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y-—- COLECAO POLEMICAS DO NOSSO TEMPO __ CONVERSAS COM QUEM GOSTA DE ENSINAR Rube Alves DEMOCRACTA, VIOLENCIA E DIREITOS HUMANOS. ‘Too Benedito de Azevedo Marques © SABER E 0 PODER NA UNIVERSIDADE, | ‘Antonio Muntz de Rezende A IMPORTANCIA DO ATO DE LER ‘Paulo Free ESCOLA E DEMOCRACIA Dermeval Saviant DESENVOLVIMENTO B EDUCAGAO NA AMERICA LATINA Saviani, Rama, Lamarra, Aguarzondo e Weinberg IDEOLOGIA No LIVRO pIDATICO Ana Leia Goulart de Faria LICOES DO PRINCIPE £ OUTRAS LIGOES Neldson Rodrigues ESTORIAS DE QUEM GOSTA DE ENSINAR Rubem Alves ENSINO PUBLICO E ALGUMAS FaLAS. SOBRE UNIVERSIDADE. Dermeval Saviani CRISE E PODER Rueardo Antunes ENSINO NOTURNO Célia Pezzolo de Carvalho EDUCAGAO, ECONOMIA E ESTADO ‘Martin Carnoy DIREITO F DEMOCRACIA Joao Benedito de Azevedo Marques DIALETICA DO AMOR PATERNO ‘Moacir Gadott) EDUCACAO E TRANSICAO DEMOCRATICA Varios attores REFLEXOES SOBRE ALFARETIZACAO Enulia Ferreiro SSR < E DEMOCRACIA « Teorias da Educacdo * Curvatura da vara df * Onze teses sobre educagdo e politica ay COLECAO POLEMICAS DO NOSSO TEMPO. . a. . lvitline +9 Cougs Dermeval Saviani MY 4 i COLECAO polémicas do nosso tempo ESCOLA E DEMOCRACIA * teorias de educagdo * curvatura da vara * onze teses sobre educagao e politica 14° EDICAO | eZ Eprrora — Se asabligEEE © rsuetbe: Baivoral “9 Joeqvim Severine, Casemiro dos Reis Fitho, Detmeval Svioni, Galberta 8, de Martisho Janmuzzi, Joel Martins, Mauricio siberg, Moncir Gadott, Miguel de'La Puente, Milton de '¢ Walter B. Garcia. fo Edicoral: Tose Garcia Filho Capa. “Teconimo de Oliveira Revistas Vilgon F. Ramos Snersiste Eiltorlal: Antonio de Paulo Silva Composiedo: Linotipadora Tustiniano Nenhoma parte desin_obta pode set reproduride ou duplicada ‘ei = autorizagio expreata do autor e dos editores. ‘Copyright @ do antor Dietos para esta od ‘CORTE? EDITORA / AUTORES ASSOCIADOS Rup Bastia, 387 — Tel: (O11) 8640111 Setembro de 1986 cine AK AUO. SUMARIO APRESENTACIO . AS TEORIAS DA EDUCAGKO E © PROBLEMA DA MARGI- NALIDADE 60 6ecceeeceseeeeeeeee @ © problema . As teorias nfo-criticas |... ‘© As teories critico-reprodutivistas.. © Para uma teoria critica da educagdo © Post-scriptum . eeevenet ESCOLA B DEMOCRACTA I — A TEORIA DA CURVATURA DA VARA 7 : © © homem livre... © A mudanca de interesses te @ A falsa crenca da escola nove |... © Ensino no 6 pesquisa... © A escola nova néo 6 democritica . | © Escola nova: a hegemonia da classe dominante ESCOLA E DEMOCRACIA IT — PARA ALEM DA TRORIA DA CURVATURA DA VARA, © Pedagogia nova ¢ pedagogia da existéncia .... © Para além das pedagogias da esséncia ¢ da existéncia : © Para além dos métodos novos e tradicionais © Pora além da rela¢o autoritéria ow democrat na sala de aula... : © Conclusio: a contribuigaio do professor Onze TESeS soDRE eDUCACKO B POLITICA BIBLIOGRAFIA GERAL ‘can Cotetoreydoma Pubic ‘Camere Beaese de Liv, SP ote Eno « comocamis letae do edict, cuore ‘jy tons aches adeayis e poltea / Denes Sever. Finke acon Autoren Avscitaon, 306, Teale nis do mms fs 1, pudenminago oueagbe) 2 ElucagSa “Pench 4 Petaia 8 Pollen edoeagoo Te Ta » * Indie pore ctilogs ratemtn: 2, Buco: Tete 970107. « 16) 2 Elven « domscos 2701800017) 7018 084 4 faaraeae opie 379 07 878201 (13) { Eaeng 670 7-18) 5 Podagone 37 © 18) 8 Polar nist nr etason 3797 $7201 183 238 2. ins YW. 18 constos 0 2, rao, APRESENTACAO Fste pequeno livro foi organizado da seguinte maneira: © primeiro texto reproduz 0 artigo “As teorias da educe- efo eo problema da marginalidade na América Latina” publicado otiginalmente em Cadernos de Pesquisa, n.° 42, agosto/82, da Fundaco Carlos Chagas. Os textos seguintes, Escola © Democracia (1) @ Escola Democracia (I) reproduzem, respectivamente, os artigos “Escola ¢ democracia ou a ‘teoria da curvatura da vara’ ”, ANDE, 1981 ¢ “Escola e democracia: para além da ‘teo- ria da curvatura da vara”, ANDE, 1982 0 tiltimo texto, Onze teses sobre Edueagio e Politica, foi escrito especialmente para integrar a presente publicacéo. Seu objetivo € encaminhar, de modo explicito, a discussio das relacdes entre educacio € politica jé que af reside a questo central que attavessa de ponta a ponta o contetido deste ivto, Dada a estreita conexio entre os artigos acima menciona- dos, tem havido uma tendéncia a estudé-los conjunta- mente © que, entretanto, tem sido obstado pelas dificul dades em enconteéclos disponiveis nas livrarias. A decisio de reuni-los numa mesma publicagio atende, assim, & solicitacao de diversos leitores no sentido de contornar aquclas dificuldades. Esperamos que este livro, a exemplo dos artigos que Ihe deram oigem, continue a auxiliar ptofessores ¢ alunos na 5 sesce de uma compreensio mais sistemética e critica das nves tearias da educacao. Finalmente, aproveitannios a opottunidade para agradecer a Cadernos de Pesquisa, Revista de estudos ¢ pesquisas em Educagio da Fundacio Carlos Chagas ¢ ANDE, Revista a Associagio Nacional de Educagdo pela anuéncia & incluso dos artigos na presente obra. ‘Sio Paulo, setembro de 1983. ‘DERMEVAL SAVIANI AS TEORIAS DA EDUCACAO E O PROBLEMA DA MARGINALIDADE O PROBLEMA’ De acordo com estimativas relativas a 1970, “cerca de 50% dos alunos das escolas primérias desettavam em condigées de semianalfabetismo ou de analfabetismo po- tencial na maioria dos paises da América Latina”. Isto sem se levar em conta o contingente de criangas em idade escolar que sequer tém acesso & escola ¢ que, portanto, 44 se encontram @ priori marginalizadas dela, © simples dado acima indicado tanca de imediato em nossos rostos a realidade da marginalidade relativamente ao fenémeno da escolarizacéo. Como interpreter esse ‘ado? Como explicé-lo? Como as teorias da educagio se posicionam diante dessa situacdo? Grosso modo, potlemos dizer que, no que diz respeito & questo da marginalidade, as teotias educacionais podem ser classificadas em dois: grupos. Num primeito grupo, temos aquelas teotias que entendem ser @ educagéo um’ instrumento de equalizacéo social, portanto, de superacdo da marginalidade, ‘Num segundo grupo, esto as teorias que entendem ser a educagio um instramento de diseriminacao social, logo, um fator de marginalizacio. 1, Tedesco, 1981, p, 67. sbe-se Facilmente que ambos os grupos explicam § gueseio la marginalidade @ partir de determinada ma- vseza de entender as relagdes entre educacio ¢ sociedade, Assim, para 0 primeito grupo 'a sociedade & concebida © essencialmente harmoniosa, tendendo & integragao embros. A. marginalidade é, pois, um fenémeno ‘ental que afete individtialmente a um ‘nimero maior ou menor de seus membros 0 que, no entanto, constitul wm desvio, uma distoreo que no s6 pode como deve ¥ corrigida. A educaclo emerge ai, como um instrimen- fo de correcto dessas distorcoes. Constitul, pois, uma forca homogeneizadora que tem por fungdo reforcar os lagos sociais, promover a coesto ¢ garantir a integragio de todos os individuos no corpo social. Sua fungio eoinc! de, pois, no limite, com a superagio do fendmeno. da marginalidade. Enguanto esta ainda existe, devem se inten- siticar os esforgos educativos; quando for superada, cum- pre manter os servigos echicativos num nivel pelo menos suficiente para impedir 0 reaparecimento do problema da marginalidade. Coma se vé, no que respeita as relacdes entre educagao € sociedade, concebe-se a educagéo com uma ampla margem de aitonomia em face da sociedade. Tanto que the cabe um papel decisivo na conformagao da Sociedade evitando sua desagregacio e, mais do que 130, garantindo a construcdo de uma sociedade igualitaria Ja o segundo grupa de teorias concebe a sociedade como Sendo essencialmente marcada pela divisio entre grupos ou classes antag6nicos que se relacionam & base da forga, 4 qual se manifesta fundamentolmente nas condicdes de produgao da vide material. Nesse quadro, a marginatidade € entendida como um fendmeno inerente A propria. estra- tura da sociedad. Isto porque 0 grupo ou classe que etm maior forca se converte em dominante se apro- priando dos resultados da produga0 social. tendendo, em consegiléncia, a relegar os demais @ condigio de margi- nalizados, Nesse contexto, a educacio é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de ‘marginalidade, cumprindo af a fungio de reforgar a domi- i 8 ae | ‘eedo © legitimar a marginalizagao, Nesse sentido, a edu- cacao, longe de ser um instramento de superacio da mar~ sinalidade, se converte num fator de marginalizacéo. jd gue sua forma especitica de reproducit a marginalidade social € @ produgdo da matginalidade cultural e, especifi- camente, escolar. ‘Tomando como critétio de criticidade a percepcto dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do. pri reico grupo de “teotias ndo-criticas” jd que encaram a edueagio como auténoma e buscam compreendé-la a partir dela mesma, Inversamente, aquelas do segundo grupo s80 criticas uma vez que se eipenham em compreender a educagio remetendo-a sempre a seus condicionantes obje- Uivos, isto é, aos determinantes sociais, vale dizer, & struc ‘ara sGcio-econémiea que condiciona a forma de mani. festagao do fenémeno educativo. Como, porém, entendem ve a fungio. bisica da educacio € a reproducho da wiedade, setdo por mim denominadas de “teorias cr -reprodutivistas”. AS TEORIAS NAO-CRITICAS ‘A PEDAGOGIA TRADICIONAL A constituigio dos chamados “sistemas nacionais de ensi- no” date do inicios do. século passado. Sua organizacto vou-se no principio de que a educacio & diteito de 's ¢ dever do Estado, © direito de todos & sducacto '1 do tipo de sociedade correspondente aos inte ses da mova classe que se consolidara no poder: @ aeguesia. Tratava-se, pois, de construit uma sociedade critica, de consolidar a democracie burguesa, Para 1 sitdiagfio de opressdo, prépria do “Antigo Regi © ascender a.um tipo de sociedade fundada no 9 social celebrado.“livremente” entre os indivi: era necessétio vencer a barreira da ignorfincia, 86 serispossivel transformar os stiditos em cidaddos, cm individuos fivtes porque esclarecidos, itustra- Como realizar essa tarefa? Através do ensino. A. escola € etigida, pois, no grande instrumento para conver: er os stitos em cidadios, “redimindo os homens de sea duplo pecado_histérico: & lgnorfneia, miséria moral e a opressio, mbséria. poli Nesse quadro, a causa da marginalidade € identifienda com & ignorancia. ¥ marginalizado’ da nova sociedade quem néo € esclarecido, A escola surge como um antidote & ignordncia, logo, um instrumento para equacionar 0 roblema da marginalidade. Seu papel ¢ difundir a instru- fo, transmitir os conhecimentos acumulados pela huma- nidade e sistematizados logicamente. © mestre-escola seré © artifice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como uma agéncia entrada no professor, o qual transmaite, segundo uma gradagio légica, 0 acervo cultural aos alu: nos. A estes cabe assimilar os combegimentos que lhes so transmitidos A teotia pedagégica acima indicada correspondia determi- nada maneita de organizar a escola. Como as iniciativas cabiam ao professor, 0 essencial era contar com um pro- fessor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eran organizadas na forma de classes, cada uma contando com um professor que expuntia as Tigées que os alunos seguiam atentamente ¢ aplicava os exercicios gue os alu- nos deveriam realizar disciplinadamente. smo dos primeiros tempos suscitade pelo tipo acima desctito de forma simplificada, sucedeu progtessivamente uma crescente decepgfo. A referida es- cola, além de nfo conseguir realizar sew desiderato de universalizacéo (nem todos nela ingressavam e mesinio os que ingressavam nem sempre eram bem sucedidos) ainde 2 Zanoti, 1972, p. 22-28 bene teve de eurvar-se ante 0 fato de que nom todos os bem sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar, Comegaram, entio, a se avolumar as ctfticas essa teoria da educacto e a essa escola que passa a ser chamada de escola tradicional. A PEDAGOGIA NOVA As criticas & pedagogia tradicional formuladas a partir do inal do séeulo passado foram, aos poucos, dando origem uma outra teoria da educagao, Esta teotia mantinha a erga no poder da escola ¢ em sua funcio de equalizacio social, Portanto, a8 esperancas de que se pudesse corrigit distoreao expressa no fendmeno da marginalidade, atra- dia escola, ficaram de pé. Sea escola no vinha cum: 0 essa fungfo, tal fato se devia a que o tipo de escola nplantado — a escola tradicional — se revelara inade- vado. Toma corpo, entéo, um amplo movimento de re- na cuja expresso mais tipica ficou conhecida sob 0 ne de “escolanovismo”. Tal movimento tem como nto de partida a escola tradicional j4 implantada se- Giretrizes consubstanciadas na teoria da educa- icou conhecida. como pedagogia tcadicional. A ogia nova comega, pois, por efetuar a critica da a ttadicional, esbocando uma nova maneira de ar a educaeao e ensaiando implanté-ta, primeiro, ‘Vé-se, pois, que reforgamento da violéncia material se «dé pela sua conversio ao plano simbélico onde se produz e reproduz 0 reconhecimento da dominacio e de sua legitimidade pelo desconhecimento (dissimulagio) de seu cariter de violtncia explicita, Assim, a violencia material (dominacdo econdmica) exercida pelos grupos ou classes dominantes sobre 08 grupos ou classes dominados corres- ponde a violéncia simbdlica (dominagio cultural) A violencia simbélica se manifesta de miltiplas. formes: a formacio da opinido pablica através dos meios de comu- nicagio ‘de massa, jomals etc; a pregacio religicsa; a atividade artistiea e literéria; a propaganda ¢ a moda; a educacéo familiar etc, No entanto, na obra em questéo, © objetivo de Bourdiew e Passcron é a agio pedagégica ‘institucionalizada, isto 6, 0 sistema escolar. Daf, 0 subti- tulo da obra: “elementos para uma teoria do sistema de ensino”. Para isso, partindo, como jf disse, da te eral da violéncia simbética, buscam explicitar a agio 5, Bourdieu-Pasteron, 1975, p. 19. 22 pedagégica (AP) como imposicdo arbiteéria da cultura ‘ambém arbitréria) dos grupos ot classes dominantes aos srupos ou classes dominados. Essa imposicao, para se xercer, implica necessariamente a autoridade pedagégica AUP}, isto é um “poder arbittéric de imposisio que, s6 pelo fato de ser descombecido como ta, se enconiea objetivamente rec0- necida como antoridade legtima”.6 A referida agio pedagégica (AP) que se exerce através Go autoridade pedagdgica (AuP) se realiza através do Trabalho Pedagégico (TP) entendido “como trabalho de inculeagdo que deve durar o bastante pare produzit uma formacto durivel; isto 6, am habitus como produto da inteioriaagio dos prineipios de um arbitrario cultural capax de perpetuar-se ap6s a cessacio fia ago pedegégien (AP) © por isto de perpetiar nas Préticas os prinefpios do. arbitrétio inteiorizado".t a a compresnsiio do sistema de ensino ¢ de funda- nental importincia a distingdo entre trabalho pedagégico (TP) primério (educagao familiar) e trabalho pedagégico secundétio, cuja forma institucionalizada & 0 trabalho escolar (TE). Como os autores indicam no “escolio” da xoposigao 1 “veservou-se 2 seu momento Wégico (oroposigoes de arau 4) a expecificagio. das formas ¢ dos efeitos de uma ‘Aco Pedagigiea (AP) que se exerce no quadto de. una insituipfo escolar; & somente na uktima proposigéo (4.3.) gue se encontra caracterizada expressameste 3 AP esco- Jar que veproduz a caltura dominante, coniribuindo desse iodo para reproduzit a estraniva das relapses de forsa, numa focmaglo social onde 9 sisiema de ensino domi hrante tende assegirar-se do monopétio da violencia simbalica Testi 6, Thidem, Proposigo 2.1, p. 27 7. Thiden, Proposigao 3, p. 44 & Thidom, p. 20-21, 23 ‘A proposicio 4.3 sintetiza, pois, de modo exaustivo, 0 Conjunto da teoria do sistema de ensino enquanto violén- cia simbélica. Vale a pena, entdo, apesar de sua extensio, ttranscrevé-la integralmente: “Numa formaglo social determinada, 9 SE dominante pode constiuir 0 TP dominante como TE semn que os ‘que 0 exetcem como os que a ele se submetem costem de desconhecer sua dependéncia relativa 8 rolagien de forga constitutivas da formagéo social em que cle. se ‘exetee, porque ele ptodz e reprosiur, pelos melos 9i6- prios da instituisio, as condicdes nevessirias a0. exer- sfclo de sua fungao interna de inenleagéo, que sio a0 ‘mesmo tempo as condigoes suticientat da vealizagio. de sua fungio externa de reprodugéo de culture Iegtima ¢ slo sua contribuigio correlativa a reprodusio das relagGes Se forga; e poraus, <6 pelo falo de que existe © sub- file como insttuicko, ele implica as condigaes instita- sionals do desconhecimento da. violéncia simbélica que ‘exeree, isto, porque of meine inetiticionals dos quis fispe cnquanto institmicfo relativamente aul6aoma, detentora do monopélio do exercicio legitimo da vio- lencia simbéticn, est40 predispostos a servir também, 20 4 aparéncia da’ neutralidade, os grupos ow classes dos uals ele reproduz o arbitrério cultural (dependéocia vela independéncio)," © Portanto, a teoria ndo deixa margom a dividas. A fungdo dia educicko 6 a de reproducio das desigualdades socias. Pela reproducio cultural, ela conitibui especificamente para a reprodugio social. Como interpretar, nese quadro, 0 fenémeno da margina- lidade? De acordo com essa teoria, marginalizados so os grupos ou classes dominacos. Marginalizados socialmente porque nfo possem forga material (capital econémico) mar- ginalizados cufturalmente porque no possuem forga sim- bolica (capital cultural). E 2 educagio, longe de ser um 9, Thidem, p. 75, 24 « de superacio da marginalidade, constitui um elemen: ‘eforeador da. mesma, Fis @ fungao logicamente necesséria da educagio. Nao . oulra alternativa, Toda tentativa de utilid-la ‘© instrumento de superagdo da marginalidade nfo é pas uma ilusio. E a forma através da qual cla dissi- a, © por isso cumpre eficazmente, a sua funeao de ‘einalizagio, Todos os esforgos, ainda que oriundos srupos on classes dominados, reverie sempre no re- cogamento dos interesses. dominantes. “B pela mediagio deste efeito de dominagio da. AP dominante que as diferentes AP que se exercem n03 dife- vomtes grupos ou classes colaboram objetivamente € indi votamente na dominagéo das classes dominantes (incilea so pelas AP dominadas de conhecimentos on de mane! fas, dos quais a AP dominante define o valor sobre 0 mieteado econdimico ott simbélieo),” 16 Fis porque, Snyders resumin sua critica a essa teoria na Seauinte frase: “Bourdicu-Passeron ou a luta de classes capossivel". 2 TEORIA DA ESCOLA ENQUANTO APARELIO TEOLGGIco De Estapo (ATE) Ao analisar a reprodugio das condighes de produgio que implica a reprodugéo das forgas produtivas ¢ das relagdes ie prodagio existentes, Althusser Tevado a distinguir no Estado, os Aparethos Repressivos de Estado (0 Go- verno, a Administtacdo, 0 Exército, a Policta, os Tribt- fais, as Pris6es ete.) © os Aparelhos Ideoldgicos de Esta- cio (ATE) que ele enumera, provisoriamente, da seguinte forma: 10, Thidem, p. 22, 1 Snyders, 1977. p. 287. 28 0 AIE religion (0 sistoma das diferentes igee- ins), © AIE escolar (0 sistema das diferentes escolas ‘piiblicas e partculares), 0 ATE famitiar, —~ 0 ATE js ~ 0 AIE politico (0 sistema politico de que faz2m atte 8 diferentes partidos), 0 AE sindieal, — 0 AIE da informagio (imprensa, rédio-elevisio ete), = © AIR calturel (Letras, Belas Artes, desportos le). 8 ‘A distingdo entre ambos assenta no fato de que 0 Apa- relho Repressivo de Estado funciona massivamente pela violéncia'e secundatiamente pela ideologia enquanto que, inversamente, os Aparelhos Ideol6gicos de Estado funcio- nam massivamente pela ideologia e secundariamente pela repressio.!® © conesito “Aparelho Ideolégico de Estado ” deriva da ‘ese segundo a qual “a ideologia tem uma existéncia ma- terial”. Isto significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em préticas materiais reguladas por rituais mate- tiais definidos por instituigées materiais.** Em suma, a ideologia se materializa em aparelhos: os aparelhos ideolégicos de Estado. ‘A partir desses instrumentos conceituais, Althusser avanca fa tese segundo a qual 12, Althusser, 8/4, p. 43-44, 1B. Thidem, p. 4647, 14, Thideon, p. 88-89, ose ‘© Aparelbo Tdeolégico de Estado que foi colocado em posigio dominante nas formaytes. capitalitas. maduras. apoe Uma violenta Tuta de classes politica © ideoldgica contra 0 antigo Aparelho Ideolégico de Estado dominan- (e, € 0 Aparelho Idealdelco Bsoolar™15 mo AYE dominante, vale dizer que a escola constitui sastrumentto mais acabado de reprodugao das relacoes produe&o de tipo capitalista, Para isso ela toma a si as criangas de todas as classes sociais e Thes ineulca urante anos @ fio de audiéncia obrigatéria “saberes pré- os” envolvidos na ideologia dominante.!* a grande parte (operdrios © camponeses) cumpre a aridade basica e é introduzida no provesso produtivo. 310s avangam no processo de escolatizacdo mas aca- bam por interrompé-lo passando a integrar os quadros dios, os “pequeno-burgueses de toda a espécie™? Lima pequena parte, enfim, atinge 0 vértice da piramide colat, Estes ¥ao ocupar 08 postos préprios dos “agentes exploragio” (no sistema prodittivo), dos “agentes da resséo” (nos Aparelhos Repressivos de Estado) © dos profissionais da ideologia” (nos Aparelhos Ideolégicos Estado). 1m todos 0s cas0s, trata-se de reproduzir as relagoes de sploragio capitalista, Nas palavras de Althusser: "6 através da aprendizagem de alguns saberes priticos (savoir faire) envolvidos nia inculcagio massiva da ideo: Jogia da classe dominante, que séo em grande parte reproduzidas as relapdes de producto de uma formagio sociel capitalist, isto &, ax relagios de explorados com exploradores e de exploradores com explorados™. 19 15, Tbidom, p. 60, 16. Tbidem, p64 17, Thidem, p65. 18, Thider, p. 65. 19, Thidom, p. 66. 27 Nese contexto, como se coloca o problema da margina- lidade? © fendmeno da marginalizacio se inscreve no proprio seio das relacdes de producdo capitalista que se funda na expropriagio dos trabalhadores pelos. capita- listas, Marginalizado €, pois, a classe trabalhadora, O ATE, escolar, em lugar de’ instromento de equalizagio social constitu; um mecanismo construido pela burguesia. para gatantic © perpetuar seus intetesses. Se as teorias do pri- meiro grupo (pot isso elas bem merecem ser chamadas de no-ctiticas) deseonhecem essas determinagies obje- tivas ¢ imaginam que a escola possa cumprir 0 papel de correcio da marginalidade, isso se deve simplesmente ao fato de que aquelas teoriss sio ideolégicas, isto 6, dissi- mulam, para reprodazé-las, as condigées de marginalidade em que vivem as camadas trabathadoras. No entanto, diferentemente de Bourdieu-Passeron, Althus- ser no nega a Tuta de classes. Ao contrério, chega mesmo f afirmar que “os AIE podem ser nfo s6 0 alvo mas tambéar 0 locat ds Iota do classes © por vems do formas renhidas da Ita de classes”.20 Entretanto, quando descreve 0 funcionamento do ATE escolar, a luta de classes fica praticamente diluida, tal ‘© peso que adquire af a dominacio burguesa. Eu ditia, enffo, que a huta de classes resulta nesse caso herdica, ‘mas ingléria, j4 que sem nenhtima chance de éxito. O arigrafo um tanto longo que me permito transcrever, fundamenta essa conclusio: “Pogo desculpa aos professores que, em condigSes t rivels, tentam voltar contra ideo! ma ¢ contra as priticas em que este os encerra, as armas ‘que podem encontrar na histéria e no saber que ‘ensi- naam’. Em certa medida #io herdis. Mas sf0 raros, € quan tos {@ maioria) nio t8m sequer um vislumbre de davida 20, (biden, p. 49. 4geanto ao ‘trabalho? que 9 sistema (que of ultrapasss € sage) 09 obrign e fazer, pior, dedicom-se inleiramente ¢ em toda @ conseitacta & realizago desse trabalho (ox smosos métodes novos!). Tem tio poucas dividas, que contribuer, até polo seu devotamento a manter ea li- rentar a fopresentaclo ideoldgica da Bscola que a torna hoe Go ‘natura’, indispensdvel itil © até benfazsja aos nosses contemporineos, quanto a Tereja era ‘natura’, cnulispensdvel © generosa para os. nossos antepassados de ba séoaloa.” 2. ‘TORIA DA ESCOLA DUALISTA ssa teoria foi elaborada por C, Baudelot ¢ R, Establet posta no livo L’école capitaliste en France (1971) 19 de “teotia da escola dualista”” porque os autores empenham em mostrar que a escola, em que pese a peréneia unitéria e unificadora, é uma escola dividida em sas (e@ nfo mais do que duas) grandes redes, as quais respondem 2 divisio da sociedade capitalista om duas asses fondamentais: a burguesia ¢ 0 proletariado, Ds autores procedem de modo didético, enunciando preli- ninarmente as teses bésicas que sucessivamento passam a emonstrar. Assim, na primeira parte, apés dissipar_as ‘uses da unidade da escola” formulam seis proposigdes ‘undamentais que passario a demonsirar ao longo da bra: tama rede de escolarizagio que chamaremos rede secundéria-tuperior (rede SS.). 2; Existe uma rede de escolarizago que chomareimos rode priméria-profissonal (rede PLP.) 3. Nig existe terceira rede. 44, Estas duas redes_constituem, pelas relagdes que as definem, © aparetho escolar “capitalista. Este xpare- tho 6 um aparelho ideotépieo do Fstado capitalist. 21. Thidem, p. 67-68 29 5. Enguanto tal, este aparetho eoneidul, pela parte que The cabe, « teproduale as relagdies de prodigio ca- pitalistas, quer dizer em definitiva ¢ divisdo da socie dade em ‘classes, em proveito da classe dominante, 6. Ba divisio da. sociedade em classes antagonistas ‘que explien em itima instincia. nfo tomente a ‘existOncia das duas redes, mas ainda (0 que as defi- re como tals) os mecaniimos de seu funciomsmento, suas causas © seus efeitos” 22 Através de minuciosa andlise estatistica os autores. se empenham em demonstrar, na segunda parte, as trés pri- ‘meiras proposigdes, isto é, a existéncle de apenas duas xedes de escolarizagao: as redes PP ¢ SS. A quarta propo- sigdo € objeto das terceira e quarta partes; na terceira arte se procura por em evidéncia que “6 a mesma ieologia dominante que & imposta a todos ‘6s alunos sob formas necessariamente incompativels:” 2 na quarta parte se demonstra que a divisio em duas redes atravessa o aparelho escolar em seu conjunto, por- tanto, desde a cscola priméria, contrariamente as aparéa- ias de unidade da escola priméria. Mais do que isso, afir- mam os autores que “6 na escola priméria que 0 exsencial de tudo 0 que cconcerne ao aparetho escolar capitalista se realiza” 3 Finalmente, a quinta parte ¢ dedicada & demonstragio das duas tiltimas proposigdes evidenciando, entiio, que “o aparelho escolar, com suas das redes opottes, con: tribui par reproduzir as relagSes sosiais de producto capitalista™25 22. Buudelot-Establet, 1971, p. 42. 23. tbidem, p47 24, Bhidem, p, 47. 25. Thier, p. 47 4 rever que, nesta teoria, € retomado 0 conceito vser (Aparctho Ideolégico de Estado”) definin- < © aparetho escolar como “unidade contraditéria de es de escolatizagio” wuanto aparelho ideolégico, a escola cumpre duas fun- < basicas: conttibui para a formacao da forca de tra- ‘0 ¢ para a inculeacdo da ideologia burguesa, Cumpre slar, porém, que no se trata de duas fungdes sepa- s. Pelo mecanismo das préticas escolares, a formagio ‘orga de trabalho se dé no préprio processo de inculca- ideol6gica. Mais do que isso: todas as préticas esco- ainda que contenham elementos que implicam um objetivo (@ ndo poderia deixar de conter, id que isso a escola no contribtiria para a reproducao das ages de produgo) sfo priticas de inculeacto ideoté- ca. A escola 6, pois, um aparelho ideol6gico, isto 6 0 specto ideolégi¢o 6 dominante e comanda o fnciona- to do apatelho escolar em seu conjunto. Conseqiien- ate, a funcko precipua da escola € a inculeagio da urguesa. Isto é feito de duas formas concomi- es: em primeiro lugar, a inculeaco explfcita de ideo- burgnesa; em segundo lugar, o recaleamento, a igo eo distarce da ideologia proletéria. s0, pois, a especificidade dessa teoria. Ela admite a siéncia da ideologia do protetariado. Considera, porém, « ‘al ideotogia tem origem e existéncia fora da escola, has massas opertirias e em. suas organizagbes. A cols! & um aparelho ideol6gico da burguesia o a servigo seus interesses. O parégrafo abaixo transcrito é extre- mente esclarecedor a respeito: ‘A contradigho principal existe brotalmente ora da escola sob a forma de uma Tata que opde a burgnesia 50 proletariade: cla ge trava nas telagdes de producto, i fo relagdes de exploragio. Como aparctho ideolé- 26, Thidem, p. 281 31 sico de Estado; @ escola ¢ um instrumento da Inte de classes ideolGgicw do Estado burguts, onde 0 Estado burgués persegue objetivos exteriores & escola (ela no & endo um Insirumento. destinado esses fine). A lata ideoldgica conitazida pelo Estado burgés na escola vien A ideologia proletaria gue existe fora da escola nas massis ‘operiras © suas ofganizactes, A ideologia proletéria nfo esti presente em pessoa ua escoln, mas apenas soh s forma de alguns de sens efeitos que se apresentam como resistencias: entretanto, inchusive por meio destas res (@acias, € ela prdpria que & visada no. horizonte pelos préticas de inculcacio ideolésica burgess ¢ pequend- sburpuess.” =F No quadro da “teoria da escola dualista” 0 papel da escola nao €, entio, o de simplesmente reforcar ¢ legi- timar a marginalidade que 6 produzida socialmente, Con- siderando-se que 0 proletariado dispde de uma forca autSnoma e forja na prética da luta de classes suas pro- prias organizagdes e sua propria ideologia, a escola tem por missio impedir 0 desenvolvimento da idcologia do proletatiado ¢ a hita revoluciondria. Pera isso ela € orga nizada pela burguesia coma um aparelho separdo da produgio. Conseqiientemente, nao cabe dizer que a esco- la qualifica diferentemente 0 trabalho intelectual © teabalho manual, Cabe, isto sim, dizer que ela qualifica © trabalho intelectual © desqualitica o trabalho. manual, sujeitando 0 proletatiado & idcologia burguesa sob um disfarce pequeno-burgués. Assim, pode-se coneluir que a escola € a0 mesmo tempo um fator de marginalizagtio relativamente 2 cultura burguesa assim como em relagio 4 cultura proletétia. Em face da cultura burguesa, pelo, fato de inculcar 2 massa de operirios que tem acesso & rede PP. apenas 03 subprodutos da prépria cultura bur- guesa, Em relacio a cultura proletaria, pelo fato de recal- é-la, forgando 0s operétios a representarem sua condigio has categorias da ideologia burguesa Conseqilentemente, 2 escola, longe de ser um instrumento de equalizacéo 27, idem, p. 280 (erifos no original.) 32 ai é duplamente um fator de marginalizagao: converte © sabalhadores em marginsis, nfo apenas por referencia | calsura burguesa, mas também em télagio a0. proprio swimento proletério, buscando arrancar do scio! desse sovimento (colocar & margem dele) todos aqueles que sam no sistema de ensino. ese, pois, ooncluit que, se Baudelot © Establet se nham em compreender a escola no quadro da tata sses, eles no a encaram, porém, como palco e alvo ta de classes. Com efeito, entendem que a escola, ant0 aparetha ideol6gico, € um instrumento da bur- gesia na lata ideolbgica contra o proletariado. A pos- iade de que a escola se constitua num instramento «© Juta do proletariado fiea deseattada, Uma vez que a Seologia proletétia adquire sua forma acabada no. seio se massas e otganizagses operdtias, nfo se cogita de zac a escola como meio de-elaborar e difundir a refe- Ideologia, Se 0 protetariado se revela capaz de elabo- independentemente da escola, sua propria ideologia “e um modo tio consistente quanto 0 faz a burguesia ‘© auxilio da escola, entio, por referencia ao apare- escolar, a lta de classes revela-se initil, Eis porque

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