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Capitulo XII OS EFEITOS DAS SITUACOES DE ANSIEDADE ARCAICAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SEXUAL DO MENINO \ ANALISE da crianca muito pequena mostra que nos scus estagios mais arcaicos o desenvolvimento sexual do menino acompanha as mesmas linhas que o da menina.' No menino, a frustracao oral por ele vivenciada reforca suas tendéncias destrutivas contra o seio da mae. Também como na menina, o periodo em que o saciismo se encontra em seu ponte maximo, introduzido pelo impulso sadico- oral, se instala com a retirada do seio materno — fase em que 0 alvo é atacar o interior do corpo dela A Fase Feminina Nesta fase, 0 menino tem uma fixacao oral de sugar 0 pénis do pai, do mesmo modo que a menina tem. Considero que essa fixagao € nele a base da verdadeira homossexualidade, Essa visdo concordaria com o que Freud disse em Leonardo da Vinci and a Memory of his Childhood,* onde ele chega a conclusao de que a homossexualidade de Leonardo pode ser remetida a uma excessiva fixacgao na mae —em iiltima instancia em seu seio —e pensa que essa fixaca 0 foi deslocada para o pénis como um abjeto de satisfacao. Na minha experiéncia, todo menino se move de uma [ixacdo oral ao seio da mae para uma fixagdo oral ao pénis do pai. E isso que forma a base da homossexualidade. Na fantasia do memino, a mae incorpora o pénis do pai, ou melhor, um bom numero deles, dentro de si; paralelamente as relacdes do menino com seu pai real ou, para ser mais precisa, com o pénis do pai, ele desenvolve uma relacio em fantasia com 0 pénis do pai dentro do corpo da mae. Uma vez que seus desejos orais pelo pénis do pai so um dos motivos de seus ataques ao corpo da mac — pois ele quer tomar a forca o pénis que imagina estar dentro da mac machuca-la ao lazer isso —, seus ataques também represeniam, entre outras coisas, suas situagoes de rivalidade mais arcaicas com ela e, assim, formam a base do complexo de feminilidade do menino.’ 1 Dessa forma, apenas aluciremos a esses estagios brevernente aqui, Para wna discussao mais pormenorizada deles o leitor deve se repartar aos capttulos vii ¢ Ix deste livro, 2 SE + Para um relato pormenorizado dos fendmenos que surgem em conexio com a fase femini homem, posso remeter o leitor a meu artigo * Agios iniciais do conflito edipiano” (1928, Obras Completas, 1). CE também Karen Horney, “The Flight [rom Womanhood” (1926), ¢ Felix Bochm, “The Femininity Complex in Men" (1929). s de dentro do corpo da mae da origem a um medo intenso de retaliagao. Ter destruido o A gpreensao a forca do pénis do pai e de excrementos ¢ criang interior do corpo da mae, além de assalta-lo, se torna, além do mais, uma fonte dlo mais profundo medo que ele sente dela. E, quanto mais sadica tiver sido a destruigao imaginaria do corpo dela, maior sera o seu terror dela como rival Estdgios Iniciais do Conflito Edipiano Os impulsos genitais do menino, que, embora de inicio encobertos pelos impulsos pré-genitais e wilizados para servir aos fins destes, nao obstante afetam substancialmente o curso da sua fase sadica, levam-no a tomar 0 corpo ¢ os genitais da mac coma objeto sexual. Desse modo, ele deseja ter a posse tinica da mae em um sentido oral, anal e genital e ataca o pénis do pai dentro dela com todos os meios sadicos a sua disposicao. Tambem sua posicao oral da origem a muito odio contra o pénis do pai como conseqiténcia da frustracdo que ele vivenciou por parte do pai. Comumente seus impulsos destrutives em relacao a0 pénis do pai sao muito mais fortes do que os da menina, na medida em que stu anscio pela mae como objeto sexual o induz a concentrar seu 6dio mais intensamente nele. Além do mais, 0 pénis ja foi o objeto excepcional de ansiedade estagios mais arcaicos do seu desenvolvimento, pois seus impulsos agressi- vos diretos em relacao a ele despertaram um medo proporcional dele. Esse medo nos reforca novamente seu ddio por ele e seu desejo de destrutlo. Como vimos no tiltimo capitulo, a menina retém o corpo da mae como o objeto direto de seus impulsos destrutivos por um tempo muito mais longo e em um grau muito mais intenso do que o menino; ¢ os impulsos positives da menina com relacdo ao penis de pai — tanto o real quanto 0 imaginario dentro do corpo da mae — sao normalmente muito mais fortes ¢ mais duradouros do que os do menino. No caso dele, € apenas durante um certo periodo daquele estagio arcaico que seus ataques ao corpo da mae dominam o quadro em que a mac ¢ © verdadeiro objeto de destruigao. Bem depressa é 0 pénis clo pai, supostamente dentro da mae, que em um grau ainda maior atrai para si suas tendéncias agressivas conura cla Situacdes de Ansiedade Arcaicas Além dos medos que o menino sente em consequiencia da sua rivalidade com a mae, seu meco do penis internalizado perigoso do pai bloqueia sua manu- tencao de uma posicdo feminina. Este tiltimo medo, junto com a forca crescenie dos seuss impulsos genitais em particular, faz que ele desista da sua identificacaa com a mae ¢ fortaleca sua posicao heterossexual. Mas se seu medo da mae como 260 A PSICANALISE DE CRIANCAS rival e seu medo do pénis do pai forem excessivos, de tal forma que ele nao supereadequadamente a fase feminina, uma barreira decisiva ao estabelecimmento de sua posi¢do heterossexual se tera levantado. adlemais, de grande importéncia para o resultado final do desenvolvimen- to do menino 0 fato de sua vida mental arcaica ter ou nao sido dominada por um medo dos pais combinados na copula ¢ formando uma unidade inseparavel hostil a ele.! Uma ansiedade desse tipo faz que seja mais dificil para ele manter qualquer posigao € traz situacdes de perige que eu considero como as fontes mais profundas da impoténcia sexual. Essas situacoes de perigo especificas surgem do medo que o menino tem de ser castrado pelo pénis do pai dentro dla mae — isto é, de ser castrado pelos pais “maus” combinados —e de seu medo, muitas vezes evidenciado, de que seu préprio pénis seja impedido de retroceder e de ser trancado no interior do corpo da mae.” Assinalei mais de uma vez que as situagdes de ansiedade resultantes de ataques sddicos feitos pelas criangas de ambos os sexos ao corpa da mae caem em duas categorias. Na primeira, 0 corpo da mae se torna um lugar cheio de perigos que da origem a todo tipo de terrores. Na segunda, 0 interior da propria crianca ¢ transformado em um lugar de tipo semelhante, em virtude da introjecao por parte da crianca de seus objetos perigosos, especialmente os pais combina- dos na copula, € ela fica com medo dos perigos ¢ ameacas dentro de si, As situagoes de ansiedade pertencentes a essas duas categorias exercem uma influencia matua © estao presentes tanto na menina como no menino; e ja examinei em outra parte deste livro os métodos para dominar a ansiedade, comuns a ambos. Dito de forma breve, sao como se segue: a crianga luta com seus objetos internalizados “maus” por meio da onipotencia de seus excrementos e também recebe protecao contra eles dos seus “bons” objetos. Ao mesmo tempo, ela desloca seu medo dos perigos internos para o mundo externa por meio da projecdio ¢ encontra la evidéncias para refuta-los. Mas, além disso, cada sexo tem os seus proprios modos, essencialmente diferentes, de controlar a ansiedade. O menino desenvolve o seu senso de onipoténcia dos excretos de modo menos forte que a menina, substituindo-o em parte pela onipoténcia do pénis; e, em conexao com isso, sua projecao de perigos internos é diferente da da menina. O mecanismo especifico que ele emprega para superar o medo tanto dos perigos internos quanto dos externos, ao mesmo tempo que obtém satisfagao sexual, é determinado pelo fato de que seu pénis, como um 1 O significado etiologico desses medos nas psicoses foi assinalado nos capitulos vil e 1% 2 Esse medo tem relacao, creio, com varias formas de claustrofobia. Parece certo que a claustrofobia pode ser remetida ao medo de ser encerrado ¢ rancado dentro do corpo perigoso da mae. No terror particular de nao ser capaz de desemaranhar © penis do corpo da mac, parcceria que esse inedo foi afunilado para um medo pela integridade do penis. DESENVOLVIMENTO SEXUAL DO MENINO. 261 rgao ativo, ¢ usado para controlar seu objeto e é acessivel a testes da realidade. Ao ganhar posse do corpo da mae por meio do seu pénis, ele prova para si mesmo sua superioridade nao so sobre seus perigosos objetos externos como tambem sobre os internos. Onipotencia Sddica do Penis No menino, a onipoténcia dos excrementos e dos pensamentos esta parcialmente centrada na onipoténcia do pénis e, especialmente no caso dos excrementos, ¢ em parte substituida por ele. Ele dota seu pénis na imaginacdo de poderes destrutivos e equipara-o a feras devoradoras e assassinas, armas de fogo, e assim por diante. A crenca de que sua urina é uma substancia perigosa ¢ 0 equaciona- mento que faz de suas fezes venenosas e explosivas com seu pénis contribuem para fazer deste 0 Orgdo executor de suas tendéncias sadicas. Alem do mais, certos processos fisiologicos demonstram que seu pénis realmente pode mudar de aparencia e ele toma esse fata como prova de sua onipoténcia. Assim, seu pénis ¢ seu senso de onipoténcia achamse ligados de um modo que tem uma importancia fundamental para a atividade do homem e seu dominio da ansieda- de, Na anilise de criancas, deparamo-nos em geral com a idéia do pénis como uma “vara magica”, da masturhacao como magica e da erecao e da ejaculacao! como um aumento tremendo dos poderes sadicos do pénis’. O interior do corpo da mae, que se sucede ao seio como o objeto da crianca, logo assume o significado de um lugar que contém muitos objetos (inicialmente representados pelo pénis e excrementos). Em conseqiténcia, as fantasias do menino de tomar posse do corpo da mae copulando com ela formam a base de suas tentativas de conquistar 0 mundo externo e de controlar a ansiedade segundo linhas masculinas. Tanto no que diz respeito ao ato sexual, quanto as sublimagées, cle desloca suas situagdes de perigo para o mundo externo ¢ supera-as la, por meio da onipoténcia de seu pénis. No caso da menina, sua crenca no penis “bom” do pai e seu medo do pénis “mau” fortalecem suas tendéncias introjetivas. Assim, o teste da realidade contra seus objetos “maus”, realizado pela mulher, se da, em ultima instancia, dentro \ Cf, Abraham, “Ejaculatio Praecox” (1917) 2 Em seu “Deitrage zur Analyse des Sadismus und Masochismus" (1913), Federn discutiu a questao de como 0 fendmeno do sadismo ativo surge no homem ¢ chegou 4 conelusio de que “o componente do drgio masculino ativo que esta despertando se transforma por meio de mecanis. mos inconscientes, dos quais 2 representagao simbolica é um dos mais importantes, em sadismo: ou, mais corretamente, as tendéncias que fhiem daquele componente os sentimentos positives pela mae nao podem ser mantidos suficientemente, tambem ¢ corpo da mie permanece um objeto de ddio como resultado da sua agressio contra o penis do pai. que cle presume estar dentro dela; ele, entao. se alasta da mie. _DESENVOLVIMENTO SEXUAL DO MENINO encarar o pénis do pai no interior dela mais ¢ mais nao apenas como uma fonte de perigo ao seu proprio penis mas como uma fonte de perigo para o corpo dela também, ¢ sente que deve destrui-lo dentro dela por esse motivo. Outro fator que age como um incentivo para o coito com ela (e que na menina fortalece a posicaa homossexual) ¢ 6 seu desejo por conhecimento, que foi intensificado pela ansiedade.' O desejo pelo conhecimento surge simultaneamenie as tendéncias destrutivas e muito prontamente € posto a servico do controle da ansiedade. Por meio do pénis penetrante, que € equacionado com um drgao de percep¢aa, para ser mais precisa, com o olho,? 0 ouvido ou uma combinagao dos dois, ele quer descobrir que tipo de destruicao foi feita no interior da mae por seu pénis ¢ excrementos e pelos do pai, ¢ a que tipos de perigos seu pénis esta exposto la Portanta, mesmo em uma época em que o menino ainda esta sch 0 dominio de seu sadismo € quando os meios por ele empregados sao totalmente de uma natureza destrutiva, o impulso para dominar a ansiedade se torna um estimulo para obter satislacao genital ¢ um fator que promove desenvolvimento. Além do mais, nessa fase ja aquelas medidas destrutivas se tornam elas proprias postas aservico de suas tendéncias restituitorias na medida em que a mae deve ser salva do penis “mau” do pai dentro dela, embora ao fazer isso elas ainda atuem de uma maneira violenta ¢ danosa. “A Mulher com Pénis” Acrenga da crianga de que o corpo da mae também contém o penis do pai leva, eee como tenho procura rar, a idéia da “mulher com pénis™. A teoria sexual de que a mae tem um pénis feminino dela é, creio, o resultado de uma modilicagaéo por deslocamento de medos mais profundamente assentados do corpo dela como um lugar que esta cheio de grande utimero de pénis perigosos c dos pais engajados numa copula perigosa, “A mulher com pénis” sempre significa, eu dirta, a mulher com o pénis do pai.’ 1 CE capitulo va 2 CLM y Chadwick, “Uber die Wurzel der Wissbegierde” (1925) + Em “Homosexualitit und Odipuskomplex” (1927), Felix Bochm chegou a conclusao de que as fantasias que os homens muitas vezes m de que a vagina da mulher esconde um penis grande, “perigasa” ¢ mivel — um pénis feminine ~adquirem seu valor patogénico do fato de que esizo inconscientemente ligacas com idéias da presenga oculta na vagina da mae do penis gigantesco e alerrorizador do pai, Em um artigo anterior, “Homosexualitat und Polygamie” (1920), Bochm Cambém assinalou que os homens muitas vezes tém um desejo de encontrar pénis do pai deniro daimac ¢ que esse desejo se bascia em impulsos agressives contra 0 pénis do pai. O impulso que tem de atacar 0 penis do pai dentro da vagina da mae ¢ a repressao daquele impulso agressive, sto favores importantes, cre Boehm, para tornados homossexuais. 264 A PSICANALISE DE CRIANGAS Normalmente, 0 medo que o menino sente dos pénis do pai dentro da mac diminui a medida que suas relacdes com seus objetos se desenvolvem e ele avanca na conquista de seu proprio sadismo, Uma vez que seu medo do penis “mau” éem grande medida derivado de seu impulsos destrutivos contra 0 penis: do paie uma vez que o carater de suas imagos depende amplamente da qualidade € quantidade do seu proprio sadismo, a reducao desse sadismo e com ela a reducao da ansiedade abrandarao a severidade de seu superego ¢, desse modo, melhorarao as relacdes do seu ego tanto com respeito a seus objetos imaginarios internalizados quanto com seus objetos reais externos. Estagios Posteriores do Conflito Edipiano Se, lado a lado com a imago das pais combinades, imagos do pai ¢ da mac isoladamente, especialmente da mae “boa”, estiverem operando com suficiente forca, a crescente relagao do menino com os objets ¢ a adaptacao a realidade terao por resultado que suas fantasias sobre o pénis do pai dentro da mae perderaio seu poder, ¢ seu odio, ja reduzido de todo modo, sera mais fortemente dirigida ao seu objeto real. Isso tera o efeito de que imago dos pais combinados é ainda mais completamente separada [em figuras isoladas]; e sua mae se tornara proe- minentemente 0 objeto de seus impulsos libidinais, enquanto seu odio c ansiedade irao grosso modo para o pai real (ou pénis do pai) ou, por deslocamento, para algum outro objeto, como € 0 caso de fobias de animais. As imagos separadas da mae € do pai se destacarao, entao, mais distintamente ea importancia dos objetos reais aumentara;¢ ele entrara agora em uma fase em que suas tendéncias edipianas e seu medo de ser castrado pelo pai real adquirem mais destaque.' No entanto, as situagdes de ansiedade mais arcaicas estao, vim a descobrir ainda latentes nele em grau maior ou menor, apesar de todas as modificaces que softeram no curso do seu desenvolvimento; e da mesma forma, também todos os mecanismos defensivos e mecanismos pertencentes a estagios posterio- res oriundos dessas situacées de ansiedade. Nas camadas mais profundas de sua mente, portanto, é sempre pelo pénis “mau” do pai pertencente a mae que ele espera ser castrado. Mas, contanto que suas situacées de ansiedade nao sejam excessivamente paderosas e, acima de tudo, que sua mae represente a mae “boa” suficientemente, o corpo dela sera um lugar desejavel, ainda que um lugar que so pode ser conquistado com risco maior ou menor para ele, segundo a magnitude cas situagées de ansiedade envolvidas. Esse elemento de perigo ¢ de Quando isso acontece é sinal de que a separacio da imago dos pais combinados foi alcancada com éxito ¢ que sua ansiedade psicatica infantil foi modificada. Cf. capitulo 1x 2 Cl capitulos x e x DESENVOLVIMENTO SEXUAL DO MENINO, 265 ansiedade, que em todo homem normal se associa a copulacao, € um incentivo para a atividade sexual ¢ aumenta a satisfacdo libidinal que ele extrai da copula, mas, se esse incentivo ultrapassa um certo limite, tera um cfeito perturbador e o impedira até mesmo de ser capaz de realizar o ato sexual. Nas suas lantasias inconscientes mais profundas, a copula envolve subjugar ou eliminar o pénis do pai que supostamente esta dentro da mulher. A essa luta com o penis do pai dentro da mae estao ligados, creio, aqueles impulsos sadicos que estao normal: mente presentes quando ele toma posse da mulher de um modo genital. Assim, o deslocamento original que faz do pénis do pai para o interior do corpo da mac torna-a um objeto de ansiedade permanente para ele ~embora o grau com que isso se da varie grandemente de pessoa a pessoa ~ ¢ tambem aumenta conside- ravelmente a atracéo sexual que as mulheres tém para os homens, porque se torna um incentivo para que cle supere sua ansiedade. No curso normal das coisas, a medida que as tendencias genitais do menino se tornam mais fortes e ele supera seus impulsos sadicos, suas fantasias de fazer restituigdo comegam a ocupar um espago maior. Como ja foi visto, fantasias restituidoras com relacéo a mae jA existem enquanto seu sadismo é ainda dorinante ¢ tomam a forma de destruir 0 pénis “mau” do pai dentro dela. O primeiro e principal objeto delas € a mae ¢, quanto mais ela representa o objeto “bom” para cle, mais rapidamente suas fantasias de restituicaa se ligarao a sua imago.’ Isso pode ser visto de maneira especialmente clara na analise do brincar Quando as tendéncias reativas do menino se tornam mais fortes, ele comeca a brincar de um modo construtivo. Em jogos de construir casas ¢ cidades, por exemplo, ele simbolizara a restauracao do corpo da mae ¢ do seu proprio’ de um modo que corresponde em cada pormenot com 0s alos de destruicao que exibin no seu brincar em um estagio anterior da analise ou ainda agora, em aliernancia com os jogos construtivos. Ele, entao, construira uma cidade colo- cando as casas juntas cle todos 05 jeitos possiveis € pora um homenzinho —que © representa — como policial para controlar 0 tansito, € este policial estara sempre atento a que os carros nao se choquem uns contra os oUTrOs OU GUC AS casas sejam danificadas ou 0s pedestres atropelados; ao passo que, em jogos anteriores, a cidade era freqtientemente danificada pela colisdo de veiculos ¢ as pessoas eram derrubadas. Talvez em um periodo ainda anterior, seu sadismo tomasse uma forma mais direta e ele costumasse molhar, queimar e€ cortat toda J fol visto com clarezaem outro contexto que es tendéncias restituitrias do menino sao dirigidas ‘40 objeto “hom” e que as destrutivas vao para o objeto “mau”, > Uma vez que as situagdes de ansiedade do menino com respeito ao interior da mae ¢ sua ansiedacle relerente ao Sett proprio corpo encontranrse interligadas ¢ sao interdependentes, stias fantasias de restaurar 0 corpo da mac se aplicam com todos os detalhes restaracao do sew praprio corpo. Prosseguiremos agora para a consideracao desse aspecto de suas fantasias de restiunicio, A PSICANALISE DE CRIANGAS sorte de artigos que simbolizassem o interior da mae € seus contetidos, isto ¢, 0 penis do pai e¢ as criancas enquanto ao mesmo tempo esses atos destrutivos representavam o dano que o pénis do pai causava e que ele, menino, também queria praticar la. Como reagao a essas fantasias sadicas em que o pénis violento csubjugador(o do pai co seu), representado pelos carros em movimento, destrai a mae e machuca as criangas internas, representadas pelas figurinhas de brin quedo, ele agora tem fantasias de restaurar 0 corpo da mae — a cidade —em todos os aspectos cm que ele anteriormente o danificou, Tendéncias Restituitorias ¢ Atividades Sexuais Ja foi dito repetidamente nestas paginas que o ato sexual é um meio muito importante de dominar a ansiedade para ambos os sexos. Nos estagios iniciais do desenvolvimento dla crianga, 0 ato sexual, além dos seus propositos libidinais, serve para destruir ou danificar 0 objeto (embora tendéncias positivas ja estejam em operagao por tras da cena). Em estagios posteriores, além da satisfacao libidinal que proporciona, 0 ato sexual serve para restaurar 0 corpo ferido da mae ¢, desse modo, para dominar a ansiedade ea culpa. Ao discutir as fontes subjacentes da atitude homossexual da menina, apontei quao importante ¢ para ela a ideia de possuir um penis com poderes curativos ¢ onipoténcia construtiva no ato sexual. O que 1a foi dito se aplica igualmente a atitude heterosexual do homem, Sob a supremacia do estagio genital, ele atribui ao scu pénis na copula a funcao nao apenas de dar prazer a mulher, como de restaurar todo o dano que seu pénis e 0 pénis do pai fizeram a cla, Ao analisar meninos, descobrimos a suposicao de que o pénis deve executar toca tipe de luncoes curativas ¢ de limpeza. Se, durante seu periode de onipoténcia sadica, o menino usou seu pénis na imaginacao para propdsitos sadicos — tais como inundar, envenenar ou queimar coisas com sua urina — no periodo de fazer restituicao cle 6 encarara como um extintor de incéndio, um eslregdo ou um irasco de remédios curativos. Do mesmo modo que sua crenca anterior nas qualidades sadicas do seu pénis envolvia uma crenga no poder sadico do pénis do pai, agora também sua crenca no seu penis “bom” envolve uma crenca no pénis “bom” do pai; e, do mesmo modo que entao suas fantasias iam no sentido de transformar o pénis do pai em um instrumento de destruicao da mae, também agora suas fantasias restituitorias ¢ sentimento de culpa vao no sentido de transforma-lo em um orgao “bom” com poderes curativos.' Como resultado, seu | Oscntimento de culpa do menino para coma mae ¢ seu medo de que o penis “mau” do pai post fazer mala cla contribuem em um grau que nao ¢ pequeno para o seu eslorco de restaurar o penis do pai tambem ¢ dato de volta a cla ¢ de uni os dois em wma forma amigavel. Em certos casos, DESENVOLVIMENTO SEXUAL DO MENINO_ medo do superego “mau” derivado do pai é abrandado e ele pode ciminuir sua identificagao com © pai “mau” em relacdo com seus objetos reais (identilicacao que em parie esta bascada na sua identificagao com o objeto da sua ansiedade) © € capaz de se iclentilicar mais fortemente com o pai “bom”. Se seu ego for capaz de tolerar ¢ modificar uma certa quantidade de sentimento destrutivo contra o pat ¢ se sua crenca no penis “bom” do pai for suficientemente forte, cle pocera muanicr ao mesmo tempo a rivalidade com o pai (essencial para o estabelecimenty dle uma posicao heterossexual) ¢ sua identificacao com ele. Sua erenga no pénis “pom” do pai aumenta a atra 0 sexual que ele sente jpclas mulheres, pois na sua fantasia elas contém objetos que nao 20 muito perigosos ¢ objetos que — por causa cle sua atitude homossexual em que o pénis “bom” € um objeto de amon ~ sao na realidade desejaveis.' Seus impulsos destrutivos reterao o pénis rival do pai como seu objeto (vivenciado como um objeto “man”) ¢ seus impulsos positivos serao dirigidos principalmente 4 mae. Importancia da Fase Feminina na Heterossexualidade O resultado do desenvolvimento do menino depende essencialmente do curso favoravel da sua fase feminina arcaica. Como enfatizei antes, ¢ condicao para um firme estabelecimento da posicao heterossexual que o menino tenha éxito em superar essa fase. Em artigo anterior, assinalei que o menino muitas vezes compensa os sentimentos de odio, ansiedade, inveja ¢ inferioridade que surgem da sua fase feminina reforcando scu orgulho da posse de um pénis, e desloca esse orgulho para atividades intelectuais.’ Esse deslocamento forma a base de uma atitude muito hostil de rivalidade em relacao as mulheres ¢ afeta a lormacdo do esse desejo pode se tornar tao dominante que ele abdicara da mae camo objeto de amor ea cederd an pat inietramente, | sa situaeio o dispoe a passar para uma posicao homossexual:.¢, nesse ciisn. sua homossexwalicade serviria ao proposito de fazer restituigdo a penis do pai, cuja funcae seria cniao, ade restaurar a mie e Ihe dar gratifieacso. 1 Onde © medo do menino do penis “mau” ou, nto pouea vezes, sua incapacidade de tolerar o proprio sadismo aumentam sua erenga no penis “hom” em uM grau exageraclo, naa s6 com Fespeito aa penis do pai dentro da mae, mas com respeito ao seu superego, sua atitude para com as mulheres pode se tornar bastante distorcida, O ato sexual servira em primcito lugar ¢ sobretuelo pata satislazer seus clescjos homossexuais ¢ 0 ero nao sera mais do que algo qute contem 0 penis hom” Estigios inieiais do conflito edipiano” (1928), Obras Completas, 1 > Em seu artigo “Uher die Wurzel der Wisshegierde” (1925), Mary Chadwick considera que 9 mnenino se reconcilia com sua incapacidade de ter um filho pelo exercicio do seu desejo por contiecimento © que a descoherta cientifiea e as conquistas intelectuais tomam o lugar para ele dle ter uma crianca, FE, segundo ela, este deslocamento para o plano mental da sua inveja clas mulheres por poderent ier um [iho que o faz assumir uma atinude de 1 etn qinestoes tncleciuais, alidade para com clas 268 A PSICANALISE DE CRIANGAS seu carater da mesma maneira que a inveja do pénis afeta a delas. A ansiedade excessiva que cle sente em fungao de seus ataques sadicos ao corpo da mae se torna fonte de perturbacoes muito sérias nas suas relacoes com 0 sexo oposto. Mas, se sua ansiedade esentimento de culpa se tornam menos agudos, serao esses mesmos sentimentos que darao origem aos varios elementos de suas fantasias de restituicdo que o capacitarao a ter uma compreensao intuitiva das mulheres Essa fase feminina arcaica tem ainda um outro efeito favoravel sobre as relacdes do menino com as mulheres na vida futura. A diferenca entre as tendéncias sexuais do homem e da mulher requer, como sabemos, diferentes condicoes psicologicas de satisfacao para cada um € os leva a buscar © preenchi- mento de requisitos diferentes e mutuamente incompativeis, cada qual nas suas relagGes com o outro. Usualmente, a mulher quer ter 0 objeto do seu amor sempre com ela —em altima instancia, dentro dela; ao passo que o homem, devido as suas tendéncias psicossexuais orientadas para fora ¢ ao seu método de controlar a ansiedade, se inclina a mudar de objeto de amor freqitentemente (embora seu desejo de manté-lo, na medida em que representa a mae “boa”, va contra essa tendéncia). Se ele, ndo obstante, ¢ apesar dessa dificuldades, for capaz de ficar em contato com as necessidades mentais da mulher, sera em grande medida por causa da sua identificacao mais arcaica com a mae. Pois naquela fase ele introjeta o penis do pai como objeto de amor € sao os desejos ¢ fantasias que ele tem nesse contexto que, se a relagdo que tem com a me for boa, ajudam-no a compreender a tendéncia da mulher de introjetar e preservar o penis.' Alem disso, 0 desejo de ter filhes de seu pai, que emerge dessa fase, leva-o a encarar a mulher como crianga sua; ¢ ele faz 0 papel da mae generosa em relacao a ela? Desse modo, ele também satisfaz os desejos amorosos de sua parceira provenien- tes da forte ligacdo dela com a mae. Assim, e apenas assim, pela sublimacao de seus componentes femininos e superando seus sentimentos de inveja, édio ¢ ansiedade com relacao 4 mae,’ originados na fase feminina, 0 menino sera capaz de consolidar sua posicao heterossexual no estagio da dominancia genital. | Edoarclo Weiss, em scu artigo “Uber cine noch unbeschriebene Phase der Entwicklung zur heterosexuellen Licbe” (1925), afirma que a escolha heterosexual de objeto feita pelo homem adulto resulta da projecito da sua propria feminilidade c acredita que ¢ devida a esse mecanismo dle projeco que o homem adulto retém parcialmente uma atitude maternal com relacdo a sua parceira, Assinala também que a mulher atinge sua posicao heterosexual final de um modo correspondente, ao abdicar de sua masculinidade e pola no homem que ama, 2 Reich mostrou que em muitos pacientes o penis assume o papel do seio da mae ¢ o semen, o de leite (cf. The Function of the Orgasm, 1927). 3 De mancira analoga, pela superagdo bem-sucedida da inveja do pénis que a mulher sente ¢ pela sublimacao de seus componentes masculinos, a menina cria a precondicdo para uma posicio heterossexual bem estabelecida. DESENVOLVIMENTO SEXUAL DO M :NINO _269 Jé mencionei por que € que, quando o estagio genital foi plenamente alcancado, uma condigao necessaria para a poténcia sexual seja que o menino acredite na qualidade “boa” do seu penis —isto ¢, na sua capacidade de fazer restituicao por meio do ato sexual.' Essa crenga esta em ultima instancia vinculada a uma condigdo concreta —conereta do ponto de vista da realidade psiquica —, a saber, que o interior do seu corpo se encontra em bom estado. Em ambos 0s sexos, as situagdes de ansiedade que surgem de eventos perigosos, ataques e encontros dentro do proprio corpo, € que se encaixam com situagoes de ansiedade relacionadas com eventos semelhantes dentro do corpo da mae, constituem as situacoes de perigo mais profundas. O medo a castragao, que ¢ apenas uma parte — ainda que muito importante — da ansiedade sentida a respeito do corpo todo, se torna no individuo masculino um tema dominante, que obscurece todos os seus outros medos em grau maior ou menor. Mas isto se da precisamente porque uma das fontes mais profundas a que as perturbacoes na sua potencia sexual se referem originalmente € a ansiedade acerca do interior do seu corpo. A casa ou cidade que o menino gosta tanto de construir repetid: mente no seu brincar significa nao apenas 0 corpo renovado ¢ intacto da mac: z mas tarubém o seu proprio Reforcamento Secunddrio do Orgulho do Penis Ao descrever o desenvolvimento do menino, chamei a atencao para certos fatores que tendem, na maneira como penso, a aumentar ainda mais o significado central que o penis possui para ele. Eles podem ser resumidos da seguinte forma: (1) a ansiedade que surge das suas situacdes de perigo mais arcaicas —seus medos de ser atacado em todas as partes do seu corpo e dentro dele — que inclui todos os seus medos que derivam da posicao feminina, ¢ deslocada para o penis como um orgao externo, onde pode ser mais bem controlada. O orgulho maior que o menino sente pelo seu pénis ¢ tudo que isso envolve pode ser considerado como um metodo de dominar esses medos € desapontamentos a que sua posicaa feminina o expoe mais particularmente.’ (2) O fato de que o pénis é um veiculo primeiro da onipotencia destrutiva do menino, depois de sua onipoténcia tL Tal conviceao torna-se continuamente mais forte na analise na proporcao em que a severiglade do sew superego, ansiedade ¢ sadismo diminuem e o estigio genital emerge mais claramente como uma melhoria concomitante na sua relagéo com seu objeto enas relagdes entre seu superego, ego e id 2 Assim, 2 mulher “pura” ¢ intocada 2, em ultima inswncia, a mulher que nao foi maculada (destruida) pelo penis do pai e por seus excrementos perigosos, ¢ que pode, portanto, dar ao homem substancias boas, curativas —puras —de dentro do sew interior intacto 5 Ch. meu artigo “Estagios iniciais do conflito edipiano” (1928, Obras Completas, 1) 270 A PSICANALISE DE CRIANGAS _ construtiva, aumenta o seu significado como um meio de dominar a ansicdade. Alem do mais, ao preencher assim todas essas fungdes — isto é, a0 promover scu sentimento de onipoténcia, seu teste de realidade ¢ sua relagao com os objetos ©, por meio dessas fungées, servir a fungdo dominante de controlar a ansiedade — 0 pénis, ou melhor, seu representante psiquico, € posto em uma relacao especialmente proxima com o ego ¢ é translormado em representante do ego¢ da consciénicia,” 20 passo que o interior do corpo, as imagos e as fezes —isto 6, aquilo que ¢ invisivel e desconhecido — sao comparados ao inconsciente, Alem do mais, aa analisar pacientes do sexa masculino, meninos ou homens, tenho observado que, a medida que o medo das suas imagos mas € de suas fezes (isto €,do inconsciente), que dominavam internamente, diminuia, sua crenca em sua propria poténcia sexual era fortalecida € o desenvolvimento de seu ego ganhava terreno.’ Fste tltimo efeito se deve em parte ao fato de que 9 medo menor do menino clo seu superego “mau” ¢ dos contetidos “maus” do seu corpo capacita-o a se identificar melhor com seus objetos “bons” introjetados ¢, desse modo, permite um maior enriquecimento do seu ego Assim que sua confianca na onipoténcia construtiva do seu pénis esteja firmemente estabelecida, sua crenca na poder do pénis “bom” do pai dentro de si formara a base de uma crenga secundaria na sua onipoténcia, que suportari e fortalecera a linha de desenvolvimento ja tracada para ele por seu proprio penis. E, como ja foi dito, 0 resultado do seu crescente relacionamento cam os objetos. sera cle que suas imagos trreais retrocedem para segundo plano, enquanto scus sentimentos de odio e medo a castragéo surgem com um relevo mais nitido e fixam em seu pat real. Ao mesmo tempo, suas tendéncias restituitorias sao progressivamente ditigidas a objetos externos € seus métodos de controle de ansiedade se tornam mais realistas. Todos esses avancos no seu desenvolvimento se dao paralclamente a supremacia crescente do seu estagio genital e caracteri- zam os estagios posteriores do seu conflito edipiano. Perturbucées do Desenvolvimento Sexual Ja se enfatizou a lantasia da crianga dos pais ligados perpetuamente em copula como uma fonte de intensas situagoes de ansiedade. Sob a influéncia de tal fantasia, 0 corpo da mae representa acima de tudo uma uniao da mae ¢ do pai que € extremamente perigosa e que é dirigida contra a crianca. Sea separacao dessa imago dos pais combinados nao ocorre em grau suficiente no curso do 1 Essa visto ¢ sustemtada por um ato bem estabelecido da abservacdio analitica, a saber, que 0 penis € a potencia masculine representam a atividade masculina em geral 2 Ch meu arugo “Uma contrihuicao 4 teoria da inibigao intelectual” (1931, Obras Completes, 1) NVOLVIMENTO SEXUAL DO MI ENINO 271 seu desenvolvimento, a crianga sera acometida por perturbacdes graves tanto nas suas relacdes objciais quanto na sita vida sexual. Uma predominancia da Imago parental combinada remete-nos, no que concerne a minha experiencia, i perturbagdes nas relacdes mais arcaicas da criancinha com a mae, ou melhor, com o seio dela.' Essa situagao, conquanto fundamental em crian ‘as de ambos 05 sexos, jd ¢ diferente para cada sexo nos arcaicos do desenvol- tagios mai vimento. Nas paginas que se seguem, restringirei minha atengao ao menino ¢ examinarel como essas fantasias aterrorizadoras adquirem sua predominancia e de que modo influenciam seu desenvolvimento sexual Nas minhas analises de meninos e de homens adultos, tenho observado que. quando fortes impulsos orais de succdo se combinaram com fortes impulsos sadico-orais, 0 bebé se afasta muito cedo e com ddio do seio da mae.’ Suas tendéncias destrutivas arcaicas € intensas contra seio levam-no a introjetar uma mae “ma” na sua maior parte; ¢ o seu abandono concomitante ¢ stthito do sein mateo € seguido por uma introjecao excessivamente forte do penis paterno Sua [ase feminina € governada por sentimentos de dio ¢ inveja em relacao a mac c, Ao mesmo tempo, como resultado de seus paderosos impulsos sadico-rais, cle passa a tet um intenso édio* ¢ um correspondentemente intenso medo do pénis internalizado do pai. Seus impulsos orais de succio extremamente fortes dao origem a fantasias de um processe ininterrupto € eterno de ingestao de alimento; mas, ao mesmo tempo, a recepcao de alimento ¢ a satisfacao sexual (ambas por meio da copula com o pénis do pai) se transformam em tortura ¢ destruicao. Isso 0 leva a pressuposicao de que o interior do corpo da mae esta repleto até o ponto de estourar com seus enormes penis “maus”, que a estao destruindo de todos os modos possiveis. Na sua imaginacdo, ela se tornou nao apenas a “mulher com pénis” mas também um tipo de recipiente para os pénis do pai ¢ para o seu excremento perigoso, que esta equacionado a eles.’ Ele © Ch capitulo vie, 2 Para uma deserigio de sua aplicagéo a menina, ver o capitulo anterior alguns desses casos, 0 periodo de succao foi curto ¢ insatislatorio; em outros, so lot ofereciela 4 crianga a mamadetra. Mas, mesmo quando 0 periodo de sucgae para todos os efeitos lil satisfatorio, a ctianca pode, nao obstante, ter se afastado clo seio mitiva ce«lo © com sentimetion dle ddlio ¢ ter introjetaclo © penis do pai muito fortemente, Num caso desses, 9 comportamente do menino deve ter sido determinado por fatores constitucionais. Ver o capitulo Vin + 0 Odio acentuado do menino ao penis do pai se bascia em fantasias destrutivas excessivamente fortes ditigicas ao scio © ao corpo da mae; de modo que aqui também sua atitude arcaica para com 9 mae influencia sua atitude para com o pai > AS images que surgem dessas fantasias usualmente nao 56 estao em couitraste muito grande com a imagem real da mae do menino, como também a obscurecem inceiramente. Adit, causa ¢ cleite relorcause mutnamente, Devido a operacao das situacdes de ansiedade mais arcaicas do menino, scimento das suas relacoes de objeto e adaptacao a realidade ficou detido. Como conseq ter A continua alliedo e preocupacio de B com sua aparéncia revelou ser um desiocamento para fora da sua aflicao quanto ao interior de seu corpo e da sua ansiedade hipocondriaca referente a cle. 282 APSICANALISE DE CRIANCAS. por vezes assumiam o carater de delirios, mas aos quais ele parecia curiosamente indiferente. Por exemplo, em uma viagem passou algum tempo em uma pensio, onde sentiu. que uma mulher que estava hospedada la o perseguia sexualmente € alé mesmo tramava contra sua vida. Uma indisposicado — pequena —fez que ele acreditasse que havia sido envenenado por um pao que essa mulher havia comprado para ele. Como resultado desse sentimento, 0 Sr. B deixou a pensao imediatamente, mas no ano seguinte voltou la, embora soubesse que encontraria essa mulher novamente, pois ela era hospede permanente la. Assim se deu, e um intenso relacionamento social se desenvolveu entre os dois, que se tornaram grandes amigos. Apesar disso, 0 Sr. B nao abandonou sua suspeita de que a mulher havia tentado envenena-lo um ano antes. Persuadiu-se de que ela nao repetiria a tentativa, na medida em que agora eles se davam tao bem, Era notavel o fato de ele nao se ressentir pela alegada tentativa de assassinato. Isso se devia em parte ao seu enorme deslocamento de afetos, em parte a sua tolerancia ¢ compreensao intuitiva cle outras pessoas. Além desses fatores, o seu extraordi- nario poder de dissimulacaéo contribuiu para o fato de que suas idéias de referéncia e de perseguigao, sua ansiedade hipocondriaca e mesmo, em algum grau, scus graves sintomas abssessivos nao fossem aparentes para as pessoas proximas a cle. Esse poder extraordinario de dissimulacéo acompanhava suas caracteristicas parandides, que eram muito fortes. Embora sentisse que estava sende abservado ¢ espiado por pessoas ¢ tivesse muitas suspeitas delas, sua compreensao psicologica era tao grande que ele sabia esconder seus pensamen- tos ¢ sentimentos intciramente. Mas, lado a lado com esse traco dissimulador ¢ caleulista, havia nele um grande frescor e espontaneidade de sentimentos que brotavam do seu relacionamento positivo de objetos e que remontavam a fortes sentimentos de esperanca que originalmente existiram nas profundezas da sua mente; tais sentimentos também o haviam ajudado a ocultar sua doenga, mas deixaram de funcionar quase que totalmente nos tltimos anos. O Sr. B era um verdadeiro homossexual. Embora tivesse boas relagdes com mulheres (¢ com homens) como seres humanos,' como objetos sexuais ele as rejeitava tio completamente que nao podia absolutamente compreender como é que elas padiam supostamente ter qualquer atrativo.’ Do ponto de vista fisico, clas cram algo estranho, misterioso ¢ sinistro para cle. A forma de seus corpos 1 Mas essas boas relaces abjetais com homens ¢ mulheres se viam periodicamente sujeitas.a graves perturbagoes, Nessas acasioes, 0 Sr. B se retraia clo contato com as pessoas tanto quanto possivel “Teve relagoes sexuiais uma ou duas vezes em sua vida com mulheres, mas nunca obteve nenhuma satisfagao real com isso. Seus motivos principais para se engajar em um caso passageiro «esse (ipo cram curiosidade, desejo de fazer o que outros homens, heterossexuais, faziam, ¢,em especial, umn desgosto por lerir os sentimentos da outta pessoa, que em cada caso havia sido a pessoa mais desejosa, DESENVOLYIMENTO SEXUAL DO MENINO. 283 the era repelente, especialmente os seios ¢ as nadegas ¢ a falta de um penis. Sua aversao pelos seios ¢ nadegas se baseava em impulsos sadicos intensamente Tinha fantasias de bater naquelas partes “que saiam para fora” do corpo delas ate que ficassem, por assim dizer, “batidas pata dentro” e, assim, “reduzi fortes das”, at, talvez, dizia, ele poderia amar as mulheres. Essas fantasia eram determinadas por sua idéia inconsciente de que a mulher estava tao cheia dos penis do pai e de excrementos perigosos equacionados ao pénis, que eles a fizeram esiourar ¢ produziam essas protuberancias para fora. Assim, seu odio das partes que “saiam para fora” era na realidade dirigido aos penis internaliza- dos do pai e que ficavam reemergindo.? Na sua imaginagao, o interior do corpo da mulher era uma expansao infinita e inexploravel onde espreitavam toda sorte de perigos ¢ de morte ¢ ela mesma so se apreseatava para cle como wm tipo de continente de pénis aterradores © de excrementos perigosos. Encarava sua pele delicada € todos os outras atributos femininos como uma cobertura bastante artificial para a destruigdo que estava se dando em seu Interior e, embora em si mesmos The agradassem, ele os temia ainda mais como sendo inumeros sinais da sua natureza enganadora e traicoeira Ao igualar 0 pénis a pedagos de fezes, men paciente ampliava seu desloca- mento do medo suscitado pelo penis do pai para o corpo da mae ainda mais ¢ © aplicava aos excrementos venenosos ¢ perigosos dela tambem. Desse modo, ele de alguma forma encobriae punha de lado todas as coisas que odiava € temia dentro do corpo da mae. Que esse extenso proceso de deslocamento tenha falhado pode ser inferido a partir do fato de que o St. B se tornou consciente novamente dos seus objetos de ansiedade ocultos na forma dos seios e nadegas femininos. Eles simbolizavam perseguidores olhando para fora do corpo da mulher e observando-o; ¢, como me contou com evidente repugnancia ansic- dade, jamais ousarta sequer bater neles ow atacé-los, pois tinha um medo excessivo de toca-los. Ao mesmo tempo em que deslocou assim para 0 corpo da mae todas essas coisas que despertavain sett medo, de modo que este veio a se tornar um objeto de aversao para ele, ele havia idealizado o pénis ea sexo masculino em altissimo grau. Para ele, apenas o homem, em quem tudo era manifesto e claramente visivel © que nao escondia dentro de si nenhum segredo, era o objeto natural e bonito? Veremos mats adiante por que essa falta 6 aterrorizava tanto assim » Tambem 0s sentimentos sadicos do St. A contra as nddegas das mulheres eram determinados por fantasias semelhantes. Como a {oi dito no capitulo IV, 2 cabeca, bracos, maos ¢ pés ca mulher SAO muticas vezes encarados io inconsciente com o pénis internalizado do pai que vem de nove para fora; seus membros ~ as duas pernas, pés ou bracos ou mesino dedos — mnuitas veces signilicam os dois pais inernalizadas * Desde que a posse ce um pénis era algo to necessirio para cle para superar a ansiedlade, tovlos 284 A PSICANALISE DE CRIANGAS. Como deslocava tudo que fosse capaz de despertar seu medo do corpo do pai para o interior do corpo da mae, ele entao reprimiu muito fortemente tudo o que se relerisse ao interior do seu proprio corpo e acentuou tudo que fosse visivel, em particular seu pénis. Mas 0 quanto suas davidas a esse respeito eram lortes pode ser visto a partir do fato de que, quando tinha cerca de cinco anos de idade, havia perguntado a sua baba o que ela achava que era pior: “a frente ou auras” (querendo dizer pénis ou anus) ¢ ficara muito confuso quando ela respondeu “a frente”. Lembrava-se também de, quando tinha cerca de cito anos, de ficar no alto da escada, olhar para baixo e de se detestar, e das meias pretas que vestia.' Suas associacdes mostraram que o interior da casa dos pais sempre lhe havia parecido especialmente sombrio —“morto”, na verdade — ¢ que ele se conside- rava responsavel por essa desolacio — ou melhor, pela destruigaa dentro do corpo da mae e do seu, simbolizada pela casa sombria, que ele havia ocasionado com seus excrementos perigosos (as meias pretas). Como conseqiténcia da extensa repressao do seu “interior” ¢ do deslocamento deste para o seu “exterior”, o Sr. Bveio a odiar e temer este tiltimo, nado apenas com respeito a sua aparéncia pessoal, embora esta fosse uma continua fonte de aborrecimento e cuidado para ele, mas em relacao a outras quest6es associadas. Por exemplo, sentia a mesma repulsa por determinadas artigos de vestimenta, em especial sua roupa de baixo, que tinha por suas meias pretas ¢ sentia como se fossem seus inimigos, que o enclausuravam e pesavam sobre ele, ao se agarrarem tanto ao seu corpo.* Eles representavam seus objctos ¢ excrementos internalizados, que o estavam perse- guindo a partir do seu interior. Em virtude do deslocamento de seus medos de perigos internos para o mundo externo, seus inimigos dentro dele haviam sido transformados em inimigos fora dele Voltarei minha atencao agora para um exame da estrutura do caso. O paciente havia sido amamentado a mamadeira, Dado que seus componentes libidinais nio haviam sido satisfeitos pela mae, sua fixacdo oral de succao ao seio fora impedida. Devido a essa frustracto também, seus impulsos destrutivos contra o seio foram aumentados ¢ ele transformou aquela parte do corpo em feras ¢ monstros perigosos em sua imaginagao. (No seu inconsciente, equiparava os scios femininos a harpias.) os medos de Ba respeito do interior do corpo da mulher aumentavam pelo fato de ela nao ter esse orgiio externa Olhar para baixe significava olhar dentro de si proprio, Em outtes casos, pude descobrir que olltar a distancia significava introspecedo. Pareceria que, para o inconsciente, nada é mais distante e mais inescrutavel do que o interior do corpo da mae ¢, ainda mais, o interior de proprio corpo. m outros casos de adultos ¢ de criangas também, observei coisas do lado de fora do corpo representando coisas de dentro. Mew paciente de seis anos, Gunther, estava sempre fazenclo cobras de papel, enrolavaas no pescago e depois as rasgava. Fazia isso com a finalidade de dominar seu. medo nao apenas do penis do pai que o estrangulava de fora, mas tambem do penis do pai que o estava sufocando ¢ matando por dentro.

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