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Modulo 3.historia Da Filosofia Moderna
Modulo 3.historia Da Filosofia Moderna
O desenvolvimento dos principais conceitos elaborados ao longo da Filosofia moderna com ênfase
em questões políticas.
PROPÓSITO
Compreender as transformações da Filosofia moderna em correspondência com as mudanças
seculares do período, bem como, em
razão da influência do discurso filosófico em inúmeros
campos de saber, entender conceitos que fundamentam as mais
diversas disciplinas, no campo
das Ciências Humanas e das Ciências Naturais.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o estudo deste tema, é importante ter à mão um bom dicionário de Teoria Política
ou mesmo de Filosofia.
Sugerimos o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano, e o Dicionário de
Política, de Bobbio, Matteucci e Pasquino, ambos
disponíveis virtualmente.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
INTRODUÇÃO
Você está prestes a penetrar nos caminhos da modernidade, pelo campo da Filosofia, com ênfase
na Filosofia política.
Para percorrer os eventos associados à modernidade, focaremos três
momentos centrais do período.
O primeiro deles é o Renascimento e a Filosofia humanista que foi construída nesse contexto. Em
seguida, analisaremos a
noção de contrato social como modo de reestruturar o mundo social e
político de acordo com os modelos fornecidos pela
razão. Por fim, discutiremos sobre as questões
novas trazidas para a Filosofia política a partir do Iluminismo, da
Revolução Francesa e de suas
consequências.
Com essas análises, poderemos ter uma visão da pluralidade de questões e ideias que circularam
ao longo desse período.
MÓDULO 1
Identificar a relação entre o contexto histórico do Renascimento e as reflexões políticas
dos filósofos humanistas
CONTEXTO HISTÓRICO
O período histórico que costumamos chamar de Renascimento é geralmente concebido como uma
fase de transição entre
dois momentos considerados mais importantes. Antes do Renascimento,
encontramos a Era Medieval: um momento em que
houve o predomínio de valores e de uma visão
de mundo articulada a partir da centralidade do Deus cristão que
influenciava boa parte da Europa
Ocidental.
No que diz respeito à Filosofia, suas principais contribuições para a tradição foram as reflexões
sobre as noções de
indivíduo e de governo a partir de certa ideia de humanismo herdada da
Antiguidade Clássica. Essa herança permitia
pensar as questões de maneira cada vez mais
descolada dos valores e das visões de um mundo teocêntrico, sem que isso
implicasse as
especificidades da era moderna, sobre a qual discutiremos mais adiante.
Antes de comentar alguns dos momentos-chave desse período, cabe explicar três elementos que
ajudam a entender o contexto
em que o Humanismo do Renascimento foi elaborado. São eles:
Obra de arte: Portal de São Frediano em Florença , Filippino Lippi, século XV.
CIDADES-ESTADOS
No período do Renascimento, ainda não havia o “país” Itália – pois a unificação italiana
aconteceu apenas em meados do
século XIX –, mas sim cidades-Estados, com autonomia,
administração e até idiomas independentes.
O primeiro elemento que devemos mencionar é a situação política da região que identificamos
atualmente como a
Itália – espaço que teve papel central no desenvolvimento do Renascimento.
Nesse contexto, os centros urbanos
voltados para trocas comerciais se fortaleciam aos poucos até
conseguirem se tornar potências políticas por
causa de suas riquezas advindas do comércio.
Entre as cidades que cresceram nesse momento, podemos destacar duas que foram grandes
centros culturais ao longo
do Renascimento: a cidade-Estado de Florença e a de Veneza. A
vantagem que os centros urbanos italianos possuíam
e que permitiu que se tornassem potências
era sua posição no norte do Mediterrâneo, que transformou essa região
em um ponto central nas
rotas de trocas comerciais que atravessavam a Europa.
O segundo elemento que devemos mencionar – uma consequência da natureza própria das
cidades comerciais – é que
elas tendiam a ser um espaço de ampla circulação não apenas de
bens, mas de pessoas e ideias. No caso específico das
cidades-Estados italianas, tratava-se de
um espaço que recebia influxos de todos os cantos do mar Mediterrâneo.
Assim, havia nesse
mesmo espaço a circulação da cultura católica europeia, mas também da cultura árabe e do que
tinha
sobrado da cultura bizantina – portanto, remanescente da cultura greco-romana. Isso foi
responsável por tornar a região
um espaço multicultural que acabava diminuindo a força do
pensamento medieval católico pelo contato com outras
ideias.
É esse efeito, por fim, que nos permite compreender o terceiro elemento do contexto do
Renascimento: o fato de que é um
período de redescoberta da Antiguidade Clássica. É preciso
esclarecer, antes, que isso não significa que os autores
clássicos estavam esquecidos ou que
tinham sido ignorados de alguma maneira ao longo da Era Medieval. Há cerca de mil
anos de
distância entre o fim da Era Clássica
e o início do que chamamos de Renascimento.
Período que pode ser datado a partir da divisão do Império Romano em: Império Romano do
Ocidente e Império Bizantino.
Para que qualquer vestígio da cultura da Antiguidade chegasse a esse momento, era necessário
que os textos e as
ideias fossem preservados e transmitidos ao longo desse tempo. Isso
aconteceu por meio das inúmeras escolas
filosóficas no Império Bizantino, nos impérios islâmicos
e nas universidades medievais da Igreja Católica. Esses
espaços de aprendizagem não apenas
mantiveram tais pensamentos vivos, como deram sequência a essas tradições, ainda
que
subordinando a tradição clássica a questões trazidas pelo catolicismo e islamismo.
Ainda que certos textos tenham sido de fato descobertos no contexto do Renascimento – como
alguns discursos do
filósofo Cícero (106 a.C.-43 a.C.) e o poema filosófico epicurista de Lucrécio
(94 a.C.-50 a.C.), intitulado Sobre a
natureza das coisas –, a novidade desse período tem mais
relação com recuperar os textos da Antiguidade sob outro
olhar . O que vemos, portanto, é um
retorno a esses textos sem que estejam subordinados aos valores e à visão de
mundo católica –
algo que foi possível por conta do espaço multicultural que eram as cidades-Estados italianas.
A consequência disso foi o desenvolvimento do Humanismo, que, com auxílio dos textos clássicos,
buscou colocar o ser
humano na centralidade da reflexão histórica. E é justamente nesse ponto
que reside a singularidade do pensamento do
Renascimento: não se trata de um mero retorno às
fontes clássicas, mas de retornar aos clássicos como uma estratégia
para se afastar de uma
tradição medieval que se mostrava insuficiente.
Mas o inverso também poderia ser relevante nesse momento, isto é, a tradição medieval, de
influência
predominantemente cristã, poderia estar atrapalhando o desenvolvimento comercial e,
por isso, deveria ser
substituída. Em outras palavras:
Com esse contexto estudado até aqui, podemos dimensionar o pensamento que se elaborou
nesse período e entender suas
principais figuras. Trata-se de um período muito rico, mas que
pode ser introduzido a partir de três problemas
filosóficos que povoaram inúmeros dos pensadores
renascentistas:
As reflexões sobre a forma de ação política dessas novas figuras políticas que foram as
cidades-Estados e que prefiguraram os Estados Modernos em alguns sentidos.
No caso, analisaremos a novidade desse período a partir dos conceitos de três autores: Michel de
Montaigne (1533-1592),
Étienne de La Boétie (1530-1563) e Nicolau Maquiavel (1469-1527).
Discutiremos sobre a nova noção de indivíduo a partir
da obra de Montaigne, falaremos sobre o
problema da servidão voluntária a partir de Étienne de La Boétie e terminaremos
com as reflexões
de Maquiavel sobre Estado.
MICHEL DE MONTAIGNE
Um dos principais filósofos do Renascimento, tanto pelas ideias que elaborou em suas obras
quanto pelas inovações
literárias. Costuma-se creditar a Montaigne a criação do gênero literário do
ensaio por conta do tipo de escrita
peculiar que realizou em sua única obra publicada, intitulada Os
ensaios . Se Montaigne pode ser considerado um pensador
marcante nesses dois campos é
porque seu estilo de escrita encena o tipo de Filosofia que ele acabou elaborando.
Seus ensaios costumam ser textos que misturam anedotas autobiográficas, citações de autores
da Antiguidade Clássica e
reflexões aguçadas sobre os mais variados temas, dos mais clássicos
(como ensaios sobre a natureza do conhecimento ou
sobre a amizade) aos mais mundanos (sobre
o sono ou sobre estar bêbado). Apesar dessa variedade – ou justamente por ela
–, a Filosofia
elaborada por Montaigne acabou atravessando toda a sua obra. Ela pode ser resumida, nas
palavras do
próprio autor:
(MONTAIGNE, 2010)
Seu pensamento era, portanto, uma tentativa de analisar a experiência sem se ater a qualquer
ideia ou doutrina prévia,
de modo que é possível tomar Montaigne como um herdeiro do ceticismo
da Antiguidade Grega. É essa sensibilidade com as
transformações do indivíduo, mas que não
deixa de olhar atentamente para o mundo ao redor (como em seus comentários
sobre um contato
com indígenas no ensaio Os canibais ), que nos permite situar Montaigne como um dos
pensadores mais
fundamentais desse momento. Seu pensamento pode ser compreendido,
portanto, a partir de dois pontos centrais: seu
ceticismo e seu ensaísmo literário.
O ceticismo é uma das tradições mais antigas da Filosofia e tem como princípio certa
desconfiança sobre nossa
experiência da realidade, o que forçaria o filósofo a suspender o que
pensa sobre suas experiências. A radicalidade
dessa posição pode ser vista em um de seus pais
fundadores: Pirro de Élis (360 a.C.- 270 a.C.).
Montaigne herdou de Pirro e dos céticos a desconfiança do que sentimos. O que Montaigne fez
com essa suspensão foi
tomar o mundo como espaço de constante reavaliação, uma vez que,
diante da impossibilidade de ter certeza sobre o
que vemos e o que experimentamos, restaria à
Filosofia tomar como compromisso não se prender a nenhuma posição e
sempre estar aberta às
transformações, em nós e no mundo, que demandam mudar de posição.
Foi a partir desse compromisso filosófico que seu estilo se tornou uma questão. Diante da
impossibilidade de
determinar absolutamente suas reflexões, ao autor só restaria ensaiar
posições , sem se preocupar se essa posição
seria superada ou não.
Diante das questões postas por seu ceticismo, Montaigne tornou tudo no mundo objeto de
avaliação e reflexão,
permitindo que comentasse seu cálculo renal e a história romana sem que
um tópico fosse de antemão superior ao
outro. Em Montaigne, vemos, portanto, uma ideia de
humano que acaba concentrando boa parte do que foi pensado no
contexto renascentista.
ÉTIENNE DE LA BOÉTIE
Se na obra de Montaigne encontramos certa imagem de indivíduo que carregamos até os dias
atuais, em Étienne de La
Boétie, seu amigo, vemos a formulação de um dos maiores enigmas da
vida política: o problema da servidão voluntária.
Esse problema é tratado na obra Discurso sobre a
servidão voluntária .
Apesar de um tratamento curto, o problema apresentado não deixa de ser um dos mais relevantes
não apenas no contexto
político do Renascimento, em que disputas políticas se acirravam no
contexto de crise cada vez maior do feudalismo,
mas também diante do novo individualismo que
surgia nas Filosofias humanistas do Renascimento, como nas de
Montaigne.
O problema da política aparece a partir de uma questão que é até bem simples de formular: La
Boétie (2020) tenta
entender a relação de subordinação entre um soberano e seus súditos em um
contexto de ditadura, sobretudo quando se
considera que o ditador é apenas um, e o povo é
numericamente superior. O que se esperaria, ao menos em termos
lógicos, é que, se um ditador
está no poder e age para prejudicar o povo, esse povo se apoiaria em sua superioridade
numérica
para retirá-lo do poder. Mas isso não parece ser o caso!
O que parece acontecer – e é esta a questão que La Boétie põe – é que o ditador só pode se
manter no poder, nessas
condições, caso o próprio povo abdique de seu poder e de sua liberdade.
Ainda assim, mesmo que não concordemos com a solução proposta por La Boétie (ou que até
concordemos, mas a achemos
vaga demais), é interessante notar que, apesar de não ficar
explicitado, toda a análise do filósofo é construída a
partir da imagem de um indivíduo que pode
desejar sua liberdade. Vemos aqui que a subordinação é um problema na
medida em que fere o
indivíduo em sua singularidade.
É com isso em mente que podemos enxergar que a formulação do problema da servidão
voluntária só faz sentido a partir
de um contexto do Humanismo renascentista. Afinal, se o que se
está tentando defender é a liberdade inata ao
indivíduo singular, então esse valor só pode ser
preservado se estamos inseridos em uma cultura que celebra a
dignidade da vida humana. Esse é
um dos pilares do pensamento elaborado no Renascimento.
NICOLAU MAQUIAVEL
A principal característica das reflexões de Nicolau Maquiavel sobre o exercício do poder é a
ruptura com a visão dos
autores da Idade Média e do Renascimento de que haveria uma relação
direta entre a bondade do governante e a
legitimidade de seu poder.
O que a experiência havia ensinado a Maquiavel é que bondade e retidão não são suficientes para
manter o poder
político. Pelo contrário, é o uso adequado do poder que fará com que os indivíduos
obedeçam e com que o governante
mantenha seu Estado.
Explicaremos adiante o sentido do uso adequado do poder para Maquiavel. Mas, antes, vamos
nos ocupar, por um
instante, com a experiência do pensador na vida pública, que, como veremos,
serviu de fundamento para suas análises.
Em 1512, no entanto, os Medici derrotaram as forças armadas republicanas com a ajuda das
tropas papais e dissolveram
o governo. Maquiavel perdeu o emprego com a mudança de regime:
foi exilado, torturado e, finalmente, aposentado.
Em 1513, escreveu O príncipe , que foi publicado apenas postumamente, em 1532. A escrita
dessa obra foi um esforço de
Maquiavel para retornar à política florentina, uma vez que muitos de
seus colegas do período republicano conseguiram
restabelecer seus postos no regime dos Medici.
Somente em 1520, no entanto, Maquiavel conseguiu recuperar algum vínculo com o poder por
meio do pedido do cardeal
Giulio Medici de que escrevesse uma história de Florença. Antes que
pudesse alcançar uma reabilitação plena no novo
regime de governo, Maquiavel morreu, em 1527.
Em um sistema político bem ordenado, o poder se impõe por meio da legislação e do exército,
mas Maquiavel
identificava uma prioridade do segundo sobre o primeiro. Em suas palavras, não
podia haver boas leis sem bons
exércitos.
Considerando que a legitimidade das leis deriva da força coercitiva, a conclusão é que o afeto que
um governante
deve preferencialmente estimular em seus súditos é o medo, não o amor. Se um
súdito acredita que não deveria
obedecer a uma lei específica, aquilo que o forçaria a se submeter
a essa lei seria o medo do poder do Estado ou o
exercício efetivo desse poder. O súdito só se
veria em condições de não obedecer em duas situações: se tivesse o
poder de resistir ao Estado
ou se estivesse disposto a aceitar as consequências da força coercitiva do Estado.
Vemos que o poder político não está separado do exercício efetivo desse poder. Maquiavel
chamou de virtù as
qualidades que um governante deve possuir para manter seu Estado. Não é
muito adequado traduzir o termo italiano
virtù por virtude, pois não são a bondade e a ética que
garantem seu poder. Um governante dotado de virtù é, para
Maquiavel, alguém que se
caracteriza por uma “disposição flexível”, isto é, alguém que é capaz de modificar sua
conduta do
bem para o mal e novamente para o bem, conforme as circunstâncias exigirem.
Maquiavel também utiliza o termo virtù para descrever, em seu livro A arte da guerra , as
estratégias de um general que
se adapta às diferentes condições do campo de batalha. É como se
a política fosse um campo de batalhas em outra escala.
Assim como o general, o governante deve
se valer de técnicas e estratégias adequadas para cada circunstância. Um
governante dotado de
virtù saberá exercer adequadamente o poder, ou seja, saberá subjugar a fortuna.
FORTUNA
Termo que designa, na obra O príncipe , os eventos que podem ameaçar a segurança do
Estado.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. O PERÍODO DO RENASCIMENTO POSSUI ESSE NOME PORQUE É
GERALMENTE CONSIDERADO UM MOMENTO EM QUE AS FONTES DA
TRADIÇÃO CLÁSSICA GRECO-ROMANA FORAM RETOMADAS COM NOVO
VIGOR. QUAL É O ELEMENTO CONTEXTUAL QUE PERMITE ENTENDER A
RENOVAÇÃO DE OLHAR SOBRE ESSA TRADIÇÃO?
C) O incentivo da Igreja Católica na tradução de textos de Filosofia clássica para expandir seu
horizonte de influência.
A) É sempre capaz de agir segundo a bondade e a ética para manter seu poder político.
C) Foi conduzido ao poder por meio de um arranjo suprapartidário que buscava pôr fim às guerras
religiosas.
GABARITO
1. O período do Renascimento possui esse nome porque é geralmente considerado um
momento em que as fontes da tradição clássica greco-romana foram retomadas com novo
vigor. Qual é o elemento contextual que permite entender a renovação de olhar sobre essa
tradição?
Trata-se do contato com os textos clássicos mediado por um ambiente multicultural que acabava
por diminuir a influência da cultura católica na recepção dos textos da Antiguidade e que permitia
que um novo olhar fosse construído com vistas a novos problemas.
Para Maquiavel, um governante dotado de virtù é alguém que se caracteriza por uma “disposição
flexível”, alguém capaz de modificar sua conduta para manter seu Estado.
MÓDULO 2
Distinguir as concepções do contrato social na Filosofia política moderna
CONTEXTO HISTÓRICO
A Era Moderna é geralmente caracterizada pela primazia da razão e pelo desenvolvimento das
Ciências Naturais. Seu início
remonta à elaboração da Filosofia de René Descartes (1596-1650)
no início do século XVII – momento em que a razão humana
se consolidou como principal
ferramenta para compreender o mundo: não foram os valores e as ideias dos cristãos que
articularam as filosofias que predominaram nesse momento.
Aconteceu, sobretudo, a partir das revoluções no campo da Astronomia, tendo como um de seus
momentos fundantes a
descoberta feita por Copérnico, na metade do século XVI, de que não são
o Sol e os astros que giram em torno da Terra,
mas sim a Terra e os demais planetas que giram
em torno do Sol. A descoberta de Copérnico foi revolucionária, porque se
opunha ao sistema
geocêntrico formulado por Claudio Ptolomeu no século II – um sistema que já durava quase 1.500
anos.
COPÉRNICO
Astrônomo polonês que formulou a teoria heliocêntrica, cujo princípio afirmava que a Terra
orbitava ao redor do Sol. Ele
iniciou a Revolução Científica que acompanhou o
Renascimento europeu junto à sistematização da Física e a uma profunda
mudança nas
convicções filosóficas e religiosas. Essa ruptura foi chamada de Revolução Copernicana, de
tão longo alcance
que ultrapassou o reino da Astronomia e da Ciência para marcar a história
das ideias e da cultura.
Ainda que nessa nova visão do universo o homem não estivesse no centro de nada, parecia que
estava cada vez menos
subordinado a algo fora dele. Os efeitos desses deslocamentos se fazem
sentir ainda no presente, sobretudo quando
nos damos conta de que as ciências e a razão são
elementos centrais de nossa vida.
Isso poderia nos fazer acreditar que ainda vivemos na Era Moderna (e, em certo sentido,
vivemos), mas o que nos
impede de afirmar isso completamente é que a situação política já não é
a mesma daquele momento. O que vimos entre o
início do século XVI e o final do século XVII foi
um período em que ainda estavam se formando os Estados Nacionais
Modernos, tal como os
conhecemos nos dias atuais.
Com o enfraquecimento dos nobres aristocratas, que eram detentores dos feudos, vimos uma
centralização do poder nas
mãos de figuras monárquicas (que estavam enfraquecidas ao longo da
era feudal) por meio da criação de exércitos e da
realização de inúmeras guerras para unificar e
delimitar as fronteiras de seus Estados, que, agora, eram pensados,
também, como nações.
Além disso, vimos, a partir dessas unificações, o desenvolvimento de economias nacionais, que
passaram a tornar a
economia um campo cada vez mais central para a política. É a partir dessa
chave que podemos entender como na Europa
havia o patrocínio e o incentivo de Estados fortes a
políticas de colonização ao redor do globo.
A isso tudo se somava o surgimento de uma nova classe social que também almejava maior
participação política: a
burguesia. Tratava-se de uma parcela da população envolvida no comércio
e na produção de mercadorias. A nova classe
social tinha recursos econômicos que cada vez mais
se traduziam em força política, mas, diferentemente das classes
nobres, não possuía legitimidade
para participar da política.
VAMOS COMPREENDER O IMPACTO CAUSADO PELA
CHAMADA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA, A
PARTIR DO SÉC.
XVII NA SOCIEDADE EUROPEIA, E ESPECIALMENTE
SEU IMPACTO NA VISÃO DE MUNDO E ORGANIZAÇÃO
POLÍTICA
DAQUELA SOCIEDADE.
É nesse contexto que uma série de questões de ordem política surge, exigindo que se pense tanto
na natureza dessa nova
figura do campo político – os Estados-nações modernos – quanto na
origem de sua legitimação como instância de ação
política. Esse aspecto, que geralmente é
designado como a questão do contrato social, será o fio central deste módulo.
Investigaremos,
aqui, três pensadores-chave desse momento que tocam nesses problemas: Thomas Hobbes
(1588-1679), John
Locke (1632-1704) e Baruch de Espinosa (1632-1677).
THOMAS HOBBES
A Filosofia política de Thomas Hobbes foi marcada por um esforço de elaboração de uma
estrutura estatal capaz de pôr fim
às guerras religiosas que se estenderam durante o século XVI e
a primeira metade do século XVII no continente europeu.
O historiador alemão Koselleck (1999) afirma que todos os teólogos, filósofos da moral e juristas
que antecederam Hobbes
falharam nas soluções que propunham para o impasse que a Europa
vivia, porque suas doutrinas apoiavam os direitos de
determinada parte e, assim, incitavam ainda
mais a guerra civil em vez de elaborar um ordenamento que estivesse acima
das partes.
A teoria do contrato social é um método de análise do arranjo político que ocorre por meio do
acordo entre partes
racionais, livres e iguais entre si. Não é irrelevante que Hobbes (2015)
suponha a igualdade entre as partes em meados
do século XVII. Mas a astúcia de seu sistema
suprarreligioso e suprapartidário, apresentado no livro Leviatã (1651), é
que seu resultado – o
Estado – está contido nas premissas da guerra civil. O motivo da guerra era, para Hobbes, o
desejo
incessante pelo poder, ao qual só a morte põe fim. A causa da guerra civil era a invocação
das consciências sem um
amparo externo, era a inexistência de um ordenamento que pudesse
tomar os partidos como elementos de uma unidade.
Para Hobbes, a paz só seria assegurada se, na formação do Estado, essa moral se convertesse
em dever de obediência. Note
que o problema hobbesiano envolve a passagem do âmbito da
convicção, a que Hobbes havia reduzido todos os conteúdos
religiosos, para o âmbito do Estado,
em que as convicções privadas são destituídas de sua repercussão política. O
próprio estado de
natureza, que é o reino da convicção, é definido pela ausência do Estado. À medida que os
indivíduos
transferem sua agência política ao soberano, a consciência individual se transforma em
moral privada.
Embora Hobbes insista que o monarca deve possuir autoridade absoluta, os súditos possuem a
liberdade de desobedecer ou
resistir quando suas vidas estão em perigo. Isto é, os súditos
mantêm o direito à autodefesa diante do poder soberano. A
explicação é que se o monarca falha
em prover proteção adequada a seus súditos, extingue-se, também, o dever dos
indivíduos de
obedecer. Essa exceção mencionada por Hobbes mostra, por um lado, que obediência e proteção
são elementos
inseparáveis na formação do Estado, e, por outro, que se os súditos mantêm a
capacidade de avaliar a adequação da
proteção oferecida pelo monarca, o medo que caracteriza o
estado de natureza não é inteiramente eliminado.
JOHN LOCKE
Ao delegar sua agência política ao soberano, os súditos ficam reduzidos à instância moral privada.
Esse é o único espaço
no interior do contrato social em que o Estado não legisla, em que os
indivíduos gozam de certa autonomia. Como veremos,
o Iluminismo se caracteriza justamente pela
expansão desse foro interior privado (ao qual o Estado havia limitado os
súditos) para um domínio
público.
John Locke fornece certa consistência a esse espaço da moral ao escrever, em seu Ensaio sobre
o entendimento humano ,
publicado em 1670, sobre os três tipos de leis que devem orientar a
vida dos cidadãos:
LEI DIVINA
Aquela que regulamenta o que é pecado e o que é dever, e da qual só se pode ter conhecimento
por meio da natureza ou da revelação.
LEI CIVIL
Aquela que regula o crime e a inocência, elaborada pelo Estado para proteger o cidadão.
LEI MORAL
Note que, diferentemente de Hobbes, Locke (2012) estabelece uma separação entre a lei divina e
a lei civil. Há uma
ruptura entre direito natural e direito político, que haviam sido reunidos por
Hobbes na figura do soberano. Mais do que
isso, Locke cristaliza a divisão entre política e moral a
partir do estabelecimento da lei moral, ao lado da lei divina
e da lei civil. Trata-se da lei dos
filósofos ou, como também a chama, da lei da opinião ou da reputação.
Locke associa a origem das leis morais ao foro interior da consciência humana, que estava
excluído do domínio do Estado.
Como vimos, os súditos abdicam de sua agência política em favor
do soberano, o que significa que sua ação em relação aos
demais cidadãos está limitada pelas
leis civis, mas isso não impede que mantenham a capacidade de formar uma opinião a
respeito
daqueles com quem convivem.
Koselleck (1999) afirma que os indivíduos não têm poder executivo, mas conservam o poder
espiritual do juízo moral, e
suas opiniões sobre os vícios e as virtudes não se restringem a
opiniões privadas. Os juízos morais têm caráter de lei.
Enquanto as leis do Estado se impõem por meio da coerção, os cidadãos só se submetem às leis
da moral civil com base em
um consentimento secreto e tácito. Entretanto, com Locke, a moral
deixa de ser algo que se restringe ao foro individual.
O portador da moral não é o indivíduo, mas a
sociedade. Os indivíduos formam juntos uma sociedade que desenvolve suas
próprias leis morais
– leis que se situam ao lado das leis divinas e do Estado.
Diferentemente de Hobbes, portanto, a moral entra, com Locke, no espaço público, e as opiniões
privadas dos cidadãos são
elevadas à condição de lei por meio do elogio e da censura. Essa é a
razão pela qual Locke também chama a lei da opinião
pública de lei da censura privada.
Koselleck (1999) explica que a ideia é que o espaço público emana do privado. É na certeza que o
foro privado tem de si
que está sua capacidade de se tornar público, e é somente no espaço
público que as opiniões privadas se manifestam como
lei.
Para Locke (2012), a moral não é a moral hobbesiana de obediência ao soberano, mas a fonte de
uma legislação que
rivaliza com as leis do Estado. Enquanto a legislação do Estado se realiza
diretamente pelo poder político, a lei moral
tem ação indireta por meio da opinião pública. Embora
não detenha os meios estatais de coerção, a lei da opinião se
impõe a partir do elogio e da
censura.
A eficiência da lei moral está em seu alcance: ninguém pode escapar ao juízo moral. Essa
característica faz dela um
poder político que age de modo indireto, mas, quando considerada
diretamente, permanece politicamente invisível. É mero
juízo.
REVOLUÇÃO GLORIOSA
A Revolução Gloriosa, ocorrida em fins do séc. XVII, iniciou-se por questões religiosas (moral
católica x moral
protestante), mas acabou tornando-se a precursora de um importante
documento (Bill of Rights /Declaração de Direitos,
1689), que limitou os poderes da
monarquia, fortalecendo a burguesia.
BARUCH DE ESPINOSA
Entre os principais interlocutores de Hobbes na modernidade, encontramos o filósofo holandês
Baruch de Espinosa.
Herdeiro de René Descartes, sua Filosofia tem como principal motor tentar
fornecer uma ideia de vida boa que seja
construída a partir de uma investigação racional do que é
o ser humano, sem qualquer apoio em valores externos, como os
religiosos, por exemplo.
Em sua obra Ética , Espinosa deteve-se, sobretudo, no caráter afetivo e racional dos seres
humanos. Para ele, a vida
afetiva significa que os desejos dos seres humanos são sua essência
(ESPINOSA, 2009). Isso quer dizer que a
singularidade de um indivíduo qualquer está atrelada
não ao que ele quer de maneira abstrata, mas ao que ele quer na
medida em que se engajar
nesse movimento. E o que os indivíduos querem, em última instância, é perseverar em seu ser
(o
que Espinosa chama de conatus dos seres), independentemente do que seja esse perseverar.
Além disso, esse
“perseverar” tem de lidar com objetos no mundo que dificultam ou impedem a
realização desse desejo.
É nesse ponto que Espinosa fornece sua teoria dos afetos. Para ele, os seres humanos são, ao
mesmo tempo, seres que
procuram realizar seus desejos (suas finalidades), mas também são
seres inicialmente ignorantes das causas que os
movem. Isso significa que os indivíduos
conseguem entender o que querem , mas não conseguem saber por que querem.
Essa estrutura não apenas aponta uma dificuldade de se situar no mundo, mas também deixa
claro como os afetos (alegria,
tristeza, esperança, medo etc.) são os modos que os homens têm
para se orientar inicialmente. Os afetos não nos ajudam a
entender os objetos com que nos
deparamos no mundo, mas apenas seu efeito em nós – se contribuem com nosso desejo ou
não.
Esse seria o jeito mais simples de navegação no mundo para os humanos, de acordo com o
filósofo.
Mas isso não é tudo, pois, para Espinosa, a partir de certos encontros positivos com algo que faz
bem a nós mesmos, é
possível desenvolver um pensamento racional sobre as coisas, isto é,
experimentá-las para além de seus efeitos em nós.
Podemos compreender as coisas a partir de
como elas combinam conosco. O pensamento racional seria, portanto, não algo
que se opõe aos
afetos, mas algo que emerge e é elaborado a partir das coisas que afetam positivamente o
humano. Isso
tem efeitos importantes para a Filosofia política de Espinosa e em sua visão sobre a
sociedade em geral.
Espinosa parte de pontos bem semelhantes aos de Hobbes para pensar no contrato social. Ele
também pensa que, sem
qualquer intervenção externa, os seres humanos inevitavelmente entram
em disputas intermináveis, uma vez que cada um
simplesmente buscaria realizar seus desejos.
Também como Hobbes, ele acredita que algum tipo de autoridade política
externa é necessário
para frear certos impulsos e produzir alguma estabilidade política.
Isso significa que, para Espinosa, a organização de seres humanos entre si não é algo que
emerge apenas a partir de
uma tentativa de afastar a disputa que há entre eles. A organização
pode surgir, também, quando se dão conta dos
benefícios mútuos. Vemos, portanto, que, apesar
de Espinosa ver o Estado como um ponto importante para a
estabilidade (e para dar fim a certo
caos), essa solução não é completamente pessimista.
Além disso, essa transferência de poder dos indivíduos para o Estado não é uma renúncia
absoluta. Para Espinosa, os
seres individuais são essencialmente seus desejos. Isso significa,
também, que eles são o que eles podem ser. O direito
natural na Filosofia política espinosana é
que um indivíduo pode fazer aquilo que ele tem capacidade de fazer. Assim,
não haveria nenhuma
limitação moral inata que poderia ser descoberta e utilizada para forçar a renúncia da capacidade
dos indivíduos. Mas isso tem algumas implicações que cabe observar.
A primeira é que um indivíduo não tem como realmente renunciar a suas capacidades, pois são
suas – é justamente sua
natureza. O que ele pode fazer é apenas aplicar sua força a uma série de
estruturas burocráticas que acabam constituindo
o Estado – é esse o objeto de análise do Tratado
político .
Um caso contemporâneo que pode ser lido na chave espinosana da “aplicação a uma estrutura
burocrática” é a participação
política da população no processo político por meio das eleições –
como se dirigíssemos nosso desejo e nossa capacidade
para esses momentos de participação
política. Contudo, como se trata apenas de um direcionamento das forças do
indivíduo, ele
também pode, caso a situação necessite, caso haja algum abuso de poder, rebelar-se, deixar de
fortalecer
o Estado.
Assim, a Filosofia política de Espinosa resguarda um espaço para que os indivíduos se revoltem
contra os poderes
constituídos em casos de abuso de poder ou de opressão interna. Apesar dessa
possibilidade, a rebelião, porém, não é um
evento normal para Espinosa. Afinal, assim como o
indivíduo limitaria sua capacidade de agir em nome de uma estabilidade
comunitária, o soberano
tenderia a agir da mesma maneira, reduzindo sua dominação sobre seus súditos, a fim de evitar
revoltas – o que não significa que as renúncias sejam simétricas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) Pode ser desobedecido, caso o súdito julgue que sua vida está em perigo.
C) Deve ser dotado de virtù para exercer adequadamente o poder e subjugar a fortuna.
GABARITO
Embora Hobbes insista que o monarca deve possuir autoridade absoluta, os súditos possuem a
liberdade de desobedecer ou resistir quando suas vidas estão em perigo.
O que faz com que surjam conflitos entre homens é o desejo de perseverar em si mesmo
(conatus ). Afinal, na medida em que se esbarram no mundo, caso não haja uma força externa
para conciliá-los, os desejos de uns podem entrar no caminho dos desejos de outros. É, portanto,
essa característica que torna a autoridade externa uma condição necessária para a convivência
pacífica.
MÓDULO 3
Reconhecer os principais conceitos do pensamento iluminista
CONTEXTO HISTÓRICO
O Iluminismo está diretamente associado às transformações políticas dos séculos XVII e XVIII.
Esse período foi marcado
por três grandes revoluções políticas que constituem a base das
democracias modernas: a Revolução Inglesa (1688), a
Revolução Americana (1775-1783) e a
Revolução Francesa (1789-1799).
É nesse período que se elabora, como vimos, o modelo básico de governo fundado no
consentimento do governado, bem como a
articulação dos ideais políticos de liberdade e
igualdade com a teoria de sua realização institucional. Também se
consolidam nessa fase uma
lista de direitos humanos individuais básicos a serem respeitados por um sistema político
legítimo,
a tolerância religiosa, os poderes políticos como um sistema de freios e contrapesos, e tantas
outras
características com as quais identificamos as democracias modernas.
O grande impasse da Filosofia política iluminista é que não está claro como a razão pode substituir
o objeto de sua
crítica por um novo tipo de autoridade. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é um
dos pensadores que encarnam essa
dificuldade.
Um dos grandes legados do período é justamente a questão sobre os limites da razão. Um
exemplo marcante é a Revolução
Francesa.
Que destino assumem os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade tão logo as velhas
instituições criticadas pelos
iluministas são tomadas?
Não se trata apenas de nos lembrarmos do recurso à violência e ao terror ainda no auge da
revolução, mas da forma como o
Código Civil de Napoleão, de 1804, passou a figurar para Hegel
(1770-1831), por exemplo, como o destino para o qual a
história convergia.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
Com Rousseau, notamos que o campo da moral já havia crescido de tal modo que seria preciso
que a oposição entre moral e
política fosse transferida para o próprio campo da política. Em outras
palavras, ao diagnóstico iluminista do progresso
infinito parecia cada vez mais se impor uma
decisão política, considerando o crescente desacordo entre os juízos morais
e a estrutura do
Estado.
O entendimento de Rousseau é que os Estados não se extinguem de forma apolítica, pela simples
crença na Filosofia da
história e no poder da crítica. Outros pensadores antes de Rousseau
também profetizavam a iminência de uma revolução,
mas o aspecto político da revolução – a
guerra civil – sempre ficava encoberto.
O caráter político da revolução estava reduzido, até então, à crítica ao despotismo. Rousseau não
se unia ao coro de que
a derrubada da ordem estabelecida correspondia ao simples progresso
moral. Em lugar da vitória dos interesses sociais, o
que a revolução traria seria insegurança,
incerteza e crise.
Para Rousseau, a sociedade possui uma vontade una e incondicional, e, mesmo que o soberano
seja destronado, a chamada
vontade geral se mantém. Essa vontade não é a soma de vontades
individuais, mas a emanação de uma totalidade. O impasse
a que chega Rousseau é que uma
nação tem uma vontade geral que faz dela uma nação, mas essa vontade não se realiza de
maneira direta, não há um executor.
A conclusão é que cabe justamente ao Estado criar, de modo permanente, essa identidade
complexa entre a sociedade civil
e a decisão soberana. O cidadão só é livre quando participa da
vontade geral, mas, como o homem, não tem como saber
quando sua vontade coincide com a
vontade geral. De fato, a vontade geral opera uma correção permanente dos indivíduos
que ainda
não foram integrados a ela.
A ditadura da soberania se distingue do absolutismo, pois deve abarcar, inclusive, o foro privado
que Hobbes havia
excluído do domínio do Estado. No arranjo estatal de Rousseau, o líder não é
aquele que incorpora unicamente o poder
político, como em Hobbes, mas alguém mais
esclarecido a respeito da vontade geral do que o restante dos indivíduos. Sua
tarefa é estabelecer
a identidade complexa entre moral e política. Para isso, é preciso guiar não só as ações dos
indivíduos, mas também suas convicções – diferenciando-se, portanto, do soberano hobbesiano,
que não se ocupava de
legislar sobre o foro íntimo dos súditos.
Koselleck (1999) argumenta que Rousseau estatizou a censura moral, isto é, o líder deve legislar
sobre a opinião pública
permanentemente para estabelecer a unidade entre convicção e ação. Sua
tarefa mais importante é substituir a autoridade
pelo poder da opinião pública.
A moral do cidadão e a política do Estado não são coincidentes. Por isso, cabe ao líder manter
essa identidade complexa
a partir de meios como o terror e a ideologia. É como se, em Rousseau,
a crítica progressista fosse transferida para o
âmbito político.
Nas palavras de Koselleck (1999), é como se a ideia de progresso moral cobrasse suas notas
promissórias por meio da
ditadura da soberania. O estado de crise que Rousseau descreve é
como se fosse o cumprimento da crítica dos iluministas
ao absolutismo, a execução de seus
juízos. É, como dizíamos, uma forma de trazer a oposição entre moral e política para
o campo da
política.
IMMANUEL KANT
Immanuel Kant (1724-1804) é possivelmente um dos filósofos mais influentes de toda a
modernidade. Suas contribuições no
campo da Filosofia incluem a teoria do conhecimento, a
estética e as questões éticas e políticas. A partir de sua obra
Crítica da razão pura , vemos a
elaboração de uma ideia que procura traçar os limites da razão ao diferenciar o
pensamento do
conhecimento.
O conhecimento é concebido por Kant (2015) como uma experiência das coisas fora de nós,
mediada por conceitos do sujeito
que conhece. O pensamento, por sua vez, seria o uso da razão
para elaborar ideias e princípios sem qualquer referência à
experiência. Isso não significa, porém,
que a razão não tem sentido ou que é irrelevante. O que Kant procura fazer é
apenas delimitar seu
campo de atuação. Ela não pode, por conta própria, mostrar-nos como o mundo é, mas apenas
nos
fornecer ideias consistentes capazes de regular nossas ações, sem que essas ideias possam
ser determinadas como reais ou
não.
Isso teve um papel importantíssimo em sua ética e em sua política, pois, ainda que não se
pudesse averiguar a realidade
de certas questões filosóficas por não serem objeto da experiência,
elas ainda podiam ser pensadas: era o caso da
liberdade dos homens.
Por ser livre, agir eticamente implica assumir sua liberdade na escolha de suas ações.
Visto que os homens são todos livres, nenhum homem deve ser um meio para um fim .
Isso significa que, como não haveria nenhuma contradição nesse conceito, o homem poderia ser
pensado como livre, ainda
que essa ideia jamais pudesse ser comprovada de fato. Disso resulta
que, se essa ideia fosse preservada como certo
princípio regulador de nossas vidas (ainda que
não fosse passível de comprovação), uma situação de coação significaria
que haveria certa
escolha na submissão.
Nesses casos, para Kant, o homem estaria livremente escolhendo delegar o poder de decisão e
controle para outras pessoas
ou até para outros valores. Assim, as ações dos homens seriam
meios para fins , isto é, o homem estaria agindo sempre de
acordo com um outro.
Com isso em mente, podemos entender o que é a ação ética para Kant. Trata-se de realizar uma
ação como um fim em si
mesmo, como uma ação que é assumida (independentemente de seu
conteúdo) como decisão do sujeito que age e que se assume
como sujeito livre.
Essa demanda pela ação responsável foi descrita por Kant como imperativo categórico : uma
espécie de princípio que não
tem nenhum conteúdo específico, mas que nos urge a agir de forma
que assumamos a autoria de nossas ações. A consequência
disso no âmbito social é que, como
os seres humanos são livres, nenhum pode ser tratado como meio para fim , ou seja,
nenhum ser
humano pode ser usado, pois isso seria uma afronta à sua liberdade.
Nesse sentido, também podemos entender a posição de Kant sobre a organização do Estado. Em
seu nível interno, seu
objetivo deve ser garantir e preservar a liberdade de seus cidadãos. Na
prática, significa que o Estado deve lutar para
preservar a liberdade de que os indivíduos procurem
sua felicidade como bem entenderem, assim como a liberdade religiosa
e a liberdade de
expressão – sobretudo considerando que seria a liberdade para se exercer a razão publicamente.
Mas não há, por parte do filósofo, uma crença de que isso ocorra de maneira absolutamente
espontânea. Kant enxerga essa
possibilidade como uma ideia que deve regular as ações do
Estado, mesmo que se viva em períodos de disputas turbulentas.
Para ele, as guerras devem ser
compreendidas não como entraves para a paz, mas como sinais de desequilíbrios entre os
países,
que, uma vez resolvidos, reconfiguram as relações internacionais de modo mais balanceado.
A paz perpétua, para Kant, funciona, portanto, como algo que vai se tornando cada vez mais real,
na medida em que os
Estados ficam cada vez mais balanceados entre si, mesmo que o caminho
para isso seja feito – paradoxalmente – por meio
da guerra.
Vamos entender o que isso significa com base em duas aproximações dessa inserção da História
na Filosofia a partir da
Filosofia política de Hegel: o fato de a Filosofia hegeliana ser aquela que
lida com os problemas de seu tempo e aquela
que lida com as consequências de o movimento
histórico ser a condição da verdade das coisas.
Em primeiro lugar, inserir a História na Filosofia não é nada mais que tomar a Filosofia como a
apreensão de seu próprio
tempo pelo pensamento (HEGEL, 2006). Se a Filosofia de Hegel foi
gestada quando a Revolução Francesa se desdobrou e se
deparou com suas tensões e seus
limites, seu pensamento também se viu diante dessas questões. Observamos isso em sua
Filosofia política, em que a distinção entre sociedade civil e Estado aparece como fundamental
devido aos desdobramentos
da Revolução Francesa, sobretudo se considerarmos que ela foi
motivada por uma incapacidade do Estado de dar conta das
demandas dos cidadãos.
Isso se diferencia do Estado, que seria a concretização formal dos laços e valores sociais por
meio de leis, estruturas
burocráticas estatais e instâncias de poder regulamentadas – uma
concretização que não necessariamente se articula com a
sociedade civil.
Como vimos, há também outro sentido em que a questão da História se torna central no
pensamento hegeliano. Para Hegel, é
apenas por meio do que chama de dialética que se pode
observar a verdade das coisas.
Por exemplo, a verdade de uma flor não estaria apenas em sua fase final, em seu “estado
florescido”, mas no fato de que
ela, antes de desabrochar, foi um botão, embora este tenha sido
negado pela própria flor. Nos termos de Hegel, diz-se,
portanto, que a verdade da flor conserva
negativamente (como algo que foi negado e superado) o botão.
DIALÉTICA
Desenvolvimento das coisas no tempo por meio de uma série de negações sucessivas.
Imagem: Shutterstock.com
Vemos isso, porém, também no campo político, quando pensamos na Filosofia da história de
Hegel. No que diz respeito às
ideias do Iluminismo, como liberdade, igualdade e fraternidade,
ainda que servissem como imagens desejáveis da política,
não se pode deixar de notar a distância
entre elas e a sociedade tal como existia naquele momento. Essa distância, para
Hegel, não é
simplesmente um problema, mas é o que acaba sendo o motor para que as condições atuais da
sociedade sejam
transformadas em nome das ideias a que se aspira.
Nesse sentido, vemos como os próprios acontecimentos históricos em Hegel são encarados a
partir da dialética, de modo
que procuram realizar as transformações que adéquam o mundo social
a suas aspirações.
UTILITARISMO
O progresso do conhecimento científico, com a criação da Royal Society na segunda metade do
século XVII, influenciou
Jeremy Bentham (1748-1832) a trazer os princípios básicos do
experimentalismo e do empirismo para as Ciências Morais.
Bentham (1974) argumentava que as Ciências Morais deveriam ser pensadas em analogia com as
Ciências Naturais, ou seja,
aquilo que um físico é para um corpo natural o legislador deveria ser
para o corpo político. A legislação seria a
Medicina exercida em larga escala.
Academia Nacional de Ciências do Reino Unido: associação dos cientistas mais importantes
do mundo.
Bentham acreditava que toda matéria é quantificável em termos matemáticos, inclusive as dores e
os prazeres, que seriam,
segundo seu entendimento, o fundamento a que toda atividade humana
pode ser reduzida. As dores e os prazeres são, assim,
uma espécie de base material do
utilitarismo.
Embora as entidades fictícias sejam necessárias para o discurso humano, seu sentido só se torna
manifesto, para Bentham,
por meio de sua conexão com essas entidades reais. Direitos e deveres,
por exemplo, só se tornam conceitos plenos de
sentido a partir das dores e dos prazeres que
significam para os indivíduos.
As proposições teológicas, por sua vez, não lidam com fatos da experiência comum, mas com
uma realidade que transcende o
mundo físico, de modo que, assim como a opinião não tem lugar
no discurso das Ciências Naturais, as verdades teológicas
não têm lugar nas Ciências Morais.
Além disso, Bentham argumenta que princípios como o senso comum e a justiça natural são
vazios e não expressam mais do
que o sentimento das pessoas que os enunciam. O princípio da
utilidade, ao contrário, estaria fundamentado em fatos
verificáveis na experiência, que são as
dores e os prazeres. O princípio da utilidade toma, portanto, as dores e os
prazeres como causa
última da ação humana e como causa eficiente da felicidade.
Outro teórico do utilitarismo, John Stuart Mill (1806-1873) argumenta que, assim como há um
fundamento para o raciocínio
teórico – o princípio da indução enumerativa –, há, também, um
fundamento para a razão prática (MILL, 2020).
O raciocínio teórico envolve o desvelamento de uma razão para acreditar, e a razão prática, de
uma razão para agir. Nas
palavras de Mill (2020), não há apenas princípios fundamentais do
conhecimento, mas também princípios fundamentais da
conduta. E é na utilidade que Mill encontra
esse princípio. Para ele, a felicidade é o único fim da ação humana, e sua
busca é o teste pelo
qual se pode avaliar qualquer conduta.
Mill (2020) julga apresentar uma prova do princípio da utilidade ao caracterizar a felicidade da
forma a seguir.
A felicidade é desejável.
Não se trata de uma prova no sentido tradicional, ou seja, de uma dedução lógica do princípio de
utilidade. Em sentido
estrito, os fins últimos não são passíveis de uma prova direta. O que Mill
procura mostrar, no entanto, é que o
princípio da utilidade – isto é, a doutrina de que todas as
coisas são boas ou ruins em razão da dor ou do prazer que
produzem – possui fundamentos
racionais.
A) A oposição crescente entre moral e política exigia que o conflito fosse transferido para o próprio
campo da política.
C) O filósofo julgava que o governante não deveria legislar sobre o foro privado dos cidadãos.
E) A atuação do governante sobre a opinião pública não é um meio adequado para estabelecer
uma identidade entre convicção e ação.
Com Rousseau, o campo da moral já havia crescido de tal forma que seria preciso que a oposição
entre moral e política fosse transferida para o próprio campo da política. Em outras palavras, ao
diagnóstico iluminista do progresso infinito parecia cada vez mais se impor uma decisão política,
considerando o crescente desacordo entre os juízos morais e a estrutura do Estado.
2. Segundo Immanuel Kant, os princípios éticos não devem apenas reger as relações entre
indivíduos, mas também ser espelhados nas relações entre diferentes Estados-nações.
Entre pessoas, isso significaria que ninguém pode se utilizar do outro como meio para um
fim, ou seja, como caminho para atingir seus objetivos. Essa relação ética espelhada no
âmbito internacional implicaria que tipo de relação ideal entre países?
Apenas a paz perpétua pode ser tomada como ideal de relação internacional, pois é a única
situação em que nenhum Estado-nação procuraria se sobrepor aos outros e explorá-los para seus
benefícios, independentemente dos interesses do país explorado.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Revisitamos os principais conceitos construídos ao longo da modernidade a partir dos inúmeros
eventos que compõem esse
período. A partir do Renascimento, é possível identificar uma série de
formas e valores políticos que ainda tem
relevância na organização sociopolítica atual.
Vimos, sobretudo, como o surgimento da noção de indivíduo e o descolamento das questões
políticas do âmbito teológico
estão atrelados à emergência das cidades-Estados. Com a
emergência dos Estados Nacionais, coloca-se, também, o problema
da legitimidade política a
partir do contrato social.
Por fim, vimos como o pensamento iluminista, diante da democratização crescente da política (de
maior participação
popular), acabou tendo de repensar o que se entendia por liberdade, sociedade
civil e até a finalidade dos governos. Foi
possível investigar a formação histórica de ideias tão
importantes como individualidade, soberania e liberdade política.
Isso significa investigar não
apenas a história do conceito, mas a relação do conceito com o contexto em que surgiu.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril
Cultural, 1974.
LOCKE, J. Ensaio sobe o entendimento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
EXPLORE+
Se quiser ampliar o seu conhecimento sobre este tema, sugerimos o acesso ao site
Artepensamento, em que é possível
encontrar uma série de textos acessíveis e
introdutórios, mas que abdicam de uma reflexão aprofundada.
CONTEUDISTAS
Raquel de Azevedo
CURRÍCULO LATTES
Rafael Mófreita Saldanha
CURRÍCULO LATTES