classificagio livre para todas as idades. O game foi indicado em 2012 como o melhor jogo independemte eo melhor jogo por download na VXG, e em 2013 na categoria BAFTA Video Games Award: inovagio. 3.1 Uma Anilise do Jogo FEZ para o Ensino de Sistema Mongeano Para que possamos avaliar potencial de instrumentalizagao do jogo FEZ como recurso didético - direcionado ao ensino de conceitos relacionados a geometria - antes se faz necesséria uma breve contextualizagao sobre as caracteristicas téenicas do jogo enquanto artefato. O desenvolvimento de um jogo digital vem de um processo multidisciplinar, que abarca diversas areas do conhecimento. Jesse Schell apresenta wm. esqutema que auxilia na descrigdo e compreensio das partes elementares de wm jogo: a Tétrade Elementar, que divide 0 jogo em quatro partes constituintes. So elas: estética, mecénica, narrativa e tecnologia [Schell 2008] E importante destacar que a instrumentalizagio de um artefato para a pritica docente ¢ finto da apropriagao do individuo sobre cle, que interage com 0 artefato para conhecer ¢ identificar como aplicar stias caracteristicas em uma determinada situagao. A este processo, se atribui a denominagao de instrumentalizagao [Da Silva 2018]. Uma vez apropriado do artefato, o sujeito elabora seus proprios esquemas de uso, integrando € modelando o instrument de acordo com suas experiéneias [Da Silva 2018]. Por se tratar de um proceso intimo das experiéncias do sujeito, é importante salientar que as possibilidades de instrumentalizacio a seguir, sio fundamentadas no reflexo das experiéncias ¢ vivéncias dos autores do presente trabalho, adquiridas a0 longo do tempo, assim como nos embasamentos cientificos da Aprendizagem Basenda em Jogos, da Geometria ¢ do Sistema Mongeano, ¢ da Teoria da Génese Instrumental. A narrativa do jogo, que coloca uma histéria de fundo para contextualizar os eventos para o jogador [Schell 2008], ja constréi um primeiro didlogo com elementos e propriedades da Geometria que estarfo presentes na mecAnica, bem como na estética. A estética © a mecanica, so elementos fundamentais no jogo FEZ para contemplarmos nosso objeto de investigacio, pois é através deles que so demonstradas algumas das propricdades geométricas presentes no Sistema de Representagao Mongeano. A estética se refere a tudo que vemos no jogo: as artes ¢ artefatos usados, as cores, e até os sons sfo considerados como elementos dela [Schell 2008]. 4 a mecanica, so os conjuntos de regras que regem 0 jogo, determinam quais os desafios ¢ recompensas do jogo, bem ‘como de que forma o jogador vai poder seguir sua jornada (Schell 2008]. No primeiro contato com © jogo FEZ, se tem a impressio de que ele € um clfssico jogo de plataforma bidimensional, mas a mecdnica principal de jogabilidade esta centrada na habilidade de rotacionar o ambiente em 90°. Desse modo, percebemos que todos os cenirios do jogo posstem quatro vistas, que também encontramos no Sistema Mongeano [Cruz 2012]. Sao elas: frontal, lateral esquerda, lateral dizeita e posterior. O jogador precisa entender como os elementos sio observados de acordo com a vista amual, e como eles se comportam quando as vistas sfo trocadas. No jogo FEZ, nao temos elementos de cendrio posicionados de forma obliqua em relagio aos planos de projegio das vistas, conforme pode ser observado na captura de tela abaixo, Figura 5. Em outras palavras, nfo temos planos ou linhas inclinadas, que se desviam tanto do paralelismo ‘quanto da perpendicularidade [Cruz 2012 VISTA LATERAL DIREITA VISTA FRONTAL Figura 5 - Disposieao dos Pontos nas Vistas Frontal e Lateral Direita Isso significa que, a depender do plano de projeeo, os elementos de jogo serio exibidos em vista bisica, onde so observados planos reduzidos a linhas e linhas reduzidas a pontos; ou em verdadeira grandeza, quando observamos as medidas reais de linhas © planos [Cruz 2012]. Essas caracteristicas evidenciadas no jogo FEZ, que estao relacionadas & Geometia, podem ser usados por professores na instrumentalizacao deste artefato. Se faz necessario apenas que 0 docente se aproprie dos recursos, ¢ elabore wm esquema de uso no meio educacional que explore adequadamente as funcionalidades do jogo [Da Silva 2018]. A abordagem da instrumentalizagao, parte da premissa de que una ferramenta no é, por si s6, um instrumento eficaz. Para cumprir esse objetivo se faz necessdrio que a ferramenta passe pelo processo assim dito Génese Instrumental, se tomando significativa na aprendizagem, para sé ent@o receber a denominagao de instrumento [Neves 2020]. Uma das primeiras possibilidades de instrumentalizagao do jogo que podem ser contempladas, & enquanto recurso para o desenvolvimento da visto espacial do jogador. Compreender como os elementos se comportam no jogo FEZ, em wm ambiente hora bidimensional, hora tridimensional; identificar onde eles esto localizados no espac reconhecer as dimensdes dos objetos, so algumas das habilidades fundamentais para se ter propresso. O jogo da a oportunidade do jogador desenvolver sua percepeao partindo de fases simples no comego, mas que vao se tornando cada vez mais complexas. A visio espacial, bem como as habilidades descritas acima, sto importantes para se compreender representagdes no Sistema Mongeano, pois se trata de um sistema com o propésito de representar as vistas de objetos tridimensionais em superficies bidimensionais, reconhecendo as dimensdes dos objetos ¢ stias partes ¢ onde eles esto localizados no espaco (Neves Rinior 2018). Outra abordagem de instrumentalizagao do jogo, essa ainda mais atrelada aos conhecimentos de Sistema Mongeano, pode ser elaborada com base na maneira como elementos sao representados nas diferentes vistas dos ambientes. Essas vistas, como dito anteriormente, podem ser trocadas pelo jogador a qualquer momento, revelando assim detalhes € passagens que antes nfo poderiam set vistos por limitagdes de cada vista. Ao representar um objeto no Sistema Mongeano, necessitamos de ao menos trés vistas denominadas de vistas basicas [Neves Jtinior 2018]. O objetivo das vistas consiste em representar todos os detalhes do objeto. Na Figura 5, podemos observar algumas das propriedades geométricas do Sistema Mongeano em agio no jogo FEZ. Nela temos duas capturas de tela, sendo wma na visto frontal, ¢ outra na visio lateral direita. Na captura da direita, que representa a vista frontal, temos dois planos, P1 ¢ P2, que correspondem respectivamente & parede de uma casa (A, B, C, D), ¢ uma porta fechada mais acima (E, F, G, H). Na representacao da vista frontal, conseguimos ver esses planos em verdadeira grandeza, pois eles se encontram paralelos ao plano de projeciio, que nesse caso é a tela do jogador. Mas, ao ‘observarmos esses mesmos planos na vista lateral direita, vemos apenas linhas, e temos a impressdo que eles deixaram de existir, mas na realidade eles continuam existindo, 0 que mnda é a visto do observador sobre eles. Na vista lateral, os pontos A e B esto ‘ocupando @ mesma posigao. A mesma relago vale para os pontos Ce D, Ee F,e Ge Esses pontos relacionados, ao estarem juntos, nao significa que eles esto ocupando o mesmo lugar no espago, € sim que est4o representados de forma bidimensional na mesma posi¢do, na vista lateral esquerda. Ao relacionarmos as duas vistas do ambiente, através das linhas de chamada que relacionam os pontos, € possivel compreender a mudanga da vista bidimensional dos planos quando o ambiente é rotacionado. ‘Compreender isso é importante para consolidar que em cada vista teremos informagées diferentes do ceniio, assim como preconiza o Sistema Mongeano [Neves Kinior 2018] Figura 6 - Vistas: Lateral Direita, Frontal, Lateral Esquerda e Posterior Na Figura 6, temos outras situagdes que reforgam as similaridades com os conceitos do Sistema Mongeano. Temos quatro vistas de uma pequena sala: lateral diteita, frontal, lateral esquerda e posterior; e alguns elementos que foram colocados em destague: quadro vermelho, quadro verde ¢ porta amarela. Semelhante ao que foi deserito na situagao anterior, aqui temos alguns objetos em verdadeira grandeza e outros em vista basica, a depender da vista em questao. Na vista frontal, temos 0 quadro vermelho ¢ a porta amarela representados em verdadeira grandeza; e 0 quadro verde reduzido a uma linha em vista bésica na parede esquerda, No entanto, se observarmos a representagio da porta amarela ¢ 0 quadro vermelho na vista posterior - que € oposta & vista frontal - os objetos nto podem ser observados pelo jogador. © desenho em linha uacejada na vista posterior, mostra onde eles esto posicionados na vista frontal. Essa regra do jogo dialoga com outra caracteristica do Sistema Mongeano, referente as vistas que oferecem diferentes informagdes do objeto de acordo com a posigfo [Cruz 2012] 7. Conclusio Como pudemos observar, alguns jogos de entretenimento também podem apresentar caracteristicas interessantes para 0 contexto edueacional. Entretanto, esses jogos que no foram projetados para fins educacionais, como € 0 caso do jogo FEZ, demandam que sejam pensados esquemas de uso que relacionem a Area do conhecimento que sé deseja ensinar - nesse caso, 0 Sistema Mongeano - com os elementos de jogo relacionados ao contetido. Assim a teoria da Génese Instrumental se coloca como uma alternativa vidvel de concepgao desses esquemas. Para ser bem sucedido no jogo FEZ, o usuario precisa de visto espacial agueada, a fim de entender qual sera a forma ¢ disposigao dos objetos tridimensionais representados no plano, ou seja, em duas dimensdes - caracteristicas pertencentes a Geometria Descritiva, € a0 Sistema Mongeano. Deste modo, o jogador lida com esses conceitos de maneira empolgante, tornando o aprendizado dinamico e divertido, que cottesponde ao perfil de aprendizagem da atual geragao. As earacteristicas do jogo FEZ, apés apropriadas pelos professores, podem ser instrumentalizadas e esquematizadas a fim de serem utilizadas como recurso educacional. Através da anélise realizada neste artigo, fundamentada na ABJ [De Sena 2016], bem como pela teoria da Génese Instrumental [Rabardel 1995], podemos afirmar que é possivel aprender conceitos do Sistema Mongeano através da instrumentalizagio do jogo FEZ. Essa afirmagao ¢ sustentada tendo em vista as caracteristicas andlogas entre os conceitos do Sistema Mongeano ¢ os elementos de design do jogo, deseritas na presente pesquisa A proposta de instrumentalizagao apresentada neste trabalho, € fiuto das concepgdes € experiéncias dos pesquisadores Daniel Nipo, David Gadelha ¢ Mirian da Silva. Em trabalhos futuros, esperamos validar a efetividade da instrumentalizagao do jogo FEZ, através de testes com usuérios e da coleta de dados. Também desejamos investigar outras perspectivas de instrumentalizago para o jogo, analisando as experiéncias de outros professores. Esperamos que essas contribuigdes possam estimular professores ¢ pesquisadores a incorporarem jogos em suas priticas docentes, compreendendo que nfo apenas jogos educacionais sio provides desse potencial. Referéncias Bittar, M. (2011). A abordagem instrumental para o estudo da integragio da tecnologia na pratica pedagégica do professor de matemética. Educar em revista, 157-171. Brasil. (1997) Ministério da Educagio © do Desporto: Parametros Curriculares Nacionais: Introdugfo. Ensino de quinta a oitava série. Brasilia: Ministério da Educagao, Costa, M. D., & Costa, A. P. A. V. (1996). Geometria Grafica Tridimensional: Sistemas de Representagio. v1. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco. Cez, D. C., & Do Amaral, L. G. H. (2012). Apostila de Geometria Deseritiva. Barreiras, De Carvalho, C. V. (2015). 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