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Copyright © 2022 EVELYN SANTANA
 
Todos os direitos reservados à autora. Nenhuma parte deste livro
pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem
autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei n° 9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
 
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
SUMÁRIO
Sumário

Sinopse

Prólogo

Capítulo 01

Capítulo 02

Capítulo 03

Capítulo 04

Capítulo 05

Capítulo 06

Capítulo 07

Capítulo 08

Capítulo 09

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13
Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30
Capítulo 31

Epílogo

LEIA TAMBÉM

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Evy e Mid, minhas pincesas.
Obrigada por sempre estarem ao meu lado, me apoiando quando tenho
ideias loucas de madrugada, das quais nunca me lembro no dia seguinte.
Vocês são minhas irmãs de alma, sempre e para sempre.
SINOPSE
 
Ele é um bilionário grego. Ela, uma garçonete americana. Ele é um
solteiro cobiçado. Ela pensou que jamais chamaria sua atenção. Ele a
seduziu, depois a rejeitou. Ela engravidou e escondeu dele seu bebê!
 
BILIONÁRIO GREGO É ELEITO O SOLTEIRO MAIS COBIÇADO DA
DÉCADA
Com olhos azuis inesquecíveis e um sorriso matador, o solteiro
convicto Rafael Galanis está acostumado a deixar uma pilha de corações
partidos por onde passa.
Pilha na qual o coração de Helena estaria, se ela não tivesse juntado
os cacos no intuito de ser a melhor mãe possível para o bebê crescendo em
seu ventre, fruto do envolvimento entre os dois.
Mas agora ela precisa voltar a encarar a família Galanis para a leitura
do testamento do pai de Rafael, ao mesmo tempo que tenta proteger o filho
que gerou da maldade que cerca aquela família, ao manter a existência de
seu bebê em segredo.
As coisas deveriam ser simples, mas o desejo avassalador que uma
vez existiu entre Helena e Rafael ressurge com força total, tornando
humanamente impossível não ceder a ele.
 
 
 
 
 
 
 

PARTE 1
Um ano atrás…
PRÓLOGO
 

 
Eu estava grávida.
Era isso que significavam os dois risquinhos azuis que surgiram no
teste de farmácia. Depois de fazer cinco deles, de marcas diferentes, eu já
havia me tornado expert no assunto.
O resultado positivo do primeiro teste me fez comprar outro. E então
mais outro. E mais outro…
Cinco dias, cinco testes e, agora, eu estava prestes a ter minha quinta
noite insone consecutiva.
Grávida e apavorada, era como eu estava, o que não devia ser uma
boa combinação para o bebê.
O bebê.
Pensar assim me assustou, minha cabeça fazendo o paralelo entre
estar grávida e ter um bebê no meu colo, com bracinhos, perninhas, uma
boca para alimentar e um par de olhinhos brilhantes me encarando.
Olhos azuis e expressivos, talvez? Como os do pai dele?
Santo Deus! Como eu contaria sobre o bebê para Rafael? E mais
importante do que isso: qual seria sua reação?
Nós não tínhamos um relacionamento, nossos encontros aconteciam
sempre às escondidas, porque era impossível explicar à sua família como o
interesse de seu filho pródigo poderia recair justo em mim, que não passava
da atendente do café favorito de Rafael Galanis, o solteiro mais desejado
não apenas do ano, como da década!
As batidas potentes na porta do banheiro, onde eu me refugiei, me
sobressaltaram, arrancando um arfado do fundo da minha garganta.
— Helena, você não é a única que precisa esvaziar a bexiga antes de
ir dormir! — minha mãe berrou do outro lado da porta, e apertei os olhos
com força em puro desgosto.
Eu precisaria contar para ela sobre a gravidez, e minha única certeza
era a de que sua reação não seria nada bonita.
— Já estou saindo — respondi, apenas alto o suficiente para que ela
pudesse me escutar do lado de fora, algo que não era difícil. Com aquelas
paredes finas, ela poderia ouvir até mesmo meus batimentos cardíacos, se
prestasse atenção o suficiente.
Envolvi o teste usado num pedaço de papel higiênico, me lembrando
das cenas de livros e filmes onde a protagonista embalava um deles e fazia
uma surpresa bonita para seu par romântico. Talvez isso funcionasse em
algum universo paralelo, porque, na minha realidade, precisei descartar o
bastão, lavar as mãos com o sabonete de erva-doce que eu costumava amar,
mas que agora me dava náuseas, e então encarar minha mãe como se minha
vida não tivesse acabado de mudar para sempre.
— Alugue seu próprio apartamento, se quiser passar horas trancada
no banheiro sem ser incomodada — ela murmurou de forma mal-humorada
assim que abri a porta e passei por ela.,
Se ela já estava achando o espaço pequeno para duas pessoas, o que
diria quando soubesse que havia mais um morador a caminho?
 
CAPÍTULO 01
 

 
A ansiedade estava fazendo meu coração socar minhas costelas a cada
batida, e marquei seu ritmo com o batuque dos meus dedos sobre o tampo
de madeira da mesa, checando meu relógio pela terceira vez, apenas para
me dar conta de que um mísero minuto se passara.
Tentei me ater à decoração aconchegante do restaurante no qual
Rafael e eu costumávamos nos encontrar, mas não havia nada ali em que eu
já não tivesse reparado. Por mais que tirar meus olhos do cobiçado Rafael
Galanis não fosse uma tarefa fácil, ignorar a decoração que me fazia sentir
no Olimpo era impossível.
Esse foi o último pensamento que consegui formular antes de ver
quando os quase dois metros de altura de Raf passaram pela porta. Ele
ajeitou a gola alta de sua camisa preta de lã, como se ela já não estivesse
perfeita, e um segundo depois seus olhos azuis de um céu limpo de nuvens
me encontraram,
Meus ombros relaxaram instantaneamente sob o calor do olhar e do
sorriso de Rafael, o único deus grego no meu Olimpo, conforme ele
caminhava até nossa mesa recorrente, inclinando-se em minha direção para
prensar seus lábios nos meus.
Deveria ser um contato breve, mas movida por uma urgência
desconhecida, apertei meus dedos na nuca de Raf, sentindo o calor de sua
pele, a textura macia de seus cabelos e aprofundando o contato como se
quisesse fazê-lo durar para sempre.
— Alguém aqui sentiu minha falta — ele murmurou com a boca
contra a minha, antes de selar meus lábios uma última vez com os seus e
ocupar seu assento logo à minha frente, tomando minhas mãos entre as suas
e beijando o dorso de cada uma delas delicadamente, da forma que apenas
um cavalheiro o faria.
— Por acaso você não sentiu a minha? — eu me apressei a perguntar,
me chutando mentalmente pela possibilidade de ter parecido insegura.
Mas era como eu me sentia, depois de ter passado os últimos cinco
dias fazendo testes de gravidez enquanto Raf terminava de cumprir sua
agenda de negócios na Grécia.
— Por acaso a Terra gira em torno do Sol? — ele devolveu, unindo as
sobrancelhas escuras sobre os olhos claros.
— Como é que é? — foi a primeira coisa que me ocorreu pergunta,
confusão se agarrando às minhas feições, porque não entendi o que ele quis
dizer.
— Perguntei se a Terra gira em torno do Sol. Achei que estivéssemos
apenas fazendo perguntas óbvias um para o outro. — Minha capacidade de
discernimento, sem sombra de dúvidas, estava prejudicada, de modo que
apenas encarei Raf, com a desordem dos meus pensamentos estampada no
meu rosto. — Estou dizendo que senti sua falta, Helena, e que isso é tão
óbvio quanto o fato de que sim, a Terra gira em torno do Sol.
Eu era uma boba por rir? Talvez. Mas Rafael me acompanhou no
gesto, então eu não dava a mínima.
Ele estava de volta, logo à minha frente, depois de duas semanas de
uma separação angustiante, e isso era tudo o que me importava.
— Não é tão óbvio pra mim que o bilionário grego Rafael Galanis,
proprietário de uma joalheria tão requintada quanto a Amethystós, além de
ser o solteiro mais cobiçado da década, tenha pensado em mim enquanto
estava cercado por mulheres tão bonitas como dizem que são as gregas —
brinquei, apesar de haver um fundo de verdade ali.
Rafael podia ter a mulher que quisesse aos seus pés, mesmo assim,
me escolheu, ainda que eu não me considerasse uma beleza exuberante que
se destacasse dentre as outras. Não havia nada de extraordinário nos meus
cabelos e olhos castanhos, ou mesmo algo glamuroso em me enfiar em um
uniforme verde com boné para servir café para as pessoas. Menos ainda,
joias sofisticadas adornando meus dedos, pulsos e colo para chamar a
atenção de alguém que ligava com as mais lindas pedras preciosas, como
era o caso de Raf.
— Eu não ligo pra esses rótulos, você sabe. Só sou o solteiro mais
cobiçado da década porque sou um bilionário grego, eu não teria esse
suposto harém à minha espera, se não fosse o meu dinheiro.
— Você ainda teria a mim — confessei. — Se ainda tivesse esses
lindos olhos azuis e esse sorriso matador, é claro — fiz troça, porque eu não
queria soar toda apaixonada. Não podia, na verdade, ainda que estivesse.
Raf e eu nos conhecemos há menos de três meses, quando lhe servi o
primeiro latte na cafeteria onde eu vinha trabalhando. Seu sorriso lindo fez
meu coração dar solavancos no peito, e ali eu soube que jamais sentira nada
nem remotamente perto por outro homem.
Não que eu fosse a especialista em coisas do coração, mas depois de
dois namoros fracassados, era fácil saber quando alguém fazia nosso
estômago se revirar com um gesto simples, como um simples sorriso ou o
roçar de seus dedos nos meus.
Menos de uma semana depois, estávamos fazendo bem mais do que
roçar os dedos do outro. Em sua cama, na mesa de sua cozinha, na
hidromassagem… em qualquer lugar em que pudéssemos estar a sós, longe
dos olhares curiosos das revistas de fofoca, que insistiam em descobrir
quem era seu mais novo affair.
Mas Raf era muito bom se esgueirando da imprensa e conseguimos
manter nosso envolvimento em sigilo, apenas entre nós dois, e eu não podia
negar que gostava daquilo. Quanto menos gente soubesse de nós dois,
menos gente poderia tentar estragar nosso romance perfeito.
Talvez eu mesma fizesse isso, ao contar-lhe que estava grávida, e o
pensamento foi o suficiente para fazer com que uma pedra se alojasse bem
no meu estômago.
 
CAPÍTULO 02
 

 
Havia inúmeros motivos pelos quais eu adorava beijar Helena.
Além de seus lábios cheios e suculentos, da língua morna que sempre
me recebia quando eu pedia passagem, havia também o fato de que ela
beijava com o corpo inteiro, e não apenas com a boca.
Suas mãos estavam sempre afoitas, explorando cada pedaço da minha
pele que pudessem tocar, ao mesmo tempo que eu tentava memorizar sob as
pontas dos meus dedos a textura de sua pele sedosa e cada ângulo de seu
corpo curvilíneo e convidativo.
— Fala de novo que você sentiu minha falta — ela pediu enquanto eu
beijava seu pescoço e a guiava para a cama, onde a faria minha outra vez.
Entre mim e Helena, não era apenas sobre sexo, mesmo assim, depois de
dias longe dela e do jantar no nosso restaurante favorito, onde eu não pude
tocá-la como gostaria, era pedir demais que eu controlasse a saudade que
sentira dela.
— Senti muito a sua falta, e estou prestes a te mostrar o quanto —
sussurrei ao seu ouvido, mordendo o lóbulo de sua orelha e a tomando em
meus braços, depositando seu corpo esguio e curvilíneo sobre meus lençóis
de seda.
Em um outro dia qualquer, eu teria me demorado para desnudar cada
parte dela, mas não naquele momento, depois da abstinência de beijos e
carícias que precisei enfrentar, descobrindo que o contato da minha mão
subindo e descendo pelo meu membro ereto não adiantava nada, se eu não
podia sentir o calor e o cheiro de Helena.
Eu estava viciado nela. Em seu cheiro, em seu gosto… na cadência
dos seus gemidos quando seu corpo vibrava de prazer sob o meu…
Parecendo ser acometida da mesma urgência que eu, as mãos de
Helena se ocuparam de me despir também, diminuindo o tempo que
levaríamos até estarmos tombados na cama, atrelados um ao outro.
No entanto nem toda a urgência me faria incapaz de contemplar, por
segundos que fossem, a beleza de uma Helena nua com os cabelos
espalhados pelo travesseiro, ainda mais bonita do que a Helena de Troia
jamais poderia ter sido.
Toquei a pele sedosa com as pontas dos meus dedos, traçando a
depressão da cintura fina, rumando até os seios macios, que agora pareciam
mais cheios do que eu me lembrava. Seria possível que a distância tivesse
apagado, em partes, toda a perfeição que era aquela mulher?
— O que foi? — ela perguntou, quando, aparentemente, eu estava
ocupado demais analisando suas medidas para fazer qualquer outra coisa.
— Eles parecem maiores — devolvi, englobando os montes com
minhas mãos, dando-me conta de que eles já não cabiam mais
perfeitamente dentro delas, como costumavam caber.
Helena engoliu a saliva com certa dificuldade, como sempre
acontecia quando ela estava excitada, e logo em seguida abriu um sorriso
vacilante muito similar ao que exibira durante a maior parte do nosso jantar.
— É apenas impressão sua, eles estão exatamente do jeito que você
deixou.
Abri um sorriso sedutor para ela, inclinando-me para beijar a ponta de
seu nariz arrebitado e então sua boca convidativa.
— Me desculpe se não posso confiar apenas na sua palavra, preciso
conferir por mim mesmo se eles estão tão suculentos quanto estavam duas
semanas atrás.
Tomei o mamilo túrgido entre os lábios, e a coluna de Helena se
arqueou em resposta ao contato, um gemido alto rasgando sua garganta ao
mesmo tempo que suas mãos voavam para os cabelos da minha nuca,
revirando-os.
— Raf… — ela murmurou, tomada pelas sensações, e meus olhos se
ergueram para observar sua expressão de prazer, que era um espetáculo à
parte. — Por favor…
Talvez eu devesse provocá-la, como fiz em tantas outras ocasiões,
impeli-la a dar voz aos seus desejos, porque seu sussurro macio ao meu
ouvido era um verdadeiro afrodisíaco. Mas eu não podia torturar Helena
daquele modo sem torturar a mim mesmo, sendo assim, me estiquei apenas
o suficiente para pegar o pacote de preservativos que mantinha em minha
mesa de cabeceira. Helena foi mais rápida, entretanto, pegando a
embalagem antes mesmo que eu pudesse fazê-lo e levando-a à boca,
rasgando-a entre os dentes e cuspindo o pedaço que arrancou.
Não era o método mais seguro de abrir um preservativo, claro, mas
era o mais sexy, sem sombra de dúvidas, e Helena sabia muito bem disso.
Assim como sabia que me deixava louco quando ela empurrava meu peito
para que eu me deitasse, uma de suas pernas passando sobre as minhas, até
ela se abaixar e deslizar o preservativo pelo meu pau usando nada além de
sua boca.
Eu sorri para a visão que ela era, me deleitando com a carícia íntima
que fazia meu baixo-ventre vibrar em antecipação, jogando para o lado a
cascata de cabelos de Helena, que vez ou outra cobria seu rosto e não me
deixava ver exatamente o que ela estava fazendo, e observar meu pau
entrando e saindo por aqueles lábios suculentos não era uma cena que eu
gostaria de perder.
Ainda assim, eu não conseguia mais evitar estar dentro de Helena,
porque duas semanas pareciam tempo demais sem ela. Sendo assim, enfiei
uma das mãos em sua nuca, puxando seu cabelo levemente para trás, até
que seus olhos estivessem na mesma altura dos meus.
— O que acha de continuarmos com as preliminares na próxima
rodada? — sugeri, e os olhos de Helena brilharam de excitação como
entendimento. — Você já está pronta pra mim?
Ela assentiu rapidamente, mas não importava, de fato, já que minha
mão direita se embrenhara por suas dobras para sentir sua umidade. Um
gemido delicioso saiu dos lábios de Helena em puro abandono, conforme
ela girava os quadris sob meu toque.
— Eu sempre estou pronta pra você — ela murmurou antes de guiar o
meu pau para a sua boceta encharcada, descendo sobre ele e abrigando-o
entre suas paredes quentes, apertadas e escorregadias.
— Você ainda vai me enlouquecer qualquer dia desses, Helena —
alertei.
— De prazer, eu espero.
Não tive tempo para responder, porque sua boca já estava na minha
assim que ela concluiu sua frase, nossas línguas se encontrando nas
fronteiras de nossas bocas, afoitas, e minhas mãos agarrando os quadris
fartos que me faziam delirar a cada movimento, para que eu pudesse matar
a saudade que sentia de Helena e das sensações prazerosas que somente ela
era capaz de proporcionar.
Eu a girei na cama, seu corpo prensado contra o meu e o colchão, os
cabelos sedosos espalhados por todos os lugares e os lábios úmidos e
vermelhos dos nossos beijos fazendo com que ela parecesse uma verdadeira
deusa grega, nascida para ser adorada. E era isso que eu fazia a cada beijo
depositado em seu pescoço, a cada arremetida para dentro de seu corpo
esguio e receptivo, buscando como única recompensa escutar meu nome
saindo de sua boca em forma de gemidos entrecortados enquanto ela se
desmanchava sob mim o alcançar o ápice do prazer.
Eu estava completamente viciado naquela mulher.
 
CAPÍTULO 03
 

 
Eu não sabia quão louca isso me fazia, mas o fato era que eu amava
assistir a um Rafael adormecido. Suas feições bonitas de deus do Olimpo se
suavizam quando ele estava assim, completamente relaxado, algo que não
parecia ser possível quando sua cabeça estava tomada por seus pensamentos
nos negócios.
Sendo dono da Amethystós, a joalheria referência número um no
mundo, não era de se estranhar que sua cabeça estivesse sempre se voltando
para os negócios. Eu servia apenas café e, quando um dos meus colegas de
trabalho precisava faltar o turno, era o bastante para que eu ficasse
preocupada com o atraso das entregas dos pedidos.
— Você vai ficar aí parada me provocando com esse cheiro de bacon
ou vai vir tomar o café da manhã na cama comigo?
Rafael abriu apenas um dos olhos para mim, a prova incontestável de
que estava acordado.
Mas que fingido! Será que ele notou que eu ficara tempo demais em
pé, segurando a bandeja do nosso café da manhã, só para ter uma chance
extra de olhar para ele adormecido, antes de interromper seu sono?
— Você está ficando mal acostumado com essa coisa toda de café na
cama — foi o que escolhi dizer, caminhando com cuidado até a cama e
entregando a bandeja para Rafael, para que pudesse me acomodar ao seu
lado.
Ele fincou os pés de madeira da bandeja no colchão macio,
certificando-se de que estava firme e a uma boa altura para que pudéssemos
comer ali.
— Não vou discutir quanto a isso, você tem me deixado mal
acostumado em muitos sentidos.
Raf se esticou na minha direção, e o gesto simples foi o suficiente
para fazer minha garganta se apertar e meus olhos arderem pelo choro
contido.
Eu precisava contar a ele sobre o bebê, não podia esperar mais. Na
noite anterior minha covardia e o medo de perdê-lo foram maiores do que
meu bom senso, mas eu precisava dar um basta naquilo. Raf merecia saber
a verdade o quanto antes.
— Eu trouxe um presente — ele anunciou enquanto bebia um gole de
seu café puro. Era como ele gostava para começar o dia.
Pensei em perguntar se ele trouxera um potinho da areia da praia de
Mykonos de lembrança, mas achei melhor não. Se meu presente fosse outra
coisa, eu não queria parecer como alguém que criara expectativas.
Raf se estendeu até sua mesinha de cabeceira, e por um momento
contive minha vontade de revirar os olhos. Ele não se atreveria a trazer
preservativos gregos para mim, certo? Não que fosse uma má ideia, já que
os que eram comercializados nos EUA não terem servido seu propósito.
Foi quando Raf me entregou uma caixinha de veludo sofisticada que
eu soube que, fosse o que fosse seu presente, eu não o merecia. Contudo,
nem mesmo tive tempo de usar esse argumento, já que ele mesmo abriu a
caixinha para mim, exibindo uma pulseira que era um misto de delicadeza e
sofisticação. E diamantes. Muitos deles, por todo o comprimento
— UAU — foi a primeira coisa que consegui articular, olhando entre
a joia e Raf. — É linda — admiti, e meus ombros caíram naturalmente. —
Mas você sabe que não posso aceitar, isso custa uma fortuna. — E eu já
deixara claro que não me importava com o dinheiro dele.
— Você deve aceitar — corrigiu. — É um presente.
— Eu nem teria onde usar algo assim — argumentei, porque não
havia nada na minha lista de compromissos sociais onde eu pudesse usar
uma pulseira tão cara.
— Você pode usar quando sair comigo, pra ficar ainda mais
deslumbrante pra mim.
Rafael sorriu brilhantemente em minha direção, e eu soube ali que
estava derrotada. Primeiro porque cometi o erro de me apaixonar por ele,
segundo porque eu não fazia ideia de como ele reagiria ao que eu estava
prestes a lhe dizer.
— A gente precisa conversar — anunciei, pegando a caixinha que ele
estendia para mim e depositando-a sobre o travesseiro.
— Você está meio estranha desde ontem. Aconteceu alguma coisa
enquanto eu estava viajando?
— Não — apressei-me a negar. — Quer dizer... sim — considerei. —
Mais ou menos. É algo que aconteceu quando você estava aqui, mas só
descobri quando você já estava na Grécia, e então eu meio que...
— Helena — ele chamou, apoiando as duas mãos em meus ombros
como se me puxasse de volta para a realidade. — Seja o que for, você pode
me falar.
Anuí com um gesto de cabeça, respirando fundo em busca das
palavras certas.
— Não sei muito bem como dizer isso, então lá vai: eu estou grávida.
Silêncio.
Tão ensurdecedor, que eu me perguntei se de fato aquilo estava
acontecendo de verdade ou se eu estava presa em algum tipo de pesadelo.
— Que dia é hoje? — Raf perguntou depois do que me pareceram
horas inteiras.
— Como é?
— Isso é uma brincadeira de 1° de abril? — quis saber, com um meio
sorriso despontando em seus lábios.
— Estamos em maio — eu o lembrei, sem acreditar realmente que um
homem como ele fosse capaz de se perder no tempo desse modo. — Raf,
não estou brincando. Jamais brincaria com algo assim.
Ele assentiu, e se antes havia um esboço de sorriso em seus lábios,
agora já não havia nada além de uma expressão compenetrada de alguém
que parecia a um único passo de falar sobre negócios.
— Certo. Eu vou te perguntar isso com a melhor das intenções, tudo
bem? Você está insinuando que esse bebê é meu?
Meu queixo caiu.
— Insinuando? — ecoei, quase mortificada. — Não... não estou
insinuando nada, estou te dizendo. Não estou saindo com mais ninguém.
Você está?
Ele estava?
Senti meu coração afundar no peito.
Claro que estava! Com uma mulher tão deslumbrante quanto ele, eu
podia apostar!
— Não — ele negou, colocando um fim às minhas especulações
internas. — Mas nunca falamos nada sobre exclusividade, e como sempre
usamos proteção...
— Eu sei que não falamos sobre exclusividade, mas nenhum método
contraceptivo é cem por cento, é?
Rafael não me respondeu. Não a isso, pelo menos.
Seu café matinal havia perdido o encanto, porque não fora mais
tocado, e os dedos longos de Rafael esfregando seu rosto como se aquilo
fosse tudo o que ele poderia fazer no momento.
— Por que não me disse isso ontem, durante o jantar? — ele
questionou, trazendo seus olhos azuis de volta para o meu rosto de um jeito
que nunca vi antes.
— Porque... — Hesitei, sem saber ao certo quais palavras usar, ou
mesmo quais sentimentos colocar à mostra. Talvez eu devesse ser sincera ao
máximo, qual a pior coisa que poderia acontecer, além de Rafael dizer que
não sentia o mesmo? — Fiquei com medo. Eu tive medo da sua reação, de
perder você... — Isso era o bastante para fazê-lo entender o que eu sentia?
Talvez fosse. Na minha concepção era, pelo menos, apesar de que…
se Rafael me dissesse que não gostaria de me perder, eu iria querer saber o
motivo para isso. Essa informação era importante para ele também?
— Raf, eu estou apaixonada — confessei, e seus olhos se arregalaram
em proporções que não julguei serem possíveis. — Talvez pareça meio
louco dizer isso quando estamos juntos há tão pouco tempo, mas essa é a
verdade, e é exaustivo ficar me policiando pra não deixar transparecer.
Vide o nosso jantar da noite anterior.
Tudo o que eu queria era segurar sua mão o tempo inteiro, me aninhar
a ele e ouvi-lo dizer o quanto sentiu minha falta, que pensou em mim tanto
quanto pensei nele e que os dias longe de mim foram caóticos, como os
meus foram sem ele.
— Eu não sei o que dizer — ele murmurou, meneando a cabeça de
um lado para o outro. — É muita informação de única vez.
É muita informação indesejada de uma única vez, foi o que ele quis
dizer. Mas quem poderia culpá-lo?
Rafael nunca me fez promessas a longo prazo, nós tínhamos o ali, o
agora, e o futuro era incerto para nós dois. Eu sabia disso. Então por que
esse conhecimento era incapaz de me fazer sentir melhor?
— Está tudo bem se você não sentir o mesmo — menti, porque eu
não estava nada bem. — Melhor eu ir embora e deixar você digerir tudo o
que acabei de dizer sozinho e com calma.
Eu me levantei, torcendo para que Raf dissesse que eu não precisava
ir embora, porque resolveríamos tudo ali, naquele exato momento. Não foi
o que aconteceu, entretanto. Vestida em uma das camisetas que ele usava
para praticar exercícios, tive que catar minha roupa espalhada pelo chão e
me trocar antes de enfim poder deixar Rafael sozinho com seus próprios
pensamentos.
 
CAPÍTULO 04
 

Grávida!
Helena estava grávida de um filho meu e eu não sabia por onde começar a
me desesperar, para ser sincero.
Antes de receber a notícia, minha vontade sobre ser pai ou não ainda não
estava muito bem definida. Vindo de uma família grega tão tradicional, era
esperado que um dia eu me casasse e tivesse filhos, mas, apesar de eu já estar na
casa dos trinta, não esperava que teria um bebê nos meus braços, um bebê meu,
dentro de poucos meses.
Era assustador, para dizer o mínimo, e me preocupava a calma com que
Helena lidava com a situação. Ela era uma década mais nova do que eu, estava
começando a vida agora… por que diabos parecia tão confiante com toda a
situação?
Sobretudo: como eu consegui engravidá-la se sempre usamos proteção? Em
todos os meus anos de uma vida que faria com que muitas pessoas me chamassem
de libertino, nunca houve nenhum acidente desse tipo.
Não que eu duvidasse da palavra de Helena quando disse que não esteve
com mais ninguém além de mim, mas eu duvidava muito que com o tempo meu
sêmen tivesse sofrido alguma mutação que o tornasse capaz de atravessar o látex.
Apesar de que… caralho!
Helena abrira a porra do pacote de preservativos com os dentes mais vezes
do que a sorte estaria disposta a nos ajudar. Ela ficava absurdamente linda e sexy
fazendo isso, e mesmo sabendo que aquele método não era seguro, eu nunca a
parei. Jamais passou pela minha cabeça pedir para a Helena não rasgar a
embalagem com os dentes, pelo perigo de danificar a proteção, porque sempre que
isso acontecia, todo o meu sangue estava concentrado no meu pau, não sobrando
muita coisa com a qual meu cérebro pudesse trabalhar.
Eu vinha sendo um irresponsável, e agora as noites de prazer com Helena
haviam se transformado em algo maior do que eu estava preparado para lidar no
momento.
 

 
— Você está estranhamente calado, o que houve? — meu pai me perguntou
após o jantar, depois de nos servir de scotch em seu escritório particular.
Nestor Galanis tinha uma fixação por seus negócios que eu claramente não
herdara. Apesar de ter minha própria empresa e ter conseguido torná-la
mundialmente famosa pelas joias de qualidade que produz, meu sucesso não era
fruto apenas do meu esforço, e sim da minha capacidade de liderança e de saber
delegar tarefas.
Eu tinha uma equipe competente espalhada pelo mundo que fazia da
Amethystós o sonho de consumo de grandes nomes da música, do cinema, de
sheiks e de fashionistas.
— Nada de mais, só tenho muito no que pensar, ultimamente.
Nos últimos dois dias, para ser mais preciso. Desde que voltei de viagem da
Grécia e descobri sobre a gravidez de Helena. Se Ophelia Galanis, Yayá, soubesse
que o bisneto pelo qual tanta implorara já havia sido providenciado…
— Problemas com a empresa? — meu pai quis saber, mas Nestor Galanis
era impaciente demais para apenas esperar por uma resposta que julgava já
conhecer. — Eu sempre te disse que você é desleixado demais com os seus
negócios, Rafael, em vez de ter pulso firme e estar sempre atento ao que…
— Eu engravidei uma moça — eu o cortei, porque estava farto de seus
sermões sobre como eu manejava meus próprios negócios. Era bem verdade que
eu não viera do nada, mas não apenas um homem cuja família tem dinheiro, eu fiz
meu próprio dinheiro, levando meu patrimônio à casa dos bilhões sem me valer de
uma herança para tal fim.
— Você fez o quê? — ele praticamente cuspiu, e me arrependi no mesmo
instante de ter lhe contado sobre a gravidez de Helena antes que nós mesmos
tivéssemos tido uma oportunidade de conversar novamente sobre aquilo.
— Não é o fim do mundo — tentei amenizar, mas claro que para Nestor
Galanis um filho fora do casamento conseguia ser ainda pior do que o fim do
mundo.
— Quem é ela? Eu a conheço? Você tem certeza de que ela está dizendo a
verdade e que o filho é mesmo seu?
— Claro que o filho é meu, acha que sou idiota? — lancei de volta para ele,
me sentindo quase ultrajado com sua pergunta, o que me trouxe um gosto amargo
à boca.
Como fui capaz de perguntar a Helena se o filho que ela esperava era meu?
Por que mais ela me contaria que estava grávida, se eu não fosse o pai?
Bebi um longo gole do meu scotch, sentindo-o queimar e aquecer minha
garganta pelo local onde passava.
— O que eu sei é que você tem um ponto fraco por mulheres bonitas e
fáceis, o tipo perfeito para aplicar um golpe da barriga no primeiro desavisado que
encontrarem pelo caminho!
— É isso que acha eu sou? — explodi. — Um simples desavisado? Por
favor! Será que pelo menos uma vez na vida você não pode reconhecer tudo o que
construí? Que já não sou um simples garoto, e sim um homem?
— Essa é sua oportunidade de demonstrar quão homem você é — provocou,
estreitando os olhos tão iguais aos meus em minha direção. — Eu não vou admitir
que haja um bastardo com sangue Galanis por aí, você me ouviu?
Virei o copo com minha bebida de uma única vez, depositando-o sobre a
mesa de madeira do escritório de Nestor Galanis.
— Em alto e bom som. — Foram minhas últimas palavras antes de dar as
costas ao meu pai e sair de lá.
 
CAPÍTULO 05
 

Ali estava. A primeira foto do bebê crescendo dentro de mim.


Ele ainda era do tamanho de um amendoim, mesmo assim, quando senti o
gel frio na minha barriga, que antecedia o aparelho capaz de me mostrar imagens
do que estava acontecendo ali dentro, aqueles borrões na tela foram capazes de me
fazer sentir uma emoção tão potente que eu jamais seria capaz de nomear.
Eu teria um bebê. Seria mãe! Não estava nos meus planos engravidar sob
essas circunstâncias, mas acontecera, e eu faria funcionar.
Com ou sem Rafael, por mais que me doesse a possibilidade de ele não
desejar o mesmo.
Três dias já haviam se passado desde a nossa conversa. Três dias sem
notícias dele, porque eu não me atreveria a ser a primeira a mandar uma
mensagem. Ele sabia onde me encontrar, sabia que eu estava esperando um bebê
seu, apesar de ter duvidado a princípio.
Eu não diria que não doeu um pouquinho sua desconfiança, porque doeu. Ao
mesmo tempo, era compreensível. Nós nos conhecíamos há poucos meses, ele não
sabia muito sobre a minha índole e… eu era uma pobretona que não tinha onde
cair morta. Tinha tudo para ser um golpe da barriga, exceto que não era. Eu não
planejei me apaixonar por Raf, muito menos engravidar dele, mas se minha
palavra não fosse o bastante, então eu…
— Desculpa — murmurei ao esbarrar em alguém.
No meu caminho até a saída da maternidade, enquanto me perdia em
pensamentos fitando incansavelmente o borrãozinho na minha ultrassom, acabei
não atentando aos arredores e causando um mini acidente.
Meus exames caíram no chão, porém antes mesmo de eu conseguir me
abaixar para pegá-los, duas mãos grandes e conhecidas já haviam se adiantado,
reunindo todos os pés e organizando-os ao mesmo tempo que os observava.
— Por que não me disse que hoje seria sua primeira consulta? — Rafael
perguntou sem nem mesmo me olhar, analisando os resultados dos exames da
minha primeira consulta de pré-natal.
Ergui minhas sobrancelhas para ele, sem acreditar que ele ignorara as boas
maneiras e, sobretudo, sem a menor ideia de como ele fora parar ali.
— O que faz aqui? — dei voz ao meu pensamento, mas ele nem mesmo se
dignou a me olhar, ocupado demais com os papéis à sua frente.
— Você tinha uma consulta, não tinha? Fui até a cafeteria falar com você,
Caroline avisou que você estava aqui, depois de me ofender um pouco por ter te
perguntado se eu era mesmo o pai do filho que você está esperando.
Senti meu rosto esquentar em puro constrangimento conforme eu levava
meus olhos para longe de Raf, tentando ao máximo não o encarar. Caroline não
deveria ter dito nada, mas eu já deveria imaginar que seria demais pedir que ela
mantivesse a boca fechada diante do que julgava ser uma injustiça.
— Ela só estava tentando ser uma boa amiga, tenho certeza — eu a defendi,
porque no fundo era verdade.
Desde que comecei a trabalhar na cafeteria, Caroline me mostrou a força
que uma amizade pode ter e que amigos são capazes de qualquer coisa para ver o
outro bem. No fim, ela só queria me proteger, apesar de agora ser tarde demais
para isso.
Envolver-me com Rafael deixou meu coração exposto, e para completar eu
estava grávida dele! A menos que tivéssemos uma máquina do tempo, não tinha
como voltar atrás.
— Pra onde você está indo agora? — Rafael quis saber, ao que parecia,
dando-se por satisfeito com os resultados dos meus exames e entregando-os de
volta para mim. — Que tal uma carona?
— Vou pro trabalho, mas não precisa se incomodar, ainda tenho tempo de
sobra pra chegar lá.
— Não é incômodo, além do mais, nós precisamos conversar.
A mão que ele apoiou em minhas costas e o modo como me guiou até seu
carro, apesar de gentil, deixava claro que não estava aberto a discussões.
 

 
— Pelos exames, está tudo bem com o bebê — Raf quebrou o silêncio
quando deixamos o estacionamento.
— Sim, está — confirmei, batucando com as unhas sobre os papéis agora
em meu colo, como forma de dissipar a ansiedade.
— Você tem um plano?
— Um plano? — repeti, confusa.
— Sobre o que fazer. Suponho que, se você se deu o trabalho de iniciar o
pré-natal, significa que quer ficar com o bebê.
— Ele não é uma coisa pra que eu decida ou não ficar com ele — apontei
entre dentes cerrados, sentindo uma onda de irritação crescer no meu peito. — É
um pedaço meu. E seu também, mesmo que você não acredite nem queira ter nada
a ver com ele.
— Eu vim até a clínica, não vim? — ele me lembrou, erguendo uma
sobrancelha em desafio. — Isso não é postura de alguém que não quer ter nada a
ver.
— Se você diz… — Dei de ombros, fingindo indiferença, quando, na
verdade, eu só não queria me apegar demais àquelas palavras e criar falsas
expectativas.
— Eu vou cuidar de vocês dois, Helena — ele prometeu, e eu precisei conter
as lágrimas que começaram a pinicar meus olhos. — Não vou deixá-los
desamparados, te dou a minha palavra.
Raf estava dirigindo, ainda assim, vez ou outra seus olhos se voltavam para
mim. De qualquer forma, seu olhar ficava fixo na estrada pela maior parte do
tempo, o que era bom. Aquela era a melhor maneira de termos aquela conversa.
Eu provavelmente desabaria se tivesse que encará-lo bem no fundo de seus olhos
azuis enquanto falávamos sobre a sementinha crescendo dentro de mim.
— Você não precisa me prometer nada. Sei que não pediu por isso, o que
não me dá o direito de exigir nada.
— Você pediu?
— Não — concedi. — Mas decidi sozinha que vou ter o bebê com ou sem a
sua ajuda.
— Vai ser com a minha ajuda — ele garantiu, aproveitando da pausa
obrigatória no sinal para me olhar. — Eu gosto muito de você, mesmo que não
seja na proporção que você espera, e…
— Não espero nada — apressei-me a negar, enfatizando o que dizia também
com um meneio de cabeça.
— Tudo bem. Mesmo que não seja na proporção que você merece —
corrigiu. — Você não vai passar por isso sozinha, vamos fazer isso juntos, estou
aqui para tudo o que precisar, está bem?
Lá estavam as malditas lágrimas queimando meus olhos outra vez, e
agradeci ao sinal aberto, porque agora a atenção de Raf não estaria completamente
sobre mim e eu poderia enxugar a gotícula que escorreu pelo meu olho direito de
forma disfarçada.
— Isso quer dizer que posso te pedir um favor? — arrisquei.
— O que quiser.
O que eu quisesse?
Eu duvidada muito que ele poderia me dar o que eu queria.
Um beijo, um abraço apertado e sua voz no meu ouvindo me dizendo que
tudo ficaria bem. Isso era o que eu realmente queria, mas jamais lhe pediria isso.
— Será que você pode guardar isso pra mim, ao menos por enquanto? —
escolhi dizer, indicando a pasta no meu colo que trazia os meus exames, incluindo
a ultrassom. — Não estou pronta pra falar sobre a gravidez com a minha mãe, eu
sei que ela vai entrar em parafuso e… só não quero lidar com isso agora.
— Como quiser — ele respondeu simplesmente, mas não poderia estar mais
equivocado.
Nada naquela situação estava saindo como eu queria.
 
CAPÍTULO 06
 

 
— Eu disse que você poderia usá-la para ficar ainda mais
deslumbrante pra mim.
Sentada à mesa de jantar na sacada do meu apartamento, Helena
encarou o bracelete de diamantes que trouxe para ela da minha última
viagem à Grécia. Era uma peça exclusiva, feita especialmente para a nova
coleção da Amethystós. Mas claro que, teimosa e orgulhosa como era,
Helena não aceitara o presente, assim como nunca aceitara nenhuma outra
joia que eu lhe dera.
Exceto por um polvo de pelúcia que consegui pescar na máquina da
cafeteria onde ela trabalhava. Helena me desafiou a conseguir pegar uma
dessas pelúcias que indicavam o humor. O lardo cor-de-rosa era sorridente,
o lado azul, enraivecido.
— Achei que tivesse dito que queria conversar sobre algo sério. —
Ela revirou os olhos, ignorando o bracelete e bebendo da taça com suco de
uva, que escolhi para substituir o vinho.
— E quero — confirmei. — Há alguns dias, depois da primeira
consulta, eu te perguntei se você tinha um plano sobre o que fazer de agora
em diante, e sua resposta não soou muito convincente.
Ela concordou com um aceno de cabeça.
— Bem, eu já contei pra minha mãe sobre o bebê.
— Como ela reagiu?
— Como imaginei… — Ela considerou antes de continuar: — Só que
um pouco pior.
— Quão pior? — insisti, franzindo o cenho.
— Ela me disse que é impossível fazer caber um bebê no nosso
apartamento. Mas está tudo bem, eu meio que concordo com ela, e não
apenas na questão do espaço. Quero criar o bebê num lugar com boa
energia, o que é impossível se nós estivermos sob o mesmo teto que ela.
— Você nunca fala muito sobre a sua mãe — observei.
— Não tem muito o que falar. — Ela deu de ombros, indicando que
aquilo era tudo o que diria sobre o assunto. — Você me perguntou se eu
tinha um plano — retomou, colocando um sorriso animado no rosto —, e
agora eu tenho. A colega de quarto de Caroline vai embora, e ela me
convidou pra morar com ela.
— E o bebê?
Helena rolou os olhos, como se a resposta fosse óbvia.
— Obviamente ela sabe que o bebê e eu somos um pacote, Raf, está
tudo bem — garantiu. — Ela está empolgada pra ser tia, já até me rebocou
pra escolher umas roupinhas e nós ainda nem sabemos se é menino ou
menina. Mesmo assim, eu não resisti…
Helena vestiu a expressão de alguém que tinha aprontado algo e sabia
bem disso. Ela se levantou da mesa rapidamente, indo até o aparador, onde
estava sua bolsa, mergulhando uma das mãos ali, que emergiu com o que, à
distância, parecia um par de sapatinhos de bebê.
Então ela veio em minha direção, estendendo-me o que de fato eram
sapatinhos de lã, tão pequenos que achei ser impossível serem capazes de
comportar o pé de um ser humano, por menor que fosse.
— São as cores da bandeira da Grécia, não são? Azul e branco? —
Helena perguntou, com um sorriso que ameaçava partir seu rosto em dois.
— Achei tão bonitinhos, pensei que o bebê poderia usá-los na saída da
maternidade.
Não era um evento tão distante assim. Helena estava na décima sexta
semana, quase na metade da gestação… e ali estava eu, contando o tempo
em semanas e fazendo planos para quando o bebê chegasse.
Depois do susto inicial, a ideia de ser pai havia me ganhado,
especialmente quando Helena me disse que sentiu o bebê se mexer. Talvez
fosse cedo para isso, mas, como pais de primeira viagem, preferimos
acreditar que se tratava do nosso filho, não do estômago de Helena
protestando por estar sempre com fome.
Falaríamos sobre isso com a médica obstetra, na próxima consulta, na
qual descobriríamos também o sexo do bebê. Nossa segunda tentativa, já
que na primeira não obtivemos sucesso algum.
 
— É uma ideia interessante, mas talvez minha mãe tenha outros
planos — considerei, depositando os sapatinhos ao lado do meu prato com
meu jantar intocado.
— Como assim?
— É o primeiro neto de Irene Galanis, e tenho a impressão de que ela
vai querer tricotar algo especial para ele.
O queixo de Helena pendeu, e ela ignorou a etiqueta por completo
quando, em vez de retomar seu assento, ela puxou sua cadeira e colocou
próximo à minha, de modo que pudesse me fitar de perto, com os olhos
arregalados.
— Isso quer dizer que você pretende envolver sua família nisso tudo?
— sussurrou, como se me contasse um segredo.
— Eu não sei o que mais posso fazer pra provar que falo sério quando
digo que vocês dois podem contar comigo pra tudo.
Não era um eufemismo. Nas últimas semanas, me coloquei à
disposição de Helena mesmo quando ela jurava não precisar de ajuda. Fiz
questão de levá-la e buscá-la na cafeteria, porque ela era teimosa demais
para desistir do emprego de salário irrisório, alegando que não estava
doente e não seria sustentada por mim. Isso sem falar nas inúmeras
consultas às quais comparecemos, porque eu precisava ter uma equipe
médica de confiança cuidando da saúde da futura mãe do meu filho.
Mesmo com ações que diziam muito, Helena ainda precisava de
palavras que a confortassem, e eu estava começando a entender isso.
— Bem, nesse caso… — Ela ponderou, pegando o par de sapatinhos
na mão. — Cada um fica com um pezinho — decidiu, estendendo-me uma
das pecinhas de tricô, a qual peguei. — Você pode pendurar o seu no
retrovisor do carro, vai ser um verdadeiro ímã de mulheres.
— Não preciso de um ímã de mulheres.
— Claro que não — concordou, engolindo em seco logo após. —
Você por si só já é um ímã ambulante. Que idiota… — Helena cochichou,
mais para si mesma do que para mim, enquanto enterrava o rosto na mão
livre, deixando claro que ela não havia entendido o sentido das minhas
palavras.
— Não foi isso o que eu quis dizer — retorqui, afastando as mãos que
cobria seu rosto para poder encará-la. — O que acontece é que eu também
tenho um plano envolvendo o nosso filho, mas um pouco diferente do seu.
— Qual? — ela quis saber, de sobrancelhas franzidas.
— Bem, já estava nos meus planos fazer isso, mas confesso que essa
história de você ir morar com Caroline…
— O que tem isso? — pressionou, impaciente.
— Estique o braço — pedi, conforme alcançava o lindo bracelete até
então esquecido.
— Raf, eu já disse que não posso aceitar um presente assim —
Helena protestou pela milésima vez.
— E eu já disse que você pode e deve. Mas não é exatamente um
presente, faz parte de algo que eu quero te perguntar.
— Me perguntar? — ela ecoou, com desentendimento moldando suas
feições.
Respirei fundo, esperando um nervosismo que não parecia prestes a
dar as caras, o que era diferente de como imaginei a coisa toda.
Depois da breve conversa com meu pai, em que lhe contei que eu
havia engravidado uma moça, não lhe dei mais detalhes sobre o assunto.
Quando ele me perguntou se eu lidara com a situação, eu apenas lhe disse
que sim, e isso pareceu ser o suficiente para ele. Mas o mesmo não poderia
ser dito ao meu respeito.
Suas palavras dizendo que não permitiria que um bastardo com
sangue Galanis existisse por aí me fez pensar sobre meu arranjo com
Helena, sobre nossos meses juntos e, principalmente, como vinha sendo as
últimas semanas, desde que descobri sobre sua gravidez. Eu estava…
animado, na falta de palavra melhor, e eu não me sentia assim há um bom
tempo.
Tendo conquistado tudo o que eu queria antes mesmo dos trinta, no
fundo eu sempre soube que a vida de cafajeste libertino não era para mim.
Agora havia uma mulher grávida de um filho meu, cuja companhia eu
apreciava, cujos rosto e corpo de deusa grega não saíam da minha cabeça e
cujos beijos eram doces e me embriagavam.
Só havia uma coisa certa a se fazer, e o fato era que eu queria fazê-la.
— Helena Jones… — Chamei seu nome devagar, buscando o braço
que ela se recusou a estender para mim, e circulei seu pulso com o bracelete
de diamantes. — Você aceita se casar comigo? — Abotoei o bracelete,
observando como ele pareceu feito sob medida para Helena.
— Me casar? — ela quis se certificar, atônita. — Com você? — Seus
olhos dançaram entre mim e o bracelete por alguns segundos. — Mas…
você não me quer. Não me ama. Como…
— Claro que eu quero você — eu me apressei a interrompê-la. — É
absurdo pensar o contrário depois dos últimos meses. Desde que coloquei
os olhos em você, naquela cafeteria, fiquei completamente hipnotizado e
não consegui te tirar da cabeça.
— Mas você disse, no outro dia…
— Eu sei o que eu disse — voltei a cortá-la. — Em partes, mantenho
minha opinião. Meus sentimentos não estão à altura do que você merece,
ainda, mas isso não quer dizer que as coisas não possam mudar. Um
casamento não é feito apenas de amor, mas também de respeito e
admiração. E nós vamos ter um filho. Não quero nem vou ser apenas um
nome na certidão de nascimento dele, ou um cheque generoso no fim de
cada mês. Vou ser pai, em todos os sentidos que essa palavra contempla, e,
se você deixar, quero ser também seu marido. Cuidar de você, de vocês —
enfatizei, colocando uma das minhas mãos em sua barriga já proeminente.
— Construir uma família.
Seus lábios carnudos tremeram enquanto ela tentava conter o choro,
mas as lágrimas teimosas caíram mesmo assim.
— Isso está acontecendo de verdade? — ela quis saber. — Você está
mesmo me pedindo pra ser sua esposa?
— Estou — afirmei. — Com um bracelete, mas estou. Seu anel de
noivado já foi encomendado e…
A pressão dos lábios de Helena contra os meus me calou. Foi o nosso
primeiro contato minimamente romântico desde que eu soube sobre a
gravidez, e era bem-vindo.
— Quantas vezes eu preciso dizer que não quero nem preciso de
presentes? — ela perguntou com a boca ainda colada à minha. — Tudo o
que eu quero está bem aqui, e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance
pra ser digna de você.
— Não diga bobagens — eu a cortei —, você é mais do que digna.
Agora, precisamos falar da sua mudança pra cá, e também dos preparativos
para o casamento.
 
CAPÍTULO 07
 

 
Rafael acariciou o membro ereto enquanto mantinha seu olhar
faminto sobre mim, e isso já era o bastante para me deixar tão excitada
quanto estaria se ele ainda estivesse me tocando.
Desde que ele voltou da Grécia, nós tínhamos transado uma única
vez, e estar tão perto dele e ao mesmo tempo tão longe era uma tortura que
eu já não conseguia mais suportar.
Eu não esperava ser pedida em casamento, mas seria mentira dizer
que não havia uma centelha de esperança no meu coração de que Rafael
gostaria de saber aonde nós poderíamos chegar juntos, e eu apostava que
iríamos longe o suficiente para construir um relacionamento que não seria
apenas baseado em sexo e no fato de que teríamos um bebê juntos.
— Eu disse que eles estavam maiores, não disse? — ele perguntou
apontando com a cabeça para os meus seios, conforme se tocava,
caminhando para mais perto de mim, que já o esperava na cama, ansiosa
para ser sua outra vez.
— Tem certeza de que não precisa se certificar? — provoquei, e em
troca ele me cedeu um de seus sorrisos arrasadores, inclinando-se para
capturar minha boca com a sua, mudando o curso do movimento assim que
seu lábio superior tocou o meu inferior.
Ele tomou meu seio na boca, sugando-o para si, a língua dançando
contra o meu mamilo e fazendo com que o tesão percorresse meu corpo
com mais força, concentrando-se no meio das minhas pernas.
Gemi, entregue às sensações que apenas Rafael era capaz de provocar
no meu corpo, o que já era sublime intensificando-se ainda mais, graças aos
meus hormônios bagunçados pela gravidez.
Afundei os dedos de uma das minhas mãos nos cabelos castanhos do
meu, agora, noivo, puxando-os pela raiz, a fim de que ele levantasse a
cabeça e me desse o beijo que tão provocantemente me prometera.
Eu jamais poderia imaginar que a experiência de beijar a boca de
Rafael pudesse ficar melhor, mas ficara. Sua língua resvalando contra a
minha, meus mamilos intumescidos resvalando seu peitoral quente, minha
mão livre assumindo as carícias no membro clamando pelo calor entre
minhas coxas da mesma forma que eu clamava por ele.
Raf gemeu contra o beijo, seus dedos buscando minhas dobras
molhadas até dois deles me penetrarem, estocando em mim enquanto a
palma de sua mão resvalava contra meu clitóris carente de atenção. Meus
músculos internos se apertaram involuntariamente sob aquela doce tortura,
e eu aumentei a velocidade com que masturbava Rafael.
O toque na minha intimidade cessou, e seus dedos molhados pela
minha excitação seguraram meu pulso, me forçando a parar de tocá-lo.
— Tudo bem, já entendi que esse é um jogo que nós dois podemos
jogar — ele murmurou através de sua respiração pesada, e abri meus olhos
para encontrar seus orbes de safira fixos nos meus. — Só me deixa matar a
saudade do seu gosto antes de te foder como se não houvesse amanhã.
Aquilo não era nem de longe um pedido de permissão, já que sua mão
espalmou o espaço entre meus seios, me empurrando para que eu me
deitasse, e Raf caiu de boca em mim no segundo em que minhas costas
encontraram o colchão.
Minha voz saiu arranhando todo o caminho através da minha garganta
em um grito desesperado. Os movimentos de sucção e as lambidas no meu
clitóris me fazendo tremer da cabeça aos pés enquanto Raf apoiava a parte
de trás das minhas coxas nos seus ombros, o que parecia ter a única função
de me enlouquecer… e fazer com que seu rosto fosse mais fundo no meu
centro encharcado e pulsando de prazer.
Talvez Raf estivesse certo e duas pessoas pudessem mesmo jogar
aquele jogo, mas quando suas unhas curtas traçaram o caminho dos meus
quadris até os meus seios, beliscando meus mamilos, eu sabia que um de
nós estava jogando em desvantagem, já que eu explodi em um orgasmo
alucinante antes mesmo de conseguir formar um pensamento coerente.
— Raf… — Seu nome saiu como uma súplica e uma adoração,
conforme eu me desmanchava em ondas secundárias de um prazer
arrebatador que fez tudo dentro de mim latejar depressa e, então, amainar
para espasmos que, apesar de mais brandos, eram tão gostosos quanto o
pico da sensação.
— Eu deveria dar um workshop sobre como fazer uma mulher gozar
apenas com a boca. — Sua voz rouca soou, a respiração quente batendo na
parte interna da minha coxa e me fazendo sorrir ao passo que Raf
acomodava meus quadris de volta no colchão, sem sair do meio das minhas
pernas.
— Não seja convencido, sou uma grávida em abstinência, uma presa
fácil.
Ele engatinhou sobre mim, o rosto enterrando-se em meu pescoço e
fazendo minha intimidade latejar como se não tivesse acabado de
experimentar o melhor orgasmo da minha existência.
— Nesse caso, vou precisar continuar com os testes e saber a real
influência dos hormônios e da abstinência — ele sussurrou ao pé do meu
ouvido, mordendo o meu lóbulo e deixando beijos por todo o caminho até a
minha boca.
Parecia o cenário perfeito para mim, e se possível eu me apaixonei
um pouco mais por Rafael Galanis bem ali.
— Agora eu preciso cumprir aquela promessa de te foder como se
não houvesse amanhã — ele me lembrou, e eu o senti guiar sua ereção para
minha entrada, a glande deslizando pelas minhas dobras e se banhando com
a minha umidade pós-orgasmo.
— Preservativo — murmurei em um suspiro, e todos os músculos de
Rafael se retesaram para brecar seu movimento de se afundar em mim.
Ele se afastou apenas o suficiente para me encarar, os olhos azuis
desejosos cravados nos meus.
— Eu estou limpo, a prova disso é que você e o bebê estão bem.
Acenei em concordância uma vez.
— Achei que você tivesse apenas esquecido.
E ali estava, seu sorriso arrebatador e que sempre me fazia querer tirar
a roupa e me atirar nos seus braços.
— Bem que eu poderia ter esquecido, nós estamos transando com um
pedaço de látex no meio a troco de nada. — Raf lançou uma piscadela para
mim, inclinando-se para beijar o meu queixo. — Eu nunca transei sem
camisinha antes, mas se você quiser…
— Não quero — eu o cortei. Não precisava que ele terminasse o que
quer que fosse dizer. Eu queria senti-lo dentro de mim, apenas pele com
pele, e se era isso o que Raf também queria, não havia por que não fazer.
— Ótimo — anuiu, voltando a posicionar a glande na minha entrada,
deslizando para dentro do meu corpo com um movimento lento e contido.
Minhas costas se arquearam involuntariamente, meus músculos
abraçando a ereção de Rafael como se não quisesse deixá-la ir embora
nunca mais.
Eu gemi, e Raf soltou algo parecido a um urro.
Rebolei contra ele, ávida por senti-lo inteiro dentro de mim, mas Raf
apertou meu quadril com uma de suas mãos, tão forte que uma pontada de
dor atravessou minha carne.
Abri meus olhos no mesmo instante, vendo seu rosto contorcido numa
expressão de dor.
— O que foi? — eu quis saber, preocupada, tentando me levantar,
mas Raf foi mais rápido ao ordenar:
— Não se mexa nem um único centímetro, por favor — ele
praticamente implorou, e eu franzi as sobrancelhas, em confusão.
— Por quê?
Seus olhos se abriram para mim, as pupilas quase tomando todo o
espaço das íris azuis.
— Porque eu posso gozar feito a porra de um adolescente, se você
não parar de rebolar essa boceta apertada no meu pau desse jeito.
Foi impossível conter a gargalhada, meu corpo se sacudindo no
processo sem que eu pudesse evitar.
— Porra! — ele praguejou, todos os seus músculos se apertando
enquanto ele tentava se controlar. — Vai ser a performance mais curta de
toda a história, mas vou ter uma vida inteira pra te recompensar.
Antes que eu pudesse elaborar qualquer resposta, Rafael já estava se
arremetendo contra mim, sua boca buscando a minha furiosamente, uma de
suas mãos agarrando minha coxa e puxando-a para cima como se assim
pudesse ir mais fundo.
Era o meu Raf de sempre, mas agora… eu sentia que ele era
realmente meu. Não havia nada igual ao contato de pele com pele, sem
absolutamente nada entre nós dois. Apenas Rafael me tomando um pouco
mais para si a cada estocada, a cada vez que sua mão se fechava com mais
força em torno da minha coxa, a cada lambida lânguida que ele deixava
desde a base do meu pescoço até minha orelha, gemendo ao meu ouvido da
mesma forma sôfrega com que eu gemia.
Então, no meio disso tudo, ele acariciou minha barriga já aparente, e
havia tanta ternura no gesto, que não consegui conter as lágrimas que
derramei. Eu as enxuguei antes que Raf pudesse vê-las, porque não queria
que ele se preocupasse. Eram lágrimas de felicidade, de amor, de desejo,
porque nunca pensei que pudesse encontrar um homem tão perfeito quanto
ele.
Quando os primeiros tremores acometeram seu corpo, foi como se o
meu próprio seguisse algum tipo de comando silencioso, entregando-se à
sensação junto com Rafael, que se derramou dentro de mim em jatos
quentes, os músculos retesados e sua boca se fechando ao redor da pele da
minha clavícula, onde seu gemido arrastado encontrou espaço para ser
liberto.
 
CAPÍTULO 08
 

— Ainda não consigo acreditar que você vai mesmo se casar, não achei que
eu fosse viver o bastante pra ver algo assim acontecer.
Rolei os olhos para a fala engraçadinha de Orion, que não deveria ser a
pessoa a fazer piadas sobre minha demora em assumir um compromisso. Entre
mim, ele e Nikos, ele era o primo mais velho, deveria ser dele a responsabilidade
de dar seguimento ao legado Galanis.
— Sendo sincero, não achei que o próprio Raf viveria o bastante para isso
— Nikos interveio, mas o sorriso que esboçou através da videochamada era o
indicativo de que ele queria apenas implicar comigo.
Se não fosse por nossa avó prezar tanto a união da família, eu já teria
cortado relações com os dois. Seria muito fácil, na verdade. Com nossas agendas
sempre tão cheias e ramos de negócios tão distintos, nós poderíamos facilmente
nos encontrar uma única vez no ano, no aniversário de Yayá, já que ela amava
comemorar cada ano de vida e enxergava na ocasião uma oportunidade perfeita
para reunir toda a família Galanis.
Em vez disso, meus primos e eu tínhamos reuniões quinzenais em
videochamadas para tratar de… nada, em específico.
O streaming Galanix+ comandado por Nikos era simplesmente o mais
assinado a nível mundial. O que começou como um experimento na Grécia se
tornou uma febre global, graças às produções exclusivas.
Orion ia tão bem em seus negócios que vinha buscando novos investimentos
para se sentir de fato desafiado, e sua nova aposta era um time de futebol, um
assunto que ele dominava tão bem quanto o idioma alemão. Mas Orion não falava
alemão.
E já eu… tinha a Amethystós, que era o resultado da junção do tino
comercial do meu pai com o apreço de minha mãe por joias bem trabalhadas. Eu
não esperava que minhas peças se tornassem objeto de disputa tão depressa, mas
foi o que aconteceu, e eu não podia reclamar de nada disso.
Ainda assim, com a rotina complexa e fuso-horários no caminho, os primos
Galanis sempre tiravam um tempo para se manter a par da vida um do outro e
compartilhar segredos e conselhos que, em sua maioria, não seriam seguidos por
ninguém.
Esse foi o motivo de eu ter escolhido contar a eles sobre Helena e o bebê
antes de contar para os meus pais. Meus primos eram mais jovens, viajaram o
mundo e não eram tão ortodoxos. Para falar a verdade, talvez meu pai fosse o
único que ainda esperava que eu encontrasse uma boa moça grega com quem me
casar, porque seu próprio irmão, Eros Galanis, pai de Orion, escolhera uma
brasileira para compartilhar a vida.
— Tenham mais respeito ao falarem comigo, a partir de agora. Dentro de
poucos meses vou ser pai de família e exijo ser tratado como tal — alertei, mas
claro que não fui levado a sério.
— Quando você pretende contar a Yayá sobre isso? — Nikos quis saber.
— Pretende vir a Mykonos apresentar sua noiva, suponho — Orion
emendou.
— Tudo vai depender de como as coisas se saírem quando eu contar aos
meus pais. Tenho a leve impressão de o digníssimo senhor Nestor Galanis não vai
ficar nada feliz quando conhecer as origens de Helena.
 

 
Se o rosto inflado do meu pai fosse algum indício, eu acertara em cheio em
minhas suposições sobre como ele reagiria ao meu casamento com Helena.
Nestor Galanis me encarava com olhos esbugalhados e uma veia saltada na
testa que ameaçava explodir a qualquer instante.
— Achei que você tivesse dito que lidara com isso, Rafael! — ele bradou,
saliva saindo de sua boca furiosamente graças à sua revolta.
— E o que você achou que eu faria? Que abandonaria uma mulher grávida
de um filho meu? Não foi você mesmo quem me ensinou que precisamos encarar
com firmeza as consequências de nossos atos, sejam elas quais forem? — Eu me
virei em direção à minha mãe. — E não foi a senhora quem me criou para ser um
perfeito cavalheiro?
Ela assentiu, emocionada, e logo seus braços circundaram meu pescoço num
abraço apertado.
— Um neto! — ela praticamente cantou de felicidade. — Enfim, um neto!
— Minha mãe segurou meu rosto com ambas as mãos, e, apesar de ser uma
mulher alta, precisou se esticar nas pontas dos pés para depositar um beijo em
minha testa. — Quando nós vamos conhecer a tal moça, sua noiva?
— Helena — eu lhe disse. — Ela se chama Helena.
— Helena — mamãe ecoou, com um sorriso indisfarçável nos lábios. —
Helena Galanis. Eu gosto de como soa. — Ela voltou a me abraçar, dessa vez
descansando a cabeça no meu peito. — Não vejo a hora de conhecê-la, ajudar com
os preparativos para a cerimônia, acompanhá-la em suas idas ao médico e fazer
com minhas próprias mãos a roupinha de saída da maternidade.
Sorri para a minha mãe, porque ela sempre fora meu porto seguro e a maior
apoiadora de minhas decisões. Ela confiava no meu bom senso, o que era muito
mais do que poderia ser dito sobre o meu pai.
— Não sejam tolos. — A voz dele voz soou, colocando um fim à pequena
comemoração que minha mãe fazia. — Como pode acreditar assim tão fácil que
esse filho é seu? Não foi isso que eu te ensinei, Rafael. Sempre haverá mulheres
fáceis e sem caráter prontas para aplicar o golpe da barriga em um homem com
muito dinheiro e ingênuo a ponto de acreditar em palavras vazias.
— Nestor — minha mãe tentou acalmá-lo. — Por que é tão difícil assim
aceitar que nosso filho se apaixonou e despertou o mesmo sentimento em alguém?
Olhe só para ele, que mulher em sã consciência não cairia de amores por esse deus
grego que temos como filho? A coisa mais importante em Rafael está muito longe
de ser o dinheiro que ele possui.
Sua intenção era aliviar o ambiente, sempre era, mas teve o efeito oposto.
Quando contrariado, Nestor Galanis não enxergava com lucidez e sempre erguia a
voz como se, assim, ele pudesse delimitar a linha que indicava quem mandava e
quem deveria obedecer.
— Essa história ainda não acabou entre nós dois, Rafael. Quando terminar
de brincar de conto de fadas com a sua mãe, venha até o meu escritório, temos
assuntos sérios sobre os quais conversar.
CAPÍTULO 09
 

Não fui ao escritório do meu pai, como ele solicitou.


Eu já sabia perfeitamente o que ele iria dizer, de modo que nós não
precisávamos ter aquela conversa, sendo assim, depois que me despedi da minha
mãe, fui direto para a minha cobertura.
Helena e eu nos casaríamos mesmo sem sua aprovação, isso já estava
decidido. A gravidez não-planejada era nossa responsabilidade, minha e dela, e
nós dois precisávamos assumir as consequências de nossas imprudências.
Não que eu estivesse arrependido, longe disso. Seria mentira dizer que eu
não ficara receoso a princípio, mas o tempo fez com que eu não apenas me
acostumasse à ideia de ser pai, como também gostasse dela. A prova disso era que
a simples lembrança do ultrassom de Helena com o sapatinho de tricô que ela me
dera, guardados na primeira gaveta da minha mesa de cabeceira, era capaz de me
fazer sorrir como um perfeito idiota.
Além disso, havia ela. A própria Helena.
Quando cheguei da Grécia eu ainda não sabia como denominar o que sentia
por ela. Tudo o que eu sabia com certeza era que, apesar de ter estado na presença
de mulheres deslumbrantes em desfiles de moda e reuniões de negócios, nenhuma
delas me despertou o desejo que Helena era capaz de despertar.
O sexo entre nós dois desde que voltei de viagem estava cada vez mais
alucinante, eu mal conseguia olhar para ela sem sentir a urgência de despi-la e
tomá-la para mim. As novas curvas que seu corpo ganhara para receber o nosso
filho eram simplesmente irresistíveis, e eu adorava me perder em cada uma delas.
Talvez fosse cedo demais para afirmar com certeza, mas eu acreditava estar
apaixonado pela minha noiva. Havia meu senso de responsabilidade, claro, e eu
jamais deixaria uma mulher grávida de um filho meu em situação de desamparo.
Mas pedi-la em casamento? Assumir um compromisso desse porte com alguém
por quem eu não estivesse atraído por completo e cuja companhia eu adorasse?
Não… eu não era tão cavalheiro assim.
O que Orion e Nikos diriam quando eu lhes contasse sobre isso?
 

 
— Você não pode estar mesmo disposto a se casar com uma mulher que
conheceu há poucos meses apenas porque ela disse estar grávida de um filho seu!
— meu pai explodiu assim que as portas do elevador privativo da minha cobertura
se abriram na minha sala de estar.
Eu deveria ter me recusado a recebê-lo, nada de bom viria daquele encontro.
— Você me disse que não queria um bastardo com sangue Galanis por aí,
tomei as providências cabíveis — provoquei, assistindo à veia de sua testa saltar
um pouco mais. — Meu filho e de Helena vai nascer dentro de um casamento e
obviamente ele vai ser um Galanis, no sentido mais completo da palavra, quer
você goste ou não.
Ele assentiu uma única vez, apesar de não parecer satisfeito.
— Eu esperava não precisar chegar a esse extremo, Rafael, mas você não
me deixa alternativa.
— Do que está falando?
Com passos largos, ele se colocou logo à minha frente, rompendo a distância
que nos separava.
— Antes de eu poder explicar tudo, você precisa jurar que não vai contar
uma única palavra do que falarmos aqui para a sua mãe. De acordo?
— O que minha mãe tem a ver com tudo isso? — perguntei, confuso.
— Preciso que jure que isso fica entre nós — ele insistiu. — Você está ou
não de acordo?
Concordei com um aceno de cabeça, a contragosto. Contanto que ele
dissesse logo o que queria e me deixasse em paz, havia poucas coisas com as quais
eu discordaria.
O gesto foi tudo de que meu pai precisava para retirar seu celular do bolso,
os dedos passando pela tela com rapidez até que ele a girou para mim, uma foto de
Helena que eu desconhecia.
— Esta é a mulher que supostamente está grávida de você? — ele quis
saber, e franzi minhas sobrancelhas para a imagem.
— De onde tirou essa foto?
— De poucos meses atrás, quando paguei Helena para ser minha
acompanhante de luxo pela primeira vez. — O quê? — Não demorou até que ela
surgisse grávida, alegando que o bebê era meu, mesmo quando eu sabia que ela se
envolvia com outros clientes.
— Clientes? — eu quis me certificar, com um nível de estupefação que era
impossível colocar em palavras.
— Ela cobrava por sexo, Rafael, e não me orgulho em dizer que fui um dos
homens que lhe deram dinheiro em troca de seu corpo.
Helena, cobrando por sexo?
Não fazia sentido. Seu sorriso fácil e seu olhar doce assaltaram meus
pensamentos e eu não conseguia encaixá-los dentro do contexto que meu pai
descrevera.
— Helena jamais faria algo assim. — Havia tanta convicção em minhas
palavras que surpreendi a mim mesmo. — Eu a conheço, estamos juntos há meses
e ela nunca se demonstrou interessada em nada que eu pudesse lhe oferecer.
Eu me lembrei de todas as minhas tentativas de presenteá-la, de como ela
dizia que não queria o meu dinheiro, que meus olhos azuis e meu sorriso eram
tudo o que ela queria.
O único presente que Helena aceitara fora o polvo de pelúcia, e o bracelete
de diamantes, como símbolo físico do nosso compromisso. Nada além disso…
nada perto de tudo o que eu poderia lhe proporcionar, caso ela quisesse.
— Ela precisa parecer sempre tímida e condescendente, no início, para
conseguir dar o bote final. — A voz do meu pai soou, estranha aos meus próprios
ouvidos. — Se suas intenções estivessem claras desde o início, ela jamais teria
chegado tão longe.
Nada daquilo fazia sentido. Simplesmente não fazia.
Então por que diabos meu pai tinha uma foto de Helena no celular?
— Você está me dizendo que vem traindo minha mãe com uma mulher tão
mais nova que poderia ser sua filha? — praticamente cuspi, sem conseguir
conceber aquele cenário.
E, sendo honesto, eu não conseguia me decidir qual era o pior cenário: meu
pai traindo minha mãe com Helena, ou Helena me traindo com meu próprio pai.
Era a mesma coisa, ainda assim, tinha um peso diferente. Nós não tínhamos
um acordo de exclusividade antes de eu saber sobre o bebê, com quem ela dormira
ou deixara de dormir não deveria me importar. Mas, porra! Importava!
Especialmente se esse homem em questão fosse meu pai.
— Foi um ato impensado do qual me arrependo amargamente, sobretudo
vendo que aquela mercenária está usando você, tentando me castigar se casando
com meu filho e fazendo com que ele assuma um filho que não é dele!
Conhecendo meu pai como eu conhecia, eu tinha certeza de que ele dissera
cada uma das últimas palavras aos berros. Mesmo assim, elas soaram distantes,
como se eu estivesse preso em um pesadelo com um filme de terror como trilha
sonora.
No fundo, algo dentro de mim sabia muito bem o que ele queria dizer, mas
minha mente não se atrevia a pensar na possibilidade.
— Quem é o pai do filho que Helena está esperando, de acordo com você?
— questionei no ímpeto, sendo consumido por uma onda de arrependimento
gigantesca logo depois.
Eu não queria saber. A menos que ele me dissesse que eu era o pai do bebê
crescendo no ventre de Helena, ao qual eu já me apegara e começara a amar, eu
simplesmente não queria saber.
— Sou eu. Por isso ela viu em você um alvo fácil. A criança teria minhas
características e, automaticamente, as suas. Helena quis me chantagear, mas nem
mesmo depois de eu ter feito um cheque milionário, para que ela não trouxesse
toda a história à tona, ela se deu por satisfeita.
— Não — neguei imediatamente, sacudindo a cabeça de um lado para o
outro, me recusando a acreditar naquele cenário macabro que ele descrevia. —
Para que isso fosse verdade, nós precisaríamos ter estado com ela na mesma
época, e isso não pode ser.
Ele mexeu no celular outra vez, e meu estômago ficou embrulhado
automaticamente.
— Aqui.
Quando ele girou a tela para mim novamente, havia uma porção de coisas
me obrigando a encará-la.
Um teste de gravidez que eu nunca vira, fotos de Helena com uma das mãos
na barriga, que já estava aparente, uma porção de mensagens sem sentido naquela
conversa estranha e, de quebra, a foto do sapatinho de tricô igual ao meu.
“Sua esposa já sabe que tem um novo Galanis a caminho?”, dizia a legenda
que pude ler através da minha visão embaçada.
— Se isso não forem provas suficientes para que você acredite em mim, só
resta uma saída: confrontarmos Helena juntos, assim ela não vai ter alternativa
além de confessar toda a verdade — meu pai sugeriu, mas não tive forças de levar
meu olhar para o dele, porque havia muitas imagens dele com Helena nos braços
que me açoitavam. — Só não diga nada à sua mãe. Isso a deixaria devastada.
E como diabos ele achava que eu me sentia?
CAPÍTULO 10
 

 
Se alguém me dissesse, poucos meses atrás, que eu poderia ser tão
feliz quanto me sentia no momento, eu jamais teria acreditado.
Eu tinha Rafael, um bebê a caminho e agora estava empacotando as
poucas coisas que pretendia levar comigo do apartamento minúsculo que
dividia com minha mãe. Apesar de sempre termos morado juntas, só agora
que eu estava grávida e noiva conseguia de fato sentir que pertencia a uma
família.
Mamãe não era o melhor exemplo de amor materno, e eu esperava
poder ser melhor para o bebezinho crescendo no meu ventre do que ela
havia conseguido ser para mim.
O som de vozes alteradas vindo da sala, no entanto, interrompeu meu
momento de planejar o futuro, e eu me apressei em direção ao cômodo.
Antes mesmo de que pudesse chegar lá, porém, a porta do meu quarto foi
aberta com brusquidão, e um Rafael de feições nada amigáveis irrompeu
por ela.
A mandíbula estava trincada, os olhos azuis endurecidos e as narinas
inflando a cada respiração.
— Raf, o que aconteceu? — eu quis saber, indo em sua direção para
abraçá-lo, na tentativa de acalmar seus ânimos, independentemente do que
estivesse acontecendo.
Mas ele se desviou do meu abraço, dando um passo para trás, um
rosto familiar e um desconhecido surgindo às suas costas.
Minha mãe, acompanhado de um senhor de meia-idade, seus traços
indicando que ele e Rafael tinham algum grau de parentesco. Seria ele o pai
de Raf?
Estupidamente, lancei um rápido olhar para minha camiseta puída e
para os shorts manchados de água sanitária que eu vestia, agradecendo o
fato de ter tirado do pulso minha pulseira de diamantes, porque ela apenas
me faria parecer ainda mais ridícula. Todavia, talvez fosse bom estar com
ela, se eu tivesse a chance de trocar de roupas para conhecer meu futuro
sogro com um pouco mais de dignidade.
— Eu te avisei que a verdade iria aparecer mais cedo ou mais tarde,
Helena! — mamãe falou num tom estranhamente afobado, e estreitei meus
olhos para ela, sem entender a que se referia.
— O que quer dizer? — questionei, buscando no rosto de Rafael
alguma pista, mas não encontrei nada além de sua expressão descontente.
— Você é uma acompanhante de luxo! — acusou, e meu queixo
pendeu em estupefação.
— Quê? — Foi tudo o que consegui dizer em resposta.
— Não tenho mais tempo nem paciência para os seus jogos de
manipulação, Helena! — Raf retomou em tom cortante. — Me diga a
verdade, pelo menos uma única vez!
Fiz uma nova tentativa de me aproximar, erguendo uma de minhas
mãos para tocar o rosto do meu noivo, mas ele tornou a se afastar, desta
vez, segurando meus dois braços e me empurrando para trás, para longe
dele.
— Eu não sei do que você está falando — admiti, meus olhos indo
para minha mãe e para o homem que supus ser o senhor Galanis. — O que
está acontecendo?
Sorri nervosamente, contra minha vontade, um reflexo de
desentendimento com uma pitada de desespero crescente.
— Chega, Helena — o senhor de meia-idade decretou. — Eu disse
que você não conseguiria ir até o fim com essa farsa. Rafael já sabe de tudo,
acabou. Já não há nada que você possa usar para tentar manipular a situação
ao seu favor, nem mesmo as ameaças de contar o que aconteceu entre nós
dois para Irene.
Irene? A mãe de Rafael? Então aquele senhor era mesmo o pai dele?
— Senhor Galanis? — eu quis me certificar, minhas sobrancelhas
unidas em confusão.
— Agora você vai fingir que não o conhece? — Raf perguntou em
tom sarcástico, o ar saindo por suas narinas com força. — Que nunca
dormiu com ele e que esse filho que está esperando não é dele?
— Quê?! — Havia ainda mais perplexidade no meu tom agora,
porque nada que saía pelos lábios de nenhum deles fazia o menor sentido.
Era um pesadelo. Tinha que ser.
— Só quero que você me diga a verdade, olhando nos meus olhos —
Raf retomou, o tom cortante. — É pedir demais? Você já tem o dinheiro que
tanto queria, não é o suficiente? Quanto mais você quer pra admitir que o
bebê que está esperando não é meu?
Minha boca se abriu em completa surpresa. Raf achava que o bebê
não era dele? Como podia ser? Nós tínhamos estabelecido um
compromisso, fizéramos amor alucinadamente nas últimas semanas, de
onde surgira aquilo?
Tinha mesmo que ser um pesadelo.
Cravei as unhas nas palmas das mãos com toda força que pude,
esperando que a dor aguda me fizesse despertar. Quando o cenário não
mudou, apertei meus olhos com tanta força que me senti tonta, esperando
que, ao abri-los, as coisas tivessem voltado ao lugar.
— Olhe pra mim enquanto eu estiver falando com você! — Era a voz
de Rafael, mas uma versão esganiçada e nada amigável da que eu conhecia.
Ele me sacudiu, demonstrando que fizera uma exigência, e meus
olhos se abriram ao mesmo tempo que lágrimas grossas desceram pelo meu
rosto.
— O bebê é seu! — Tentei falar com a voz o mais firme possível,
mas, devido ao choro, ela tremeu em cada maldita sílaba. — Mas é claro
que o bebê é seu, como pode duvidar disso? — A produção de lágrimas
continuava incessante, e era um milagre que eu ainda me mantivesse de pé.
— Eu jamais mentiria sobre isso, nem tenho a menor ideia de por que você
está me dizendo todas essas coisas!
— Já basta, Helena — mamãe interveio, cortando a distância que nos
separava ao passar por Rafael e pousar uma das mãos em meus ombros, em
um meio abraço.
Ela viria em minha defesa, eu sabia que sim. Corinne podia não ser a
melhor mãe do mundo, no entanto ele me deu à luz, conhecia minha índole.
Melhor que ninguém ela sabia que eu não era capaz da atrocidade da qual
estava sendo acusada.
— Você não tem o direito de destruir essa família, é melhor admitir
logo a verdade! — Foi o que ela escolheu dizer, e eu me senti sendo
apunhalada pelas costas.
Eu a fitei, incrédula, minha vista embaçada de lágrimas não
conseguindo discernir muito bem a imagem logo à minha frente.
— Qual verdade? — balbuciei através do meu choro, ciente da
resposta arrasadora que viria depois.
Entretanto, ela não olhou para mim, quando disse:
— Helena e o seu pai tiveram, sim, um caso, Rafael. Sou testemunha
de todos os presentes caros que ela trazia pra casa, quando eu sei que ela
não pode pagar por eles com o salário da cafeteria.
— Presentes caros? — esganicei, me afastando dela com indignação.
— Não tenho nenhum presente caro.
— Vai negar também que te dei um bracelete cravejado de diamantes?
— Rafael questionou ironicamente, o tom de voz e o semblante tornando-o
tão diferente do homem que eu tanto amava.
— Não foi um presente — eu o lembrei —, você me disse. Era o
símbolo do nosso noivado!
Ele não me respondeu. Não com palavras, pelo menos. Apenas
meneou a cabeça de um lado para o outro, um sorriso amargo e, ainda
assim, dolorosamente bonito tomando seus lábios.
Um sinal claro de que ele não acreditava em mim.
— Sinto muito por todo o dano que minha filha causou, e assumo
toda a responsabilidade. É minha culpa que ela seja tão mesquinha e
ambiciosa, mesmo que eu não saiba onde errei.
Por que minha mãe continuava falando? Por que sua voz ainda
martelava em meus ouvidos com todas aquelas calúnias acerca de sua
própria filha? Acerca de mim? O que eu fiz para ela de tão mau para que
quisesse ver minha ruína?
— Sou eu quem sente muito — Rafael objetou, a voz profunda
atraindo minha atenção enquanto ele encarava bem no fundo dos meus
olhos. — Pelo bebê que você está carregando. Filho de um porco traidor e
de uma… — … vagabunda, completei mentalmente, sabendo sua escolha
de palavra antes mesmo de que ele pudesse fazê-la.
Fechei os olhos com força, prendendo a respiração para receber o
golpe final que acabaria de vez com tudo aquilo.
— Não existe palavra pra descrever quão inescrupulosa você é. —
Foi o que enfim saiu pelos lábios de Raf, depois do que me pareceram horas
de hesitação. — Maldito seja o dia em que coloquei os olhos em você.
Eu solucei, tampando minha boca para abafar o som o máximo que
podia, meus joelhos cedendo e encontrando o chão em um baque surdo, a
dor irradiando por minhas pernas e me fazendo urrar. Mesmo assim, não se
comparava em nada com o quão destroçada eu me sentia por dentro.
— Isso é mentira — sussurrei enquanto escutava os passos de Rafael
se afastando. Apoiei minhas mãos no chão, engatinhando vergonhosamente
para tentar alcançá-lo. — Tudo o que eles disseram é mentira — assegurei,
mas ele nem sequer se virou para me olhar. — Raf! — chamei mesmo
assim, sentindo as mãos da minha mãe me segurando no lugar. — RAFAEL!
— berrei, minha voz rasgando minha garganta. — Eu amo você, por favor,
acredita em mim!
Mas ele não acreditou.
 
PARTE 2
Dias atuais…
 
CAPÍTULO 11
 

Nestor Galanis estava morto, e seria mentira dizer que a notícia me


deixara triste.
Apesar do choque inicial e de ter sentido meu peso afundar um pouco
mais na cadeira enquanto o advogado do falecido senhor Galanis
continuava falando, tudo o que eu conseguia experimentar com essa notícia
era o mais puro alívio.
Isso fazia de mim um ser humano ruim? Eu queria acreditar que não,
afinal de contas, que outro tipo de sensação eu poderia vivenciar sabendo
que o homem que vinha assombrando meus pensamentos já não podia mais
me machucar?
Respirei fundo, aliviada, esvaziando meus pulmões de todo o ar e me
controlando ao máximo para que um sorriso não se formasse em meu rosto.
— Dá pra notar o quanto a notícia a afetou, senhorita Jones — o
advogado à minha frente murmurou, roubando minha atenção para si no
mesmo instante, com a falsa reprimenda.
— E-eu… — gaguejei, meio sem graça. Talvez não tenha sido capaz
de esconder meu sorriso da forma que pensei. — Não sei o que dizer —
admiti. — Sinto muito. É só que nunca fui muito próxima da família
Galanis e perdi qualquer contato que poderia ter com eles há mais de um
ano, então não entendo por que o senhor se deu o trabalho de vir até aqui
apenas para me dizer isso.
Ele acenou em concordância.
— Não é uma família fácil de se apreciar, estou certo? — ele brincou,
e havia um ar de divertimento em seu olhar que me fez relaxar. — De
qualquer forma, é parte do meu trabalho informar à senhorita que a leitura
do testamento vai acontecer em três dias e que sua presença é requisitada.
Minhas sobrancelhas se ergueram com tanta rapidez, em surpresa, que
eu podia apostar que o resultado disso foram olhos esbugalhados e uma
expressão completamente atordoada de minha parte.
— Acho que não compreendi o que o senhor disse — foi minha
resposta imediata.
— Um dos últimos desejos do senhor Nestor Galanis era que a
senhorita estivesse presente para a leitura do testamento — ele tornou a
dizer, como se explicasse o conceito para uma criança de cinco anos. O
problema era que o meu cérebro não possuía tamanha evolução, ao que
parecia, porque as palavras ainda não faziam muito sentido para mim.
— Acho que talvez o senhor tenha se confundido, porque, como eu
disse, não tenho ligações com a família Galanis e…
— A senhorita se chama Helena Jones, não? — ele interrompeu,
dando indícios de que sua paciência se esgotara. Ele me mostrou os papéis
que trazia nas mãos, estendendo-os para mim para que eu pudesse lê-los. —
Este é seu local de trabalho, o número da sua documentação confere?
Acenei levemente com a cabeça em afirmativo.
— Sim, mas…
— A senhorita conheceu o senhor Nestor Galanis? — o advogado
voltou a me interromper, e trinquei a mandíbula, me lembrando de nosso
encontro amargo. — Fizeram negócios, em algum momento? Porque há
registros de pagamentos feitos por ele para a senhorita.
— Transferências bancárias? — repeti, me dando conta de que, de
fato, havia mesmo algo muito errado naquelas informações. — Não… deve
ter algum engano, não recebi nenhuma transferência vinda do senhor
Galanis. — A memória de Corinne me estendo um cheque milionário
assinado por ele, contudo, piscou nos meus pensamentos, mas me recusei a
pensar naquilo. — Como eu disse, não tenho contato com essa família há
bem mais de um ano. — Apesar de um dia ter sido boba o suficiente para
acreditar que seria uma deles.
— Não é isso que diz o extrato bancário do senhor Galanis, senhorita
— ele devolveu, levantando-se num gesto claro de que aquela conversa
estava encerrada. — Eu a aconselho a ir à leitura do testamento, vai ser
breve e, se estiver dizendo a verdade e realmente não recebeu esses
pagamentos, é importante que esclareça tudo.
Esclarecer tudo? A que ele se referia?
Nós trocamos um aperto de mãos quando ele se despediu e foi
embora, um segundo depois, e, subitamente, o alívio que eu experimentara
se dissipou como bolhas de sabão no ar, as lembranças de um passado
muito mais recente do que eu gostaria que fosse voltando para me
atormentar.
Nestor e Rafael Galanis tiraram de mim a vida do modo que eu
conhecia. Não era necessariamente uma vida boa, mas pelo menos eu não
precisava me esconder e olhar sobre os meus ombros a cada esquina, como
se fosse uma fugitiva da polícia. Mais que isso, eu podia encarar meu
reflexo no espelho sem me sentir envergonhada pelas coisas que fizera.
Coisas como aceitar dinheiro de Nestor Galanis para colocar um fim à
existência de seu neto ilegítimo.
— Ele jamais permitiria que Rafael se casasse com alguém como
você, nem vai admitir que ter um neto bastardo! — foram as exatas palavras
de Corinne. — Se você insistir com essa história de gravidez, o senhor
Galanis vai tirar essa criança de você. Não temos como competir com o
dinheiro dele, Helena, é melhor aceitar as coisas como elas são.
E eu aceitei.
Depois de ser rejeitada pelo homem que eu amava e de ter meu
coração destroçado pelo fato de Rafael não acreditar em mim, aceitei o
cheque milionário que Nestor Galanis me oferecera por intermédio de
Corinne.
Minha própria mãe, vendendo minha felicidade ao depor falsamente
contra mim num julgamento onde eu jamais teria chances.
Claro que Rafael me alertara sobre o fato de que sua família
tradicional de gregos não veria nosso envolvimento com bons olhos, mas eu
subestimei o tamanho de seu preconceito, então era minha culpa me sentir
tão machucada, porque eu deveria ter esperado pelo pior desde o começo.
Rafael estava certo sobre seu pai, e talvez até mesmo sobre minha
índole.
Meu emprego na cafeteria pagava o bastante apenas para que eu
conseguisse sobreviver, mas eu não tinha como criar um bebê ou onde
encaixá-lo no apartamento que dividia com Corinne, por menor que ele
fosse no início. Eu ainda precisaria de espaço para um berço e uma banheira
digna para quando ele nascesse, e roupinhas e fraldas, claro. Um único pé
de sapatinho de tricô não seria o bastante, e abandonada pelo pai do meu
bebê e traída pela mulher que me trouxe ao mundo, eu precisaria me
desapegar de alguns princípios e de um pouco do meu caráter, se quisesse
sobreviver ao erro de ter desejado um homem que não era para mim.
CAPÍTULO 12
 

“Eu amo você, por favor, acredita em mim!”


Foram as últimas palavras que ouvi saírem da boca de Helena de tê-la
confrontado sobre a verdade.
Fazia mais de um ano, mas eu ainda conseguia me lembrar da cadência e do
desespero que parecia banhar sua voz, a ponto de me fazer girar cento e oitenta
graus para voltar até ela.
Meu pai me impediu, claro, e eu cedi. Não tinha mais nada a ser dito entre
nós dois, àquela altura. Ela não confessara a verdade e eu não queria escutar mais
mentiras. Se havia alguma dúvida de que Helena e meu pai eram amantes, elas
acabaram no momento em que vi os comprovantes de pagamento que ela recebia
todos os meses em troca de encerrar a gravidez e deixar a mim e à minha família
em paz.
Eu me perguntava como ela fora capaz de abrir mão do seu bebê, numa
gestação já tão avançada, em troca de dinheiro ao mesmo tempo que eu desejava
jamais ter descoberto a verdade sobre a paternidade. Acreditei com todas as
minhas forças que seria pai, e, então, de uma hora para outra, o futuro que eu tinha
planejado para mim, Helena e o bebê foi abortado.
Assim como a criança que ela gerava.
Nada disso importava mais. Ou era o que eu pensava, até meus olhos
recaírem sobre ela todo aquele tempo depois, minutos antes da leitura do
testamento do meu pai.
Ela fora recepcionada por uma das ajudantes da casa, que provavelmente se
oferecera para guiá-la até… onde, exatamente?
— Helena… — murmurei em reconhecimento. Minha intenção não era ser
notado, pelo menos era isso o que eu pensava, ainda assim, Helena me ouviu, o
sorriso educado que ela abrira para a ajudante da casa desaparecendo quase em
câmera lenta.
— Oi — ela articulou simplesmente, com uma expressão surpresa que
indicava quão boa atriz ela era.
Como era possível que Helena agisse como se não esperasse me encontrar
ali? Justo na casa que pertencera ao meu pai, no dia da leitura de seu testamento.
— O que diabos você faz aqui? — questionei, experimentando um misto de
sensações que não sabia como nomear.
— Ela veio para a leitura do testamento. — A voz de minha mãe soou logo
atrás de mim, e meu pescoço girou de pronto para que eu pudesse fitá-la. —
Supondo que você seja Helena Jones, é claro. — Ela sorriu para Helena,
estendendo-lhe a mão em cumprimento. — Irene Galanis, é um prazer conhecê-la.
— O prazer é todo meu, senhora Galanis — Helena devolveu
imediatamente, apertando a mão de minha mãe de forma gentil. — Sinto muito
por sua perda.
Meu estômago ficou embrulhado. Ter a ex-amante do meu pai sob o mesmo
teto em que ele vivera com minha mãe me deixou enjoado.
— Vou avisar ao advogado que já estão todos presentes para a leitura do
testamento de Nestor — mamãe declarou. — Rafael… — Ela se virou para mim.
— … seja um cavalheiro e guie Helena até o escritório, por favor. Vou reunir os
outros e encontro vocês em poucos minutos.
 

 
Helena fora de ex-amante a sócia da empresa deixada por Nestor Galanis, e
eu sentia que poderia vomitar a qualquer minuto.
Depois de escutar da boca do advogado que um dos últimos desejos de meu
pai era que eu assumisse a frente de seus negócios — como se eu tivesse tempo
para isso, com a demanda que vinha da Amethystós —, precisei ouvir, impassível,
a notícia de que Helena herdara dez por cento do império de Nestor Galanis.
Eu não conseguia decidir qual era a pior parte, a cara de surpresa de Helena
ou a expressão satisfeita no rosto de minha mãe ao saber que a amante de seu
falecido esposo ficara com uma fatia generosa de algo que não lhe pertencia.
Uma acompanhante de luxo. Fora isso o que ele dissera sobre Helena uma
vez, e estava certo. Poucos homens eram capazes de pagar para ter em sua cama
uma mulher jovem, bonita e disposta como Helena.
Rechacei o pensamento de seu desempenho na cama junto com o sentimento
revoltante de ter sido usado por ela com fins tão sórdidos.
— Minha mãe não faz ideia de quem você é, faz? — exigi saber dela assim
que a leitura do testamento foi concluída e fomos liberados para ir embora.
Helena ficou sentada em seu assento por um tempo extra, fingindo processar
o que acabara de acontecer, e eu esperei por ela sem nem mesmo me dar conta de
que era isso que fazia, prendendo seu braço firmemente entre meus dedos quando
ela ameaçou passar por mim enquanto fingia que não estava me vendo.
Seus olhos me encararam com uma fúria contida que nunca vi antes em seu
olhar.
— Acho que você vai ter que perguntar isso a ela. — Então ela puxou o
braço para longe do meu toque, me fazendo apertar meus dedos um pouco mais
para mantê-la no lugar.
— Por que meu pai te deixou tanto dinheiro? — questionei. — Por acaso
vocês dois permaneceram amantes depois de tudo o que aconteceu?
A simples possibilidade me deixava simplesmente enojado.
— Eu diria pra perguntar ao seu pai, mas, como você bem sabe, não vai ser
possível.
Helena sorriu, um gesto que não esboçava nenhuma felicidade, e sim
dissimulação.
— Você está adorando o fato de ele estar morto, não está?
— Não vou derramar uma única lágrima por ele, se é isso quer saber.
— Mas veio até aqui, à casa da minha mãe — observei. — Com que
intenção? Tripudiar?
— Esse é o último lugar onde eu queria estar. — Helena puxou o braço com
mais força, e eu o soltei, com medo de exercer mais pressão e acabar machucando-
a. — Deve ter sido algum engano, sei tanto quanto você sobre esse suposto
dinheiro que seu pai deixou pra mim, mas pouco me importa. Não quero um único
centavo vindo da família Galanis.
Foi impossível conter um bufar de sarcasmo.
— Os pagamentos que você vem recebendo todos os meses passam uma
mensagem bem diferente, senhorita Jones — apontei, erguendo uma de minhas
sobrancelhas em desafio. — Além desse novo comportamento zombeteiro e cheio
de si, é claro. Essa é a verdadeira Helena ou apenas mais uma de suas
personagens?
Seu olhar reluziu de forma familiar, mas tão rápido quando surgiu
desapareceu, quando ela fechou os olhos com força, antes de dizer:
— Tenha um bom dia, Galanis.
Eu a deixei ir. Era o melhor a ser feito naquelas circunstâncias. Eu resolveria
com o advogado a questão absurda do testamento depois. De jeito nenhum eu
aceitaria de forma pacífica aquela afronta.
— Helena… — Não, não pode ser… — Raf — minha mãe emitiu em
reconhecimento. — Vocês ainda estão aqui. Juntos de novo.
Juntos de novo?
Algo naquele tom não parecia soar bem.
Eu me virei para a porta pela qual Helena deveria ter passado, se não fosse
minha mãe impedindo-a.
— Eu estava dizendo ao seu filho que já estou de saída, senhora Galanis —
Helena mentiu. Aquele não era o teor da conversa, apesar de termos chegado ao
fim dela. — Toda a questão do testamento deve ter sido um mal-entendido, mas
vou resolver isso, não tenho intenção de ficar com o dinheiro da sua família.
Dissimulada!, eu quis berrar, mas me contive.
Não por ela, senão por minha mãe, por quem mantive o segredo da traição
de seu marido. Eu não queria que ela sofresse e, como eu, imaginei que ela
preferiria que a verdade jamais viesse à tona.
— Não seja boba, querida. — Mamãe abanou o ar com uma das mãos num
gesto despreocupado. — Nestor teve seus motivos para incluí-la no testamento e,
de verdade, eu não me importo.
Não se importa?
— De qualquer modo… — Helena tentou, mas minha não lhe deu chance
para continuar.
— Nada disso. Você deve estar cansada da viagem até aqui. Preparei um dos
quartos de hóspedes para que você possa descansar.
Quarto de hóspedes para Helena? Uma completa desconhecida? Onde Irene
Galanis estava com a cabeça? Isso por acaso fazia parte do testamento? Receber
Helena como parte da família, agora que ela fazia parte dos nossos negócios?
— Ah, não precisa se incomodar com isso, na verdade eu…
— Não é incômodo algum. — Minha mãe cortou a nova tentativa de Helena
de se esquivar. — Vamos, hoje foi um dia cheio para todos nós. — Mamãe passou
o braço pelo de Helena como se elas fossem velhas amigas, e elas saíram do
escritório me deixando em um estado catatônico no qual eu duvidava do meu
próprio nome. — Agora, mudando de assunto, o que você gostaria de comer no
jantar? — Foi a última coisa que consegui ouvir de sua conversa, antes de suas
vozes desaparecerem no corredor.
Que diabos acabara de acontecer ali?
CAPÍTULO 13
 

 
— Meu Deus, se isso for um sonho, eu me recuso a acordar! —
Caroline murmurou através da videochamada, desistindo de bater a massa
dos bolinhos com o auxílio de uma colher de pau e depositando o bowl na
bancada da pia. — Helena, você faz ideia do quanto isso vai ajudar nosso
Bar de Cupcakes?
Caroline estava fora de si, se achava mesmo que eu aceitaria um
único centavo da família Galanis para investir no nosso negócio. Já bastava
o fato de eu ter penhorado a pulseira de diamantes que Rafael me dera
quando me pediu em casamento. Tive que engolir todo o meu orgulho
quando me desfiz da joia em troca de dinheiro para investir no
empreendimento com minha melhor amiga.
Eu estava grávida, fora traída pela minha própria mãe e rejeitada pelo
homem que eu amava, depois de ele acreditar no absurdo de que eu era
amante do pai dele. Dignidade era um luxo que eu não poderia me dar.
Penhorei a pulseira de diamantes para conseguir enterrar meu passado
de uma vez por todas e recomeçar a vida, jurando que um dia juntaria
dinheiro o suficiente para recuperá-la e devolvê-la a Rafael. O dinheiro
oferecido pelo senhor Galanis ficou inteiramente com Corinne. Eu jamais
me submeteria a tocar naquele dinheiro imundo.
Sem dignidade, sim, mas o mínimo de caráter eu precisava ter, se
quisesse ser diferente da mulher que me trouxe ao mundo.
— Obviamente não pretendo ficar com um único centavo, Caroline
— respondi para minha amiga.
— Você só pode estar de brincadeira comigo. — Seu queixo pendeu,
e ela pousou as mãos na bancada onde mantinha o celular apoiado.
— Caroline… o que vai ser da minha consciência se eu aceitar esse
dinheiro?
— Estou mais interessada com o que vai acontecer com sua conta
bancária. Até onde eu sei, consciência não paga o nosso aluguel.
Rolei os olhos para ela.
— Pare de ser reclamona, nós estamos indo bem, tendo em vista o
lugar de onde saímos.
A cafeteria onde trabalhávamos agora era apenas uma lembrança em
nossas vidas. Com o dinheiro da penhora da pulseira de Rafael e o talento
de Caroline para doces, nós finalmente poderíamos investir no seu sonho de
abrir uma loja de cupcakes. Não deu muito certo no início, até surgir a ideia
de colocarmos os cupcakes como pano de fundo e focar no que de fato faria
o dinheiro entrar: drinques. Foi como surgiu nosso Bar de Cupcakes, e os
negócios estavam começando a andar.
— E o que você ainda está fazendo aí? — perguntou, indicando o
quarto pomposo onde eu estava com um aceno de cabeça. — Você já
deveria estar em casa, a essa hora, me ajudando com os recheios dos
cupcakes.
Olhei em volta pelo que me pareceu ser a milésima vez, ainda sem
acreditar que aquele dia estava mesmo acontecendo. Eu, Helena, na mansão
dos Galanis, tendo que encarar Rafael como se o que vivemos não tivesse
significado nada, apenas para descobrir que Nestor Galanis me incluíra em
seu testamento para deixar uma pequena fortuna para mim.
Aquele dinheiro resolveria todo e qualquer problema financeiro que
Caroline e eu pudéssemos ter, nisso ela tinha razão, porém eu não seria
capaz de aceitar o dinheiro de alguém que me fez tão mal. O fato de ele não
estar vivo para cumprir suas ameaças já era alívio suficiente.
— Eu sei, mas ainda não consegui escapar. — Soltei um suspiro
cansado, meus ombros murchando no processo. — A senhora Galanis é o
ser humano mais adorável que eu já conheci em toda a minha vida, e é
impossível contrariá-la. Ela me pediu pra descansar um pouco em um dos
quartos de hóspedes e ficar até o jantar. Quando eu vi, já estava aqui…
Adorável. Era uma boa palavra para descrever Irene Galanis, apesar
de não ser a única. Suas qualidades pareciam ser infinitas, e ela não se
parecia em nada com o retrato que pintei dela nos meus pensamentos.
Como eu poderia imaginar que alguém de coração tão bom seria casada
com um ser humano tão cruel quanto o senhor Galanis?
O que ele me fez passar não tinha justificativa. Por mais que me
achasse indigna de seu sobrenome e de seu único filho… eu estava grávida!
E ele sabia muito bem que o filho era de Rafael. Isso não lhe importou nem
um pouco, assim como não importou a Corinne. Juntos, eles ruíram todas as
minhas chances de formar a família da qual sempre desejei fazer parte.
— Como é o colchão? — Caroline quis saber, talvez percebendo meu
longo silêncio como algo estranho, porque era como eu me sentia.
— Sem nós — contei. — Nem afundou pra me abraçar quando me
deitei.
Minha melhor amiga soltou um gemido revoltado, batendo um dos
pés no chão feito uma criança birrenta.
— Okay, agora eu estou com inveja. Um colchão novo! Esse vai ser o
nosso próximo investimento. A gente tem se matado pra fazer o Bar de
Cupcakes deslanchar, as nossas costas merecem.
— Mesmo que não merecessem… — concordei, me jogando no
colchão confortável, pensando que poderia me acostumar facilmente a ele.
— Se tem uma coisa que eu não recusaria, se tivesse herdado, seria essa
cama. Duvido que você iria me encoxar à noite se tivéssemos todo esse
espaço.
Caroline abriu um sorriso sapeca.
— Não faço isso porque a cama é pequena, no fundo tenho uma
quedinha secreta por você. — Ela piscou para mim num falso flerte, me
arrancando o primeiro sorriso genuíno desde que cheguei àquela casa.
Caroline era uma ótima amiga. Mais que isso, ela era a irmã mais
velha que nunca tive. Nenhuma outra pessoa teria pedido demissão do
próprio emprego para embarcar em um futuro incerto com uma mulher
grávida que precisava fugir de casa e da família malvada paterna de seu
bebê.
O senhor Galanis fora bem claro quando disse que não admitiria um
neto bastardo, de modo que precisei garantir que aceitaria o dinheiro que ele
oferecera em troca de interromper minha gravidez. O dinheiro serviu para
fazer com que Corinne desaparecesse da minha vida para sempre, e eu me
escondi sob o nariz grego e presunçoso de Nestor Galanis ao me mudar para
Newark.
— Você sabe que meu coração é todo seu e de Theo — murmurei
para Caroline, e seu semblante se acendeu de imediato.
— Falando nele… — Ela pegou o celular apoiado na bancada e
andou com ele pelo nosso pequeno apartamento. — Diga oi pro nosso
garoto propaganda.
A câmera focou em Theo, confortavelmente acomodado no carrinho
onde Caroline e eu o colocávamos enquanto trabalhávamos nos cupcakes.
Porém, em vez de ele aparecer vestindo uma de suas roupinhas normais, em
seu body branco, sobre a barriguinha protuberante de bebê, havia a estampa
das camisetas que Caroline encomendara para fazer propaganda do nosso
novo empreendimento.
Bar de Cupcakes, uma experiência sem igual.
— Santo Deus, Caroline… — soltei enquanto me levantava de
supetão. — O que você fez com o meu bebê?
— Nosso bebê — ela corrigiu, desfazendo uma ruga invisível no body
de Theo, como se achasse normal o fato de ele ter a palavra “bar” impressa
na roupa. — Ele mora nessa casa de graça e metade do nosso dinheiro vai
pra encher essa barriguinha aqui. — Ela indicou o local com pequenas
batidinhas, e o sorriso banguela mais lindo de todo o mundo surgiu na tela
do meu celular. — De hoje em diante, Theo vai precisar merecer todo o
leite que vem bebendo.
Eu amava Caroline com todo o meu coração. Mais que uma tia, ela
era a melhor segunda mãe que Theo poderia ter. Isso fazia com que eu me
sentisse menos pior em relação a não poder oferecer-lhe a família perfeita
de livros clichês.
Assim como eu, ele não conheceria o próprio pai, e eu precisaria de
uma história mais bonita do que a verdade para explicar-lhe o porquê. De
qualquer modo, ele sempre teria em seu nome um pedacinho de sua herança
grega. Era minha forma de mostrar gratidão ao universo por ter me
presenteado com um bebê forte e saudável, apesar de todas as adversidades.
Para mim, ele não era um filho bastardo, como Nestor Galanis
sugerira certa vez. Era o meu mundo todo, e eu podia segurá-lo entre meus
braços e sentir seu coraçãozinho batendo contra o meu peito. Isso era tudo
de que eu precisava para superar um dia ruim: abraçar Theo bem apertado,
sentir seu cheirinho de bebê e admirar seus olhinhos brilhantes que sempre
me fitavam com uma adoração que só podia ser reflexo do que eu sentia por
ele.
— Eu já estou morrendo de saudades de vocês — confessei. Não que
fosse um segredo.
Meu momento favorito do dia era quando eu estava com Theo e
Caroline. Mesmo com todo o tempo e cuidado que um bebê requeria, e
apesar de precisar dividir uma cama com Caroline todas as noites desde que
fomos morar juntas, eu não conseguia ter o suficiente das minhas pessoas
preferidas no mundo.
— Então trate logo de vir pra casa — ela demandou. — Se você
tivesse pretensão de se tornar bilionária, poderia ficar aí o tempo que
quisesse, mas eu não vou ficar trocando fraldas sozinha, já basta o fato de
você ter fetiche por ser pobre.
— Volto logo após o jantar, prometo. Deixe o meu lado da cama
quentinho pra quando eu chegar — gracejei, e ela ergueu uma das
sobrancelhas para mim em sua melhor expressão engraçadinha.
— Certo, mas nada de me acordar no meio da noite, hein? Se eu
estiver ocupando todo o espaço do nosso colchão cheio de nós e mestre em
afundar, fique no sofá.
 
CAPÍTULO 14
 

 
No último ano, Helena parecia ter se tornado uma nova pessoa, pelo
menos no que dizia respeito a mim. Ou talvez ela só tivesse revelado sua
verdadeira face.
Fosse o que fosse, o fato era que ela estava diferente, ao mesmo
tempo que parecia exatamente a mesma quando lidava com outras pessoas,
dentre elas, minha mãe.
O que não havia mudado, entretanto, era como ela era bonita. O
tempo lhe fizera bem, era inegável, como se nesse tempo ela tivesse
conseguido atrair um brilho extra para si, algo que a tornava ainda mais
desejável.
Eu não sabia quais eram as intenções de Helena se mostrando tão
gentil. Um prazer pessoal, quem sabe? Que outra explicação poderia haver?
Ela já tinha dinheiro mais que suficiente para viver uma boa vida, agora que
meu pai estava morto, por que aceitara a hospitalidade de minha mãe,
quando esta lhe ofereceu um quarto para descansar e a convidou para que
ficasse para o jantar?
— Então, essa moça, a tal Helena… — comecei como se não quisesse
nada, quando mamãe e eu já estávamos sozinhos na sala de estar da mansão
deixada para nós por Nestor Galanis.
Eu gostava do meu apartamento e não tinha a intenção de morar ali,
mas também não deixaria minha mãe sozinha tão depressa.
— Não precisa falar de Helena como se não soubesse muito bem
quem ela é — devolveu, um sorriso afável moldando seus lábios e
alcançando seus olhos.
Isso não podia significar o que eu achava que significava…
— A senhora sabe quem ela é? — eu quis me certificar, estreitando os
olhos em sua direção, porque não era possível que ela soubesse de toda a
verdade e, ainda assim, tenha tratado Helena com tamanha compostura.
— Sua ex-noiva… — ela disse simplesmente, encarando-me como se
fosse óbvio, e eu engoli em seco. — A mãe do seu filho — emendou, e isso
foi o bastante para me fazer trincar a mandíbula. — Acha mesmo que meu
marido deixaria dez por cento de todos os seus bens para Helena, se eu não
soubesse quem ela é?
Porco traidor miserável! Isso que ele era!
Como fora capaz de enganar minha mãe desse jeito? E agora, depois
de morto, ainda a obrigava a conviver com sua amante depois de tê-la
tornado bilionária, graças à herança recebida. Ainda assim, Helena, que se
mostrou tão boa atriz com todas aquelas lágrimas que derramou, quando foi
confrontada, não foi capaz de derramar uma única sequer durante a leitura
do testamento.
— Isso é tudo o que a senhora sabe sobre ela? — pressionei um
pouco mais.
— Por quê? Há mais coisas que eu deva saber? — Suas sobrancelhas
se ergueram do modo inquisidor que sempre fazia com que eu lhe contasse
qualquer coisa que ela quisesse saber, quando eu era criança.
— Não… — apressei-me em negar. — Claro que não. Só te achei
extremamente afetuosa com uma pessoa que mal conhecia, isso é tudo.
— Helena parece ser uma boa moça, e a vida não foi nada gentil com
ela. Não consigo nem imaginar uma realidade em que eu não tivesse você.
— Sua mão macia tocou a lateral do meu rosto em uma leve carícia,
conforme seus olhos também azuis buscavam os meus. — Deve ter sido
muito difícil para ela lidar sozinha com a perda do bebê.
Ela teve um milhão de dólares para ajudá-la a enfrentar o luto, era o
que eu queria ter dito, mas me calei. O que minha mãe sabia sobre minha
história com Helena era que ela havia sofrido um aborto espontâneo e
decidiu ir embora de Nova Iorque para recomeçar a vida, depois de ter
colocado um fim ao nosso relacionamento.
Deixei de fora o fato de que o bebê que ela esperava era, na verdade,
meu irmão, não meu filho.
— E a senhora não acha estranho que meu pai tenha deixado uma
pequena fortuna pra Helena, quando ele fora tão contra nosso
envolvimento?
Ciúmes, talvez? Ou ele de fato achava que Helena era boa o suficiente
para esquentar sua cama, mas não para se tornar minha esposa?
O simples pensamento embrulhou meu estômago pelo que me
pareceu ser a milésima vez naquele dia.
— Você acha que eu deveria? — mamãe quis saber, estreitando suas
sobrancelhas para mim, e eu prometi a mim mesmo que aquela história suja
entre Nestor e Helena jamais viriam à tona. Eu não deixaria que isso
destruísse o brilho inabalável de bondade que sempre havia nos olhos de
minha mãe.
— Não, não acho — escolhi responder, tomando seu rosto entre
minhas mãos e depositando um beijo em sua testa.
 
CAPÍTULO 15
 

 
Eu estava de volta à minha vida normal, depois do encontro
inesperado com a família Galanis. Apesar de a mãe de Rafael ser o oposto
do que eu esperava, eu precisava, pelo bem de todos nós, que aquele
encontro chegasse ao fim o mais rápido possível.
Minha intenção quando me mudei para Newark — perto o bastante de
Nova Iorque e de Rafael, longe o suficiente de seus círculos de
convivências — era me afastar de todas as pessoas que me machucaram.
Ela me vendera e se tornara milionária, com certeza estava gastando
seu dinheiro com o gosto das minhas lágrimas em algum lugar paradisíaco.
Nestor estava morto, e apesar de eu não entender por que raios de
motivo ele me colocara em sua herança, sua ameaça de tomar o meu filho
de mim já não podia mais me assustar. Isso já era o suficiente para que eu
não fosse capaz de lamentar sua morte.
No meio disso tudo, havia também Rafael, que não cumpriu sua
palavra quando prometeu cuidar de mim e do nosso filho, um que ele
acreditava ser biologicamente de seu pai.
Meu estômago se revirava em desgosto por ele acreditar que eu seria
capaz de algo tão vil e nojento, porém o tempo me ajudou a não julgá-lo tão
duramente. Nós mal nos conhecíamos além da cama, quando engravidei
dele. Uma pobretona grávida de um bilionário grego do ramo de joias.
Eu sabia muito bem como isso soava, em especial com alguém como
Nestor Galanis, pai de Rafael, e minha própria mãe me acusando de ser uma
mulher perversa a ponto de mentir para Rafael e fazê-lo assumir um filho
que não era dele. Apesar de eu ter decidido tratá-lo com indiferença e uma
pontada de sarcasmo, era apenas uma casca para mantê-lo acreditando na
mentira elaborada por seu pai e minha mãe.
Aquela era a melhor saída. Nossa ínfima chance de um final feliz
deixou de existir, e não havia como mudar o passado.
— Você está muito aérea desde que voltou da casa dos Galanis. O que
houve? — Caroline perguntou enquanto eu a ajudava com o recheio de
nozes para a próxima fornada de cupcakes, na cozinha da loja que
alugamos.
O Bar de Cupcakes abriria em uma hora, e estávamos atrasadas em
nossa produção, uma vez que eu parecia meio sem foco e extremamente
lenta nas minhas funções.
— Não é nada de mais — assegurei. — Só fiquei apreensiva com
quão rápido me encontraram.
— Mesmo? — ela perguntou, erguendo uma de suas sobrancelhas
ironicamente ao mesmo tempo que apoiava o quadril na bancada onde eu
misturava o recheio dos bolinhos. — Porque nós vivemos a uma hora de
Nova Iorque, onde tudo aconteceu, onde Rafael segue morando. Além do
mais, estamos falando dos Galanis. Você não pode estar tão surpresa assim.
— Mas estou — retruquei. — Depois do nosso encontro há um ano e
de ter concordado em encerrar a gravidez em troca de dinheiro, de jeito
nenhum eu pensei que um Galanis mandaria alguém vir atrás de mim.
E era mesmo verdade.
Corinne tinha seu dinheiro, e o senhor Galanis se livrara de mim.
Rafael não acreditaria em minha palavra nem mesmo em um milhão de
anos, nesse caso, eu não precisaria percorrer o mundo para me esconder.
— Preciso perguntar uma coisa que está me remoendo por dentro.
Juro que tentei ser forte, mas não consigo mais. É sobre Rafael. — Caroline
mordeu o lábio, em hesitação, e meu olhar a buscou imediatamente. — O
que você sentiu vendo-o tão de perto?
Apertei os olhos com força, desejando que Caroline tivesse me
perguntado qualquer outra coisa.
Eu não me permitira pensar naquilo, com medo de que meu coração
imaturo e apaixonado se rendesse aos encantos de Rafael ao vê-lo sofrendo
pela morte do pai, mesmo que Nestor Galanis fosse um homem odioso. Não
foi o que aconteceu, entretanto. Apesar de estarem claramente de luto, nem
Rafael nem sua mãe se pareciam com pessoas que haviam acabado de
perder um ente querido.
Ou talvez aquela fosse apenas a forma de Galanis de lidar com as
coisas: pragmática.
— Não sei dizer. — Foi o que respondi para Caroline. — Medo,
talvez, de ele descobrir sobre Theo. Raiva, por ele continuar insinuando que
fui amante do pai dele.
O pensamento me trouxe uma sensação ruim ao estômago, e decidi
que o recheio que havia preparado já está bom o suficiente, então o deixei
sobre a bancada.
— Nenhum sentimento bom? — ela insistiu. — Estou perguntando
porque vocês chegaram a ficar noivos.
Uma onda de nostalgia me envolveu, e meu olhar correu em direção a
Theo, brincando em seu carrinho como de praxe, entretido demais com sua
pelúcia favorita: o polvo do humor que Rafael ganhara para mim, numa
época em que as coisas entre nós dois eram fáceis e descomplicadas. A
única lembrança que me sobrara dele, com exceção de Theo e seus olhinhos
tão lindos e idênticos aos do pai que ele jamais chegaria a conhecer.
— Eu nem me lembro mais disso — menti, porque trazer à tona
aquele assunto, mesmo com Caroline, não tinha sentido. — Faz muito
tempo. Eu era outra Helena, carente de amor e atenção, disposta a me casar
com um homem que nem sequer me amava. Tudo isso ficou pra trás.
Exceto o fato de que eu me perguntara, uma vez ou outra, como teria
sido a vida se o senhor Galanis e minha mãe não tivessem arruinado minha
história com Rafael. Talvez nem mesmo tivéssemos chegado a nos casar…
ou talvez ele tivesse se apaixonado por mim no meio do caminho.
Não que nada disso importasse de verdade.
— Agora você é mãe e empresária no Bar de Cupcakes — Caroline
cantou alegremente, estalando um beijo em minha bochecha e me
arrancando um sorriso no mesmo instante, antes de ir para o forno e retirar
de lá nossa última remessa de bolinhos.
Minha melhor amiga era maravilhosa, Theo e eu éramos muito
sortudos por tê-la em nossa vida.
Caminhando até ele, fiz cócegas em sua barriguinha coberta com o
body branco que Caroline mandara estampar para ele, e ele gargalhou,
soltando um gritinho agudo e arrancando um sorriso de mim e de sua
segunda mãe.
— A empresária aqui vai começar a organizar nossa vitrine —
anunciei, pegando uma das bandejas com nossos cupcakes de pistache,
apoiando-a no antebraço conforme a mão livre guiava o carrinho de Theo
para fora da cozinha, rumo ao balcão.
Uma manobra arriscada que Caroline e eu precisamos dominar, já que
com nosso orçamento apertado não podíamos pagar por uma babá.
Quando a porta que separava a cozinha do nosso balcão bateu logo
atrás de mim, meu coração deu um salto no peito como se quisesse sair por
minha boca, e, em vez de um grito esganiçado, tudo o que consegui emitir
foi um arquejo de puro desespero, o sangue correndo com força pelas
minhas veias e meus olhos se esbugalhando no processo, devido à visão
perturbadora.
  — O que faz aqui? Como me encontrou? — perguntei de pronto,
estranhando minha voz esganiçada.
Ao que parecia, os fantasmas do meu passado decidiram me
assombrar em conjunto.
CAPÍTULO 16
 

 
— Acha mesmo que esse é o melhor esconderijo do mundo, Helena, e
que por isso o velho Galanis não foi capaz de cumprir sua promessa de tirar
o garoto de você? — Corinne perguntou, rolando os olhos e abanando uma
das mãos em descaso, mas ela não se parecia muito com a mulher que um
dia chamei de mãe.
Ela usava roupas sofisticadas e um perfume forte e enjoativamente
doce. Bonita, sim, uma verdadeira antítese do que trazia por dentro. Além
disso, ela parecia mais jovem, seguramente investiu em procedimentos
estéticos para que o tempo parecesse ter sido mais gentil com ela. Uma
gentileza que nunca tive, em se tratando de Corinne.
— Sabia que você fez muito bem em ter mantido esse bilhete
premiado? — Não me dei conta do significado de suas palavras até ver suas
mãos de unhas longas pintadas de vermelho se esticarem em direção a
Theo.
Senti o coração errar uma batida, minhas pernas trabalhando por
conta própria no momento em que Corinne segurou Theo sob as axilas,
erguendo-o conforme o levava para si.
— Agora que Nestor está morto, além da fortuna que você herdou,
imagine só quanto dinheiro podemos arrancar dos Galanis se…
— Meu filho não é um bilhete premiado, Corinne! — eu a interrompi,
ao me livrar da bandeja de cupcakes em tempo recorde para liberar meus
braços e arrancar Theo dos de Corinne. — Nunca mais se aproxime dele,
ouviu bem? Não sei o que eu seria capaz de fazer se suas mãos imundas
voltarem a tocá-lo! — grunhi entre dentes, sentindo-me tremer de pura
raiva, da cabeça aos pés.
Como ela ousava tocar o meu bem mais precioso daquela forma tão
asquerosa?
Por sorte Theo não pareceu perceber a tensão pairando no ar, ao
contrário. Seus olhinhos brilhantes buscaram os meus conforme eu impedia
a queda do seu polvo de pelúcia. A velocidade do meu movimento para tirá-
lo dos braços de Corinne deve tê-lo assustado, por um segundo ou dois, mas
eu o apertei forte contra meu peito, e ele mostrou suas gengivas para mim
em um sorriso.
Acariciei seus cabelinhos castanhos, sorrindo-lhe de volta para
assegurar que estava tudo bem, inalando seu cheirinho suave de bebê para
acalmar meus nervos.
— Podemos chegar a um acordo sobre isso. — A voz de Corinne
soou novamente. — Isso, claro, se você estiver disposta a dividir comigo o
que o velho Galanis lhe deixou em testamento, claro.
Como ela sabia sobre o testamento e a herança? Como me
encontrou? Ela acabara de descobrir sobre a existência de Theo ou sempre
soube?
Havia inúmeras perguntas rondando minha mente, perguntas que
ficariam sem resposta, porque eu não tinha a pretensão de manter um
diálogo com Corinne a fim de obtê-las. Era um preço que eu não estava
disposta a pagar.
— Acha mesmo que vou aceitar um único centavo desse dinheiro? —
eu quis saber. — Só existe uma pessoa aqui capaz de tudo por dinheiro, e
não sou eu.
Ela abriu um sorriso perverso que a fazia parecer com a má e velha
Corinne de antes.
— Que tal assim? — ela começou em uma falsa sugestão. — Você
aceita o que o velho Galanis deixou e divide comigo, ou vou ser obrigada a
ir até Rafael pedir dinheiro em troca de informações sobre o filho dele. Ou
talvez eu deva ir diretamente até a viúva Galanis. O que você acha melhor?
— Sua cabeça pendeu para o lado, em um gesto de falsa inocência, como se
ela de fato estivesse ponderando, não chantageando a própria filha.
Eu não estava surpresa, no entanto. Aprendi a esperar o pior daquela
mulher, e era isso que ela estava me ofertando.
— Você já tem dinheiro suficiente pra viver muito bem pelo resto da
vida, Corinne. Apenas vá embora e me deixe em paz.
— Só mesmo você pra acreditar que um milhão de dólares é
suficiente pra uma vida inteira — zombou.
— Vai ter que ser, porque não vou ceder às suas chantagens! Você
vendeu minha felicidade ao senhor Galanis, não vou permitir que tire nada
mais de mim.
Aquela era uma promessa que eu pretendia cumprir a qualquer custo.
Corinne não sabia nada sobre instinto materno, portanto não tinha ideia de
quão longe eu seria capaz de ir para assegurar a felicidade da criaturinha
linda e inocente nos meus braços.
Apertei Theo com um pouco mais de força, pressionando meus lábios
em sua testa para que a energia pesada que Corinne emanava não tivesse
nenhum efeito sobre ele. Eu sempre faria com que ele se sentisse amado e
protegido. Um luxo que eu não tive, graças à mulher que me trouxe ao
mundo e sua displicência e inaptidão para ser mãe.
— Se você não está disposta a me dar o que eu quero, vou encontrar
outros meios de conseguir — ameaçou, sua sobrancelha extremamente
bem-feita erguendo-se em desafio. — Tenho certeza de que vou obter um
bom dinheiro quando surgir na mídia dizendo que o bilionário grego mais
cobiçado da década abandonou a noiva grávida.
— As coisas não aconteceram assim, e você sabe muito bem! — eu a
lembrei, a um único passo da exasperação, controlando minha voz por Theo
e também para não alertar Caroline. Ela não seria capaz de se conter, e eu
não queria armar um escândalo. — Você e o senhor Galanis envenenaram
Rafael contra mim. — Havia tanto ressentimento em minha voz… mil anos
poderiam se passar, mas eu jamais os perdoaria.
— Nunca defenda um bilionário, Helena. — Ela balançou a cabeça de
um lado para o outro, mas seus cabelos descoloridos pareceram incapazes
de acompanhar o movimento. — Será possível que não consegui te ensinar
nada?
— Não se engane, aprendi muitas coisas com você. — De um jeito
ruim, porque não havia nada de proveitoso sobre aquela mulher odiosa.
— Vou te dar um tempo para que pense melhor sobre o assunto. —
Eu não precisava de tempo, e estava disposta a dizer-lhe isso, porém ela foi
mais rápida, pescando um cartão de visitas de sua bolsa e depositando-o no
balcão, ao lado da minha bandeja de cupcakes. — Estou hospedada nesse
hotel, me procure quando mudar de ideia. Mas não demore, não tenho uma
vida inteira.
CAPÍTULO 17
 

 
Encarei a cópia do testamento de Nestor Galanis pelo que me pareceu
ser a milésima. Ainda assim, eu não conseguia encontrar sentido em
algumas de suas últimas vontades.
Meu pai nunca pareceu o tipo que trairia minha mãe, seu
envolvimento com Helena fora um ponto fora da curva, e um dos motivos
de eu guardar seu segredo sórdido foi porque ele me prometera que aquilo
jamais voltaria a acontecer.
Não era um completo alívio, todavia. Helena esperava um bebê
Galanis que não tinha culpa de nada, e ele foi sacrificado. Talvez fosse a
melhor coisa a ser feita por ele, no fim das contas. Não vir ao mundo era
melhor do que ter como pais duas pessoas que não se importavam com o
outro nem mediam consequências para obter o que queriam.
Uma batida leve na porta me fez encarar meu relógio de pulso no
mesmo instante.
Mamãe vinha tendo problemas para dormir nos últimos dias, desde
que o quadro de Nestor se agravara e ele precisou ficar internado. O que me
surpreendeu não foi nem mesmo o fato de seu coração apresentar defeitos, e
sim que ele tivesse um, em primeiro lugar.
— Está aberta — respondi, juntando a papelada sobre o testamento
para guarda-la na primeira gaveta da mesa imponente que Nestor mantinha
em seu escritório na mansão Galanis.
Quem surgiu do outro lado da porta, no entanto, não se parecia em
nada com minha mãe.
Os cabelos escuros e lustrosos emolduravam o rosto de feições jovens
e extremamente bonitas, conforme ela caminhava de modo indeciso para
mais perto de mim.
— O que faz aqui a essa hora? — Meu tom cortante fez com que ela
se detivesse, estacando no meio do cômodo e cruzando as mãos em frente
ao corpo.
— Eu precisava falar urgentemente com você. Sobre… — Ela
hesitou, sua expressão se contorcendo em uma careta como se ela não
quisesse dar continuidade ao que dizia. — Sobre a herança que o seu pai
deixou pra mim.
— A herança que o seu amante deixou pra você — eu a corrigi, sem
conseguir acreditar que estivéssemos tendo mesmo aquela conversa. —
Você não tem vergonha de vir até aqui? De ter sido recebida por minha mãe
com tanta gentileza, graças ao fato de que ela não faz a menor ideia de que
você engravidou do marido dela e depois me enganou para que eu me
casasse com você?
Os olhos de Helena cintilaram, como se estivessem magoados, e eu
precisava admitir que ela era uma excelente atriz. Se não fosse, não teria
sido capaz de me enredar por meses, me viciando nela e dando a cartada
final quando falou sobre o bebê. Seria o truque perfeito, porque as chances
de a criança nascer com as minhas características eram muitas, visto que
partilhávamos o mesmo genitor.
A imagem de uma Helena nos braços de Nestor avultou meus
pensamentos sem pedir permissão, mas eu a rechacei de imediato.
— Você me julga e acusa muito mais severamente do que faz consigo
mesmo —Helena protestou, em tom nem tão firme. — Por que não contou
pra sua mãe que o marido dela teve uma amante que engravidou dele? Ela
merecia conhecer a fundo o tipo de homem com o qual se casou.
— O que ela realmente não merecia era ter sido enganada de forma
vil, como você e meu pai a enganaram. Não compare o meu silêncio com
esse circo orquestrado por Nestor.
Helena engoliu em seco, assentindo conforme seus olhos iam em
direção aos próprios pés, fugindo do meu olhar.
— Você tem razão, e eu sinto muito. O coração da sua mãe é precioso
demais e merece ser preservado.
Mas o que diabos ela pretendia com aquela postura de boa moça?
— O que você quer, Helena? — demandei saber. — Eu disse que
pediria para que o meu advogado entrasse em contato quando tivesse os
papéis para você assinar, renunciando qualquer direito à herança.
Ela balançou a cabeça levemente em uma afirmativa, trazendo seus
olhos para mim.
— Sobre isso… — Seus dentes prenderam seu lábio inferior,
conforme ela parecia titubear. — Eu decidi ficar com o dinheiro.
Um sorriso incrédulo me escapou, porque aquilo era mesmo
inacreditável.
Primeiro Helena aparecia decidida a não aceitar um único centavo
deixado por Nestor, para então mudar de ideia poucos dias depois. No que
ela estava pensando? Que tática era aquela? Por que se deu ao trabalho de ir
até ali quando poderia simplesmente ter se recusado a assinar os papéis de
renúncia, quando meu advogado a procurasse?
— O que mudou tanto em tão poucos dias? — provoquei, levantando-
me do meu assento para ir para mais perto dela, como se assim pudesse
farejar sua mentira.
— Eu… pensei com clareza. — Ela engoliu em seco quando me
aproximei o bastante para invadir seu espaço pessoal, e deu um passo atrás.
— Além do mais, esse dinheiro não vai fazer a menor falta pra sua
família… vai? — Suas sobrancelhas se juntaram quase por completo no
centro de sua testa, dando-lhe uma expressão de dúvida genuína. Quase
como se ela estivesse de fato preocupada.
Mas eu não acreditaria nela. Não cometeria o mesmo erro do passado.
— Se eu disser que sim, que vai fazer falta, por acaso você vai mudar
de ideia? — questionei acidamente.
— Eu não preciso de todo o dinheiro. — Ela reiterou o que dissera
com um movimento severo de cabeça. — Uma pequena parte vai ser mais
do que suficiente, e então prometo deixá-los em paz de uma vez por todas.
Como se a palavra dela tivesse algum valor, àquela altura.
— Quão idiota você acha que eu sou pra acreditar nesse seu teatrinho
de que acabou de mudar de ideia, hein? — Sacudi a cabeça, incrédulo
quanto ao tamanho de seu ego, por ela sequer cogitar que poderia ficar
jogando mentiras em minha direção e que eu acreditaria em cada uma delas.
— A verdade é que você nunca teve a intenção de abdicar desse dinheiro,
porque você seria capaz de qualquer coisa por ele. Ou não foi você quem
colocou um fim à sua gestação em troca de um milhão de dólares?
Helena resfolegou, dando um novo passo para trás, boquiaberta. Ela
moveu a cabeça suavemente de um lado para o outro, e eu esperei que
negasse o que eu dissera. Mais de um ano havia passado, tempo suficiente
para Helena elaborar uma desculpa que pelo menos tentasse justificar suas
escolhas de antes. Ou ela achava que eu não fazia ideia do acordo que
firmou com meu pai?
Uma gravidez encerrada em troca de dinheiro para recomeçar a vida
onde bem entendesse. A ideia podia não ter partido dela, mas o fato de que
Helena concordara com tal absurdo fazia dela um ser humano tão
desprezível quanto o meu pai.
— E-eu só vim avisar sobre a minha nova decisão — ela gaguejou em
resposta, esquivando-se da minha pergunta. — Boa noite. — Helena girou
cento e oitenta graus, rumando em direção à porta com a mesma pressa que
teria o diabo fugindo da cruz.
Ainda assim, fui mais rápido que ela, puxando seu braço para que
olhasse para mim. A força do movimento fez com que Helena se
desequilibrasse, e no instante seguinte ela topou contra meu peitoral, as
mãos em punhos agarrando-se à minha camisa social para não cair.
O rosto assustado, quase inocente, sob aquele ângulo, estava a
centímetros do meu, permitindo que eu respirasse seu hálito doce depois de
todo aquele tempo de abstinência. Seus olhos marejados dançaram até os
meus, que caíram para os lábios volumosos que eu costumava beijar sem
reserva.
Com Nestor também era assim? Helena também se rendia ao domínio
dele, entregando-se irrestritamente?
Não fazia diferença. Não deveria fazer, pelo menos, ainda que o
pensamento espalhasse ira líquida por todo o meu sistema sempre que
surgia.
— Você brincou com o homem errado, Helena — eu lhe avisei entre
dentes, sem me deixar abalar. — Eu te deixei sair impune da primeira vez,
mas não vou repetir tal gentileza.
Então ela se afastou de mim como se tivesse acabado de ser
eletrocutada e praticamente saiu correndo porta afora.
 
 
CAPÍTULO 18
 

Eu odiava Corinne com todas as minhas forças.


Isso era tudo em que eu conseguia pensar enquanto me encaminhava para
fora do escritório de Rafael. Eu me sentia suja a cada sugestão que ele fazia sobre
eu ter me relacionado com o pai dele, mesmo que eu soubesse que isso nunca
acontecera.
Eu poderia ter me defendido, mas de que adiantaria? Rafael não acreditou
em mim um ano atrás e certamente não acreditaria agora, uma vez que o senhor
Galanis me deixou uma fortuna em seu testamento e Corinne me obrigava a
aceitar esse dinheiro sujo.
Tinha que ter sido de propósito! Até mesmo do túmulo aquele homem
desprezível se certificou de que poderia me humilhar.
Eu o detestava na mesma proporção que detestava Corinne.
E Rafael também.
Eu detestava todos eles!
— Helena? — A voz doce e macia chamou meu nome antes de que eu
tivesse a chance de sair daquela casa mal-assombrada que os Galanis chamavam
de lar. — Eu não sabia que você estava aqui. Aconteceu alguma coisa?
Soltei o ar devagar pela boca, tentando controlar o choro que segurei na
frente de Rafael, mas que irrompeu no minuto em que lhe dei as costas.
Eu deveria apenas ir embora sem maiores explicações, lidar com os
advogados da família Galanis e em seguida dar a Corinne o dinheiro que ela
queria, no intuito de comprar minha liberdade e a de Theo.
Mas era a senhora Galanis ali, e ela não fora nada menos do que gentil
comigo. Uma gentileza que nunca recebi vindo da mulher que me trouxe ao
mundo. Ela não merecia pagar pelos pecados do marido.
Sendo assim, enxuguei minhas lágrimas o melhor que pude, antes de me
virar para ela e dar o meu melhor para exibir um sorriso.
— Senhora Galanis — murmurei em reconhecimento. — Desculpe ter vindo
sem avisar. Eu estava por perto e decidi passar por aqui pra tratar de um assunto
rápido com Rafael, mas já estou de saída.
Torci para que a desculpa funcionasse sem que fossem necessárias maiores
explicações. Eu não queria inventar novas mentiras para aquela mulher, porque ela
era diferente de todos os outros que conheci. Não era justo com ela nem com a
minha consciência.
Seus olhos se estreitaram em minha direção, um azul cintilante que
lembravam os de Rafael, quando ele me olhava gentilmente e fazíamos planos
para um futuro em que estaríamos juntos. Pisquei para afastar o pensamento,
porque não fazia sentido pensar sobre coisas que jamais aconteceriam. O que
recebi em troca, foi uma lágrima teimosa que correu por minha bochecha sem a
minha permissão.
— Você está chorando — a senhora Galanis murmurou com cuidado, e eu
me preparei para negar. Eu queria dizer que era uma reação alérgica, que algo caiu
nos meus olhos, qualquer coisa. No entanto, minha vida tinha o poder de sempre
sair conforme eu não planejara, e o que de fato irrompeu por meus lábios foi um
soluço, que deu vazão a um choro descontrolado e humilhante.
Tampei os lábios com uma das mãos, como se o gesto simples fosse capaz
de amenizar meu pequeno espetáculo, mas não obtive resultados. Em vez disso, a
mulher à minha frente se apressou em minha direção e, em silêncio, passou os
braços ao meu redor, me apertando entre eles como se quisesse me manter inteira.
Foi então que desmoronei.
 

 
Beberiquei o chá de camomila que a senhora Irene pediu que trouxessem
para mim, depois de eu ter passado a última meia hora chorando abraçada a ela.
Em meio aos meus soluços e às lágrimas embaçando minhas vistas, ela me
guiou até os jardins para que eu pudesse tomar um pouco de ar puro. Fazia frio lá
fora, mas o vento gelado batendo no meu rosto era bem-vindo, aliado ao fato de
que a senhora Irene acariciou meus cabelos como se eu fosse uma garotinha
indefesa precisando de colo.
Certamente eu não era uma garotinha, mas me sentia indefesa e seu colo
fora mais do que bem-vindo.
— Se sente melhor? — ela perguntou quando pousei a xícara sobre o pires,
puxando uma longa respiração.
— Muito melhor, obrigada. — Não era uma mentira.
Depois de ter reprimido a avalanche de sentimentos que tive que enfrentar
nos últimos dias, foi bom poder colocar tudo para fora. Eu não teria escolhido
aquele momento para isso, claro, porém não era algo que estivesse dentro do meu
controle.
— Foi Rafael quem te fez chorar? — Sua mão tocou minha perna coberta
pela minha calça jeans velha, dando batidinhas no meu joelho. Era um interesse
genuíno, seu tom quase uma desculpa pelos modos do filho.
Sacudi a cabeça de um lado para o outro, porque não queria mentir para ela,
não em palavras, pelo menos, e, se fosse ser sincera, Rafael podia até não ter sido
a pessoa que me apunhalou pelas costas, mas sem sombra de dúvidas seu
abandono e desprezo torceram a faca fincada na minha carne para que eu
sangrasse sozinha.
Se não fossem por Theo e Caroline, eu não teria sobrevivido.
— Por que a senhora é tão gentil comigo, sendo que nem me conhece? —
Dei voz à dúvida que vinha me corroendo, e a senhora Galanis abriu um sorriso
reconfortante em minha direção.
— Não seja boba, claro que conheço você. Por acaso acha que a mãe do
meu neto iria aparecer na minha casa e eu não iria reconhecê-la?
Congelei, e não tinha nada a ver com o vento frio batendo no meu rosto. Era
uma sensação que vinha de dentro para fora, começando nos meus ossos e me
paralisando por completo, ao mesmo tempo que minha cabeça fervilhava com um
zilhão de pensamentos confusos.
Aquilo não era possível… ela não tinha como saber sobre Theo. Se fosse
esse o caso, ela não teria esperado tanto tempo para me confrontar e…
— Sempre vou pensar em você assim… — O tom sussurrado e o toque
gentil no meu rosto interromperam meu raciocínio, e eu apenas pisquei, inerte. —
Mesmo que não haja um bebê de fato nos meus braços, no meu coração eu já o
amava e ansiava por ele. Raf também, nunca duvide disso.
Fiquei surpresa ao perceber que, mesmo depois de me debulhar em
lágrimas, ainda havia uma porção delas esperando para serem liberadas. Meu
queixo tremeu conforme eu tentava conter meu choro, mas foi em vão.
No momento em que a senhora Galanis me abraçou, tentei não derramar
meu chá em suas roupas caras e não me sentir mal por mentir para ela. Minha
única intenção era proteger Theo e, para isso, fui obrigada a privá-lo de todo
aquele amor que sua avó tinha para lhe dar. Não que eu soubesse disso, na época.
Com todo o desespero e desalento que me abraçavam, a última coisa que
poderia me ocorrer seria buscar amparo na mãe de Rafael. Apenas supus que os
Galanis eram todos farinha do mesmo saco, me esquecendo das memórias bonitas
que Rafael me deixou de lembrança e de como foi gentil e atencioso, antes de o
seu pai e Corinne o envenenarem contra mim.
Sua bondade deveria ter vindo de algum lugar, e agora eu sabia de onde:
Irene Galanis, a mulher que me tratara de igual para igual mesmo sabendo de
minhas origens humildes.
O que disseram para ela quando precisei ir embora e o casamento não
aconteceu? Nestor deixou claro que eu deveria me aproximar de sua família, e em
minha conversa com Rafael ele disse com todas as letras que não contara a ela
nada sobre meu suposto envolvimento com o pai dele, mas eu não sabia o que isso
significava.
Qual versão Rafael contou para a mãe dele?
Não importava. Não era da minha conta, muito menos minha culpa que as
coisas tivessem acontecido como aconteceram.
Eu precisava sair dali o mais rápido possível, esperar que o dinheiro de
Corinne fosse liberado para que ela saísse de vez da minha vida e, então, focar
todas as minhas energias no Bar de Cupcakes e ser a melhor mãe que eu pudesse
para Theo.
Respirei fundo, sentindo o perfume da senhora Irene e seu abraço acolhedor
uma última vez, antes de me afastar.
— Obrigada por tudo, senhora Galanis — agradeci, lutando contra as
lágrimas e contra a sensação de perda ao desfazer nosso abraço. — A senhora teria
sido a melhor avó de todo o mundo, espero que saiba disso.
Como se espelhassem os meus, seus olhos azuis pareceram piscinas
transbordando, quando lágrimas caíram por seu rosto.
Eu a encarei, em choque, porque não a vira chorar durante a leitura do
testamento de seu finado marido. Não havia o menor resquício de toda aquela
emoção que ela demonstrava agora, quando nos vimos da primeira vez.
De forma automática, minha mão se estendeu para enxugar seu rosto bonito
com marcas leves que ameaçavam entregar sua verdadeira idade. Ela sorriu,
sacudindo a cabeça de um lado para o outro num gesto efusivo, tomando minha
mão com as suas e me encarando com intensidade.
— Não pense que sou uma velha chorona, mas esse assunto ainda me
emociona. — Mais lágrimas. Mais emoção. E eu precisei de uma força hercúlea
para não me jogar de novo em seus braços e abraçá-la para sempre. — Só me
prometa que vai vir me visitar, sim? Que não vai desaparecer de novo. Há tantas
coisas que eu gostaria de conversar com você…
Minha cabeça balançou em negação no mesmo minuto, como se meu
cérebro berrasse para a minha boca a resposta que eu deveria formular.
Eu não podia voltar. Era loucura. A mãe de Rafael era adorável e eu adoraria
ter tido a chance de poder conhecê-la em outras circunstâncias, mas as coisas não
aconteciam conforme nossa vontade.
— Senhora Galanis… — comecei, no meu melhor empenho para que ela
entendesse que, apesar de eu já adorá-la por completo, aquilo não seria possível.
— Por favor — ela me interrompeu, intensificando o aperto na minha mão.
— Eu sempre quis ter uma filha e não consigo parar de pensar que talvez o destino
tenha te colocado no meu caminho para que eu pudesse realizar esse sonho, de
algum modo.
Como era possível que minhas glândulas lacrimais tivessem decidido fazer
hora extra quando eu menos precisava delas?
CAPÍTULO 19
 

— Desculpe pelo mau jeito, como eu já havia dito, é uma casa bem simples
— eu disse à senhora Irene, que estava sentada no sofá gasto que Caroline e eu
adquirimos num desapego, a fim de compor nossa sala de estar modesta.
Poderia parecer um pouco de loucura da minha parte, mas depois de
conviver com a senhora Galanis pelas últimas semanas, continuar escondendo algo
tão importante quanto à existência de Theo não era uma opção.
A princípio, Caroline tentou me dissuadir da ideia, mas há alguns dias ela
mesma disse que eu não poderia mais esconder Theo da própria avó. Eu sabia
muito bem o que era ter meu destino traçado por outras pessoas, não podia fazer o
mesmo com meu próprio filho nem com sua avó, que me acolheu de braços
abertos e me deu um vislumbre do que seria ter o amor de mãe com o qual tanto
sonhei.
Sendo assim, eu precisava contar-lhe a verdade. Ela merecia saber, assim
como Theo merecia todo o amor que sua avó paterna gostaria de lhe dar. Contanto
que Rafael não soubesse da existência do meu bebê, tudo ficaria bem. E ele não
saberia, eu me certificaria disso.
Avó e neto iriam conviver juntos em segredo, como ela e eu vínhamos
fazendo nas últimas semanas. Eu não voltara à casa dela, mas ela gostava de
aparecer vez ou outra no Bar de Cupcakes e marcávamos encontros esporádicos
para um chá da tarde também. Ela era uma companhia agradável e a maior
entusiasta do meu negócio com Caroline.
— É um lar onde existe respeito e união — Irene Galanis murmurou depois
de olhar em volta, com um sorriso satisfeito, trazendo sua atenção de volta para
mim e para Caroline, sentadas na mesinha de centro logo à sua frente. — Isso é o
que importa. Vocês podem receber muitos julgamentos, mas nenhum deles nunca
virá de mim.
Franzi as sobrancelhas, sem entender a que ela se referia, porém não tive
tempo de questioná-la sobre isso, porque Caroline se adiantou.
— A senhora não está insinuando o que acho que está, certo? — minha
melhor amiga quis saber, tombando a cabeça para um lado.
Os olhos da senhora Galanis se arregalaram de imediato.
— Eu ofendi vocês de algum modo? Não foi minha intenção. — Ela reiterou
o que dissera com um movimento de cabeça efusivo.
— Não ofendeu, é só que isso aqui não é o que pode parecer. Nós somos
apenas melhores amigas que dormem juntas.
Encarei Caroline, mortificada, pois sua explicação apenas piorava tudo.
Não era de se espantar que a pobre senhora acreditasse que Caroline e eu
éramos um casal, já que não nos desgrudávamos para nada e eu falava dela em
quase noventa por cento do tempo.
— O que Caroline quer dizer é que dividimos um quarto, porque a casa é
pequena e não temos muito espaço disponível — intervim, na tentativa de
esclarecer aquele mal-entendido. — Não temos um relacionamento romântico,
Caroline é como uma irmã pra mim.
A ideia de eu estar namorando minha melhor amiga não pareceu despertar
nenhuma emoção específica na nossa visitante, no entanto agora ela me encarava
com interesse, o corpo pendendo de leve para a frente, suas mãos delicadas e bem-
cuidadas apoiadas nos joelhos.
— Isso significa que você está livre para um relacionamento que seja de fato
romântico? — ela quis saber, os olhos azuis se iluminando.
Definitivamente não. As tentativas de inserir algum romance em minha vida
sempre terminaram mal, e mesmo que talvez eu ainda fosse demais para ser tão
taxativa, a verdade era que não havia espaço em minha vida para nada além do
que já havia nela.
— Não exatamente. — Foi o que escolhi responder. — Mas isso não tem a
ver com Caroline. Senhora Galanis… — Titubeei, sem saber quais palavras usar
para guiar a conversa até o assunto relevante. — Eu não sou boa com essas coisas
de dar notícias importantes, ao mesmo tempo, não quero continuar mentindo pra
senhora.
— Você vem mentindo para mim? — Não havia mágoa em sua voz, apenas
curiosidade genuína.
— Não é bem uma mentira — considerei —, é mais um segredo, e pra que
eu possa contá-lo, preciso que me prometa que não irá dividi-lo com ninguém.
— Helena… você está me deixando assustada.
— Não precisa ficar assustada — assegurei —, só me prometa que vai
guardar meu segredo, especialmente do seu filho. Por favor — implorei, quando
sua boca se abriu no que julguei ser um protesto.
— Tudo bem — anuiu, balançando a cabeça para endossar suas palavras. —
Você tem a minha palavra…
 

 
Peguei Theo nos braços com todo amor que sempre envolvia o gesto, e ele
riu para mim, sacudindo seu polvo do humor, que sempre exibia o lado cor-de-rosa
que trazia a expressão feliz.
Meu coração se apaixonou um pouco mais por aquela criaturinha tão
preciosa, e beijei suas bochechas rosadas, sentindo seu cheirinho de bebê e
alisando sua roupinha nova, comprada especialmente para aquele encontro. A
calça que imitava jeans, com suspensórios e um body na cor creme com botões
falsos conseguiu deixá-lo ainda mais adorável, e eu tinha certeza de que sua avó se
renderia àquele sorriso banguela assim que o visse.
— Vou te apresentar a uma pessoa muito especial e que também vai te amar
muito — sussurrei ao seu ouvido. — Seja bonzinho e tente não golfar na sua avó
logo no primeiro encontro de vocês, está bem?
Respirei o cheiro de seus cabelinhos escuros, me enchendo de coragem para
sair do quarto com Theo.
Não tinha mais volta. Eu fizera minha escolha e esperava jamais me
arrepender dela.
De decisão tomada, sabendo que não tinha mais volta, a partir dali, fui com
Theo até a sala, onde a mãe de Rafael e Caroline conversavam animadamente
sobre algumas ideias que minha melhor amiga gostaria de implantar no nosso
empreendimento.
Como se sua atenção tivesse sido sugada para mim, contudo, o olhar da
senhora Irene pousou no meu colo, e ela piscou, confusa, um milhão de perguntas
estampadas nos orbes azuis tão iguais aos do meu filho.
— Senhora Galanis… — chamei devagar — quero que conheça Theo, o seu
neto.
Ela se levantou no mesmo instante, como se tivesse sido expulsa de seu
assento, as mãos indo em direção à boca aberta, devido à surpresa.
— Meu neto? — ela quis se certificar, como se tivesse medo de ter
compreendido minhas palavras de modo errado. Aquiesci com um gesto de
cabeça, percorrendo os metros de distância que nos separavam, até estar perto o
suficiente dela para me sentir envolvida pelo seu perfume floral e sofisticado. —
Meu neto — ela tornou a sussurrar, porém, dessa vez, não era uma pergunta.
Seus braços voaram para Theo, e eu permiti que ela o segurasse enquanto
seus olhos enchiam-se de lágrimas que ela derramou sem o menor resquício de
constrangimento.
Ela sorriu, beijando o topo da cabecinha de Theo e inspirando seu perfume
como eu amava fazer. Então ela riu… para logo em seguida gargalhar, com Theo
nos braços, apertando-o junto ao corpo como se ele fosse a coisa mais preciosa em
todo o mundo, o que de fato era.
Meus olhos buscaram os de Caroline, e ela ergueu ambos os polegares para
mim, como se me parabenizasse.
E eu soube, ali, que havia feito a escolha certa ao permitir que a uma avó
amasse o neto com toda a intensidade que ele merecia.
 
CAPÍTULO 20
 

 
Sentada na mesinha de centro da minha sala pequena, com Caroline
ao lado, ponderei que, se eu também não adorasse a senhora Galanis, de
volta ao sofá, mas agora com Theo no colo, eu poderia ficar com ciúmes da
forma com que meu filho parecia tão encantado com ela.
Desde seus brincos, que seguramente eram da Amethystós, até o colar,
os olhos…
Theo quase perfurou um deles com o dedinho indicador, no processo
de descobrir tudo sobre ela. A reação de sua avó foi sorrir e beijar cada
pedacinho de Theo até levá-lo às gargalhadas.
— Ele é idêntico ao meu Rafael dessa idade, você precisa só ver as
fotos que tenho guardadas. — Havia tanto orgulho em sua voz, que fiquei
com o coração automaticamente aquecido.
Não, eu não gostaria de ver as fotos de Rafael quando bebê. Não
podia. Mas não me espantava que Theo fosse uma cópia do pai. Ele não se
parecia em nada comigo, exceto pelos cabelinhos escuros, coisa que Rafael
também possuía. Nada isso importava, todavia. Ele era um bebê lindo,
forte, saudável… meu bebê, meu pequeno tesouro, e isso jamais mudaria.
— Espero que a senhora possa me perdoar pelo tempo perdido.
— Não tenho nada que perdoar — retrucou, ainda parecendo
enfeitiçada pelo bisneto. — Durante todo esse tempo eu achei que um
homem perverso tivesse roubado de mim a chance de ser avó, e agora você
me traz esse presente. Só tenho a agradecer por você ter confiado em mim a
ponto de me deixar conhecer o meu neto.
— O que a senhora disse? — Ela me encarou de pronto, a alegria em
seu semblante dando lugar ao que parecia ser nervosismo. — Sobre um
homem perverso roubar sua chance de ser avó — elucidei, quando não
recebi uma resposta imediata, e ela se contorceu de forma desconfortável no
sofá.
— Você não era a única que vinha guardando um segredo —
confessou, e minha coluna se aprumou no mesmo instante, um arrepio
percorrendo minha espinha. — Eu sempre soube a verdade por trás do seu
término e de Rafael, e se chama Nestor Galanis e Corinne Jones. Mas
quando me inteirei de tudo, você já tinha assinado o acordo com Nestor,
concordando em abrir mão do bebê. Eu queria ter contado tudo para Rafael,
mas fui covarde demais para isso. — Ela exalou com força, e me peguei
fazendo o mesmo, graças ao baque de sua revelação. — Acreditei em
Nestor quando ele disse que já estava feito, que você realizara o aborto e
não tinha mais volta — continuou, ante minha inércia. — Por isso não
contei nada a Raf, porque não queria que ele passasse o resto da vida se
corroendo em culpa e autocomiseração. Sou eu quem precisa te pedir
perdão, filha. Por não ter te procurado incansavelmente naquela época para
esclarecer tudo.
Então ela sabia… desde o primeiro momento, quando pus os pés em
sua casa, ela sabia de tudo e não me disse nada. Antes, até. Ela sabia que eu
era inocente das acusações de Nestor e Corinne e não moveu uma única
palha para redimir minha imagem.
Deveria haver raiva e mágoa dentro de mim, mas não identifiquei
nenhum desses sentimentos. Irene Galanis era uma boa mãe, disposta a
fazer qualquer coisa para manter seu filho a salvo, e eu me identificava com
isso.
Como ela poderia saber que ainda havia um neto pelo qual lutar, uma
vez que Nestor e Corinne eram tão bons tecendo suas mentiras escabrosas?
— Não é sua culpa — murmurei, porque o tempo me ensinou a
responsabilizar quem de fato merecia. — Não é culpa de ninguém, exceto
do senhor Galanis e da minha mãe. Por isso eu quis que a senhora
conhecesse Theo, porque quero que ele receba todo esse amor que a
senhora pode dar a ele, e também porque preciso que saiba que eu
realmente não quero o dinheiro da sua família, que é Corinne quem está me
chantageando, e não posso permitir que ela torne meu segredo público.
Ainda havia aquela preocupação. O tempo com a avó do meu filho
me fez adorá-la e admirá-la na mesma proporção, e eu já tinha suportado
sofrimento suficiente quando Rafael pensou o pior de mim, eu não queria
enfrentar o olhar de decepção no rosto da senhora Galanis no momento em
que ela descobrisse que voltei atrás no que dizia respeito à recusa da
herança.
Eu não aguentaria se ela também me achasse uma mercenária
oportunista.
— Você não está pensando em dar a Corinne parte de sua herança,
está? — ela quis saber, estreitando o olhar em minha direção enquanto Theo
traçava o contorno das sobrancelhas da avó.
— Não quero um único centavo desse dinheiro amaldiçoado, em
especial porque tenho certeza de que o senhor Galanis fez de propósito! Ele
queria que eu ressurgisse na vida de Rafael reclamando a herança pra que
então seu filho me odiasse ainda mais!
— Nestor não teve nada a ver com isso — admitiu. — Fui eu que
exigi que ele mudasse o testamento para incluí-la. Era minha tentativa de
tentar recompensá-la por todo o mal que teve que suportar por culpa do meu
marido. E quanto a Corinne… os pagamentos mensais que ela vem
recebendo em troca de seu silêncio não são o bastante?
As palavras do advogado quando ele me avisou sobre a morte de
Nestor Galanis voltaram aos meus pensamentos de modo quase instantâneo.
Claro que Corinne vinha recebendo pagamentos mensais! Como pude
ser tão ingênua a ponto de não ligar os fatos?
— Helena… — a senhora Galanis chamou com cuidado, quando eu
não disse nada. — Não importa quanto dinheiro você dê a Corinne, ela
nunca vai deixá-la em paz. Especialmente se souber sobre Theo. Ela foi
capaz de usar você para obter o que queria, e não vai hesitar a usá-lo como
trunfo.
— Velha cínica e desgraçada! — Caroline explodiu ao meu lado, os
olhos se arregalando ao mesmo tempo que uma de suas mãos ia para sua
boca, como se assim ela pudesse engolir de volta o palavrão que acabara de
soltar. — Desculpe — emendou de pronto, os ombros murchando no
processo. — Mas Corinne tem o poder de despertar o melhor em mim.
— Só há um jeito de resolver tudo isso — a avó de Theo retomou. —
Você precisa contar a Rafael sobre o filho dele.
Não, de jeito nenhum, nem em mil anos! Nem mesmo se minha
própria vida dependesse disso.
— Rafael não pode saber que eu tive um bebê, a senhora me
prometeu — apressei-me em lembrara, uma dose de pânico me
consumindo. — Ele realmente acha que tive um caso com o seu marido e
vai odiar o meu filho instantaneamente.
— Rafael é um bom homem — ela o defendeu —, mesmo que não
seja essa a impressão que você tem dele. Apesar dos erros de Nestor e de
seus pensamentos retrógrados, meu Raf não é assim. Ele a pediu em
casamento, lembra? Estava disposto a assumir o bebê de vocês e…
— Nada disso importa! — eu a interrompi, à beira da exasperação. —
Pra Rafael eu não passo de uma… — … vagabunda! A palavra surgiu de
novo nos meus pensamentos sem pedir permissão, como no dia em que ele
me deixou. Ele não chegou a dizê-la, mas eu podia ver através de seus olhos
o quanto ele amaldiçoava o dia em que nos conhecemos… o quanto se
sentia usado por mim. Aquilo não tinha volta. — Ele acha que não passo de
uma interesseira. — Foi o que escolhi dizer.
— As coisas são diferentes agora, minha querida, porque mesmo que
Rafael não acredite em você, ele vai ter que acreditar em mim. É a minha
palavra contra a de Nestor, eu sei de toda a verdade e, se isso não bastar, da
mesma forma que o silêncio de Corinne foi comprado, estou disposta a
pagar o que seja para que ela admita a farsa que impediu Theo de sempre
ter tido a família que merecia. Pense no seu filho, não é justo que ele seja
privado de ter um pai por causa de pessoas desprezíveis.
Ela tinha razão.
Não era justo que Theo perdesse a chance de conhecer o pai, assim
como não era justo que eu privasse Rafael de exercer tal função. Por mais
magoada que eu estivesse com ele, precisava me lembrar de quem eram os
vilões e vítimas de toda a armação de Nestor e Corinne.
Só havia duas possibilidades: contar a verdade a Rafael, ou me
submeter às chantagens de Corinne.
Honestamente, nenhuma delas parecia favorável para mim.
 
CAPÍTULO 21
 

— Você acha que eles estavam juntos por todo esse tempo? — A voz de
Nikos soou através da videochamada.
— Não quero pensar nisso — respondi esfregando a testa, tentando impedir
que novas imagens de Helena nos braços do meu pai fossem formadas, porque não
poderia mais suportar nem mais um segundo daquilo.
— Então não pense, porque não vai resolver nada — Orion decretou, soando
ainda mais pragmático do que de costume. — Não é como se esse dinheiro fosse
fazer falta, e, quanto antes você resolver a situação, melhor para você e pra tia
Irene.
— Odeio dizer isso — Nikos soltou com seu ar divertido e extremamente
irritante na maior parte do tempo —, mas Orion tem razão.
Orion e eu rolamos os olhos, exasperados, contudo, qualquer resposta que eu
poderia elaborar morreu quando o som de alguém batendo na porta do escritório
me interrompeu.
— Tenho que ir, um problema novo está batendo na minha porta agora
mesmo. — Encerrei a chamada no mesmo instante, enfiando dois dos meus dedos
na gola da camisa de lá que eu usava, como se isso fosse me ajudar a respirar
melhor, então o fiz por três vezes consecutivas, antes de me obrigar a me levantar
e ir destrancar a porta, para enfrentar o que quer que fosse que me esperava.
Ali estava ela novamente.
Helena.
O meu martírio contínuo, a mulher que não saía da minha cabeça por mais
que eu tentasse.
— Você outra vez — murmurei entre dentes, cerrando as mãos em punho
numa forma inútil de controlar a onda de revolta que me invadia sempre que
aquele rosto bonito como o de uma deusa grega inundava minhas vistas.
— Mas não sozinha — minha mãe emendou, surgindo do corredor e
entrando em meu campo de visão. — Helena e eu precisamos falar com você,
Rafael, e sugiro que você se sente para termos essa conversa.
 

 
Eu era pai.
Pai.
A notícia caiu no meu colo com o peso de um mundo inteiro, e eu agradeci
silenciosamente por ter me sentado, como minha mãe sugeriu.
Nestor inventara mentiras indecorosas a respeito de Helena, no intuito de me
separar dela, endossadas por Corinne, e eu caí como um patinho em sua
manipulação.
Abandonei Helena. Abandonei o bebê que ela carregava. E, como se não
bastasse, fui um completo canalha com alguém que só me disse verdades.
Eu sabia que Helena não tinha um bom relacionamento com a mãe, bem
como sabia que Nestor era um tradicionalista imbecil que não foi capaz de aceitar
nem mesmo o fato de que um dos seus irmãos tivesse encontrado a felicidade ao
lado de uma brasileira. Os pais de Orion transbordavam amor, ainda assim, para o
meu pai o mais importante sobre tia Cíntia era o fato de que ela era brasileira e,
portanto, indigna de ser uma Galanis.
Contudo, como eu poderia imaginar que a ganância da mãe de Helena e a
soberba do meu pai iriam tão longe?
Tudo fora arquitetado de modo tão perfeito, mas ao mesmo tempo absurdo,
que eu me sentia um néscio por não ter percebido a farsa por conta própria.
Uma vida inteira jamais seria capaz de consertar o estrago que causei
quando não acreditei em uma Helena que, aos berros, jurava me amar.
— É melhor eu ir — ela decidiu, ajeitando melhor sua bolsa a tiracolo e
preparando-se para sair do escritório.
— Não. — Minha voz saiu rouca e estranha até mesmo para os meus
próprios ouvidos, talvez tenha sido isso que fez com que Helena detivesse seu
movimento. — Você fica.
— Rafael — minha mãe interveio —, é muita coisa pra absorver. Você e
Helena deveriam conversar com mais calma, em um momento mais adequado.
— Esse é o momento mais adequado — retorqui, me levantando e dando a
volta na mesa, ainda que minhas pernas não estivessem tão firmes, então encarei
minha mãe de perto. — Nos dê licença, por favor. O que tenho pra falar com
Helena só diz respeito a nós dois.
Mamãe vacilou por um instante, olhando entre mim e Helena antes de
decidir que era seguro nos deixar a sós. Com um carinho sem medidas, ela
depositou um beijo no rosto de Helena, dando batidinhas em seu ombro logo em
seguida como incentivo.
Eu era um tolo. Era a única explicação para não ter visto aquele
relacionamento se desenrolando sob o meu nariz, e eu não podia deixar de pensar
que era minha culpa que toda a bagunça que Nestor criara tivesse chegado a tal
ponto.
— Por que não me disse antes que não tinha desistido do bebê? — quebrei o
silêncio, e a resposta imediata que recebi de Helena foi um bufar incrédulo.
— Você não escutou nada do que sua mãe e eu acabamos de dizer? —
devolveu, e esfreguei os olhos, exausto com o peso da culpa em meus ombros.
— Claro que sim. Desculpe, sou um imbecil. Eu teria feito o mesmo, no seu
lugar.
— Acho que eu também teria feito o mesmo no seu lugar — admitiu quase
de forma inaudível.
— Teria? — quis me certificar.
— Nós não tínhamos um relacionamento até eu engravidar. Eu era só a
moça que servia café pra ganhar a vida e vez ou outra esquentava sua cama. Então,
do nada, apareci grávida… — Ela deu de ombros. — Sei como isso soa. Eu era
ingênua, mas não idiota.
Helena poderia ter sido tudo para mim, naquela época, menos a moça que
servia café para ganhar a vida e vez ou outra esquentava minha cama.
Ela era a mulher que me enlouquecia e tirava dos eixos, que fez com que a
beleza de todas as outras empalidecesse perto da dela. Helena despertava minha
libido de um modo que eu jamais me sentia saciado. Por mais que a tomasse para
mim por horas a fio e acariciasse cada recôndito do seu corpo perfeito, nada
parecia suficiente.
Pensar que ela se entregara ao meu pai me atormentou de modo inenarrável,
entretanto não foi capaz de amainar a reação do meu corpo às suas lembranças, e
eu me odiei por isso durante todo o tempo em que estivemos separados. Agora, o
motivo da minha ira era outro: o fato de eu ter acreditado que o abandono de
Helena e a paixão de seus beijos ao ser minha podiam ser fingidos.
— Não foi assim que as coisas aconteceram, você sabe — apressei-me para
lembrá-la. — Eu acreditei que você e meu pai…
— Você acreditou que eu era amante dele e queria dar o golpe da barriga em
um bilionário — interrompeu-me, e tive que engolir a vergonha em seco. — Mas
se eu tivesse dinheiro, minha palavra teria mais peso.
— Pra mim o fato de você não ter dinheiro nunca foi uma questão. Eu te
pedi em casamento, planejei um futuro com você.
— Graças ao seu senso de responsabilidade, não por me amar. — Os olhos
de Helena pareciam inflamados com uma emoção contida. — Você me disse com
todas as letras que até gostava de mim, mas não do modo que eu esperava.
— E você me disse que não esperava nada.
— Não importa mais — sentenciou, respirando fundo como se quisesse
convencer a si mesma do que dissera. — O que passou, passou. Sei que você não é
o vilão da minha história, Rafael. Espero que saiba que tampouco sou a vilã da
sua, mas estou disposta a ser, se você ao menos cogitar me separar do meu filho.
Um sorriso gigante se formou em meus lábios de forma quase automática,
sem que eu pudesse contê-lo. Helena parecia uma leoa prestes a defender o filhote
de qualquer mal que o rondasse, e isso fez meu peito se encher de orgulho por ela.
— Achei que já tivéssemos estabelecido que não sou um monstro como o
meu pai, nem o vilão da sua história — apontei. — Você disse filho… é um
menino? — perguntei, com a curiosidade a mil. Não que fizesse alguma diferença.
Eu amaria aquele bebê com tudo de mim, independentemente do gênero.
Helena assentiu de leve com a cabeça, e precisei de todas as minhas forças
para não a abraçar e girá-la no ar.
— Theo — ela disse, porém não precisava elaborar mais para que eu
entendesse o que ela queria dizer.
— Sou pai de um menino — sussurrei para mim mesmo, o coração a ponto
de explodir dentro do meu peito. — Theo. — Um nome grego. Depois de tudo o
que aconteceu, Helena escolheu um nome grego para o nosso filho.
Não podia ser uma coincidência, e se aquilo não passasse de um sonho, eu
não queria acordar jamais.
— Quando posso vê-lo? Ele está aqui? Você tem ao menos uma foto pra me
mostrar?
Minhas perguntas saíram atropelando umas às outras, em meio à minha
euforia e ansiedade, porém Helena conseguiu encontrar algum sentido nas minhas
palavras, já que, em silêncio, buscou pelo seu celular na bolsa, dando alguns
toques na tela antes de virá-la para mim.
No mesmo segundo, me lembrei de quando Nestor fizera aquilo, todavia as
sensações causadas não poderiam ser mais distintas.
Com Nestor, foi como ter levado um chute no estômago. Com Helena, foi
como se apenas naquele momento eu tivesse aprendido a respirar com eficiência.
Meus dedos estavam trêmulos, e só fui capaz de notar isso quando estiquei
minhas mãos para segurar o celular de Helena, que exibia a imagem de um
garotinho sorridente, ao que parecia, no processo de bater suas perninhas e braços.
O olhar que ele lançou em direção à câmera era inconfundível, um reflexo
do meu próprio, e novamente, lá estava eu, sorrindo como um bobo, encantando
por uma foto, minha cabeça girando, tentando alinhar todas as informações que
meu cérebro recebera em tão curto tempo.
— Ele tem os meus olhos — eu disse o óbvio, sem conseguir desviar o meu
olhar da foto. — Na verdade, ele é uma cópia minha, quando tinha essa idade.
Ela não disse nada.
Desde que despejara toda a verdade, num turbilhão incessante de palavras,
Helena apenas enxugou as lágrimas que lhe escaparam e deixou que minha mãe
me confessasse que sabia de toda a verdade sobre o engodo de Nestor. Em nosso
intento de proteger um ao outro, só o que conseguimos foi que Helena saísse ainda
mais machucada e que perdêssemos a oportunidade de acompanhar o fim da
gestação e todos os momentos de Theo desde que ele chegara ao mundo.
Eu esperava que Nestor estivesse se contorcendo no inferno, onde ele
merecia estar, e que Corinne não demorasse a segui-lo.
— Me deixe conhecê-lo — praticamente implorei a Helena, desviando meus
olhos da foto de Theo para encará-la.
— Sua mãe sabe como me encontrar. Quando for conveniente pra você…
— Agora é conveniente pra mim, se estiver tudo bem da sua parte.
Ela abriu a boca para responder, entretanto fui mais rápido, entregando-lhe
seu celular e me encaminhando até a porta numa velocidade que não deixava
brechas para contestação.
Tempo demais já havia passado com meu filho longe de mim, aquilo tinha
que acabar.
Em resposta ao meu gesto, Helena suspirou, murchando os ombros e indo
em direção à porta do escritório, que mantive aberta para que ela passasse.
 
CAPÍTULO 22
 

Theo era um bebê relativamente grande, para seus cinco meses de idade.
Forte, lindo e com um cheirinho tão intrínseco a ele que fez meus olhos arderem.
Era uma emoção única tê-lo em meu colo e descobrir que a foto que Helena
me mostrara, por mais perfeita que fosse, ainda não era capaz de fazer jus à visão
de Theo ali de perto, a poucos centímetros do meu rosto.
Abracei forte o corpo do meu filho, como imaginei que faria durante todo
esse tempo, enquanto acreditava na mentira de Nestor e desejava jamais ter
descoberto a verdade.
Não era suficiente, todavia. Nada parecia ser suficiente. Theo nos meus
braços, meus lábios beijando cada pequena parte de seu corpinho, minhas mãos
acariciando seus cabelos escuros e macios… nada era suficiente.
Eu era pai!
Pai de um menino lindo e sorridente, que não fazia a menor ideia da
bagunça que precedera sua chegada ao mundo.
Como eu lhe explicaria meu abandono? Como faria para que entendesse que
ficar longe, sob nenhuma hipótese, era algo que eu teria escolhido? Como faria
para que ele e Helena me perdoassem pelos últimos meses?
Eu nem mesmo estava certo sobre merecer ou não o perdão de nenhum
deles.
— Ele é simplesmente perfeito — quebrei o silêncio em meio ao meu
momento de admiração destinada a Theo. — Não consigo pensar em palavra
melhor pra descrevê-lo — admiti, tocando a bochecha rosada do meu filho com o
dorso do meu dedo, sentindo a maciez e recebendo um sorriso banguela. — Sou o
seu papai, Theo, e juro que, a partir de agora, vou cuidar de você como deveria ter
feito desde o início.
Sem sombra de dúvidas, aquela era uma promessa pela qual eu daria minha
própria vida, se preciso fosse, para cumprir.
 

 
Eu não conseguia me desgrudar de Theo um único minuto.
Quando Helena disse que precisava ir para o seu Bar de Cupcakes — um
nome engraçado e estranho na mesma medida, sobre o qual eu perguntaria mais
tarde —, havia apenas duas alternativas: ir para casa, ou dar um jeito de fazer com
que ela aceitasse minha companhia.
Obviamente, me esforcei para que a segunda opção acontecesse, ainda que
Helena e Caroline não tenham se mostrado tão satisfeitas assim com a ideia.
Apesar de aquilo não contar pontos ao meu favor, eu gostava do fato de que
Caroline tivesse um pé atrás comigo, porque condizia com a postura de melhor
amiga capaz de confrontar qualquer idiota que fizesse Helena sofrer.
Eu era o idiota em questão, tinha um longo caminho a percorrer, se quisesse
ser absolvido, mas pouco me importava. O cerne da questão era que Helena e
Theo nunca estiveram sozinhos na minha ausência, e esse era um consolo maior
do que minha mente atormentada por remorso merecia.
Arrependimento sem ações, porém, não melhorariam as coisas, e eu
precisava agir, em vez de ficar remoendo os momentos que perdi ao lado de Theo.
Era o que eu estava tentando fazer, ao me oferecer para ser a babá dele enquanto
sua mãe e Caroline encarnavam as empreendedoras em que tinham se
transformado.
Observei, com cuidado, o modo como Helena trocava a fralda suja com a
habilidade de alguém que já realizara aquele movimento milhares de vezes, como
uma forma de me preparar para quando chegasse o meu momento. Assisti,
consternado, ao trabalho exaustivo que era precisar cuidar dos atendimentos no
balcão e checar a todo instante se Theo estava bem e entretido suficiente.
Eu estava ali, dedicado apenas a ele, contudo Helena agia como se eu não
estivesse. Seus olhos nunca buscavam os meus, ela não se dirigia a mim, a menos
que eu fizesse alguma pergunta, e não importava o fato de que mantive Theo no
meu colo durante todo o tempo, em vez de no seu carrinho ou no cercadinho
improvisado de bebê.
Estava tudo bem, por mim. Eu não merecia seu voto de confiança assim, de
mão beijada, portanto trabalharia duro para merecê-lo.
 

 
— Ficou bem claro que esse garotão tem muita força na mandíbula —
comentei ao mesmo tempo que assistia a Helena amamentando Theo.
Nós estávamos de volta à sua casa, depois de seu expediente no Bar de
Cupcakes, e depois de tomar um banho rápido, ela se sentou no sofá gasto, com
Theo nos braços, e fiz o mesmo, invadindo seu espaço pessoal de tal forma que ela
não poderia se mexer um único centímetro, sem que seu corpo esbarrasse no meu.
— Dói? — eu quis saber, uma curiosidade genuína mesclada à tentativa de
não deixar que a proximidade de Helena fosse tão perturbadora, uma vez que eu
não conseguia me afastar.
— Não mais — ela se limitou a responder, e os olhos de Theo pareciam cada
vez mais pesados, conforme ele se alimentava e aninhava sua pelúcia contra o
próprio corpo.
— Como você consegue fazer qualquer coisa o dia todo, além de olhar pra
ele?
Um leve esboço de sorriso surgiu nos lábios de Helena pela primeira vez em
toda a noite.
— Alguém precisa trabalhar pra manter as despesas dessa coisinha fofa. —
Ela apertou as bochechas de Theo levemente com o polegar e o dedo do meio, e,
de olhos fechados, ele sorriu para a mãe, sem tirar o mamilo que sugava da boca.
Por mais que a visão fosse mágica e doce, a visão do seio exposto e macio
de Helena era perturbadora, de modo que olhei ao redor, tentando não sexualizar
aquele momento especial entre mãe e filho só porque ele me fazia lembrar de
quando era minha boca explorando aqueles montes que agora eram as mamadeiras
naturais do meu filho.
— A vida não tem sido gentil com vocês dois — observei, depois de algum
tempo analisando o papel de parede gasto da sala de estar.
— Esse é o seu ponto de vista, não o meu — Helena retorquiu em um tom
ácido, e compreendi que ela não gostaria de falar das dificuldades que enfrentara
com Theo, quando lhe dei as costas.
— Você guardou o polvo de pelúcia — mudei de assunto. Não que eu não
tivesse percebido aquilo antes, mas aquele pareceu o melhor momento para falar
sobre isso.
— Theo gosta dele. — Deu de ombros, indiferente.
— O que mais você guardou daquela época?
— Tudo o que realmente importa.
— Você pode exemplificar? — insisti, ávido por saber se ela considerava o
pé do primeiro sapatinho de tricô que me deu como algo importante, porque nunca
fui capaz de me desfazer dele.
— Não tenho mais sua pulseira de diamantes, se é isso o que quer saber —
praticamente cuspiu em resposta, com o corpo enrijecido.
— Não ligo para a pulseira. Nunca liguei — reassegurei. — Era sua, pra
você fazer o que bem quisesse com ela.
Não obtive resposta. Pelo menos não uma articulada, já que Helena se
limitou a acenar uma única vez.
Theo acabou pegando no sono no meio de sua refeição, e a mãe dele o
ajustou sobre o ombro, o rostinho pequeno virado para mim, conforme dava
pequenos tapinhas em suas costas, até ele enfim arrotar.
Como era possível que aquela cena fosse algo tão bonito?
— Sinto muito pelos últimos meses, Helena. — As palavras saíram antes
que eu sequer pudesse pensar sobre elas. Talvez por isso tenham parecido tão
simples e inúteis. — Sei que um pedido de desculpas não muda o que aconteceu,
mas quero que saiba que você e Theo agora têm a mim, e a minha mãe, e eu vou
fazer tudo o que estiver ao meu alcance pra provar, dia após dia, que falo sério.
Toquei a mão de Helena, apoiada nas costas do meu filho, gentilmente, mas
sua reação foi a de quem acabara de ser eletrocutada.
Ela se levantou de pronto, e imitei seu gesto conforme ela dava alguns
passos atrás, impondo certa distância entre nós dois.
— Está tarde. — Foram suas próximas palavras, com uma nota de
nervosismo. — Eu preciso descansar, e Theo também. É melhor você ir pra casa.
— Como quiser — concordei. Pressioná-la não era a melhor forma de lidar
com a situação, e nós tínhamos percorrido um longo caminho em menos de vinte e
quatro horas. — Será que posso segurá-lo só mais um pouquinho, antes de ir? —
A quem eu queria enganar? Separar-me de Theo parecia tão atrativo quanto
amputar um membro. — Cinco minutos, cronometrados, e então vou embora. Juro
— prometi, quando ela pareceu reticente.
Depois de sua hesitação inicial, Helena estendeu Theo para mim da forma
mais cuidadosa possível, para não acordá-lo, transferindo seu peso para o meu
corpo até ele estar totalmente em meus braços.
 
CAPÍTULO 23
 

 
— Você considera o seu apartamento um lugar neutro? — questionei
a Rafael conforme ele afastava a cadeira da mesa posta para que eu pudesse
me sentar.
O convite para jantar em um lugar neutro, no qual discutiríamos as
cenas dos próximos capítulos das nossas vidas, surgiu graças às minhas
tentativas de me esquivar de Rafael sempre que ele tentava alguma
aproximação.
Ele mantinha contato com Theo todos os dias desde que se viram pela
primeira vez, e, verdade fosse dita, meu filho o adorava. Rafael fez questão
de aprender a trocar fraldas, dar banhos, ninar e preparar mamadeiras. Era
quase doloroso pensar que Theo e eu tivemos nosso direito de usufruir do
amor de Rafael negado.
Exceto pelo fato de que ele não me amava, e sim a Theo. Disso eu
não poderia me esquecer.
— Só temos boas memórias aqui, não? — ele devolveu, dando a volta
na mesa para ocupar o seu lugar. — Além do mais, eu precisava de um local
privado pra essa conversa. O assunto que vamos tratar é delicado, não quero
ter que ficar olhando sobre os ombros a cada palavra, e eu também tenho
algumas coisas pra te mostrar.
— Que coisas?
— Vamos por partes, sim? — sugeriu, me regalando um sorriso
acolhedor que vinha sendo constante em nossas interações, desde que Raf
descobrira sobre a farsa de seu pai. — Primeiramente, o que eu te disse
quando conheci Theo é a mais pura verdade. Você não precisa acreditar em
mim de imediato, sei que nosso passado não depõe ao meu favor, mas eu
vou te provar que pretendo cumprir cada uma de minhas promessas e estou
disposto a atender qualquer exigência que você possa ter.
— Não tenho nenhuma exigência, não seja absurdo. Contanto que
você não pense em me afastar de Theo… — apressei-me em emendar, pois
aquele era meu único receio.
— De forma alguma — negou, balançando a cabeça de um lado para
o outro a fim de endossar suas palavras. — Quero me aproximar dele, não
afastá-lo de você.
Era reconfortante escutar aquilo, ainda que Rafael já tivesse me
assegurado de que tinha a melhor das intenções. A vida me fizera meio
cética, e coisas boas demais pareciam estar acontecendo ao mesmo tempo,
para que eu simplesmente baixasse a guarda.
— Tudo bem, então. — Forcei meus ombros a relaxarem um pouco.
Os últimos dias vinham sendo tensos. Entre contar para Irene que ela
tinha um neto, seus conselhos para que eu contasse a verdade a Rafael, as
mensagens constantes de Corinne exigindo dinheiro em troca de seu
silêncio, as repercussões que enfrentar o pai do meu filho traria…
Eu me sentia como uma panela de pressão prestes a explodir.
— Mais uma vez, sinto muito por tudo o que teve que passar por
minha culpa — Rafael sussurrou para mim, quebrando o silêncio
confortável que se instalara. — Eu fui um canalha e não mereço a menor
consideração vinda de você, mas vou me esforçar pra merecer. Meu
comportamento não tem desculpa, eu…
— Corinne e seu pai são os verdadeiros vilões, eu já disse —
interrompi. Ele já havia se desculpado o bastante, mesmo que eu ainda me
sentisse reticente. — Somos apenas vítimas tentando nos recuperar de um
esquema mesquinho do qual ninguém saiu ileso.
Era a mais pura verdade. Rafael tinha, sim, sua parcela de culpa,
contudo eu não podia me ressentir o resto da vida. Ele era pai do meu filho
e estava tentando executar seu papel da melhor forma possível. Não
precisávamos nem sequer gostar um do outro, desde que nos
respeitássemos.
Muito mais fácil dizer do fazer, claro, porque a presença de Rafael
ainda era perturbadora, e não ajudava em nada o fato de ele ser tão
prestativo e carinhoso não apenas com Theo, mas também comigo.
Por isso eu evitava ao máximo fitá-lo. O mero vislumbre de seus
olhos e de seu sorriso matador já eram demais para o meu coração, que só
havia encontrado o significado do amor nos braços de Rafael.
— De qualquer maneira, nunca vou me cansar de pedir o seu perdão
até conquistá-lo — reiterou, e precisei tomar um gole da água servida na
taça de cristal logo à minha frente, para aplacar a secura da minha boca.
— Você já o tem — admiti pela primeira vez, sentindo um peso
enorme sair do meu peito. Manter a pose de inabalável, indiferente,
rancorosa ou qualquer outra coisa capaz de definir minha postura era
cansativo, e eu estava farta. — Também preciso me desculpar por ter
afastado Theo de você e…
— Você fez o que julgou necessário pra proteger o nosso bebê — ele
me cortou, capturando minha mão com as suas quando depositei a taça de
volta na mesa. — Talvez tenha sido o melhor pra Theo — considerou. —
Não precisar jamais conviver com Nestor é uma bênção sem medida.
Ela tinha razão. O pai dele era um monstro e sua morte fora a melhor
coisa que acontecera para todos nós. Eu não desejava mal aos outros,
porém, tratando-se de Nestor, era apenas alívio por ele já não ser uma
ameaça.
— O que é que você tem pra me mostrar? — perguntei a Rafael,
numa tentativa deliberada de levar a conversa para um tema mais brando.
— Um momento — pediu, erguendo o dedo indicador para
exemplificar.
Ele se levantou, rumando ao que eu sabia que era seu quarto, e mordi
o lábio enquanto o esperava voltar de lá, tentando não ponderar acerca do
cômodo. Não era da minha conta se a decoração permanecia a mesma ou
não.
Quando Rafael voltou, tinha uma pasta em uma das mãos, e minhas
sobrancelhas se uniram em desentendimento.
Estendendo-me o objeto antes mesmo de que eu tivesse tempo de
questioná-lo de que se tratava, ele se sentou na beirada da mesa, logo à
minha frente.
Foi quando reconheci a logo do hospital onde eu realizara meu
primeiro ultrassom. Meus dedos começaram a tremer quase de imediato, e
encarei Raf no mesmo instante, em um questionamento mudo.
Ali estava. A primeira imagem de Theo. Tudo muito embaçado, sem
que eu soubesse muito bem como distinguir os contornos, exatamente como
da primeira vez. Como se não bastasse, ainda havia o pé do sapatinho que
dei para Raf, dizendo-lhe para pendurar em seu retrovisor para que fosse
como um ímã de mulheres.
— Não é possível que você tenha guardado essas coisas — soltei em
um suspiro incrédulo, sacudindo a cabeça de um lado para o outro sem nem
mesmo entender o motivo de fazê-lo. — Por quê?
O sorriso que me desarmava por inteiro surgiu de novo, e meu
coração deu um solavanco dentro do peito.
— Porque são coisas que realmente importam — ele disse
simplesmente, imitando uma de minhas falas. — Como eu poderia
simplesmente me livrar delas? Você ainda tem o seu pezinho?
Se eu tinha o meu pezinho? Por acaso a Terra girava em torno do
Sol?
— Claro que sim! — respondi, meus olhos pinicando pelas lágrimas.
Eu não queria chorar! Não podia chorar!
Mas como evitar que as lágrimas caíssem, quando Rafael guardara
aquelas lembranças tão preciosas para mim mesmo durante o tempo em que
acreditava que eu era um monstro?
— Então você deve ficar com o meu também, mesmo que os pés do
nosso garoto já sejam grandes demais pra caberem aqui dentro.
Sorri, porque era impossível controlar meus lábios. E chorei também,
tudo ao mesmo tempo, transparecendo um pouquinho do caos que eu era
por dentro.
— Tem certeza?
— Você me deu um filho, Helena, pode ter o que quiser de mim.
Talvez fosse sua pose despreocupada, ou a camisa branca de botões
que ele vestia e lhe dava um charme extra. Podia ser também minha
carência ou qualquer outra coisa, entretanto, a primeira coisa que passou
pela minha cabeça foi: “quero você”.
O pensamento me pegou de assalto, sobressaltando-me, e fechei os
olhos com força, esperando que Rafael não pudesse ler o que se passava
dentro de mim através deles.
— Quero apenas que você ame Theo e que a felicidade dele esteja
sempre acima dos seus desejos pessoais. — Era uma meia verdade, já que
eu queria mesmo isso. Mas não apenas isso. — Pode me dar a sua palavra
de que é assim que as coisas vão acontecer?
Ele acenou com a cabeça, em concordância.
— Posso. E você? Acha que consegue acreditar na minha palavra?
— Sim. — Na verdade, eu gostaria que fosse um pouco mais difícil
acreditar nele.
Depois de tanto me resguardar, o ultrassom e o sapatinho, aliados às
gentilezas de Rafael, estavam destruindo a casca que eu insistia em manter
para me proteger dele e de tudo o que me fazia sentir.
— Eu te disse uma vez que estaria ao seu lado pra cuidarmos juntos
do nosso filho — ele retomou, estendendo-me uma de suas mãos. Titubeei,
porém decidi segurá-la entre a minha, o contato quente de sua pele
provocando arrepios por toda minha espinha, ao passo que eu me colocava
de pé, frente a frente com Rafael. — Sei que quebrei minha promessa por
muito tempo, mas isso não vai mais acontecer. Nunca mais vou duvidar de
você, ouviu? Por nada nesse mundo. — Suas mãos abarcaram meu rosto, e
fechei os olhos por um instante, para apreciar o contato. — A sua palavra
vai ser sempre mais importante do que qualquer foto manipulada e
testemunhos de quem quer que seja. Sempre vou acreditar e confiar em
você.
Antes que eu pudesse sequer calcular os riscos daquele ato, me atirei
nos braços de Rafael, apertando-o com todas as minhas forças. Não
considerei que poderia arruinar sua camisa com meu choro mesclado a
máscara de cílios borrada, muito menos que estava sendo imprópria, e
qualquer chance de raciocínio foi mandada ao espaço quando ele retribuiu o
gesto, enxugando minhas lágrimas com seus dedos gentis e me fazendo
sentir protegida de um modo que só era possível quando ele me abraçava
daquele jeito.
Seu cheiro, a textura de suas roupas contra a minha pele, o calor do
seu corpo prensado contra o meu…
Como era possível que eu ainda fosse completamente louca por
aquele homem?
 
CAPÍTULO 24
 

Como era possível que eu ainda fosse completamente louco por aquela
mulher?
Ter Helena em meus braços, apertando-a contra o meu corpo, tornava
incontestável que o desejo que eu sentira por ela não arrefecera minimamente. Seu
cheiro ainda era inebriante, suas curvas ainda se moldavam com perfeição a mim,
e a boca continuava com a mesma aparência beijável de sempre.
— E-eu já vou indo — balbuciou, rompendo nosso contato cedo demais,
pegando o envelope e o sapatinho de tricô antes de fugir de mim.
— Nós ainda não jantamos — eu a lembrei, ao seu encalço.
— Não estou com fome. E ainda tenho que buscar Theo na casa da sua mãe,
então só depois ir pra Newark, é uma longa viagem.
— Vou levar você, não espero que faça esse percurso de metrô. Nós mal
começamos a conversar.
— Já falamos o mais importante. Perdoamos um ao outro, isso é o
suficiente, por ora. As outras coisas podemos ir descobrindo durante o percurso,
não há pressa — soltou, meio esbaforida pelo turbilhão de palavras.
Helena vestiu o casaco preto com o qual chegara ali, da mesma cor do
vestido que acentuava todas as suas curvas, no entanto, eu não podia permitir que
ela se fosse, não quando acabáramos de fazer tanto progresso.
— Claro que há pressa — contrapus, segurando seu braço, para que ela se
aproximasse e olhasse para mim. — Não acha que já perdemos tempo demais?
O leve movimento de sua cabeça concordou comigo, e ela engoliu em seco,
tirando os fios pesados de seu cabelo de sob o tecido do casaco que vestira, antes
de perguntar:
— Sobre o que mais você gostaria de falar?
Sobre absolutamente tudo e nada. Sobre qualquer coisa que a fizesse jogar
os braços ao meu redor outra vez, para ser sincero.
— Você consideraria a possibilidade de se mudar para Nova Iorque? — Foi
a primeira coisa que me ocorreu perguntar. — Sei que você e Caroline têm um
negócio recente, mas quero aproveitar cada segundo possível ao lado de Theo.
Helena ponderou por um instante, antes de responder.
— Entendo que se sinta assim, só que não posso fazer isso. Eu moro com
Caroline, e nós tomamos qualquer decisão juntas. Seria desgastante para ela, sem
contar os custos e…
— Obviamente eu pagaria toda e qualquer despesa — emendei rapidamente.
— Eu não aceitaria. — Claro que não. E eu era um imbecil por pensar que
sim. — Meu interesse no seu dinheiro é inexistente, achei que isso tivesse ficado
claro.
— Claro como água — aquiesci. — Mas ter vocês mais perto seria algo que
eu estaria fazendo por mim. Porém entendo que talvez seja pedir demais.
O certo seria que eu me mudasse para Newark. Não era o cenário ideal para
mim, porém, desse modo, eu estaria perto de Theo, e no momento essa era minha
prioridade.
— As coisas não vão se resolver da noite pro dia, Rafael — Helena
cochichou para mim, e havia tanta cumplicidade no gesto… — Vamos dar um
passo de cada vez. Tudo o que importa, no momento, é que você e Theo estão
inseridos na vida um do outro. Nós vamos dar um jeito de fazer as coisas
acontecerem.
— Eu acredito em você — admiti, tomando sua mão livre com as minhas e
beijando-lhe o dorso demoradamente, desejando fazer muito mais do que apenas
isso. — Desculpe se estou ansioso demais.
Toquei seu rosto, as maçãs bem esculpidas, e o suspiro que Helena soltou
entre os lábios me provava que nossa proximidade também mexia com ela.
— Preciso mesmo ir embora — ela insistiu no assunto, desvencilhando-se
de minhas mãos e dando um passo atrás, para mais perto do elevador privativo.
— Ainda está chateada comigo? — eu quis saber, e ela acenou uma
negativa, com olhos arregalados pela surpresa.
— Claro que não — verbalizou, mas eu sabia que ela não estava sendo cem
por cento honesta comigo, já que seu corpo comunicava outra coisa.
— Então por que está fugindo de mim?
— Não estou — ela negou com veemência, engolindo a saliva com
dificuldade. — Só está tarde e…
Meu polegar pressionando os lábios de Helena foi o suficiente para
interromper a desculpa que ela estava se dando o trabalho de reformular.
Cortei a distância entre nós dois, minha mão livre buscando a curva delicada
de suas costas, puxando o corpo curvilíneo para se encaixar ao meu.
Eu não tomara a decisão deliberada de seduzir Helena, porém a urgência que
me acometia sempre que a tinha por perto não podia ser ignorada. Então eu a
beijei, minha boca pressionando a sua num movimento calmo e gentil que fez com
que Helena se sobressaltasse, mas ela não se afastou. Em vez disso, ficou nas
pontas dos meus, apertando-se mais contra mim, dando-me todo o incentivo de
que eu precisava.
Tomei a pasta que ela trazia em uma das mãos e, cegamente, a depositei no
aparador mais próximo.
 

 
O corpo de Helena fora feito para ser adorado.
Eu já sabia disso antes, mas agora… depois do nosso tempo de abstinência,
não havia outra forma de fazer amor com ela que não envolvesse um culto à
perfeição que ela era, de modo que a depositei na minha cama, afastando seus
joelhos com uma das mãos para apreciar sua nudez.
Segundos foram tudo o que separaram nosso beijo do momento em que
nossas mãos afoitas começaram a despir um ao outro, e agora Helena estava ali,
com a boceta molhada implorando por atenção.
Meu rosto se enterrou nas dobras macias, quentes e úmidas de Helena, e seu
corpo reagiu como sempre reagia ao contato da minha boca: sua coluna
arqueando-se em uma entrega que jamais poderia ser fingida.
Minha língua se refestelou em seu sexo, sedenta pelo gosto de mulher de
Helena, ao passo que minhas narinas inalavam com força seu cheiro viciante
concentrado entre suas pernas.
Eu não era um celibatário, longe disso, mas desde que Helena fora embora,
estive apenas com outras duas mulheres, a quem usei para tirar do meu sistema a
minha ex-noiva.
Não funcionou, porque, apesar de bonitas, elas não eram a própria visão de
deusas gregas, como era o caso de Helena. O beijo não era tão bom, o corpo não
tinha o encaixe perfeito… sendo assim, eu encontrava muito mais prazer sozinho,
com minha mão acariciando meu membro rígido ao mesmo tempo que meus
pensamentos iam direto para Helena.
A lembrança de seus beijos, dos gemidos de prazer, do seu cheiro inebriante
e do olhar hipnótico… era nela que eu pensava a cada orgasmo, era o nome dela
que eu chamava entre dentes, mesmo que me sentisse um lixo depois, por desejar
a mulher que eu achei que se deitava com meu pai.
Isso ficara para trás, no entanto. Helena estava ali, gemendo de prazer sob
meu corpo, se contorcendo, as coxas pressionando minhas orelhas enquanto eu
agraciava seu clitóris com leves sucções e lambidas demoradas.
— Raf — ela chamou, a respiração ofegante, e adorei o fato de ela usar meu
apelido. — Estou tão perto.
Deslizei dois de meus para dentro de Helena, e seus músculos internos se
apertaram ao redor dele de imediato, fazendo com que minhas bolas ficassem
ainda pesadas pelo tesão que eu vinha tentando manter sob controle.
Eu precisaria me dedicar ao corpo de Helena com calma depois, quando
meu desejo mais urgente, porque no momento tudo em que eu conseguia pensar
era em como seria delicioso ter meu pau sendo abrigado por Helena.
Voltei seus quadris para a cama, e, sem conseguir me conter, enterrei minha
ereção entre as dobras quentes, que me receberam com uma espécie de abraço
apertado, convidando-me para ir mais fundo, e, incapaz de resistir ao convite, eu
fui.
A sensação era de estar de volta em casa depois de ter vivido em um
completo inferno por tempo demais.
Com um cotovelo apoiado no colchão, arremeti contra o corpo de Helena,
sentindo sua boceta nua ao meu redor, a umidade facilitando o processo de entrar e
sair dela num ritmo alucinante que sempre fora nossa marca registrada.
Quando meus lábios se fecharam ao redor de um dos seus mamilos, a boca
de Helena se abriu em puro deleite, um gemido arrastado passando por ela.
— Você não faz ideia do quanto senti sua falta — confessei, porque ela
precisava de palavras também, não apenas de gestos. — Diga que também sentiu a
minha…
— Mais do que posso colocar em palavras — murmurou, antes de segurar
meu rosto entre suas mãos para que pudesse me beijar com urgência. Ao fim do
contato, seus olhos se abriram para mim. — Me faça gozar — pediu, porém meu
cérebro interpretou como uma ordem, de modo que aumentei o ritmo das
estocadas, uma de minhas mãos descendo para o encontro de nossos corpos, a fim
de massagear o clitóris de Helena.
— Eu já disse que você pode ter o que quiser de mim — lembrei-a. — O
que quiser — reiterei, roubando sua boca para um beijo, bebendo dos seus
gemidos desesperados.
Os tremores começaram quase tímidos e espaçados, e então evoluíram para
uma entrega completa e arrebatadora quando Helena e eu gozamos em sincronia,
chamando pelo nome um do outro.
 
CAPÍTULO 25
 

 
Eu estava nos braços de Rafael, depois de pertencer a ele novamente e
de ter me sentido mulher de um jeito que não me sentia desde nossa última
noite juntos.
O sorriso que ameaçava partir meu rosto ao meio foi involuntário, por
mais que eu soubesse que aquele era apenas um momento roubado que eu
me permitira ter depois do caos completo que fora minha vida nos últimos
tempos.
Girei dentro do abraço de Raf, de frente para ele, observando seu
rosto bonito e relaxado enquanto ele dormia, a respiração compassada, o
peito subindo e descendo e os cabelos uma completa confusão, graças aos
meus dedos ansiosos revirando os fios castanhos e macios.
Um vislumbre do que poderia ter sido nossa vida.
A ponderação trouxe um nó à minha garganta, porém eu não iria
chorar, nem me arrepender do que acabara de acontecer. Era uma nova
memória bonita à qual eu poderia me agarrar nos meus momentos
solitários.
Com cuidado para não acordar Rafael, segurei o braço que me
prendia pela cintura junto ao seu corpo, ao passo que deslizava o meu para
fora da cama, um verdadeiro malabarismo para alcançar meu propósito.
Todavia, quando eu estava quase lá, o braço de Raf pesou sobre meu
estômago, me puxando para si e colando nossos corpos nus outra vez.
Foi o suficiente para que minha respiração ficasse alterada.
— Aonde você pensa que vai? — inquiriu ainda de olhos fechados, a
voz rouca e sonolenta.
— Achei que você estivesse dormindo.
— Eu estava, até você tentar fugir de mim. — Os orbes azuis me
encararam, e mesmo com a iluminação parca do quarto, eles pareciam
lindos e convidativos. — Que horas são? — Ele relanceou o olhar para a
mesinha de cabeceira atrás dele, mas eu duvidava que tivesse sido capaz de
ver qualquer coisa.
— Já está tarde. Tenho que ir até a casa da sua mãe, buscar Theo. O
que ela vai pensar de mim? Que sou uma mãe desnaturada, com certeza. —
Na melhor das hipóteses, visto que eu deixara meu bebê com ela para ir a
um jantar e já era madrugada.
— Você não é uma mãe desnaturada — Raf retorquiu, com uma
expressão divertida que implicava que eu estava me desesperando por nada.
— Nosso filho está seguro, com a avó dele, e você merece uma noite só
sua. Além do mais, com certeza já estão dormindo, a essa hora, então você
fica aqui comigo.
Ele enterrou o rosto em meu pescoço, o contato de sua barba curta
fazendo com que minha pele se arrepiasse em resposta, seus beijos e
mordidas provocando todas as minhas terminações nervosas, em especial
minha sanidade.
— Rafael… espera — pedi, tentando me afastar dele ao máximo, mas
não obtendo sucesso. — Isso que aconteceu foi um erro, nós não
devíamos…
— Devíamos, sim — atalhou de pronto. — Eu te quero, você me
quer… seria um crime desperdiçar essa química deliciosa que nós temos.
Seus dentes prenderam meu lábio inferior, deslizando por ele
languidamente.
— Não foi pra isso que eu vim até aqui, e sim pra que pudéssemos
conversar — eu o lembrei com um sussurro débil.
— Podemos fazer as duas coisas. Ou você se esqueceu de que sou
multitarefas? — Era uma pergunta retórica, já que ele não esperou por uma
resposta e beijou calma e longamente, sua língua explorando o interior da
minha de forma despreocupada. —Consigo continuar o que estou fazendo
ao mesmo tempo que te digo que precisamos organizar uma viagem à
Grécia — continuou, migrando os beijos para o meu pescoço e colo, as
unhas curtas arranhando minha coxa.
— Como assim, uma viagem pra Grécia? — questionei, meio
alarmada, enfiando meus dedos na nuca de Raf e puxando seu cabelo de
leve, apenas para impeli-lo a olhar para mim.
— Minha mãe não se conteve e contou para a minha avó sobre Theo.
Agora ela exige conhecer o bisneto para dar-lhe sua bênção.
— Ela não pode fazer isso através de chamada de vídeo? — Ele
negou com um meneio de cabeça. — Não é mais fácil que ela venha, então?
— Yayá não viaja mais de avião. Ela sente desconforto e dores nas
articulações, pela idade.
— Não posso me ausentar do Bar de Cupcakes, Caroline precisa de
mim.
— Não se preocupe com isso, tenho uma solução — murmurou
despreocupadamente, tornando a buscar minha boca e contentando-se com
meu pescoço, quando me esquivei no último segundo.
— E quem te nomeou solucionador dos meus problemas?
— Vamos falar disso pela manhã, o que acha? — sugeriu, deixando
pouco espaço para discussão quando me girou na cama, minhas costas
agora apoiadas no colchão e Rafael entre minhas pernas, o rosto pairando
sobre o meu. — No momento acredito que temos outras coisas para
priorizar.
— Como o quê? — Minha voz deveria ter saído com um pouco mais
de força, porém não passou de um gemido ansioso, que se alongou no
momento em que os dedos de Rafael torceram um dos meus mamilos ao
passo que sua boca se ocupava do outro.
 
CAPÍTULO 26
 

Quando pousamos no pequeno aeroporto de Mykonos, eu não tinha muita


certeza se o meu estômago estava se revirando por causa do voo ou do nervosismo
de estar em um país estrangeiro, cuja língua eu desconhecia, prestes a ser
apresentada à matriarca Ophelia Galanis.
Irene me assegurara que sua sogra receberia a mim e ao bisneto de braços
abertos, porém nem mesmo isso foi capaz de colocar os meus ânimos no lugar. Em
especial com a visão de Rafael vestindo uma camisa branca com alguns botões
abertos. Ele dobrou as mangas até os cotovelos e escolheu uma calça esporte-fino
num tom claro de cinza para a parte de baixo.
Theo estava vestido igualzinho ao pai, exceto pelos tênis, já que o pai dele
usava sapatos lustrosos. E decidiu cobrir seus incríveis olhos azuis com óculos
escuros, provando que conseguia parecer irresistível de qualquer jeito.
Ralhei comigo mesma em pensamento, porque eu não deveria ficar
reparando — muito menos desejando — o pai do meu filho dessa forma.
Depois da noite que passamos juntos, eu sabia que não tinha como me
arriscar daquele modo. Rolar nos lençóis de Rafael ao mesmo tempo que estava
longe do seu coração não me traria bem nenhum.
— Tenho uma coisa pra você — ele disse em nosso caminho até o carro que
nos esperava para nos levar até a casa de sua avó.
Ou pelo menos era isso que eu achava que suas instruções em grego
significavam. Theo, que passara a maior parte da viagem nos braços do pai, estava
dormindo tranquilamente em seu bebê conforto, o qual Raf apoiou no chão, me
obrigando a deter meus passos.
Irene não esperou por nós. Na verdade, eu nem mesmo podia determinar se
ela percebera que não estávamos mais a seguindo.
O toque de Raf no meu pulso roubou minha atenção de volta para ele, e,
antes que eu pudesse detê-lo, uma pulseira de diamantes já estava adornando meu
braço.
— Rafael…
— Nem ouse tentar recusar — atalhou, não me dando a chance de concluir
meu protesto —, você não faz ideia do trabalho que deu encontrar isso.
Abri a boca para lhe perguntar como encontrara a pulseira que precisei
penhorar, quanto pagara por ela e por que fizera aquilo, mas outro pensamento me
ocorreu.
— Achei que você não ligasse pra pulseira. — Fora o que ele dissera antes,
não fora? O que havia mudado?
— Sem sombra de dúvidas me importo bem mais com outras coisas, mas
gosto de como ela fica em você. — Ele acariciou o local com a joia, e, quando o
vento bagunçou os meus cabelos e sacudiu sua camisa, me senti como em uma
cena de um filme clichê. — Além disso, o que minha avó iria pensar se não visse a
mãe do meu filho usando nada da Amethystós? — Rafael me lançou uma
piscadela, e rolei os olhos para isso.
Nós poderíamos entrar em uma nova discussão sobre aquilo, porém, de que
adiantaria? Eu não seria capaz de argumentar, depois de tantas horas de viagem.
— Você é incorrigível e teimoso ao extremo — escolhi dizer, e seu sorriso
matador se abriu de forma preguiçosa. — Não faça essa cara, não foi um elogio.
Então retomei minha caminhada, dando-lhe as costas e apressando-me para
alcançar Irene, não me permitindo ponderar sobre o significado daquele gesto.
 
 
— Theo Galanis… meu primeiro bisneto.
Ophelia Galanis não se parecia com alguém que não viajava de avião por
problemas de articulação.
A forma como segurou Theo nos braços — pesado como ele era —
demonstrava quão forte e, sobretudo, lúcida ela era.
Surpreendendo a um total de zero pessoas, meu filho esfregou os olhos
sonolentos e então abriu um sorriso encantador para a bisavó, quando esta roçou o
nariz no dele.
Meu bebê era o melhor julgador de caráter que eu conhecia, e quando ele se
derreteu pela matriarca da família, meu coração se aqueceu de forma inenarrável.
— Obrigada por terem trazido essa preciosidade pra que eu pudesse
conhecer — a avó de Rafael voltou a falar, seus olhos incrivelmente azuis
dançando entre mim e seu neto, o sotaque forte ao inglês, porém cem por cento
compreensível. — Perder um filho não é fácil, mas a chegada de uma nova vida
ameniza qualquer dor. — Então, focando novamente em Theo: — Não é mesmo,
pequeno? Você está feliz de conhecer a sua bisavó Ophelia?
Rafael, Irene e eu nos entreolhamos, um tipo único de comunicação muda
que desenvolvemos com o passar do tempo.
Nós havíamos concordado que contaríamos uma versão mais bonita da
minha história e de Rafael. A matriarca estava perto de completar noventa anos,
perdera o marido, o filho… por mais que Nestor não valesse um único centavo, eu
não queria ser a responsável por levar ainda mais tristeza à senhora Ophelia. De
qualquer modo, que bem lhe faria saber a verdade?
— Ele não é uma cópia perfeita do nosso Rafael, sogra? — Irene se
adiantou, dando-lhe um meio abraço.
Na euforia de conhecer Theo, sua bisavó não se ateve às boas maneiras e
não se incomodou em cumprimentar a nenhum de nós, antes pegá-lo nos braços e
beijar suas bochechas rosadas.
— E eu vou fazer o meu melhor para mimá-lo ainda mais do que mimei
Rafael — a mais velha devolveu, recebendo um beijo estalado de Irene na maçã
do rosto.
— Faço questão de ajudá-la.
Os olhos perspicazes da matriarca Galanis voltaram para mim e Rafael, e ela
cortou a distância que nos separava, dirigindo-se ao neto.
— E você achando que seu bem mais precioso era a Amethystós. — Ela
estalou a língua, apontando um dedo em riste para Raf. — E você… — Meu
sangue gelou quando sua atenção se fixou em mim. — Espero que saiba quão
preciosa você é para todos nós, Helena, querida. Sem você, eu não estaria
segurando o bebê mais lindo de todo o mundo nos braços.
Meus ombros relaxaram de forma automática, e o sorriso no meu rosto
ameaçava dividi-lo em dois.
Eu me sentia tão feliz e abençoada pelo fato de que Theo teria uma família
tão bonita e amorosa como aquela. Uma que nunca tive, mas com a qual sempre
sonhei. No fim, meu compromisso de ser melhor do que Corinne se mostrava cada
dia mais fácil.
Com a mesma facilidade que o pensamento se formou, eu o enxotei. Eu não
pensaria em Corinne, em Nestor… em nada de ruim. Toda minha atenção estaria
focada em agradecer todo o amor que meu filho receberia.
— É um prazer conhecê-la, senhora Galanis… — Estendi minha mão para
cumprimentá-la, todavia, dona Ophelia apenas a empurrou para lá, encarando-me
como se eu tivesse perdido o juízo.
— Nada disso. Minhas noras são as senhoras Galanis — frisou —, algo que
espero que você também seja em breve…
— Yayá… — Rafael chamou numa falsa advertência, enquanto eu mal
conseguia lembrar meu próprio nome, devido à surpresa.
— Um bracelete de diamantes, por mais bonito que seja, não está à altura da
mulher que fez de você um homem completo, Rafael. — Aquilo fora uma
repreensão? E em que momento ela notara o bracelete, se não tirara os olhos de
Theo? — A propósito, é assim que eu gostaria que você me chamasse —
continuou, dirigindo-se a mim. — Yayá, como todos os meus outros netos.
Minha boca se abriu para corrigi-la, dizer que eu não me tornaria uma
senhora Galanis, que não esperava que Rafael me desse presentes em troca de ter
dado à luz um filho seu… e o que ela queria dizer com outros netos? Ela não
estava insinuando que me adotara… estava?
Qualquer coisa que eu pudesse dizer ficou entalada na minha garganta no
instante em que Rafael passou um braço pela minha cintura e juntou nossos
corpos. Encarei-o, embasbacada, conforme ele sorria para a avó.
— Eu sempre soube que a senhora adoraria Helena e que faria questão de
transformar meu primogênito na criança mais mimada de toda a Grécia.
A senhora Galanis… Yayá… assentiu, os olhos reluzindo no processo.
— Vocês devem estar exaustos. Por que não vão descansar um pouco? —
sugeriu. — Os quartos já estão prontos, e eu faço questão de ser a babá de Theo.
CAPÍTULO 27
 

 
Quando Yayá disse que nossos quartos estavam prontos, ela se
esquecera de mencionar que Helena e eu dividiríamos um deles.
Por mim estava tudo bem, pois se eu quisesse seduzi-la, tê-la comigo
todas as noites ajudaria muito a minha causa.
Nós não havíamos transado de novo, e a saudade dela estava me
matando. Uma única noite, por mais prazerosa que fosse, não era capaz de
aplacar o desejo que eu sentia por aquela mulher. Um simples toque dela
era o suficiente para fazer que eu quisesse consumi-la por inteiro.
Isso devia ser paixão. Desenfreada e avassaladora. Era a única teoria
que explicava o fato de que todas as outras mulheres pareciam
desinteressantes para mim. Eu estava subindo pelas paredes de tesão
acumulado e, mesmo assim, preferia me aliviar com a ajuda na minha mão
— conforme pensava em Helena, imaginando seus toques e beijos — a ir
em busca de um corpo quente e disposto a me receber.
Porque o único corpo quente que eu queria não parecia nada disposto.
— Você deveria ter dito à sua avó que não temos nada um com outro
— Helena reclamou pelo que pareceu ser a milésima vez em menos de vinte
e quatro horas.
Assim que chegamos, lhe dei privacidade para que pudesse tomar um
bom banho e descansar um pouco. Ela quis relutar, porém estava cansada
demais para iniciar uma discussão. Ponto para mim.
Depois, quando nos reunimos à mesa para o jantar, ela praticamente
saiu correndo ante minha menção de espalmar uma das mãos em suas
costas para guiá-la até a mesa de jantar.
Helena estava me evitando. Depois de transar comigo uma noite
inteira, me presenteando com gemidos, arranhões e beijos apaixonados,
agora ela simplesmente tentava me afastar, me negando o prazer de tê-la
para mim.
Eu não iria permitir que aquilo acontecesse.
Não foi falta de sentimento — muito menos de tesão — o que me
afastou de Helena, no passado, e sim as mentiras de Nestor. Ainda assim, eu
a desejei ardentemente por todo esse tempo, apesar da culpa que achei que
deveria sentir.
A culpa já não existia. Havia apenas desejo, cru e desenfreado.
— Não minto pra Yayá. — Foi a minha resposta, e o rosto de Helena
se tingiu de vermelho ao passo que ela parava de andar no quarto, de um
lado para o outro, já vestida em seu pijama.
Um pijama cinza, surrado, com a estampa de uma das séries originais
da Galanix+… e sexy. Pra. Caralho.
— Estou falando sério, Rafael! — chiou, cruzando os braços sob os
seios fartos, me dando água na boca. — Como se não bastasse toda a tensão
de conhecer os outros membros da sua família, agora estou presa num
quarto com você?!
Sem esperar uma resposta, ela bufou, sumindo closet adentro e
voltando de lá com cobertores e um novo travesseiro, jogando tudo no chão
e… espera! Mas que porra era aquela?
— Helena, pelo amor de Deus… — Esfreguei o rosto com as duas
mãos, exasperado. — Isso é idiotice. Somos adultos, podemos muito bem
dividir uma cama, não é como se nunca tivéssemos feito isso antes.
Ignorando minhas palavras, ela apenas seguiu montando sua cama
improvisada. No chão. Como se estivéssemos em um acampamento ou algo
do tipo.
— Eu não vou te atacar no meio da noite nem te obrigar a nada —
tentei mais uma vez. — A menos que você tenha medo de não conseguir se
controlar perto de mim.
Da forma mais convencida possível, ergui uma de minhas
sobrancelhas para ela, uma provocação deliberada, afinal de contas, se
tratava disso. Era impossível que em uma noite Helena estivesse queimando
de paixão nos meus braços, me cavalgando com desespero, e depois
simplesmente estivesse satisfeita.
Eu queria mais, e ela também, nisso eu podia apostar.
— Quem você acha que é pra que eu não consiga me controlar perto
de você? — retrucou, irônica. — Um deus grego?
Antes mesmo que eu esboçasse qualquer reação, Helena percebeu que
seu trocadilho fora infeliz. Pelo menos era isso que indicava o bufar que ela
soltou e a forma como marchou para a cama, depois de recolher os
cobertores extra e o travesseiro.
— Não invada meu espaço pessoal — exigiu, acomodando-se em
uma extremidade da cama, usando o travesseiro sobressalente como uma
barricada, dando-me as costas. — E vista uma camisa!
— Por quê? — provoquei, me juntando a Helena, perigosamente
perto dela, mas sem invadir seu espaço pessoal, como ela demandara. —
Por acaso, saber que estou usando apenas uma boxer enquanto durmo a
menos de um metro de distância de você te deixa perturbada? — As pontas
dos meus dedos traçaram a pele exposta de seu ombro, e testei minha sorte,
ao me inclinar para depositar um beijo no ombro de Helena.
Ela se esquivou, quase caindo da cama no processo, trazendo seu
travesseiro, pseudo-barricada, para junto do peito, os olhos arregalados me
encarando com determinação.
— Se você não parar com esses flertes sem propósito, juro que sou
capaz de dormir no sofá da sala, mas não divido o quarto com você!
Pisquei, atônito, sem compreender a reação exacerbada de Helena.
Foi apenas um beijo no ombro, nada perto de todas as coisas que já
tínhamos feito com ela… ou dos lugares onde já a beijei tantas outras vezes.
— O que tem de errado com o fato de eu flertar com você? —
questionei, visivelmente confuso.
— Flerte com quiser, só não comigo! Talvez eu tenha passado uma
impressão equivocada ao aceitar ir pra cama com você, mas acabou! Não
quero nem vou ser um passatempo pra você, entendeu? Não vou!
Os olhos de Helena estavam injetados. De fúria, melancolia e uma
determinação imensurável, de modo que apenas assenti, afastando-me dela
o máximo que o espaço permitia, apoiando minha cabeça no meu
travesseiro e encarando o teto.
A respiração de Helena, ao meu lado, estava pesada, porém, ela não
se levantou, como achei que faria. Apenas apagou a luz do abajur que havia
sobre sua mesa de cabeceira, reinstaurou sua barricada e tornou a se deitar
de costas para mim.
Foi quando me atingiu: eu também não queria que Helena fosse meu
passatempo.
CAPÍTULO 28
 

 
— Fazia tanto tempo que eu não te via sorrir assim, sem nenhuma
sombra de medo ou incerteza. Estou feliz e orgulhosa de você e do meu
filho. Quando vocês voltam?
Sorri para Caroline através da chamada de vídeo, e Theo deu pulinhos
animados no meu colo, estendendo uma das mãozinhas em direção à tela,
abrindo-a e fechando-a como se quisesse que Caroline viesse até ele.
Nós estávamos morrendo de saudade dela. E do Bar de Cupcakes,
claro. Minha melhor amiga vinha, inclusive, reclamando de não nos ter por
perto. Eu para cuidar dos recheios dos nossos bolinhos, Theo por ser o
melhor garoto propaganda pelo qual poderíamos pagar.
— A ideia era já termos voltado, mas Yayá pediu que Rafael ficasse
um pouco mais, pra comemorar o aniversário dele aqui. Vai ser um jantar
simples, apenas para a família. Acho que é só uma desculpa pra manter
Theo por perto — confessei, visto que a família grega do meu bebê parecia
aficionada nele.
Eles foram, sim, receptivos comigo, e era inegável o carinho e a
felicidade que sentiram ao poder ver Rafael e Irene outra vez. Porém nada
se comparava às suas expressões embasbacadas por terem o mais novo
membro da família Galanis logo ali.
— Yayá, hum? — Caroline ergueu ambas as sobrancelhas
repetidamente algumas vezes, em um gesto deliberado de me provocar. —
Isso, por acaso, quer dizer vovó, em grego? É assim que você vem
chamando a bisavó do seu bebê?
Rolei os olhos para ela, comportando-me como uma criança birrenta,
talvez? Sim. Mas ela bem que merecia.
— Não é nada de mais, só um gesto carinhoso, e foi ela quem pediu.
— Dei de ombros, no intuito de fazer com que meu corpo passasse uma
casualidade que estava longe de sentir.
Chamar a avó de Rafael de Yayá fora um dos pontos altos da viagem e
mexera com mais coisas dentro de mim do que eu gostaria de acreditar.
Cresci acostumada a nunca ter ninguém por perto com quem pudesse
contar, e, agora, havia um batalhão de pessoas dispostas a fazer tudo em
nome da segurança do meu filho… batalhão, este, que me recebeu de
braços abertos como se eu fosse uma deles.
Yayá dissera que gostaria de que eu fosse uma Galanis com todas as
letras, e foi só ali que a possibilidade voltara a cruzar minha cabeça.
Não iria acontecer, obviamente. Desde que chegamos a Mykonos,
Rafael me levara para conhecer as ilhas mais próximas e famosas. A
viagem de balsa até Santorini e Creta, além de agradável, também me deu
uma vista mais ampla do Mar Egeu, e eu precisava fincar as unhas nas
palmas das mãos, vez ou outra, para ter certeza de que aquilo estava mesmo
acontecendo e não se tratava de um sonho.
Como se minha imaginação pudesse ser assim tão fértil…
— E como estão sendo suas férias? — uma Caroline sonolenta
perguntou, disfarçando um bocejo.
Graças às setes horas de fuso-horário que nos separavam, conseguir
conversas ao vivo não era tão fácil, por causa de toda a logística,
— Eu fico desejando que você estivesse aqui na maior parte do tempo
— admiti, me abaixando para pegar o polvo de pelúcia que Theo derrubara
no chão, entregando-lhe. — Você ia adorar as praias, as paisagens… é tudo
tão lindo, nem parece ser de verdade.
Caroline murchou os ombros, com uma falsa expressão malcriada no
rosto.
— Por que não fui eu quem engravidou do Rafael? A vida é tão
injusta. — Minha melhor amiga estalou a língua, e tornei a girar os olhos
para o seu teatro.
— Você não precisa de um filho meu pra ser convidada a vir a
Mykonos, Caroline. — A voz grave de Rafael soou pelo quarto que
dividíamos, e só isso foi capaz de provocar agitação no meu estômago. —
Assim que puder se afastar por um tempo do Bar de Cupcakes, vai ser um
prazer tê-la aqui — ele gritou de algum lugar do closet, e, sem deixar minha
posição confortável na poltrona da sacada da suíte que dividíamos, tentei
enxergar o que ele estava fazendo, ao olhar sobre um dos meus ombros.
— Não precisa falar duas vezes — Caroline respondeu do outro lado
da linha. — Mande Helena e Theo de volta pra assumirem meu lugar e
compre minha passagem de uma vez.
Rafael surgiu do closet vestindo nada além de uma sunga, com uma
toalha branca jogada sobre um dos ombros de forma displicente. Ele
caminhou para mais perto do celular, que exibia a imagem de Caroline,
agachando-se para que seu rosto ficasse no enquadramento.
— Por mais tentadora que seja sua proposta, não me sinto pronto pra
ficar longe deles tão cedo. — Rafael apontou com a cabeça para mim e para
Theo, ainda falando com minha amiga, antes de se virar para mim. —
Desculpe interromper a conversa, só vim me trocar. Nós vamos pra piscina,
me encontre lá quando terminar. — Então seu olhar voltou para a tela do
celular, e ele acenou brevemente com uma das mãos. — Até mais, Caroline.
— Bampás! — Theo chamou a atenção de Rafael, erguendo os
bracinhos num pedido desesperado para que o pai o pegasse no colo, e foi
exatamente o que Raf fez, tomando o filho nos braços com um sorriso
orgulho nos lábios, antes de beijá-lo por inteiro.
— Isso mesmo, garotão! Eu sou o seu pai. — Os orbes azuis se
viraram para mim. — Tudo bem se ele e eu formos juntos agora? — Sacudi
a cabeça em uma negativa, tentando esconder ao menos um pouco do
quanto aquela cena me enchia de orgulho e de uma alegria sem fim. —
Theo, dê tchau pra sua tia Caroline.
Sem precisar de ajuda, meu bebê levou a mãozinha aos lábios,
largando ali um beijo estalado antes de acenar um tchauzinho para Caroline
e ser levado pelo pai dele.
— Me diz que vocês estão se pegando, por favor — voltou a dizer,
quando já estávamos sozinhas.
— Caroline!
— Helena! — Ela copiou meu tom incrédulo. — Você não me contou
que estavam dividindo o mesmo quarto. A mesma cama também?
— Não é o que parece — apressei-me a explicar. — Nós só estamos
dormindo juntos… na mesma cama, quer dizer! — emendei mais que de
pressa, para que Caroline não tivesse tempo de criar teorias românticas
acerca do assunto.
Nós estávamos na Grécia há dez dias e, apesar de não termos mudado
de quarto, na maior parte do tempo era assim que eu me sentia. Raf e eu
raramente nos deitávamos no mesmo horário, e era comum que eu pegasse
no sono antes mesmo de vê-lo chegar.
Os flertes tinham acabado, os beijos impróprios, deixando em seu
lugar apenas um respeito absurdo, capaz até mesmo de fazer com que
Rafael usasse uma calça de moletom e camiseta para dormir todas as noites.
Ele perdera o interesse quando eu lhe disse que não queria ser apenas
um passatempo, e eu não poderia culpá-lo nem me ressentir com isso.
— Que desperdício! — Foi o suspiro teatral e exasperado de
Caroline.
— Me conta sobre o Bar de Cupcakes — pedi —, não te liguei pra
falar sobre Rafael.
— Tudo bem — concordou, demonstrando certa relutância. — Mas
só porque sou feminista e empoderada e não converso exclusivamente sobre
homens com a minha melhor amiga, com quem tenho um bebê. Vamos falar
de negócios, sócia.
 
CAPÍTULO 29
 

— Vocês realmente acham que ela vai gostar? — inquiri a minha mãe e a
Yayá, depois de mostrar-lhes o anel de noivado que encomendei para Helena
quando ela ainda estava no início da gestação de Theo.
Eu o mantive no fundo da minha gaveta por todo esse tempo. A ideia inicial
era que fosse uma peça exclusiva, mas mesmo que Helena nunca tenha chegado a
usá-lo, jamais o coloquei à venda na Amethystós.
— Ela se interessou por você, não foi? Isso demonstra bom gosto. — Yayá
deu leve batidinhas em meu ombro, como forma de encorajamento.
— A senhora é a culpada por eu ter a autoestima tão elevada, Yayá.
— Não seja bobo. — Ela abanou uma das mãos, em descaso. — Vou me
certificar de que as coisas estejam perfeitas para jantar. Hoje nada pode dar errado.
— Então deixou o escritório, com passos rápidos que não condiziam com a
imagem que a maioria das pessoas fazia de uma senhora com quase noventa anos
de idade.
— Estou tão feliz por você e Helena finalmente terem o desfecho que
merecem. — Minha mãe me abraçou, emocionada, e devolvi o gesto, beijando
seus cabelos.
— Helena tem seu próprio fã clube Galanis, não é? — perguntei, mesmo que
soubesse a resposta.
— Do qual, orgulhosamente, sou fundadora — confirmou, e alívio puro me
inundou.
Tudo seria diferente para mim e Helena, desta vez.
 

 
Um jantar nunca me parecera tão longo antes, regado a conversas paralelas
intermináveis que apenas tiravam meu foco.
Helena e Orion se deram muito bem, tanto que meu primo parecia estar
apresentando um workshop sobre empreendedorismo para ela. Os pais dele, Eros e
Cíntia, estavam encantados com o sobrinho-neto, e tia Cíntia se oferecera para dar
o jantar de Theo, também sentado à mesa com sua cadeirinha elevada, mas
interessado em lançar sua comida por todos os lados do que de fato comê-la.
Olhei em meu relógio de pulso, tentando me decidir quanto mais eu poderia
esperar para fazer o que realmente me importava, mas os ponteiros pareciam estar
parados, não era possível.
Mandando a etiqueta ao inferno, eu me levantei num rompante, roubando
toda a atenção para mim.
Ótimo, aquilo iria servir.
— Eu gostaria de agradecer a presença de cada um de vocês, aqui reunidos
— comecei, ainda sem ter muita certeza de quais palavras usaria. “Não te quero
como um passamento” parecia uma frase objetiva, porém eu gostaria de mirar em
algo um pouco mais romântico. — Esta é uma noite especial, e não por causa do
meu aniversário, mas porque é primeira vez que tenho a oportunidade de
comemorar a data com o meu filho, de quem tenho muito orgulho, e também com
a mãe dele,               que, para mim, é um dos maiores e mais lindos exemplos de
superação e resiliência que eu já vi.
O queixo de Helena pendeu, e ela piscou para mim, sem entender aonde eu
queria chegar.
— Helena e eu não tivemos um percurso muito fácil até aqui — continuei,
olhando ao redor da mesa, mas evitando Orion de propósito. — Nossa história
tinha tudo para ser linear do início ao fim, mas não foi bem assim que as coisas
aconteceram.
Limpei a garganta, na tentativa de ganhar tempo para que meu cérebro
trabalhasse antes que minha boca tivesse que se abrir para eu continuar falando.
— De qualquer modo… — Eu me virei para Helena, ainda inerte, ao meu
lado, com o pescoço pendendo para trás a fim de olhar para mim. — … nós
estamos aqui agora, na frente do nosso filho, da minha família… — Soltei o ar em
uma lufada, me dando conta de que cometera um erro terrível. — Só agora me
ocorreu que talvez Caroline jamais vá me perdoar por não estar presente nesse
momento — admiti —, mas a verdade é que não posso esperar mais.
Eu me ajoelhei, e ouvi alguns murmúrios de surpresa pelo meu gesto, um
deles vindo da mãe do meu filho.
— Helena Jones… — chamei, tirando a caixinha de veludo com seu anel de
noivado de dentro do bolso da minha calça, mostrando-o para Helena. — Você me
daria a honra e o presente de ser minha esposa?
Seus olhos vacilaram entre mim e a joia que eu ainda trazia nas mãos, e
havia umidade neles.
— E-eu… — começou, engolindo a saliva com dificuldade. — Não posso.
Uma onda de arquejos correu pela sala de jantar, estupefatos, seguida por
um silêncio tão absurdo que eu podia sentir as batidas do meu coração.
— Não pode? — quis me certificar, desconhecendo minha própria voz.
Helena meneou a cabeça em uma negativa, arrastando sua cadeira para trás e
pousando seu guardanapo de linho na mesa.
— Com licença — ela pediu, antes de praticamente correr para fora do
cômodo, me deixando ali plantado.
CAPÍTULO 30
 

 
Rafael era um idiota e não media as consequências de seus próprios
atos.
Um idiota que eu amava? Sim, sem sombra de dúvidas, ainda assim…
Como lhe ocorrera de me pedir em casamento? Com uma plateia de
Galanis, ainda por cima!
As insinuações de Yayá… era isso que esperavam de Rafael, não era?
Que ele fosse um perfeito cavalheiro e se casasse comigo, visto que
tínhamos um bebê juntos. Os Galanis eram amáveis, sim, mas isso não
queria dizer que não tivessem um único de tradicionalismo dentro de si.
Eu era tão estúpida! Em que planeta eu achei que pudesse me
esquivar do que sentia por Rafael de modo a não sair machucada de tudo
aquilo? E por que era tão difícil me convencer de que dizer-lhe não era a
coisa mais sábia a ser feita?
Houve uma leva batida na porta do quarto, e prendi minha respiração
instantaneamente, como se isso fosse capaz de convencer quem quer fosse
ali a ir embora. Em vez disso, a porta se abriu, e eu nem mesmo precisava
me virar para saber de quem eram os passos que quebraram o silêncio.
— Ei, o que foi? — Rafael perguntou, e corri para enxugar uma
lágrima teimosa que correu pelo meu rosto.
— Nada. — Eu me virei para encará-lo, forçando um sorriso. — Eu
só precisava tomar um pouco de ar.
— Dentro do quarto? — Raf inquiriu, os olhos azuis perspicazes me
desafiando a me explicar melhor.
— Eu…
— Você não precisa mentir — atalhou, caminhando m minha direção.
— Todo mundo sabe que saiu por causa do pedido de casamento. Foi tão
ruim assim? — Ele tombou a cabeça para o lado, em uma expressão tão
casual e bonita que fez meu coração doer.
— Foi perfeito — declarei, reunindo toda coragem disponível dentro
de mim para ser o mais verdadeira possível com Rafael.
— Mas você recusou — contrapôs.
— Você me disse uma vez que um casamento não é feito apenas de
amor, mas também de respeito e admiração — eu o lembrei. — Só que
amor é uma parte importante que não deve ser subestimada.
— Helena… — ele tentou argumentar, porém eu não deixaria que o
fizesse.
— Nós vamos fazer dar certo. Com Theo — elucidei. — Eu moro a
apenas uma hora de distância de Nova Iorque, e você não precisa de um dia
específico pra vê-lo. Minha rotina é simples, do trabalho pra casa, de casa
pro trabalho. Eu sei que você tem os seus negócios, que é um homem muito
ocupado, mas também sei que vai ser um pai maravilhoso pro nosso filho.
Já está sendo, e isso não vai mudar.
— O que você está tentando me dizer, exatamente? — questionou,
franzindo o cenho.
Ele realmente não via aonde eu queria chegar?
Respirei fundo uma voz, na tentativa de sufocar o choro que queria
escapar.
— Que amor pode até não ser a única coisa necessária dentro de um
casamento, mas é essencial. — Para algumas pessoas, pelo menos, e eu era
uma delas. — Você é jovem, bonito… e tem um dos sorrisos mais lindos
que eu conheço — apontei o óbvio. — O que acontece se você se casar
comigo e em uma das suas viagens a negócios encontrar o amor da sua
vida?
O que aconteceria comigo, no caso? Com o meu coração?
— Helena…
— Eu sei que um relacionamento amoroso não está nos seus planos,
mas isso é algo que nem mesmo você pode controlar — interrompi seu
novo protesto. — O coração batendo depressa como se tivesse acabado de
correr uma maratona, as mãos meio trêmulas esperando um toque, a
ansiedade de ouvir a voz de alguém porque te traz paz e euforia ao mesmo
tempo. São coisas que todo mundo deveria sentir, mesmo que não seja
recíproco. — Era o que eu sentia por ele, com uma dose extra de
necessidade que não era saudável. — Eu jamais me perdoaria se fosse um
empecilho pra sua felicidade — desabafei, dando-lhe as costas para que ele
não visse as novas lágrimas se formando em meus olhos.
As mãos de Raf seguraram meus ombros com delicadeza, e ele me
impeliu a voltar a ficar de frente para ele, enxugando uma lágrima que
pesou em meu olho e caiu na minha bochecha com cuidado.
— Então por que está fazendo exatamente isso? — perguntou
simplesmente, e meu cenho inteiro se franziu em desentendimento.
— Isso o quê? — devolvi, genuinamente incerta.
— Sendo um empecilho para a minha felicidade.
Meus olhos se arregalaram, minha cabeça se movendo de um lado
para o outro por conta própria.
— Não… — neguei, sem nem mesmo saber o que fazia. — Quer
dizer… eu não sabia, não fazia ideia. Sinto muito, eu não pensei…
— Consigo entender tudo o que está dizendo sobre se sentir
apaixonado, apesar de discordar um pouco — ele interrompeu minha
enxurrada desconexa de palavras. — Não acho que seja algo tão divertido, a
menos que seja recíproco. Chega a ser doloroso, não acha?
— Um pouco, talvez — considerei, murchando os ombros.
— Um pouco, talvez? — ecoou, como se não pudesse acreditar na
minha resposta. — Você deveria experimentar ter um pedido de casamento
recusado, especialmente em público. Aposto que mudaria de opinião.
Abri a boca para dizer algo, mas Rafael foi mais rápido, pousando o
dedo indicador em meus lábios.
— Theo não é o motivo de eu querer que seja minha esposa, Helena.
Quando você estava grávida e te propus casamento, eu me perguntei se teria
tido essa atitude, caso a mãe do meu filho fosse outra mulher.
— Claro que teria — respondi de imediato, mesmo que Rafael não
tivesse de fato perguntado nada.
— Não foi a essa conclusão que cheguei, na época. Eu nunca fugiria
da responsabilidade de ser pai, mas da de ser um marido? — Ele estalou a
língua. — Sempre gostei demais da minha liberdade pra abrir mão dela
assim tão fácil.
— E já não gosta mais? — eu quis saber, ansiosa, afinal de contas, ele
me propusera casamento há poucos minutos.
— Um pouco, talvez — considerou em um meneio de cabeça,
imitando minha resposta anterior. — Mas gosto mil vezes mais de você.
Meu coração deu um solavanco dentro do peito com tanta força, que
cambaleei para trás. Se não fossem as mãos de Raf me aparando, eu não
tinha certeza se ainda estaria de pé.
— Acho que não estou entendendo — admiti em um sussurro débil,
quase inaudível.
— Eu explico. — Os dedos de Rafael colocaram uma mecha do meu
cabelo atrás da minha orelha, e ele me fitou com tanta intensidade que me
senti fraca. — Quero você, Helena, não apenas por ser mãe do meu filho,
mas também porque é a pessoa mais honesta, decidida, genuína e abnegada
que eu conheço. Porque adoro sua companhia e o jeito que me sinto quando
estou perto de você.
Minha respiração já havia se resumido em ofegos, no momento em
que Rafael apertou minha cintura, me puxando para mais perto de si. Uma
de suas mãos foi parar na minha nuca, e quase soltei um gemido arrastado
de puro deleite com o contato.
— Seu cheiro, seu beijo e seu gosto me enlouquecem — sussurrou ao
meu ouvido, a respiração quente batendo na minha pele e me fazendo
derreter entre seus braços. — Meu corpo inteiro queima com o desejo de ter
você, e não suporto mais te ter tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe.
— Uma mordiscada no glóbulo da minha orelha e a língua de Rafael
passeando pelo ponto sensível logo abaixo mandou um arrepio delicioso
por todo meu corpo. — Você me enlouquece, e estou cansado de te ter em
doses homeopáticas. — Abarcando meu rosto com as mão grandes, Raf
mirou no fundo dos meus olhos. — Seja minha, e me permita ser seu. Não
quero que você seja um passatempo, porque te amo, e quero estar com você
sempre, só com você. — Nossos narizes se tocaram, minha respiração
ofegante encontrando espaço através da minha boca aberta pela surpresa de
ouvir o que Raf me dizia. — Case-se comigo, Helena, e me deixe te amar
sem reservas. Sobretudo… — Ele titubeou por um momento, um sorriso
divertido brincando em seus lábios, ao acrescentar: — Não me rejeite pela
segunda vez na frente da minha família.
O homem que eu amava correspondia aos meus sentimentos! Fora
isso o que Rafael acabara de me dizer, com todas as palavras, sem deixar
espaço para dúvida. E como se todas as declarações dele não fossem mais
do que suficiente para me deixar atônita, ainda havia o fato de que uma
tropa Galanis estava ouvindo tudo — ou quase tudo — que eçe me dissera?
— Eles estão aí fora? — quis me certificar, a voz saindo meio
esganiçada.
— Essa espera está me matando! — A voz de Yayá saiu abafada no
corredor, devido à porta fechada, e eu sorri e chorei ao mesmo tempo,
passando os meus braços ao redor do pescoço de Rafael, com tanta
felicidade dentro de mim que eu parecia a ponto de explodir.
— Isso é um sim? — insistiu ao pé do meu ouvido, e balancei a
cabeça freneticamente em positivo, ao passo que eu não conseguia desfazer
o sorriso idiota preso ao meu rosto.
— Sim — murmurei contra os lábios dele. — Mil vezes sim.
Rafael me beijou longa e a apaixonadamente, as mãos explorando
meu corpo, apertando todas as partes que alcançava, antes de se afastar e
dizer, em alto e bom tom:
— Ela disse sim!
No mesmo instante, uma enxurrada de Galanis atravessou a porta do
quarto, quase não dando tempo para que Rafael deslizasse o anel de
noivado pelo meu dedo, antes de começarem a nos parabenizar, em meio a
abraços e risadas que eram fruto da mais pura e contagiante alegria.
Eu iria me casar com Rafael! Não por seu senso de dever, mas porque
ele me queria ao seu lado para dividir uma vida inteira, assim como eu o
queria.
 
CAPÍTULO 31
 

 
A ilha de Gaia era uma homenagem à tia de Rafael, mãe de Nikos, e
eu tinha certeza de que o lugar era encantador, assim como a mulher que
dava nome ao lugar, a quem conheci recentemente, em minha festa de
noivado oficial.
A família Galanis fora toda convocada, assim como os amigos mais
próximos, e claro que Caroline não ficaria de fora dessa. Rafael se
encarregou de todos os gastos que proporcionaram que Caroline dividisse
aquele momento tão único comigo. Diferente de mim, minha melhor amiga
não tinha problemas em receber presentes caros.
Se eu fosse ser honesta, também não tinha mais.
Raf me deu um filho, todo seu amor e a promessa de um futuro pelo
qual eu mal podia esperar. Para mim, nada poderia ser mais valioso do que
isso.
— Enfim, sós — ele murmurou assim que colocamos os pés no
quarto preparado para nos receber, a boca cobrindo a minha em um beijo
urgente.
Nikos oferecera sua ilha particular para que Raf e eu pudéssemos
fugir um pouco da família, a fim de termos alguma privacidade, o que seria
bem-vindo. Desde que ficamos noivos, no aniversário de Raf, mal tivemos
a chance de ter um momento íntimo de qualidade.
Não que as mãos dele me estimulando até o orgasmo não fossem de
qualidade, porém eu estava acostumada a tudo o que Rafael Galanis era
disposto a oferecer.
Com isso em mente, meus dedos afoitos correram para desabotoar sua
camisa azul-clara, o abdômen perfeito exposto para que eu pudesse apreciá-
lo e explorá-lo.
Rafael também se apressou a tirar minhas roupas, e ficamos nus em
tempo recorde, apalpando e acariciando um ao outro de forma íntima e, ao
mesmo tempo, tão nossa…
— Você já está pronta pra pra mim, não é? — Foi a pergunta que ele
sussurrou ao meu ouvido. Eu não precisava responder, não quando seus
dedos já estavam molhados enquanto ele massageava meu clitóris com uma
lentidão agoniante.
— Espero que não esteja tentando me fazer implorar — consegui
soltar através de um gemido arrastado.
— Eu não sabia que essa era uma opção.
— Porque não é.
Okay, aquilo era uma mentira. Eu imploraria a plenos pulmões, se
preciso fosse, para que Raf parasse de me torturar e me desse todos os
orgasmos dos quais fui privada com sua distância.
— Tem certeza? — insistiu, deslizando dois de seus dedos para
dentro do meu sexo encharcado, em movimentos de vai e vem lânguidos
que mais provocavam do que matavam o desejo que me consumia.
Segurei o membro ereto do meu noivo, provocando-o do mesmo
modo que ele fazia comigo, assistindo com uma satisfação imensa à sua
mandíbula trincar e os músculos ficarem enrijecidos.
— Você é muito boa nisso — ele chiou entre dentes, e fiquei nas
pontas dos pés para beijar sua mandíbula.
— Estamos há dias nas preliminares, você pode só me prensar na
primeira superfície plana que encontrar, porque já estou pronta.
Um rugido saiu do fundo da garganta de Raf, suas pupilas dilatando-
se até quase tomar o espaço de suas íris azuis.
Havia uma cama confortável a poucos metros de distância, mas Raf
encarou meu pedido de forma muito literal, de modo que apenas me
prensou contra a parede, encaixando sua glande na minha entrada e
empurrando-se para dentro de mim em uma estocada dura.
Gritei de prazer, contente por não precisar ser silenciosa como vinha
sendo, e recebi um tapa na nádega, antes de Rafael agarrar ambas para me
impulsionar. Minhas pernas em torno de sua cintura, minhas costas sendo
pressionadas com mais força contra a parede a cada arremetida urgente.
— Você é a coisa mais deliciosa do mundo, agapi-mou — ele gemeu,
e um sorriso involuntário se formou em meus lábios.
Eu adorava as declarações de Raf, em especial quando as fazia em
grego. O idioma materno apenas fazia com que ele parecesse ainda mais
sexy.
— E sou toda sua…
— Toda minha — ele confirmou, sem deter as estocadas ritmadas. —
E sou todo seu. Para sempre. Amo você, minha Helena.
— Amo você, Raf — devolvi entre arquejos, quando a boca do meu
noivo se ocupou de um dos meus seios, meu mamilo sendo acariciado pela
língua habilidosa.
Minha cabeça pendeu para trás, batendo contra a parede, mas eu não
me importava.
A sensação de estar nos braços do homem que eu amava, que
correspondia aos meus sentimentos, era uma das melhores coisas que eu já
havia experimentado, e aquilo nunca iria mudar.
Que Rafael e eu trilharíamos a vida juntos era uma das maiores
certezas que eu tinha na vida.
EPÍLOGO
 

 
O beijo no meu pescoço e as mãos correndo pelo meu peito fizeram
com que um sorriso bobo se instalasse nos meus lábios.
Três anos se passaram vivendo ao lado daquela mulher, e eu não
acreditava que estava próximo o dia em que eu não seria completamente
louco por ela.
A versão extremamente feliz da minha Helena irradiava um brilho
singular e viciante, e eu adorava saber que, em parte, era responsável pelos
olhos reluzindo e pelo seu riso fácil.
— Não deixe Yayá saber que você se esgueirou pela festa e se trancou
no banheiro no intuito de atender uma chamada de trabalho.
Ela abriu a boca, fingindo-se ofendida, olhando ao redor para se
assegurar de que ninguém escutara.
— Eu não tenho culpa se meus clientes exigem um tratamento
personalizado — defendeu-se.
Ah, sim… seus estimados clientes, fornecedores e toda a equipe por
trás do empreendimento de Helena e Caroline, que venderam sua primeira
franquia do Bar de Cupcakes há poucos meses.
O negócio era um completo sucesso, e Helena se orgulhava do fato de
eu não ter precisado investir nele para que isso acontecesse. Sua experiência
e de Caroline, depois de trabalharem anos numa cafeteria requintada, era
um conhecimento precioso que se tornou o diferencial do estabelecimento.
A ideia de misturar drinques com cupcakes e um ambiente agradável
foi um completo sucesso, e o negócio acabando se expandindo para além da
loja. Agora o Bar de Cupcakes atendia casamentos, festas de aniversário e
quaisquer outras comemorações onde bolinhos fossem bem-vindos.
Inclusive, o aniversário de noventa anos de Yayá.
Eu já havia perdido as contas de quantos elogios os cupcakes de
Helena e Caroline haviam recebido.
— Tem uma coisa que preciso te contar, mas estou em dúvida se devo
fazer isso agora ou quando estivermos sozinhos.
Dei uma leve olhada ao redor, decidindo que ninguém perceberia
nossa ausência tão cedo, em meio àquele mar de pessoas. Sendo assim,
espalmei uma das mãos na base da coluna da minha mulher, guiando-a para
o quarto que ocupávamos na casa de Yayá.
— Sou todo ouvidos.
Helena mordeu o lábio inferior, em seu gesto característico de
hesitação, então soltou o ar pela boca de uma vez.
— Você sabe que não sou boa com notícias, então aqui vamos nós:
estou grávida.
Oh, sim, ela estava! E eu não aguentava mais ter que fingir que não
fazia ideia de que um novo bebê Galanis crescia em Helena.
Sendo assim, minha resposta imediata foi beijá-la, prendendo-a em
meus braços e girando com ela pelo quarto, distribuindo beijos por sua
mandíbula, bochechas, testa…
— Por que demorou tanto pra me contar?
Ela franziu as sobrancelhas, confusa.
— Do que está falando? Eu acabei de fazer o teste, está na pia do
banheiro, porque não quis descer com ele pra festa.
Foi minha vez de esboçar confusão.
— Você não tinha suspeitado há mais tempo? Quem sabe há algumas
semanas? — sugeri, e o vinco de confusão em sua testa se acentuou.
— Você sabia? — ela perguntou, piscando, incrédula. — Como?
Meu olhar caiu para o decote em V do vestido vermelho que ela
usava, percorrendo languidamente toda a extensão de seus seios de pele
cremosa que estava à mostra.
— Acha mesmo que os seios da mulher e o apetite sexual dela vão
aumentar sem que eu me desse conta?
Era uma pergunta genuína, porém levei um tapa na altura do ombro.
— Está insinuando que meu apetite sexual não atende às suas
expectativas, Rafael Galanis?
— De modo algum, senhora Galanis — neguei de pronto, adorando
chamá-la daquele modo. — O que eu quis dizer é que, quando você está
grávida, preciso de todo grama de forças que há em mim para conseguir
satisfazê-la da forma que merece.
Não que eu estivesse reclamando, mas o fato era: uma Helena grávida
se tornava insaciável, e ela se recuperava muito mais rápido do que eu a
cada rodada, mesmo experimentando orgasmos múltiplos.
Seu corpo mais parecia uma máquina de dar e receber prazer, e eu
ficava cada vez mais apaixonado por aquela conforme o tempo que
passávamos juntos crescia.
Talvez eu devesse demonstrar-lhe o quanto eu a queria e…
— Achei vocês! — Theo comemorou assim que conseguiu abrir a
porta do quarto, e não se parecia em nada com sua versão arrumadinha de
horas atrás.
— O que aconteceu com você? — Helena foi a primeira a questionar,
levando uma das mãos à boca.
— A gente tava blincando de futebol, aí… eu me sujei.
— Por acaso você era a bola? — eu quis saber, e era uma dúvida real.
— Nããããão, papai! — Ele sorriu, e era impossível não imitá-lo todas
as vezes, com o coração enchendo-se de orgulho a cada vez que ele me
chamava de papai.
Eu era pai de um garoto lindo, forte, saudável e inteligente… tinha
outro bebê a caminho e a mulher mais linda do mundo aceitara dividir a
vida comigo.
Como diabos pude ter tanta sorte?
— Vamos — chamei, estendendo-lhe uma das mãos. — Apenas uma
troca de roupas não vai adiantar — comentei, depois de verificar o estado
em que ele se encontrava de perto, então me virei para Helena. — Vou dar
um banho nesse pestinha e ele vai ficar novinho em folha em quinze
minutos.
— Estarei esperando pela minha dupla favorita lá embaixo, com as
demais senhoras Galanis. — Helena selou meus lábios com os seus ao
passar por mim, bagunçando ainda mais os cabelos de Theo, antes de
desaparecer porta afora.
Quem disse que não se podia ter tudo na vida, claramente jamais se
deparou com um Galanis e com toda a felicidade que esbanjávamos.
 
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Prólogo
 

— Como foi que isso aconteceu? — perguntou minha madrinha


enquanto encarava o exame pela centésima vez.

Não a julguei pela surpresa, menos ainda pelo pavor. Fiz exatamente a

mesma coisa quando abri o envelope e vi o chão sumir diante de meus pés.

Grávida. Aos dezenove anos, solteira e sem um parceiro que pudesse

me apoiar nos momentos mais desesperadores.

Esperando o filho de um idiota desconhecido que me tratou como


prostituta depois de tirar a minha virgindade numa noite incrivelmente

prazerosa, da qual eu não havia me arrependido mesmo após ser ofendida,


mas lamentei miseravelmente assim que desconfiei da consequência

daquela transa casual.

Grávida e sem um tostão furado. Desempregada e morando de favor

na casa de minha madrinha, que finalmente desviou a atenção do exame e

me olhou com um semblante mais sereno e compassivo.

Ela estava com pena de mim.

Eu mesma estava com pena de mim!


— Não preciso explicar como foi que aconteceu, né, madrinha? —

Tentei um tom debochado, mas falhei miseravelmente e a vi revirar os olhos

para em seguida soltar um longo suspiro.

— Você já é grandinha o bastante para esse tipo de resposta, não


acha? Ninguém sai por aí andando na rua e, de repente tropeça, caindo com

a boceta em cima de um pau e póf, engravida por acidente!

Senti meus olhos lacrimejarem. Se a situação não fosse tão caótica, eu

certamente teria rido da sua resposta malcriada, mas cutuquei a onça com
vara curta e o que ela tinha acabado de dizer fez o choque de realidade vir

com tudo.

— Quão azarada eu sou, madrinha? — Meus lábios estremeceram,

mas tentei não ceder ao choro. — Foi a minha primeira vez… e usamos
camisinha!

Dona Maristela se aproximou, sentando-se ao meu lado no sofá da

sua minúscula sala, onde eu tinha me afundado desde que cheguei para

compartilhar com ela a notícia que mudaria minha vida de muitas maneiras.

— Ah, menina! — Puxou-me para seus braços, acolhendo-me com


carinho. — Você já contou pra ele? Aliás, quem é o pai desse bebê, Alana?

Fechei os olhos com força, abraçando-a como se minha vida

dependesse da sua proteção. Foi então que me permiti desabar em lágrimas,


pois o que eu diria a seguir tornaria aquela realidade ainda mais

desesperadora.

— E-eu… eu não sei quem é o pai.


Sobre a Autora

EVELYN SANTANA
 

Autora de protagonistas resilientes, planos perfeitos que dão errado,


finais felizes aparentemente impossíveis e que aquecem o �� .
 
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