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OW elel-tte Miia etl) de lingua portuguesa Homans andam de biceta em acostarrento Morambique, 2001, Primeira proposta para uma no¢ao geogréfica inco povos em busca _—_Sou testemunhe dango geogréfica de uma identidade que identifica as quatro direccbes cultural. Essa é s6 uma do sol as muitas mais que o homem tem. parte da histéria de Angola, SoU mensageiro dasidentidades, Cabo Verde, Guiné-Bissau, do que seforja afaladosiléncio. Morambique e Sto Tomé” "abt um continents ea comunhio preva a > além dos horizantes por transpor. e Principe. Mas é uma parte Renovo-me em saber, olhando o sol importante, porque revela acesa a.cor para além destas fronteiras. 0s dilemas enfrentados ul apés a conquista da independéncia em lutas Habito um corpo mével de paisagens protegidas por darciras de fartura, Habito o movimento e a minha patria todo o continente de que nio sei a fim, sangrentas que vitimaram milhares. Como heranca do pasado colonial, a lingua _eitBolonge quanta for a sede ea urgéncia da mudanca ariaeectanten Cruzar-me-ei com as nuvens de outros corpos precisava ser conquistada, vides por dntica veragem tomnar-se portadora ld da identidade nova que DUARTE DE CARVALHO, Ruy angola) In: APA Ls BARBETTOS, Ag i ‘OASKALOS, M.A(GrpePoesicoficana de agua portuguesa: analog comecava a ser construida. Fic de Janeiro: Lacerda Editores, 2003, p.90-82.(Fragmentel. Nos versos dos poetas, as palavras ganham vida e dao forma aos sonhos de wma Africa livre. ») 138 A Muhor estendendo rapa no chto am Sto Potro, Ihe de Sa Vesta Cabo Verde, 1888, -sucterormnucccreamsecr Manha submersa (para Jaime de Figueiredo) Agora que as razes desciam ‘mais fundo na terra amada; agora que novos olhos a terra seca reviam; agora que céu e mar e terra se entrelacavam confundidos no sangue tum novo sangue me davam; (1 Meu corpo arremessado flutua inerte e reclama olitoral que eu amava a arida face e os olhos © abrago, 0 amor intacto ds ithas da rinha dor. (ll E quando a maré baixar virei de pé caminhando, MARIANO, Gabrialfeato-verdiana. In: AA. Ls ‘BARBETTOS,A DASKALOS, M.A, (rg Possiaafricensdelinguaporuguese:antologi. ode leer Lacerda Eatares, 2003 14809 (Frogmento) « Barca paras cidade de Maxie, Mogambique 2001 38 1816 ») 40) aaaass 3B ©) dose Lomesvede as desembarcaem Cetaiico daconquista dos titi: anos pelos portugues, 4 1 Retrato de om lose Tie Portugal c 1 N80. tmpera sobre ‘madeira 25 x S3.em, Autor Sescanhecss Duss epee uma dead por Nuno sto e couraper Aharo Fernandes, thegam 3 Gunes, Descoert de primes hae doarquipeago de Gbovede pelo rvegaderveeziane ie e Cadamost a sev do Infarte Herrinue Diogo Gomes descobre uta naedo srquplaga No diade So Tme (2), Ferocehateloiode Sartre desooren 0 aquiplago de Sto tome thrindpe DiogaCosicanea afor dole Gongoeo patric potugués colorado em teviasangolnas.em Ini otro de eas. ‘A Entroprstode io Joga rst kara tarca ae. Agor ascorhe, Yascoda Gara navegardo emdiecio as indaschega 2 tora de Norambique Abalda aesravidioen Caboverde. £m 2014, a Guiné Equatorial fi aceita como membro da Comunidade dos Pass de Lingua Prtuguesa (CPL. Para qu sua nclasio se efetiase na comunidade, duascondies foram impotas: abi a pena de ‘morte gata © pertugués come lingua fidal Na versace, citetios poltcoseecondmcosdeterinaram a A Africa que fala portugués ile God ele CLE cis rioters oie Irani emote em ot pausembos de omit dade. Apesar de um breve periodo de acupaco portuguesa, no | Para sermos homens ‘culo Xu 4 Gine Equatorial fl colonizada por espanhsis a lesocupamis 0 siléncio eee ee € com um firmament de esperanca paises africanos ussfonostratados nesta CObrimos 0 rosto ferido da nossa Patria [...} espera ane g rans ‘908 nd @ fala na Guiné Eeutorat (COUTO, Mia Ele. Raiz de arvaho e utrospoemas ome também ndohs producSoliterria 2d. Lisbow Camino, 1898, p. U4, Fragmentol ese ling, ‘Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mogambique @ Sao Tomé Principe. Sao cinco os paises africanos que tém o portugues como sua lingue oficial. AhistOria de cada um deles renistrauma trajetéria de resistencia luta, Resistencia contra a colanizacao luta para conquister a tao sonhads independéncia, ‘Quando esses paises conseguiram se libertar da maquina colonial portuguesa, era hora de comecar o lenta pracessa de definicaa de uma identidade autnama, ‘que nao se confundisse com as imposi¢ées culturais dos colonizadores. Uma pergunta, porém, precisava ser enfrentade: como saber quais sdoas marcas dda verdadeira idantidade de um povo, se sua historia se confunde com @ de seus dominadores? Aliteratura foi um dos espacos escolhides para buscar uma resposta 18 8 poesia foi o ponto de partida dessa jomada litera, ALINGUA PORTUGUESA NA AFRICA Fonte: Relotra OFLOP2NU.Uiepanival emi , Poses, Disponvel am chtpsfenaingegovtripaeeset>Aceesos en: 7 mr. 2018, elas rades expostas acima, optamot por no lira Guin Equatorial no mapa que destaca os paises onde a lingua portuguesa ¢ flada Eli si0 aos alunos. Com lao 26s dados numéeicos apresentados no mapa els Se refere somente aos flantes de ngua portuguesa No correspond, por fio, populags total dos piss afrcancs hx6fonc eget nt nig Pod een 8 i fe me Retomar com os alunos © mapa da pagina 153, do Capulo 11 (Sinbolsmo}, Volume 2. Minha lingua é minha patria? Os quase quinhentos anos de assimilacdo de uma cultura imposta deixaram marces visiveis nos povos africanos. A principal delas é a consciéncia de que uma literatura de expresso portuguesa sempre refletiré a tensao entre dois, mundos: a sociedade colonial europeia, transposta para a Africa junto com os conquistadores, e a sociedade africana, multifacetada, com varios conflitos internos a serem resolvidas. ‘Aopcaode escrever em portugues representou, para muitosautores, uma derrata simbélica: tratava-se, afinal, da lingua do conquistador. A esse respelto, 0 escritor ‘Mia Couto faz uma significativa revetagao sobre como o contato com a produgao literaria brasileira ajudau os autores africans a comecarema se aproprierda lingua portuguesa cama marca de sua identidade. [.-] No outro lade do mundo, serevelava a possi ‘um outro lado da nossa lingua "Na altura, nds careciamos de um portugues sem Portugal, ée um idioma que, senda do Outro, nos ajudasse a encontrar ‘uma identidade propria. Atése dar o encontro com o portugués brasileiro, nbs falavamos uma lingua que nao nos falava.E ter ‘uma lingua assim, apenas por metade, 6 um outra modo de vier calado.[..] UTD, Mia .8 fazer do nosaasonho uma cas. 0 Estado de 8. Pol, S80 Paulo, 5 abr 2008. Cademo®. Fragment). jade de O dilema explicitado pelo mogambicano é real. E os textos dos autores brast leiros levaram para o outro lado do Atléntico a possibilidade de promover, também ra lingua portuguesa, um pracesso de mesticagem que garantisse a diferenciacao, pelas estruturas @ pelo Iéxico, entre colonizadores e colonizados. ‘Ao reconhecer a importéncia do contato com textos de brasileiros como Jorge ‘Amada para a definico dos caminhos literérios a serem trilhados pelos africanos, Mia Couto revela uma irmandads literéria ainda pouco conhecida entre nos. [.] Havia pois uma outra nacdo que era longinqua mas 1ndo nos era exterior. E nés precisévamos desse Brasil como quem carece de um sonho que nunca antes soubéramos ter. Podia ser um Brasil tipificado e mistiicado, mas era um es- pao magico onde nos renasciam os criadores de historias e produtores de felicidade. Descobriamos essa na¢o num momento historico em que nos fatava ser nacéo. O Brasil —t8o cheio de Africa, t80.cheio dda nossa lingua e da nossa religiosidade —nos entregava essa, ‘margem que nos faltava para sermos rio. [.] COUT Mia ..2fazerdo nosso sonhouma case. Estado de 5 Paul Sto Paulo, § ab. 2008. Cademo®. Fragmentol Como povo que precisou definir a propria identidade apés praciamar sua inde- pendéncia, os brasileiras tinham muito @ ensinar aos “irméos" africanas. A primeira ligao foi, talvez, a mais significative pars a producao literaria: a lingua é de quem a usa e, nesse sentido, sempre ser a expresso da cultura desse povo, ainda que, no pasado, também tenha sida um instrumentade dominacao. efinida essa margem, Oro literéria podia fluir mais livremente, 890 ‘Apresertario do Mapa Chrdeoeana Carina fe Beri Forage retedia claruma faa detera ligand aecnas de Angola eMerarinie Lltmatum pa Inger exe que Portugal ets fas rnitaresenteAngo'ae Mocambiqe ladesdea Corferencia de Bein Fundacd po Pero atdosa da oma Manso, guevaetizaa ocd Toda em Cabo Vide, Publica do Flore cabo- verano, uma complig0 semiscaepossiss Langamentoem Minkdo |CSbovercedovnimerods rea lance rengrada porGataalopeslope Sarto Manges aire Figusedoelost lope: copa da ravsta ‘laid, 1960, Natertata de preserarseu impéro Interontrena, fortogal pasa aconsderr os fenkiriosatieanoscama pevindasulvamasinas lexcolona. Suegemem Angel dos atid que se dadlean 3 ltaarmads.o Mavimesto PelaUbetaco de Angola (wPLs)eatnio des ows de Angola (UPA. 2 ‘ONL apr mogin conta Portugal A Bondeirade Angas wa «€ 18 as15 ° ») we Fundacsoda frente de LUertacao de Mogamblgue, Feimo 97h seuprime'e preiderteeoanttodioga varde Chae Mondiane A samara Machol overdo Wonilne, 2 18621060, Part ican prea IndependéneadaGuiné Cabo ede PIG) abe frente tana na Guin sau, More em Usba.Artério de Ofer Salazar (7. Marcel Gaetano ds cortinldade adtadra Acuiné desu decaraindependerte de Frtgal (4/9, Hou eronecinenta Inteaclonal mae nso do povemo portugues Renu dosCravoe len de modo poe, Sdtadurado Estado Novo, que hala domnado Portugal por anos A Soldades portiquoses durante sRevolueto doe Cravas. ibn, male 87 Foal ranhece 8 Independencia da Guiné Bissau) Morambiqu (5/6 « Angola tit) congustam suasndependcig 1 tgostnho Wet, er do MPLA primeira presente ifn 15, O caminho da poesia Boa parte da populacdo dos paises lusifonas da Africa nfo teve acessa & ecu cago formal durente as séculos que permaneceram como colénia portuguese Na verdade, a instrugéo quase sempre era a condicéa para a moblidade social em paises como Cabo Verde, que contava com mais de 7O% de analfabetos. 0 impacto de uma cultura fortemente associada a oralidade também repercute nas primeiras tentativas de producao iterérisindependente:a poesia parecia ser, nesse contexto eespectico, 0 caminho mais seguro a ser inicialmente percorido, ‘tentative de construir um panorama mais ebrangente da producdo poética ddestes paises esbarra em uma dificuldade aparentementeintransponivel. Embora tenham sido todos dominados pela mesma metrdpole, viveram diferentes processos de independencia social, poles econdmicae cultural. Quando consideramos, rem, 18 princpais temas que inspiram a poesia de seus autores, constatamos alguns momentos (ou fases) bem delineadas ¢ que talvez traduzam os principais pontos ‘to camino de um pove em busca da sua independéncia cultural ‘De modo esquematico, esses momentos podem ser assim representados: ‘no leva em considera¢ao sua condicéo Par ester em eae estado quase absoluto de alienaga0, sous textos regio rie Seren ae efedosem ua cue sensi) peste do mundo, als de um santimento ‘nos temas abordadas ;nisma)., identidade africana de desalienagéo. Uma 1condi¢ao de colonizado, ‘sua produeso para o meio Fase de definicao da independéncia lteréria Feconstiuicte ‘de individualidade autoral: texto & produzida com liberdade e comecam Fase historica ‘a surgir tOpicos proprios da producéo lteréria da independéncia africana (o mestico, a identificagao com a Africa - _ ‘como *terra-mae”, etc), eget nt nig Pod een 8 i fe Pare que se possa former uma vis8o de conjunto de poesia africana de lingua portuguasa é necessério considerar asses marcos do longo pracesso de definicao de uma vaz literéri propria, Uma vez construlda aidentidade Iteréria coletiva, as autores passamase dedicar € definigao de um trajetoliterério proprio, estabelecendo de modo mais definide seus estilos individuais. Alguns deles, como Mia Couto, alcangam uma maturidade literéria plena, que faz com que suas obras, mesmo ao tratar da realidade africana, toquem em questoes de natureza mais universais. Segundo um canhecida estudinso da literatura africana, Manuel Ferreira, algumas publicagoes especificas também devem ser consideradas quando pro- curamos identificar mamentos significativos da pradugao literaria dos paises africanos lusdfonos, (..] Os fundamentos irecusaveis de uma literatura africana de expressao portu- _guesa vo definir-se com precisdo, deste modo:a) em Cabo Verde a partirda revista Claridade (1936-1960); b) em Sao Tomé e Principe com 0 livro de poemas ilha de ‘nome santo (1943), Francisco José Tenreiro; c) em Angola com a revista Mensagem (1951-1952); d) em Mocambique com a revista Msaho (1952); e) na Guiné-Bissau com a antologia Mantenhas para quem luta! (1977). [.] FERRETRA, Manet titraturesaficonos de expr asst portugunsa T.Liboa: 1, 1977p. 34, COSTA, Jose Francisco. Poesia africana de lingua portuguese. Cisponvel em Aconso wm: jl 2018. [Freumento) Conheceremas, a sequir, alquns das poetas que enfrentaram oddesafio de encon~ trar uma voz verdadeiramente africana na lingua do colonizador, Cabo Verde: olhas voltados para a imensidao do mar Dos seios daha a0 corpo da Africa Omaré ventre E umbigo maduro Eoarquipélago cresce FORTES,Corsino. Raia ost ts Arce & tambo: Lisboa: Dam Quixote, 1866, p38 Disponivel om http wwn.ceonopios com.irfatelensains.asy?ide120B> 30 em: 6 ul 2015, es No inicio do século XX, ja era possivel identificar, em Cabo Verde, a presenga de: uma elite Iocal consciente dos principals problemas da populacéo das ilhas que constituem o arquipélago. 880 intelectuais [professores e jornalistas] e comercian- tes que, concentrados principalmente em Sao Nicolau, Santo Antao e Sao Vicente, mantén-se em contato com os principais movimentos literdrios portugueses. A principal influéncia, porém, seré exercida pelos madernistas brasileiros, Poetas como Jorge de Lima, Manuel Bandeira, romancistas como Graciiano Ramos 2 Jorge Amado, além do socilogo Gilberto Freyre, animam os escritores cabo-verdianos a retratarem ‘aspectos da realidad Iocal em seus textos. DO langamento da revista Clarcade, em 1938, criou Lumimportante espace para que pastas como Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes divulgessem Poemas em que os signos locais ganhassem uma roupagem mais lirica, Observe a seguir, Barzos no pata em S80 Vicente, CaboVerde, 2010, 'F Crianesa comemaram albertaczo fe Gunt Blaeat co domino portuguts em manfestacso ‘rmanizads pla PAISC (Partido ‘Nricano para a Independencia ‘i Gun6 Cabo Verde, 19, us (« Poemado mar © drama do Mar, co desassossego do Mar, {sempre © sempre © dentrodendst 4 3 OMarl 4 cercando prendendo as nossasithas, desgastando as rochas das nossas Ilhas! Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores, roncando nas areias das nossas praia, batendo a sua vor de encontro aos montes, baloicando os barquinhos de pau que vao por estas costas. O Mart pondo rezas nos labios, deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de paises distantes {que chegam até nés nas estampas das ilustracdes 9 rooe do paso so tranformam nas fitas de cinema smmercado de potas quence ot le nesse ar de outros climas que trazem os passageiros cee ai ae ae quando desembarcam para ver a pobreza da terral SontaAntbo, Cabo \erde 2012 Mart a esperanca na carta de longe {que talvez no chegue mais! O Mar! saudades dos velhos marinheiros contando historias de tempos passados, histérias da baleia que uma vez viru a canoa, de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos ports estrangeiros. O Marl dentro de nds todos, rio canto da Mom, no corpo das raparigas morenas, nas coxas ageis das pretas, no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente! Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasdol Este desespero de querer partir eter que ficar! ‘BARBOSA, Jorge. In:APA,L BARBETTOS, A: DASKALOS, M.A. (Orgs Poesia africana tina portunusse: antoloie Rio ds Jairo: LacerdeEditores, 2003. p12 126, | Meee te et cnn ya oun ai seompanhada po instruments de cords coma vag, van, vile @cavagquinh. (Omar que se estende na horizonte, simbolo de aprisionamenta e de liberdade, @ ‘um elemento inseparével da vida de um povo insular. Em seus versos, Jorge Barbosa se vale da onipresenca do mar para evocar outros simbolos da identidade cabo- -verdiana, como a sensuelidade de suas mulheres ou o canto da Morna, D144 eget nt nig Pod een 8 i fe ‘Autor mais descrtivo e intimista, Jorge Berbosa ainda no encontra salucao para os dilemas dos seus compatriotas quendo seja a evasaa do mundo conhacido. Em Antonio Nunes, pasts da geracao sequinte aos claridosas, vamos encontrar a releitura poética das marces da exploracao sofrida durante 0 perfodo colonial, bem ‘como a consciéncia de que as consequéncias desse periodo produziram chagas s0- cial dificeis de apager. Ritmode pilao Bate, pildo, bate, que o teu som ¢ 0 mesmo desde o tempo dos navios negreiros, cde morgados, das casas-grandes, meninos ouvindo a negra escrava contando historias de florestas, de bichos, de encantadas.. Bate, pildo, bate que o teu som ¢ 0 mesmo © a casa-grande perdeu-se, © branco deu aos negros cartas de alforria. mas eles ficaram presos & terra por raizes de suor. Bate, pildo, bate que o teu som ¢0 mesmo desde o tempo antigo dos navios negreios (Aios sonhos perdidost longe! ‘Ai grito sido do fundo de nés todos ‘ecoando nos vales e nos montes, transpondo tudo. Grito que nos ficou de tragos de chicote, daluta dia a dia, € que em cancoes se reflecte, tistes... Bate, plo, bate que o teu som é a mesmo e em nosso musculo ests nossa vida de hoje foita de revoltas! Bate, plo, bate! NUNES, Antania, In APA; BARBETTOS, A; DASKALDS, M.A. (ge. Paesia africana de lingua portuguesa: antolagi Fle de Janeiro: Lacerda Fetores, 2003, p. 143-194, Passado 0 momenta de retomar, posticamente, as marcas da exploracao e do sofrimento, muitas vazes cabo-verdianas comegarem abuscar uma expressao lirica mais indapendente, ‘Mario Fonseca, por exemplo, atribul nava sentida ao campo seméntica da fome, fortemente assaciado aos sofrimentas historicos, Veja,a sequir, como osentio dos termos associados a esse campo ¢ expandido pelo poeta. a) A tocambicane usa pao pare socer ara, © 1968 Morgados: bes inaioévsic © Inditaives queer fungda do felacmanto do quem os poesua, tram destinados eo primogenita, m5 (« Na noite longa minha alma chora sua fome de séculos ‘Meus othos crescem e choram famintos de eternidade até serem duas estrelas brithantes Vogar:navngaorimpeldo sobre ‘gua por remos au as "No poems, o condo fol expandido ara representa, mataforicaments lume ravegeeto re abcluta, Eo infiito se detém emmim Viagem na noite longa Na noite longa uma remotissima nostalgia afunda mints alma eeu choro maritimas igrimas fenquanto meu desejo heroico de engolir os céus se alargae ¢ a céu Tenho entdo a sensagSo esparsamente longa de wogar no absoluto FONSECA, Miro. Tn APR, L :BARBETTOS, A: OASKALDS, M.A. (Org) Possia africana de ingue portuguese: antologa Rede Jeneir: Lacerda Estores, 2003, p. 169-164, Alirica amorosa também encontra voz em alguns poetas como Vera Quarte @ Filinto Elisio. A forma poética, renovada, busca a expressao mais concisa para os sentimentos e revela, no uso do termo em inglés, 0 seu cardter contemporéneo, Observe. [ Seirenpaes eros ‘ue significa nagoci ‘Praia d Ih do Sto Tomé, Sto Tome Principe, 2012 ») 46 Acerca doamor Do amor sé digo isto: o sol adormece ao crepisculo no oferecido colo do poente e nada ¢ to belo eintimo. O resto € business dos amantes Diz8-lo seria fragmentar a lua inteira LISIO, Fito. Tn: APA,LBARBETTOS, A; OASKALOS, M.A. (Orgs Posala africana de ingua portuguesa: antologi. Fig de Janeiro: Lacerda Estores, 2003. .171 Sao Tomé e Principe: o drama da cor no espaco insular CCoqueiros e palmares da Terra Natal ‘Mar azul das ithas perdidas na conjuntura dos séculos (.] Ithas paradoxais do Sul do Sar (Os desertos humanos clamam Na loresta virgem Dos teus destinos sem planuras. (€nosso0 solo sagrado da terra) SPIRITO SANTO, Ads do. Tha ru. Disponive an -http//1001qulometrasquedrados blogapot com! 2006/00) pnesia-ndaresprito-aanto;ntm> ‘Ncw wm: 7 mar. 2016. (Fragmental eget nt nig Pod een 8 i fe “Branca a espuma e negra a rocha, / Qual mais constante ha de ser, /Aespuma indo & voltando, / A rocha sem se mexer?" pergunta o eu lirico de um dos poemas mais conhecidos de Caetano da Costa Alegre, Na imagem da luta simbélica entrea espumae orochedo, Costa Alegre explicta aquela queserd a marca da sua poesia: aconscifncia da cor, Com uma nica obra publicada, Versos (1816), Costa Alegre foi um pioneiro entre 1s poetas africanos. Foi ele quem primeira desenvolvau a tematica da conscléncia dda cor como um indice de identidade a ser literariamente explorado. Sua poesia, porém, configura-se mais como uma lamentacao sobre a drama da cor em uma sociedade elitizada, Pais constituido por duas ilhas no noroeste da costa africana, Sao Tomé e Prin Cipe tem uma pradugso postica reduzida quando comparada & dos demais paises africanos lusbfonos. Os postas santomenses dedicaram-se, em muitos casos, @ abordar temas ligados & luta contra o colanialisma, & exploragao dos negras nas plantagbes @ & consciéncia das diferengas provocadas pela cor da pale. No panorama msior da poesia africana delingua portuguesa, destaca-se onome de Francisco José Tenreira, A primeira razSo para esve fato é histdrica: ele foi o autor, a0 lado do angolana Maria Pinto de Andrade, da célebre Caderno de paasia negra de expressdo portuguesa, lancado em Lisboa (1953), que trazia uma antologia de autores de Angola, Macambique Sao Tamé e Principe, ‘A segunda razao ¢ literdria. Tenreiro conseguiu, em seus textos, expressar uma caracteristica que define a literatura africana de mado geral:o esforgo para retratar um movimento que comeca na assimilagao da cultura dominante, mas luta para dela se libertar, econhecendo a impossibilidade de produzir textos que representem uma ruptura com uma cultura que, durante cinco séculos, perma: neceu como referéncia, ‘Areleitura que faz da questo da cor pramave uma interessante apraxima- edo entre negros africanos e americanos, recontiecendo em ambos a origem comum. Veja. Fragmento de blues (A Langston Hughes) Vern até mim e ritmos negros da América nesta noite de vendaval na Europa encharcam meu coragso; pela vorsoltéria de um trompete Ah ritmos negrosda América toda a melancolia das noites de Gedrgja; encharcam meu coragso! cht mamie oh! mame Esse ainda fico triste embalao teu menino Langston Hughes e Countee Cullen coh! mamie oh! mamie Vem até mim tha o mundo roubando 0 teu menino. Cantando o poema do novo dia ail os negios no morrer Vem até mim nem nunca morreraol 20 cairda tristeza no meu coragso atuavor de negrinha doce Jogo com eles quero cantar (uebrando-se ao som grave dum piano logo com eles quero lutar ‘tocando em Harlem: —ailos negros no morrernnem. a nem nunca morrerao! estas noites de vendaval na Europa (Count Basie toca para mim ‘TENRETRO, Francisco Jose, In: APA, L; BARGEITOS, A: DASKALDS, M.A. (Orgs). Poesia africana de ingua portugueea:antolona. Ri de Jansir: Lacerda Edtares, 2003p. 256-268. (Fragments). A Menino verdana espera, fm S80 Tom’ Principe. ‘Count Basie Willan Count” Basi fo um Panista composite oli dobanda do Jhzzdos Estates Uniden Ere conad rad ‘2 "eande”darealeza do suing & gual pertenciam tambem Benny Goodman (fo, ule Etrgton (augue, Lester Young (prasidante) e Bitio Holiday (dont, Langston Hughes: poets, nova, contitsedrematurgenart-amaricara ‘Countoe Cullen: poste norte-anericana {ou doe tisres do mavinante conhcido come Ranascimente do Harem tual de Nove York httao predominantarents por neprese latinos 17 ‘Alda do Espirito Santo, Manuela Margarida e Conceicao Lima sao algumas vazes 4 ; {ermininas de projecao mais recentena cenérioliterério santomense.Tém em comum gl 8 reeriagéo pottice da questo colorial ea reflexdo sobre 0 impacto que teve na 4 Vid local ; No poema trenserito seguir, Concsigéo Lima tematiza a complexa relacdo entre i 1 ihéus @ os africanos que, desde o final do século XIX, eram trazidos pelos portu- zl ueses de Angola, Magambique e Cabo Verde para trabalhar nas rocas ; Zalima Gabon Ameméria de Katona, Aiupa Grande eAiupa Pequeno AMakolé Falo destes mortos como da casa, 0 por do sol, 0 curso d'égua, ‘S30 tangiveis com suas pupilas de cadaveres sem cova a patética sombra, seus 0550s sem rumo e sem abrigo uma longa, centensria, esignada fia, Pro abandanadod um hota em tee eater Por iso no os confundo com outros mortos. Porque eles vém e vo mas nto partem Eles vém e vao mas no morrem. Permanecem € passeiam com passos tristes que assombram a lama dos quintais arrastam a indignidade da sua vida e sua morte ppelo ermo dos caminhos com um peso de grithdes. As veres, sentados sob as arvores, vergam a cabecae choram, Erguem-se depois e marcham com passos de guerritha 'Nao abafem 0 choro das criancas, nao fujam Ana Gabon ospcta eke do 20 eye hu cova ee ‘servical. Gabon (Gabao), neste contexto, Nac ER ei if ‘0 unorofertncie eos afrcanos, matos Urgente & 0 apelo que arde por onde passam ‘origindrios do Golfo da Guing, lvados 9 ‘Seus coracées deambulam a sombra nas plantacdes. Sto Tomé come mo de sore contratada fara talhanas aeageesDtao® Por isso no 0s canfundo com outros mortos praamarteutiandocaoeiianime apaparicados com missas,NGzadU, padres-nossos Tense uses incense bara jor penersoyterner agreste meriérk dealt, Poncarareo, Samar serene myer fee aeons Por ambigua caridade, expiacio de culpa espe stee otisaen nina 220s mortas-vivos ofertamos a mesa do eaiidjumbi ‘dulados, O tro foi sade am sentido feijao-preto, mussambé, puilta, ndjambi {urd pra facr eterna vos mos aye rab eas enero Para aplacar sua sede de terra e de morada ara acalmar a revolta, a espera demorada. Nora: torn regional para vita SES em intene8o ao flciolel antes de Eles porém marcharo sempre, no dormirso Cenimdna propionate tx or earner eras recusardo a tarcia paz da sepultura, 0 olvido tmeses um ena um eno oselemeseel acesa sua célera antiga seu grito undo Candies tr tn ardente a afligdo do siléncio, a infémacrua, tare ton psoas doa curren Mussambe tio co pee ealgnao se Fis porque vigiam estes mortos.a nossa praca Se sete eicogisriases ne riba x pote typi on traron rae ar na folhagem perautem audiveis clamores foreoeue severe pepe ondané, _aatormentada temura do sangue insepult. Amb tual rednien crush Gh epi que fost cuimnarts da LEA Bonaldo: ne pontal ew ttn anil afoesicconcti] uta iiiago por veka lente, Index. arqlvoslOs%20octeo¥200%2Deou%20Poamas/Concses 20 ima o> tet mimene ts eso on 25 fo. 2018 Percutome preduzem sam. (Cs mortos que nao partem e sda vistos como tao naturais quanta o par do sol e ‘curso d'igua, ou so coneretas como a casa, simbolizam a meméria do dezenrat zamento social, iniciado pelos portugueses, que delxou marcas profundas. ‘Aevacacao da alma dos servigais, claramente representados como cidadaos de segunda categoria, promove uma reflexéo importante sobre um proceso de ciscri- ‘minagao que criou divisbes significativas na sociedade das ilas. Ao fazer com que essas almas perambulem pela cidade, arrastando “a indignidade da sua vida e sua ‘morte, Conceigaa Lima denuncia otretementa desumano das contratados,revelendo ‘que a canacidade de reconhecer injusticas histéricas ¢ também parte do processo de definicao da identidade de seu pov. Angola: a magoa antiga e o caminho das estrelas [-] Criarcriar estrelas sobre o eamartelo guerreiro pazsobre.o choro das-riangas [.] rar liberdade nas estradas escravas [.] NETD, Agostinha. Tr: APA, L:@A TUS, A DASKALDS,M, A (0 Lacerda Edtores, 2003, p.7374, (Fragments) Bate de Lend, Angol, 2013 Ace e guere civ angolana, cidade sda Luanda ver pessendo por um processo deraconstrursa Em Angola, como em tantos outros paises colonizados, a producéo literéria steve, durante muito tempo, vinculada as tendéncias e estéticas caracteristicas da metrépole. Foi em 1851, com a publicacao da revista Mensagem, que teve inicio ‘fase da poesia modema e nacional /Agostinha Neto, Mario Anténio, Viriato da Cruz. Alda Lara, Anténio Jacinto e Mario Pinto de Andrade 880 alguns dos autores que participaram de Mensagem. Influencis dos pela contexts politica em que viviam, dedicaram-se @ causa da conscientizacao {dos problemas angolanos, combatendo, por meio da poesia, a alienarAo social Com um projeta politico definido, esses poetas langam temas que permanecerao em voga até 0s dias de hoje: valorizagao do negro e da cultura africana como cor dice de autodeterminagao; anacéa africana que busca a liserdade com autoridade e existlncia independentes. Entre os autores dessa geracao, omsior nome éo de Agostinho Neto, quesse tornou co primeiro presidente de Angola, apés a independéncia, em 1975, =) Camartel:ferremente parece com orvarteb, 14a («€ Aspiracao Ainda o meu canto dolente ea minha tristeza ‘no Congo, na Ge6rgia, no Amazonas Ainda ‘o meu sonho de batuque em noites de luar Anda os meus bracos ainda os meus olhos ainda os meus gritos Anda o dorso vergastado ‘.coragéo abandonado a alma entregue afé ainda a divida E sobre os meus cantos ‘9s meus sonhas A tuita Argo, 2008. Crianeos brincam do lado de fre de um présto ‘0s meus othos Foclinat iol gars od a ‘os meus gritos ameaca desabara qualquer momenta sobre o meu mundo isolado tempo parado ‘Ainda o meu espirito ainda o quissange a marimba aviola osaxofone ainda os meus ritmos de ritual orgiaco Ainda a minha vida oferecida a Vida ainda o meu desejo Ainda o meu sonho omeugrito ‘omeu brago a sustentar o meu Querer Enas sanzalas nos subiirbios das cidades paara ld das linhas nos recantos escuros das casas ricas onde os negros murmuraram: ainda (© meu Desejo Dorse: costes transformado em forca Vergastado:chicoteeda, mercedo pelo inspirando as consciéncias desesperadas. shiente Quissangepoa.ere snfone NETO, Agostinho. Tn: APR, Ls BARBETTOS, 2; DASKALOS M.A. (Orgs Marimba tooo’ arcana. Fostia africana de tngue portuguesa: antolopa. fies asses ieee Ran Fic de Jenevo:LacerdaEsitores, 2003. 74-75 esigrar une asi racionel ds Mica (O"Querer" maidsculo de que fala 0 eu lrico nasce do sofrimento e do trabalho pesado, mas é ele que move o “Desejo” que ira daspertar a consciéncia do povo & Inspirar a revoluga. ») 150 i i ; ; i Osurgimenta de outra revista lteréria, Certeza (1957-1881), revela novos poetas, como Antonio Cardoso, Costa Andrade @ Mario Anténia, que pracuram ir além da contestagao anticala- rialista 2 desenvolver uma tematica voltada para a invacagao da“mae-patria’,a Africa detodos os afticanos, rasgatando seus valores ancestrais, Donas do outro tempo Donas do outro tempo Vejo-as neste retrato amarelado: Como estranhas flores desabrochadas Negras, no ar, soltas, as quindumbas Panos garides nobremente postos Ea posicao hierética dos corpos. Sao trés sobre as esteiras assentadas Numa longinqua tarde de festejo, (Tinha ancorado barco no rio? Havia born negécio como gentio? Celebrava-se a santa milagrosa Tosca, tomada cimplice de pragas Carregada de ofertas, da capela?) E, a seu lado, sentados em cadeiras, ‘Trés homens de chapéu, colete e laco. Botinas altas, calcas de eheviote. Donas do tempo antigo, que perguntas Poder fazer 20s vossos othos, Abertos para o obturador da fotografica? Senhoras de moleques e discipulas Promotoras de negécios e quitandas Rendiheiras de jinjiquita e lavarindo Donas que percebieis a unidade Intima, obscura, do mistério ¢ do designio Atentas ao acaso que ¢a vida (Ha sopros maus no vento! Gritos maus) No rio, na noite, no arvoredo!) E que, porque sabieis que vida 6 larga varia E varios e largos os caminhos possiveis Annova fé vos destes, confiantes. (© que ficou de ws, donas do outro tempo? Como encontrar em vossas filhas de hoje ‘Avvossa intrepidez, a vossa sabedoria? Os tempos sdo bem outros e mudados. A tarde da fotografia, irepetivel ‘Agua do rio Cuanza ndo para de correr Sempre outra e renovada E dessa fotografia talvez hoje s6 exista ‘Na wilia onde as casas sto baivas e fechadas E tém corpo, pesam, as somibrase 0 calor ‘A sobre farfalhante da mulemba Que vos deu sombrae fresco nesse domingo antigo. ANTONIO, Maco, In APA, L; BARBEITOS, A; DASKALOS, M.A, (Orga. Poesia oricanade nua portuguesa: antolona. Ric de Janeiro: Lacere Eitores, 2003, p. 45-47 a) ‘Fatale de 30 Migs em [nda Angole. ota ser deta, {uindurnbas: egionatsms angolare pr soeignar oe cabolos comeridos fertos fae mulheres aficanas. Garrido: legentos, vista, enotadas. Meratce:2tene, format Gentio: ohana, Choviatr 6 eszacoss tac et comala Jinjquit:elevoteito em teido, Laverindo:tordedo ‘ria: vila pequena edesimportant, Sobre: copa Farfalhante: que enite sors fem prods pola cao do verte na gpa das érvares, Mulemba: grand arvore de azos ab ren. sspécie de ies. Tern fora santide rmtalegin em Angake 151 (« ‘Apoesia da “angolanidade” ganha forga e influencia pastas camprometidas cam © proceso de conscientizagao do povo. A esperanca emerge como grande tema literéria: nesse mamento, dor e atimismo séo presencas constantes nos textos, ‘Na década de 1970, trés novos autores seréo respansaveis por uma significati- va mudanca estética e temética na poesia angolana: avid Mestre, Ruy Duarte de Carvalho e Arlindo Barbeites. 0 tom panfletério & deixada de lado, em um esforco ppara eprimorar a forma literéria e descobrir uma linguagem poética mais universal, ‘que encontrasse novas imagens para abordar as tamas politicos do passado. Coma «firma Aclind Barbeitos: *amad / minha amada/ revolugda / nfo ¢ um conta/ e/ ums borboleta / nda éum elefante”. a sul do sonho a norte da esperanca aminha patria um ria baloicando de muletas ‘a0 tambor das bombas a sul do sonho anorte da esperanga BARBETTOS, Artndo. In: PALL. BARBETTOS, A: DASKALOS, M.A (Oras ‘Breed Sas se cok pF saosia ON lo de Janeira: Lacerda Eaitoras,2003,o. 82 Os anos 1980 viram surgir uma nova geragéo de poetas angolenas que tem como caracteristica principal o ecletisma, Como o pals que comega a superar as marcas da opressdo colonialista e tenta curar as feridas profundas deixadas por anos de querra civil, também a poesia angolana tenta encontrar uma nova voz, capaz de expressar a face desse novo pais, pacificado, que daseja trilhar um caminho menos doloroso, i i i 3 : : i i ; : : a : Mogambique: versos a beira do Indico —Eunasciem Mogambique, de pais humildes provim, ‘acornegra que les tinham a corquetenho em mim [..] (CAMPOS DOLIVEIRA. In APA: BARBETTOS, A; TTASKALDS, MA. [Org Poesia africana dating portugussa antobgia Fives lanai Lncerde Etre, 20083 p18. Fragment a Como acontaceu em Angola, a formagaa da literatura mogambicana tem origem nas zonas urbanas, principalmente nas cidades da Beira e de Lourenco Marques (atual Maputo). Ali se concentrava uma elite intelectual que, fem alguns casos muita influenciada pela cu tura eurapeia, lutava para definir os indices da *mogambicenidade”, ‘tha de Mocambique, Mogambique Feta sem data ») 152 | | i Os primeiros passos da literatura coincidem cam o momento poste rior & independéncia, em que a ex-coldnia portuguesa precisava também ‘aprender a ser uma nagao auténoma, Superada questéo da lingua, como vimos, com a contribuigao dos mo- dernistas brasileira, era hora de os poetas ajidarem seus irmaos a reflatir sobre as verdadeiras questes africanas, A negritude é um dos temes a serem enfrentadas. Observe, por exemplo, como Noémia de Sousa fala sobre o contato entre nnegras e brancos, africanas @ europeus, em descoberta mitus, it A Murolde Fretma Frente de Lbertap ta do Descobrimento Mogamtiquel sabre guerra delndependnca, parto (ho J. Mendes) do eroparts de Mapute, Mocambaue, ¢ 18621874, ‘Quando a tua mao macia e serena de branco se estendeu fratemalmente para mim e através Indicos de preconceito apertou com carinho meus dedos mulatos enelavinhados; quando teus olhos inchados de compreensao ousaram no mapa doloroso do meu rosto de Africa; quando a pirogs do teu amar se fez 20 mar € veio aportar ao meu peito ensanguentado e &&ptico; ah, quando a tua vor doce e fresca como um lanho ‘me trouxe a bandeira branca da palavra “IRMA" 6 que eu senti, profunda como um selo em brasa ‘wemimando a carne, a forgaterrivel e tinica do nosso abrago fraterno, a inquebravel cadeta das nossas mos enfim juntas, a indestrutivel resisténcia da muralha erguida Erciad ton TNT eee por nossas maravithosas juventudes unidas. sparta, Piroge:bstcosemo, cavadoe fogo sm ‘Ah, amigo, quando a tua mao certa e serena de branco eres rocurou o desespero da minha mao sem rum. calc lesieod erate H ie \errumando:urendo com uma verte ‘SOUSA, Nogmin do. Ts APA Ls BARBETTOS, A; OASKALOS,M.A.(Orgs. | (bocs instruments de aca. com pont Posts africana de inguapartuguesc:antologia. iv de Jnsiro: | er espa para ab free Em sartido Lacerda Esitores,2003..193. | figured, parfuanda cea Entre todas, porém, eleva-se mais alta a voz de José Craveirinha, *Profeta da identidade nacional", como foi chamado, Craveirinha € cansiderado 0 poe~ tamaior de Magam bique, Seus textos falam danegritude e do sofrimento das presos politicos, incorparando as marcas da tradicao oral. Torna-se, portanto, 0 porta-voz de urn povo que buscava um intérprete para sua dor, Aminhador Dei Eopreto que gritou a mesmissima angistia 6 a dor que se no vendeu ras almas dos nassos corpos nem na hora do sol perdido pertoea distancia, nos muros da cadeia [CRAVEIRINAA, Jose, Ins APA; BARBETTOS, A: DASKALDS, M.A, (Orgel esi arcana de gua portuguesa: antologia. Fi de Janeiro: Lacerda Eeitres, 2003.5, 203, 153 (« Passado omomentoinicial de definigao dos rumos poéticos, novos temas come~ ‘gama ser incorporadas por escritores como Carlos Cartioso, que revela, no retrato fil da pobreza e da miséria, a face do verdadeiro herbi de Mogambique. Observe. Cidade 1985 De manh3 quando acordo em Maputo ‘o.almoco é uma esperanca, Mae tenho fome marido tenho bicha €e mil malérias me disputando a vontade. De manha quando acordo em Maputo 0 jantar é uma incerteza 6 servco uma militancia politica do outro lado do sona incompleto [.] ‘Mas a0 anoitecer quando me percorro em Maputo ‘A Pescodores axomedemrese enfio ominosamnenite o cérebro numa competentissima paciéncia ontro do umber, es Mapu, desembainho felinamente mais uma mentira diptomstica ocambique, 2008, e aguardo a lucidez companheira me leia nas acécias em sangue nos jacarandas estalando sob a sola epidérmica do povo que este ¢ ainda o eco estridente do Chal até que Botha seja farmeiro e Mandela presidente Entdo, com a raiva intacta resgatada a dor dango no coragso um xigubo guerrero wy e clandestinamente soletro a utopia invicta Anoite quando me deito GF . Z ‘em Maputo é do preciso de rezar. i J8 sou her6i ‘PAROOSO, Carlos. In; APA, BARBEITOS, A; OASKALDS, M A.D.) Pla africana de ingua pertugueso: entologia Fle de Jonsiro:Lacerda Eetores, 2003. p.238-299.(Fragmanto) Bicha: vere, lambrge. Ominasamente: de mods aborinévelexeerdve. Chak descronte Both Petr Willem Sotho, pimek-ninistra da Arica do Sul antre 1978 e 1984, durante os anos rai doe do rege sagrogecionata fanart Presidente do Estado, com poder execute, entre Toe e eae. Farmeiro:reglnsismo utizado em Mogerbiqueparadoaignr 0 tabelhador do fazonda. Mandel: ier rebelde que e inaurgcontra a plticesapreqaconits da Arica do Sule foicondenade 8 prieso prpetun por eure athidadospoiticas Apes anes do grande pressaD internacional, MendeiafolIbertado echapou a presidénca de eeu pas 1894-1865), pando fim ac ‘apartha Xigubo: dance de quer, am Mocambique ») 154 eget nt nig Pod een 8 i fe a) Entre os novos poetas, que surgiram apés a independéncia em 1976, observa-se a tendencia de abandonar a poesia fortemente coletiva para buscar uma linha mais ista, que jareflete um novo momento de Mocambique. Jasé Carls Patraquim e Mia Couto so dois nomes que revelam a deseja de dar vida nave alinguagem postica. E, embore Mia Couto seja, hoje, um nome fortemente associedo & prosa, continua ‘@ escrever versos que, desde 0 inicio, evidenciavam sua capacidade de explorar 0 lrisma da lingua portuguesa, Poemamestico escrevo mediterraneo ra serena voz do Indico sangro norte em coragio do sul ra praia do oriente sou areia nautraga denenhum mundo hei de comecar mais tarde por ora sou a pegada do passo por acontecer Janeiro 1985. (COUTO, Mia Retz do orvaino ecutros poomas. 21. isbn Caminho, 1869, p58 Guiné-Bissau: a fome e a miséria como complementos Quando te propus umamanhecer diferente a terra ainda fervia em lavas ‘eashomens ainda eram bestasferozes Quando te propus a conquista do futuro vazias eram as méos rnegras como brew siléncio da resposta G1 PROENGA, Helder. Ins APA, LsBARBEITOS, A [OASKALOS, M.A (Orgs. Poosia africana da ng portuguesa: antalagia Rice Janeiro: Lacerda Eeitoros, 2003.9,187 (Fragments ‘A Guiné-Bissau foi uma colOnia de exploragao @ nBo de povaamento. Por esse motivo, seu desenvolvimento cultural correu tardiamente em relacéo ao dos demais paises africanos luséfonos, Pobreza extrema e analfabetisma so duras chagas socials que ainda nao foram superadas. ‘ componeces da he Roxa (Canhabeauel, arqupélagados Bjegis, Gune Bissau, 2010, 155 (« lands come. Bolanha (rep. Gune-Bissau, Cobo Verde terreno alagade garaimanta ns bors do Umra,em quesecuttvaarnoe Mulherbidelr:revenedera, Notes kumpra pon notes de comprar opie ‘Maté eos: unica aliments; conduta, 0 Diciondro eletrénico Houaiss do lingua portugues cenvenciona chara’ 2 naxis fa GuinéBisau de "guineenses" na capital Bissau de “bissanenses” ou “bisavenses", na Guiné de “guineanes” ou "uinéus”e na Guiné-Eouatoril de “inéu-equatorianos ») 156 No periodo entre 1945 e 1970, teve inicio a pradugaa poética na Guiné-Bissau. Vasco Cabral, Ant nio Baticd Ferreira e Amilcar Cabral escrevem os versos de com- bate tio caracteristicos do momento inicial de dendncia da dominagao portuguesa ‘como etapa necesséria para a libertagao. ‘A.conquista da independéncia politica trouxe a necessidade, como aconteceu nas demais ex-coldnias portugueses, de refletir sobre a identidade. Tudo ainda est por ser feito e. trabalho de construcao do pals caberé an povo. Canto a Guiné Guine ‘até depois da esperanca Guine éstu ‘camponts de Bedanda teimosamente procurando a bianda na bolanha ue s6 encontra gua na magoa da tua lagrima Guing éstu crianga sem tempo de ser menino Guiné éstu mulher-bideira ‘em filas de inséria notes di kumpra pon (mate di aos) Guin éumgrito saido de mil ais (que se acothe n calcanhar da terra adormecida Mas Guiné somos todos mesmo depois da ‘esperanga TEHEKA, Tony (Antonio Sores Lopes) Disponivel em: sittntmetrptov.com! uines_bsseu/tony.tohekalpoemasicanto htm> ‘Acesa0 em: ? mer 2016, Helder Proenca, Francisco Couto de Pina, José Carlos Schwartze Félix Sigé sda alguns dos poetas que, 2 partir da decada de 1970, escreveram sobre a identidade africana, mas também se aventuraram por outros rumos posticos, deslocanda ‘5 temas do povo-nagao para o individuo. ‘os pouoos, 08 autores guineenses comegama explorar a riqueza cultural de ‘um pais onde muito ainda ha por ser feito e escrito, eget nt nig Pod een 8 i fe a) y OY TEXTO PARA ANALISE >> 0 texto a seguir serve de base para as questées de 1.a 3. Heranca Neste poema, ou lirico fala da heranga legada pelos antepassados. ‘O meu ave escravo {egou-me estas ilhas incompletas este mar eeste céu. As ilhas por quererem sernavios ficaram naufragadas centre mar e céu. Agora aqui vivo eu ce aqui hei-de morrer. Meus sonhos de asas desfeitas pelo sol da vida deslocam-se como répteis sobre a areia quente enroscam-se raivosos no cofdameé petrificado da fragata ddas mil partidas frustradas. ‘Ah meu av6 escravo como tu eu também estou encarcerado neste navio fantasma eternamente encalhado centre mar e céu. Como tu também tenho a esmola do luar e poramante ssa muther de Bima, universal, fugaz, que vai e vem passeando a beira-mar ‘ou cavalgando sobre o dorso das borraseas chamando, chamando sempre, ‘Cordame:canjurto de cabos 1a vor do vento e das ondas. pera Frogat:tio de novi. FONSECA, Aviva eabo-verdinol In: APA Ls BARGEITOS, A ‘Bruma: neve, nebline DASKALOS, M.A (Orgs. Poosia africana de ngua portuguesa: antoiog’s. | Bonascas:tepastados Rio de Janeiro: Lacerda Edtores,2003.0.196-129. | geamparhades de vento fortes. 11. 05 elementos do poema e a origem de seu autor permitem inferir qual é 0 cenério a que se refere o eu lito. Explique. » Transereva no cademo os termos utilizados pelo eu tice para caracterizar esse cenétio. 2. 0 poema fundamenta-se em uma relacdo entre o eu lirico ¢ 0 espaco descrito. A partir dos ‘termos usados para caracterizar 0 cenério, o que se pode afirmar sobre essa relagao? > 157 (€ ») 158 3. 0 eu lirico estabelece, no poems, uma interlocugéo. Quetn & o seu interlocutor e como ele contribui para a percepgio que o sujeito tem do seu espaco? > Qual 62 relacdo entre esse interlocutor eo titulo do poema?’ > O texto a seguir refere-se as questées de 4 a7. Mama Negra (Canto de esperanca) ‘Neste poema, 0 eu Urico se dirige a sua interlocutora para falar dos sofrimentos do pove angolano ao longo dos séculos. Tua presenca, minha Mae — drama vivo dura Raga drama de carne e sangue que a Vida escreveu coma pena de séculos. Pela tua voz Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos caferais dos seringais dos algodoais Ll Pelo teu dorso Rebrilhantes dorsos aos s6is mais fortes do mundo Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor amaciando as mais rcas [terras do mundo Rebrithantes dorsos (ai a cor desses dorsos) Rebrilhantes dorsos torcidos no tronco, pendentes da forca caidos por Lynch. Rebrilhantes dorsos (ah, como britham esses dorsos), ressuscitados com Zumbi, em Toussaint alevantados. Rebrithantes dorsos, brithem, brthem, batedores de jazz rebentem, rebentem, gfihetas da Alma evade-te, 6 Alma, nas asas da Misical += do britho do Sol, do Sol fecundo imortal ebelo.. Peto teu regage, minha Mae Cutras gentes embaladas 8 vor da ternura ninadas do teu cite alimentadas de bondade e poesia de miisica ritmo e graca. santos poetas e sAbios.. utras gentes...ndo teus fthos, que estes nascendo alirtarias semoventes, coisas varias mais s30 fithos da deseraca a envada ¢ 0 seu bringuedo trabalho escravo —folguede. Petos teus olhos, minha Mae eget nt nig Pod een 8 i fe Vejo oceanos de dor claridades de sol posto, paisagens roxas paisagens Ld Mas vejo também (oh, se vejo.) ‘mas vejo também que a luz roubada aos teus olhos, ora esplende demoniacamente tentadora— como a Certeza, Cintilantemente firme —como a Esperanca. fem nds outros teus filhos, gerando, formando, anunciando ~o dia da humanidade (© DIA DA HUMANIDADE... CRUZ Viriato dafangolano). 1 APA, Ls [BARDETTOS,A.; ASKALDS, M.A (Oras) Poesia africonade tngua portuguese: antolopa. Rede nei: Lacersa Ectores, 2003. p. 56-57. (Freamento. lynch: referencia as rortes danogros, em geral espancedos ® depolsanforoados por um grupo de indus Um da ‘pista mals earhacidoe dese tina do vibra 6x morte fe dal jovansnagos acusados de vont ura jovar bance, fm India, 03 EUA em 1880. Esse tipo de a¢30bsbars ficou conhecido cone Lede Lynctexpresesa decarigem tentroversa ca qual tria derhado otro fnchamants, Tuseaint referénce ao ex-eacavo Tvassine LOwerture um dos Fceres de rebel de eatravea na Jha de a0 Domingos, miieds em 78. Areva fo! umd elrantoe ‘mais importantes para independénciado Halt, preciameda m8 Grihetas: ris, argolas de fr, animels, bests de care, Semoventes: quo se ravem porsi propria, Folquade:brincae ra, dertiment, 4. No poema, 0 eu lirio se dirige a sua interlocutora por meio do vocativo “minha Mae". Consi- derando 0 contexto do poema, é possivel afrmar que o eu litico faz uso dessa expressio para se dirigir & patria? Explique. > Umtextoliterdrio, como voc viu ao longo deste volume, é resultado de uma combinagao de agentes, entre os quais estdo o autor que o escreveu e 0 contexto em que ele foi produzido, ‘No poema transcrito e em outros elementos relacionados a ele, ha alguma informacao sobre esses agentes que contribua para identificar mais especificamente quem é a interlocutora doceulirico? Explique. 5. Na sétima estrofe do poema, o eu ltico faz referéncia aos filhos que receberam os cuidados dessa mie. Quem sio eles, considerando o contexto apresentado no poema? Explique. > Deque forma a referéncia esses filhos sugere @ heranca de um passado colonial dessa patria aquem o eu itico sedirige? 6. Na estrofe seguinte, 0 eu litico caracteriza os verdadeiros filhos desse pais. Transcreva no ‘cademo os termos utilizados por ele para fazer essa caracterizacao. » Deque formas termos utilizados para fazer essa caracterizacio comprovam que essa mae 60"... drama vivo duma Raca/ drama de came e sangue"? ‘1. Embora os versos iniciais da ditima estrofe ainda tratem dos efeitos negativos do passado ‘colonial desse povo afticano, hé uma mudanga no tom assumido pelo eu litico em relagdo a0 presente e ao futuro dessa nacio. Explique. » Considerando o que vocé viu, nesta seco especial, sobre a poesia africana e seus temas,como esse texto se telaciona com a producdo literdria dos autores desse pats? a) isa (« 0 e012e ate por tits de um banda, na Parque Neclonal dé Guia, ») 160 Omarpingando lembrangas [..JA cidade era governada pelas marés. Eas marés eram mandadas por pssaros. Assim se dizia, Um passarito cinzento chamava a enchente. Outro, maior, de asas brancas, convocava a baixa-mar. Me encantava essa crenca, 0 poder de singelas criaturinhas comandarem o imenso oceano, Eu menino no era guiado por relégio, Vivia como essas aves que esperam as ondas. [J ‘Agora, em meu sono, jé no ha paisagem sern mar [..] As pequenas canoas—os conchos e as al adias — vencem as éguas lamacentas do esquecimento. O Indico ficou margem da minha alma, Nesse (4 eu nasci. Nasci tanto que, agora, os meus sonhos 530 anfibios. O passado é um litoral onde tudo se converte em espurna. [.] Soumocambicano, filhode portugueses, nasciem pleno sistemacolonial, combati pela Independencia, vivi mudancasradicais do socialismo ao capitalismo, da revolu- (80. guerra civil. Vim luz num tempo de chatneia, entre um mundo que nascia e outro que morria. Entre uma patria quenuncahouve e outra que esté nascendo. ..] Cresci nesse ambiente de mesticager, escutando os velhos contadores de histé- rias.Eles me traziam o encantamento de um momento sagrado.[..] Eu queria saber quem eram os autores daquelas histérias ea resposta era sempre a mesma: ninguém. Quem criara aqueles contos haviam sido os antepassados, e as histérias ficavam como heranca dos deuses. ..] CCOUTO, Mie. Aguas do meu principio. In Pensatempos:textos de opiniso. LUsbos: Camino, 2005. . 147151. rauments). eer ae ‘A Werinos no mar, em Bazarut, Morembique, 2007 Offo da histéria (1 Qual entao 0 fio da historia? (0 cio? A toninha? Omar? Luanda? ‘Ou tudo isso é que afinal eraa vida boa daqueles tempos pouco depois da independéncia [..J, em que a vida estava na pedra de cada muro, no buraco de cada rua, na coragem toda nova das pessoas de olharem para o fundo dum beco sem saida e encontrarem forca de sorrr?[..] PEPETELA. Oca os colar, LUstos: Dom Guinot, 1985. p.173,(Fragmentel Titulo erie para fins didatices. 161 (€ ao Da fala paraa escrita ‘Angola @ eomposta de 8 gran ides grupos étnico-lingulsticns. Essa rics formacao manifest 192 na oretura em seis classes principals: Misosso (histories tradicionals envolvendo enimais falantes em que predicadoscomo a inteligencia e 2 astucia sto valorieedos), Maka (histories verdadelras au cantadas como se foasem verdadetras, de Fungo exemplar), Mounda ou Mi-Sendy (erOnicas histericas trenemitidas pelosmaisvelhos anenase alguns membros da clsse dominant, JeSatu (proverbios), Mi-Imbu [poesia e masica, quese sempre ingeperéveis) e Ji-Nongo Nongo (edivintast ‘partir de 1948, um grupo de estudentes, entre eles Antonio Jacinto e Agostinho Neto, co mecem a revisiter es lerdes, 0s proverbios, es adlvinnas e tode a tradiogo presente na oratura angolana, Esse processa faz parte {do movimento “Vamos descebrir ‘Angola’, que ten camo um de seus objetivosreegataraoretura sien ‘ada pelocolonizadare incorporé +e A estrta, detxendo para tres as tradigbes auropeiasimpostas por anos de renveeséo.Aesim ganham oz ne tterature, 08 sentimentos eas spiracdes do pava engalena. ‘® Dangatinosem trajes tipcos durante ceria de Inciagd, ra rontea de Angola Zimbia, 1875-1595, ») 162 A Africa que conta historias Creio que a literatura nacional é elemento indispensdvel, 80 importantecomo outro ‘qualquer, para a consolidacdo da independénca, um fator que ajuda a aumentar a unidade nacional, porserveiculo de situagées, modos de vida e de pensar, dentrodo Pats |..].Afirmo que néo ha, ndopode haver, acriagdo dum pals verdadeiramente independente sem uma literatura nacional prépria, que mostre ao povo aquilo que o povo sempre soube: isto 6 que tem uma identidade prépria PEPETELA. Cited por HTLOEBRANDO, Antonio Pepetele:Apardool de cagedo eho const nda pontes. Tr: SEPULVEDA, Maria do Carme: SALGADO, Maria ‘Teresa Africae Broa: ltras em lagos. S80 Castana do Sul ‘endl Editors, 2008, p. 317 [Feagmentol Um imenso tronco de érvore, do qual brotarn novos galhos eno qual alguns gathos ‘se emaranham e outros morrem, em um movimento continuo de transformagao e renovagao. Essa ¢ uma boa imagem para simbolizar o repertério de narrativas de ums dade cultura, Os varios gelhos representam as elaboragdes e recriagdes da tradicao oral e escrita de um povo, ‘No caso das culturas essenciaimente égrafas, o peso da oratura na construgdo de uma identidade cultural @ imenso. A oratura é a literatura oral, constituida pelas lendas, pelos romances, pelos contos, pelos proverblos, pelas quadras, pelas parler das, pelas rezas e oracdes. Um imenso repertorio quese renova & medida que passa dde uma geracao a autra, limentando a imaginario papular, Tradigao oral, fic¢ao escrita: encontros necessarios Acostumados ap mundo da escritaedoslnros,6frequente nos esquecermos de que 2 Arica ¢um continenteno qual oanaHfabetismo ainda ¢ imenso. Nos paises africans {us6fonos, alto indice de anatfabetismo 6 uma das consequéncias herdadas dos anos 4e submissao & maquina colonial portuguesa Com chegada da independén cia, paises como Angola eMogambique entrentaram dduros anos de guerra civil que afetou @ vida de milhOes de pessoas e, entre outras coisas, campromateu dramaticamente um sistema educacionsl é muito incipient Segundo um relatoriodo Programa das Nagies Unides pera o Desenvolvimento, div ‘gado em 20085 indice de analfabetismo em Mocambique corresponde a 53,50% da populardo, Em Angola, 2 33.20% O fato de tantas pessoas no saberem ler ou escrever no significa que néo produzam cultura. Tembém nao sig fica que literatura nao seja uma parte importante de suas Vidas. € no Ambito daoralidade que essas pessoas constroem suas historias, Em um contexto como esse, é natural que oratura e literatura se aproximem. Mats natural ainda é o movimento feito por muitos escritores que buscam, natrevi¢ao oral do ovo a qué pertencem, temas fundadores para inspirar as narratives que escreverdo, Coma decisao consciente de participarem da construgao da identidade do pave do qual fazem parte, esses autores transformam suas obras em espaco de resyete das vazes populares que nem mesmo as décadas de governs colonial foram capazes de calar gmat th gcd LR i fe Como sempre circularam fora dos meios oficiais e institucionais associados € divulgagao da cultura, essas vozes sobreviveram aos mecenismos de censure titatorisis e representam um repertéria dos elementos verdadeiramente auténticos ‘associados & identidade de um povo. Elas ganhardo vida nova na forma de galhos: nagcidos na grande arvore do repertorio narrativo, Nossa intengdo, ao apresentar alguns dos principals nomes da ficeao africana fem lingua portuguesa, nBo 6 compor uma histéria da literatura escrita nesses paises, Tambémnao pretendemos realizar um estudo minucieso das autores esco- Ihidos. Queremos somente revelar parte dessa produce literéria, ainda bastante Udesconhecida por nds brasileiros, com isso, audara divulgar um pouco da historia Ue luta pela constituigao de uma identidade autdnoma que se faz presente nos ccontos e romances dos autores africanos, Escritores angolanos: engajamento politico e criagao literaria Minha histéria. Se ébonita, se éfeia, vocés é que sabem. Eu s6juro nao falei ‘mentirae estes casos passaram nesta nossa terra de Luanda, VIEIRA, 1086 Luerdino Etre a gotinne do ova. In: Luuanda:eataries ‘bo Paulo: Companhia das Letrac, 2000. p. 192. (Fragmento). Entre os territérios africanos dominados por Portugal, Angola é aquele com historia mais longa, 0 interasse em promover o desenvolvimento da coldnia © ga- rantir uma estrutura urbana e social mais acolhedora para os emigrados fez com ‘que o governo portugues cuidasse do territorio e, como contrapartida, acabou por {garantir que 08 angolanas canquistassem mais cedo algumas condi¢des essenciais para o desenvolvimento de uma voz propria. Como acontace nos paises colonizadas, o ramance é um génera impartado, trazido pelos colonizadores quando se instalaram nos novos territorios. Em An- gola essa chegada aconteceu no século XIX e, desde entao, 0 pais viu surairem ficcionistas locai Aficcao a servigo da Historia Muitos intelectuais africanos, que iam para Portugal buscar uma formagao Universitaria, encontravam-se em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Impéria (CED, entre 1944 e 1985, Ali, discutiam os destinos das colénias africanas lus6fones, irmanando-se em torno de posicoas libertérias e ideais socialistas, Nesse espaco de debate cultural e politica, reuniranrse alguns dos escritores {que participariam dos movimentos de libertagao e reconstrugao de seus paises, coma Agostinta Neto (poeta e futuro presidente de Angola), José Luandino Vieira e Pepetela, Na CEL o mate "Vamos descabrir Angole’, angado por jovens intelec- tuais angolanos em 1948, renasce e passa a inspirar a ficc8o de Luancino Vieira ePepetela, Quando os movimentos anticolonialistas africanos ganharam forra,na décads de 1860, a prosa de ficgdo fol una das frentes de combate, Emum periodo tenso, a visibiidade que as figuras marginalizadas conquistaram nas narrativas contribul para alimentar o deseje de resisténcia popular ao gaverno portugues. DDecididos a dar literatura uma fungao associada a um claro projet politico, 08 escritores angolanos valtaram sua ateneao para o resgate da meméria. Em plena luta pela conquista da independéncia, a necessidade de conhecer 0 pasado, de transformar a reminiscncia em um ato de evocaggo do espirito do pova ganhou significagao revolucionéria. Na recriacdo do passado para servir 8 causa da inde- pendéncia, a matéria da meméria transfarmau-se am materia narrada, delineando lum espaco definitive para a prosa de fice engolana. a. Um pedago da Africa em lisboa A: Plecacomamoratva da Cosa doe Estudentoe do Trptrio, em Liboa, Portugal Dgoverno de Selezar,interesse- doemmanterum aepaco para dar apoioaoe ectudantas praverientes es colinias portuguesas, fundow em 1944 ¢ Casa dos Estudantes ido Impéria. Apesar de orientacéo feaciata des comissbes edminis trativas escolhides para essa ins titugdo, aCETacabou pore tomar 0 berco das idelae nacionalistas, ‘ue lever & independéncia dss coldnies africana, Nesse esuaco formerem-se Importantes intelactuais 2 sur- glram os membros das quadras de liderenca dos partidos que luteram contra @ metrégale. 03 jo- vens africanos chegavam s Lisboa financiados, muitas vezes com secrificn, por sues ferties, pela Toreja ou por outras inetitulctes, Aefecvescéndia de suae ideias e3 forge de seus eonhos germinerem no coragéa da metronole ee se ‘mentes deindeperdénci africana No sria posivel, no espaco deste materia, ‘atar das muitas obras de toes ob autores ‘ue ramos apresontar nesta sagdo Para no Brodit uma sta que pouco contribu para "ue 0s alunos realmente tomassem contata coma prosafciona angolana, optemos pot ‘selecionar uma chra de cada autor, represer- tatwada suawsde de Keratua,etrabalhsta {de modo mais aprofundade.Esperamas, com iso, tornar mais clara a vido de Ineratura Aue preside a figho angelana 9 partie da écaca de 1960 © moter como cada um fos esciteres aresentadosvinculase 2 ese projet lteraio. 163 (« Conheceremos, agora, alguns dos principais nomes da I- teratura contemporénea que contam para seus conterréneos @ para a resta do mundo um pouco da histéria de Angola. Luandino Vieira: o peso politico da palavra Prisianeiro politico, foi na campo de concentracaa do Tarrafal de Santiago, em Cabo Verde, que José Mateus Vieira, da Graga ascreveu boa parte de sua obra literaria. O pseu- donimo com que ficaria conhecido mundialmente, Luandino, foi escolhido por esse portugués de nascenca para marcar, ua profunda identificacao com a capital angolana, cendrio preferencial de eva narrative. Tronicamente, a postura anticolonialista que custou a liberdades Luandino acabou por gestar onascimenta de uma ‘vo2 mais poderasa e revalucionéria de que a de individua:a do escritor que transformou a palavra escrita em arma contra 15 opressores portugueses, José Luandine Vieira nes cevem Portugelem 1935, mes sua participagao nas lutas de ibertagao de Angola, pare ‘onde se mudau ainde erianga, fez com que ele se tomasse cidedae angolena, Depois de Independencia da Angola, bertado apos muitos periados | Jot LusnainoVieradurante de cércare, Luandina Vieira or ‘Forum do Lotras ce ‘genizou e diriglu portrésanos (ura rita, MG. em 2010. 5 Televiséo Popular de Angola. Entre1978.2 1984, deuvide oo Instituto Angolanede Gem. Em 1982, ofracasso das primeiras eleigdes livres em fn golaeo recomeco da guerra cilfizeram comque decide ‘ver em Portugal como um grout Em 2006, mesmo ano em que voltou a publica, recusou Prema Camdese os cem mil euros fequvelentes e300; resis) concedidos eo vencedor. Entre suas obres, destacam-se os livros de contos: ‘Lauanda (1983); No artigamente,navida (574); Macandumta (1875); es romances: Nés, os do Mokulusu (1874) e Nosso ‘musseque (2003). As muitas fronteiras de um pais colonizado A cidade ¢ a infancia, nome do tivo de contos que, em 11957, inaugurou publicamente a carrera literéria de Luandino (embora nao tenha sido 0 primeiro que escreveu}, revela 0 foco da produgéo do autor. A primeira edicdo dessa obra foi publicada pela Casa dos Estudantes do Império, como parte do projeto de intervencao politica por meio da literatura. (Os contos dessa obra dao vida as ruase aos musseques, 1s bairros pobres de Luanda, vistas pelos olhas da crianca, Tendo crescida em um desses bairros, a autor se vale da experiéncia pessoal para alimentar sua criacao ficcional. S80 historias de um mundo marcado pela divisdo social, em que a ») 164 realidade, multas vezes rida e agressive, também éretratada de moda lirico. Coma parte do pracesso de criagao, a marqi- nalidade social ¢ ficcionalizeda por meio do grande tema da separacao (entre nagras e brances, entre centro e periferia, entre pobres e ricos), Outro tema gerador para Luandino é a reflexao sobre a transformagao trazida pela administragao colonial. O autor revela a dimenséo complexe que esse processo assume em Angola: a promessa de um futuro mais prosper convive ‘com o impacto das méquinas na vida de uma populagio que ve, fascinada e amedrantada, a chegada da tecnologia. Em Quinzinnto, 0 adeus do natrador ao amigo morta ¢ emble- ‘matica do olhar de Luandina para essa questo, Observe: Quinzinho ‘Ail, Quinzinho, aiué Vais a enterrar, Quinzinho, vais quieto como nunca oste. Despedacado pela maquina, Quinzinho, pela maquina que tu amavas, que tu tratavas com amor, desenhando as cur- vas sensuais das rodas, 0 alongado harmorioso das correias sem-fim, ‘Amaquina, Quinzinho, amdquina que te cantava aos ou- vidosa cangao do trabalho sempre igual de todas as semanas e que tu sonhavaslibertar por réguas, compassos, um poema negro sobre papel branco num estirador. ‘Aiué, Quinzinho, aiué. Operério no pode sonhar, Quinzinho, ndo pode. A vida no ¢ para sonhos. Tudo realidades vivas, cruéis. A luta com a vida. ‘Mas tu no eras operdrio, Quinzinho, tu eras um poeta. E 05 poetas no dever ser amarrados as maquinas, ‘Agora vais quieto, mais branco, no teu caixdo pobre. Os teus amigos vao atras tristes, porque tu eras a alegria deles. ‘A tua mae ja no chora, Quinzinho, no chora porque & forte. Ja viu morrer outros flhos. Nenhum morreu como tu. Despedacado pela maquina que te escravizava eque tuamavas. Eu também aqui no meio dos teus amigos, Mas nao vou triste, Nao. Porque uma morte como a tua constr6i liber- dades futuras. € haverd outros a quem as maquinas nao despedacario, pois as méquinas sero escravas deles, que as hao-de idealizar, construr Eos poetas como tu hdo-de canté-las porque elas sera0 um instrumento de libertacdo. Canté-las no papel branco a tinta negra ainda antes de elas nascerem. Por iss0 nao vou triste, ndo, Nao sou talvez 0 teu tinico amigo branco, mas os outros ndo tiveram coragem de te vir acompanhar.E s80 para ti estas rosas vermelhas que trago. S80 a paga da tua estima por mim, a tua amizade que eu sentia quando tu e eu nos encontrévamos, a beira-mar, ou quando naqueles dias & noite atravessavamos os dois a baia das Sguas sem fim. A nossa baia de Luanda, Por isso aqui levo as rosas vermelhas para ti. 0 a minha primeira homenagem aquele poema que tu escreveste com a tua vida ea tua morte. Lembras-te, Quinzinho, naquele dia a gente atravessou a baia © © mar estava mau... E era escuro e 05 teus olhos eget nt nig Pod een 8 i fe habituados iam-me avisando dos perigos. E depois ambos a caminho de casa, tu foste contando o teu amor petas ms- quinas, pelos desenhos de méquinas ‘Aiué, Quinzinho, aiué A tua mae vai triste. Os panos negros, a face quieta & sem expressao lembrando os flhos todos mortos, agora s6. Lembrando a tua alegria. Lembrando quanda tu chegaste da escola a chorar. Era na terceira classe e tu j6 desenhavas automéveis e maquinas, pois nunca gostaste de desenhar ‘coisas pequenas. 550 era bom para nds, desenhar flores € casinhas bonitas. Chorando porque tinhas sido expulso, porque a professora te pusera fora da escola. — Nao quero ladrées na aula! E tu arrependido, arrependido chorando, por que é que ‘0 menino branco brincava sempre com o carro de corda tu no podias? O carro era dele, Quinzinho, e tu um dia escondeste-lo e quiseste levar para casa. No era para ficar ‘comele, no. S6 para brincar com ele um dia, sent-lo teu por um dia, abri-lo, ver bem a corda e as rodinhas que o faziam ‘andar. Maso menino branco no compreendeu (poisnem os mais velhos compreendem!)e fez queixa: — Ladrdo de brinquedos! E chegastea chorar. € nunca mais voltaste & escola. Tinhas de brincar com os teus carros puxados por fios, feitos de caixas de fésforos vazias, com rodas de tampas de gasosas Depoisfoste para aoficina. € ao grande amor pelas maquinas ‘resceu. Eas escondidas do encarregado. — Onde esté o Quinquim, esse rosquelt®, sempre a fugir do trabalho? Desenhavas os tornos, as fresas, os magaricos, o motor gerador e a série de correias que o ligavam as méquinas. E ficavas ali quieto vendo 0 girar constante daquelas fitas intermindveis. Ea noite em casa imaginavas, com essas cor- reias, maquinasestranhas para trazer a agua do chafarizpara 259, para a mae ndo andarnaquele vaivém de lata a cabeca, maquinas para construir muitas €ubiatas a0 mesmo tempo. Eras um poeta, Quinzinho, um poeta do trabalho. Eo teu amor pelas maquinas, por aquelas correias girando hipnoti- camente, trouxe-te a morte ‘A tua mae te lembra, voltando do trabalho, cansado no ‘corpo mas os olhos brithantes e as maos febris construindo, ‘com arames e carros de linha vazios, maquinas fantésticas. Eu me lembro, amigo, dos domingos na praia, com 0 teu ‘alcSo limpo segurando o barco, segurando os esquis para as rmeninas aprenderem. E nos momentos de descanso olhavas para a Teresa com olhos timidos. Teresa dos dentes brancos, de riso facil, que passava a vida a fazer pouco de ti. Mas agora, Quinzinho, ests morto. Tiveste uma morteterrivel. Os bracos sensuais da maquina hipnotizaram-te, quiseste ver mais pertocomo é que ela viva, como faziarespirar as outras maquinas, como faziatranspirar os homens escravizados por ela. E a correia apanhou-te. O braco longo e castanho do polvo apanhou-te, Ea cabeca abriu-se com um som oco de encontro a0 volante do mator. Tu eras fraco, no pesavas quase nada. A maquina fez de ti um brinquedo. Mas os teus olhos demasiado abertos e o sangue ver- metho cobrindo-te a cara perdoavam & tua amante de a) ferro. Claro que ela nao se deteve com a tua morte. Fria e implacdvel, teve apenas uma pausa quando bateste com a cabeca cheia de poemas para ela. Imobilizou-se para te retirarem mas depois seguiu sempre, continuou a cantar a sua cancao de trabalho. foi a homenagem dela para ti, Quando te levaram em bracos ela cantava ainda a cangSo sempre igual de todas as semanas que tu sonhavas um dia libertar E os bracos castanhos mancharam-se de vermelho. Ver- metho como o destas rosas que te trago, Quinzinho, ‘A minha primeira homenagem a um poeta do trabalho que nao chegou a flor. Rosas vermethas para ti, Quinzinho! 8.2.57 VIEIRA Joss Lusndine.Quinzinho.Tn:A edad ea infanci, Sno Paulo: Compania das Lets, 2007. 87-90. (ragmento. ‘Aut expresso de tristeza. de amante, Eetrador:mose na qual oo ost © papel pare desenher Rosqueiro: que ata ale Cater case com tego de fohes: choupana Varias observagdes da narradar ravelam a alhar critica para uma realidade que explora o trabalhador: Quinzinho, 0 operério que amava as maquinas, morre despedacado por uma delas, numa grande Ironia. Simbolo da pragresso que destrOio individuo, @ maquina & insensivel, nao diferencia aqueles que a adeiam daqueles que a amam. A vida nao é para sonhos", adverte 0 narrador, O.que importa € a “Iuta ‘com a vida’ Mesmo diante da morte do amigo, porém, o narrador afirma a cren¢a em um futuro potencialmente melhor. Se hoje os trabalhadares ainda sdo vitimas da maquina, haverd um momento em que essa relagéo sera invertida © 8 seres humanos conseguirao se libertar da posicaa servil em que se encontram. Nesse sentido, a morte de Quinzinho & emblemética da luta a ser travada: "uma morte como a tua constroi liberdades futuras”. Escritor que acredita no papel transformador da lite ratura, Luandino Vieira atribui a seus romances e contos a funcdo de explicitar as diferencas constitutivas do pova angolano, para que delas possa nascer o espirito da auto- determinacao @ 0 desejo de independéncia politica pela qual tanto lutou, Campo do Chao Bom ‘campo de concentrac’o do Tarrafal, canstruldo na regléo meis inéspita de Cebo Verde (denominada, em crioulo, de Tron Bom ~ “Chao Bom") fol criado em 1854 para receber prisionelras aoliticos perseguides pelo govarno de Salazar. Teme conhecido como Campo de Morte, fol desetivedo em 1954, Em 1861, porém, Salazer 0 reativou com a intengéo de silenciar os perticipantes dos movimentos de libertacdo de Angola, Mocambique, Buine-Biasau, S40 Tomé e Principe e Cabo Verde. 165 («

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