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INTOXICACOES INTENCIONAIS POR PRAGUICIDAS Rofael Lonaro Marcos Adriano Vieira Messias Dayanne Cristiane Mozaner Bordin Eduardo Geraldo de Campos 51, PRAGUICIDAS: PASSADO E PRESENTE 0 uso de substancias de origem natural como ‘rxofte, arsénio, mercuirio e chumbo no controle de sragas e em homicidios é relatado desde a Idade An- tga. Jd na Idade Moderna, a partir do século XVII, extratos de plantas, por exemplo, o sulfato de nico- tina obtido do tabaco, a rotenona obtida do timbé e opiretro proveniente de flores secas de plantas do sénero Chrysanthemum cinerariaefolium, come- (ara a ser utilizados como inseticidas, principal- mente para controlar piolhos [1]. Até o inicio da Segunda Guerra Mundial, os inse- Uisias naturais eram a tiniea forma de combate aos isetos, Contudo, pela necessidade espectfica de pro- ‘eger o exército, as pesquisas de novos inseticidas fo- Fatt ainda mais impulsionadas. A busca por compos- ‘os alternativos e mais potentes no combate aos inse- ‘osresultou em um grande crescimento e desenvolvi- Mento da érea de quimica organica sintética e, por consequéncia, resultou no desenvolvimento de varios Mraguicidas que sdo usados ainda hoje. Nesse contex- '9,os inseticidas sintéticos comegaram a ser utilizados &M grande escala pelos soldados durante @ guerra, ‘ata sua propria protegao contra as pragas transmis: soras da doenca do sono, malaria, entre outras nas regides tropicais e subtropicais da Africa e da Asia. Um marco importante para a quimica foi a des- coberta por Paul Muller da atividade inseticida do 1,1,}tricloro-2,2-di(p-clorofenil)-etano em 1939, conhecido como DDT, que acabou Ihe rendendo um prémio Nobel em Medicina. Esse inseticida foi utili- zado pela primeira vez em 1943, durante a guerra, para combater piolhos que infestavam tropas norte- -americanas na Europa e posteriormente tornou-se o praguicida mais utilizado no mundo e também um grande problema para a toxicologia. A preocupagio do ponto de vista toxicologico ocorreu por causa de sua grande persisténcia no meio ambiente e pela facil acumulagéo no tecido adiposo do homem e de ani- mais, causando assim varios desequilfbrios biolégicos na natureza, fatores essenciais que acabaram levando a proibigdo de sua comercializacéo, distribuigao e uso ‘em varios paises, incluindo o Brasil (1,2 Em razdo das caracteristicas e propriedades dos compostos organoclorados, tornou-se necessario 0 desenvolvimento de novos compostos com eficiéncia no controle de pragas. Nesse contexto, surgiram os compostos organofosforados € os carbamatos 520 Os organofosforados foram desenvolvidos nas decadas de 1930 e 1940, primeiramente para serem utilizados como armas quinicas (sarin e tabun) du- rante a Segunda Guerra Mundial, por seus efeitos neurotdxicos, e nao como inseticidas, Estima-se que a Alemanha tenha fabrieado cerca de 12 mil tonela~ desses agentes na Segunda Guerra [3]. Sao com- postos que apresentam toxicidade aguda maior do que aquela dos compostos organoclorados, mas com menor persisténcia ambiental em relagao a estes. A partir da década de 1960, os compostos orga- nofosforados foram introduzidos como uma nova classe de agrotéxicos no controle de pragas. Em 2000, 40% do mercado mundial de agrotoxicos era ocupado pelos organofosforados. Deve-se ressaltar que, durante os tltimos trinta anos, os organofosfo- rados tém sido amplamente utilizados como alterna- tiva para substituir compostos organoclorados no controle de pragas [4]. Outro herbicida também foi amplamente em- pregado em guerras. Durante a guerra do Vietna, soldados norte-americanos usaram o “agente laran- Ja” — uma mistura de dois herbicidas, 0 2,4-D (écido diclorofenoxiacético) e 0 2,4,5-T (acido 2,4,5-triclo- rofenoxiacético) ~ para devastar as florestas vietna- mitas, Ambos os constituintes do agente laranja ti- veram seu uso aceito na agricultura, principalmente 0 2,4-D, dispontvel comercialmente até hoje [3] Os carbamatos tiveram seu desenvolvimento associado ao uso da planta Physostigma veneno- sum, natural do oeste da Asia e conhecida como feijao-de-calabar. Na metade do século XIX, o prin- cipio ativo dessa planta, 0 qual apresentava 0 grupa- mento carbamato e é responsivel pelos efeitos me- dicinais e toxicos dessa planta, foi isolado [2]. A principal utilizagao legal dos carbamatos hoje € no controle de pragas em ambientes doméstico, agrico- la e veterindrio. Segundo a Agéncia Nacional de Vi- sgilancia Sanitdria (Anvisa), existem cerca de 25 di- ferentes tipos de carbamatos disponiveis em dife- rentes marcas comerciais [5]. Por outro lado, a principal utilizagao ilegal dos carbamatos se da por meio do “chumbinho”, que é um produto clandestino irregularmente utilizado como raticida, cuja composicao pode variar e conter diversos tipos de carbamatos (aldicarb, carbofuram) ou de organofosforados (paration, malation). E re: ponsavel por intoxicagdes graves em todo o Brasil principalmente em decorréncia do uso intencional para fins criminosos, como agente abortivo, para eli- munacao de animais domésticos e em tentativas de homucidio e suicidio [6]. TOXICOLOGIA FORENSE Apesar do grande ntimero de compostos para controlar as mais diversas pragas presentes atu, mente no mercado, existe uma demanda crescente por novos produtos, uma vez que os organismos qe. senvolvem resistencia a tais compostos apés certg tempo de contato, Com isso, a quantidade de novos compostos e formula a atingir niveis re. cordes, levando a graves problemas de degradagio ambiental e aumento das intoxicagdes, sendo um dos principais problemas de satide publica no meio rural brasileiro, além dos intimeros casos relatados de intoxicagdes acidentais, intencionais e dos cri- mes de homicidio e suicidio [7,8]. 26.2, PRAGUICIDAS NO CONTEXTO DA TOXICOLOGIA Agrotéxicos, defensivos agricolas, agroquimi- cos, praguicidas, pesticidas, desinfestantes e bioci- das sao denominagdes dadas as substncias ou mis- turas de substancias, naturais ou sintéticas, destina- das a repelir ou combater pragas que podem: (1) consumir ou deteriorar materiais usados pelo ho- mem, incluindo-se af os alimentos; ou (2) causar ou transmitir doengas ao homem ou a animais domésti- cos. Portanto, entende-se por praga as bactérias, os fungos, as ervas daninhas, os artrépodes, os molus- cos, 0s roedores e quaisquer formas de vida danosas ao ambiente ou a satide e bern-estar do homem [9]. A legislacao brasileira, através do Decreto n° 98.816 de 11 de janeiro de 1990 do Ministério da Agricultura, que regulamentou a Lei n° 7.802 de 11 de julho de 1989, introduziu o termo “agrotéxicos € componentes” no Capitulo I, Artigo 2°, inciso XX, XXI. Similarmente, a Organizagao para Agricultura e Alimentagao das Nacdes Unidas (FAO) apresenta a mesma definigio usada na legislagao brasileira para 0 termo “agrotéxico”, que substituiu o termo “defen- sivo agricola” e passou a ser utilizado no Brasil apés grande mobilizagéo da sociedade civil, Mais do que mudanga da terminologia, esse termo ca em evidéncia a toxicidade desses produtos a0 ambiente e a satide. Os agrotéxicos sto ainda genericamente deno- minados praguicidas ou pesticidas [5,10]. Essa defi- nico exclui os fertilizantes e os produtos quimicos nistrados aos animais para estimular 0 cresci- mento ou modificar 0 comportamento reprodutivo. (5,9,10}, A denominagao “pesticida” (do ingles pesti= cide), muito difundida popularmente, parece inade- quada a nossa lingua. Literalmente, significa “0 que mala peste”, e peste, segundo os diciondrios da Int intenci Oxicagoes intencionais por praguicidas 21 | S21 arqua portuguesa, & “qualquer doenea epida Se ge grande pee ae Sai aie como desfolhantes e dessecantes, Contudo, um grave, de alidade”, Portan- ee : ' sere eremosertido de doctgh eee ee, ado reocupante &rlatv & izacto ides que toma 0 angli jue se desea expres Caleula-se que atualmente existam cerca de 1.500 substineias diferentes com acdo praguicida {ingredientes ativos) em todo o mundo, a partir das uals sto produzidas inumeras formulacdes. No Bra. ai, mais de trezentos principios ativos incluidos em mais de 2 mil produtos comerciais diferentes sao re- rados para 0 uso agricola. Os praguicidas sio classificados quanto & sua composigo quimica, toxi- cidade, padrdes de uso e quanto ao tipo de praga a "ser destruida ou controlada [5,10] (Quadro 26.1), Quadro 26.1. Classificagao dos principais tipos de praguicidas ‘Alo de combate a insetos, larvas e formigas; pertencem a quatro grupos quimicos distintos: organofosforados, carbamatos, organoclorados € i piretroides Ago em uma gama variada de fungos; os principais grupos séo: ditiocarbamatos, hexaclorobenzeno, captan, trifenil estanico ; Aco contra ervas daninhas (nos Lltimos vinte anos teve uma ampla utilizacao na agricultura); “ss. seus principais representantes “ese so: bipiridilos, pentaclorofenol, derivados da glicina, derivados do Acido fenoxiacético, triazinas, ureias modificadas, difenil éteres 1] Aca0 contra roedores; icumarinicos -aros; benzilatos, tetrazinas Combat organitinas O mercado brasileiro de praguicidas expandiu- -se rapidamente na tiltima década (190%), num rit- mo de crescimento maior que o dobro do apresenta- do pelo mercado global (93%), 0 que coloca o Brasil em primeiro lugar no ranking mundial, desde 2008, £m_2010, um em cada quatro produtos do agronego- Go em circulacdo no mundo era brasileiro. Segundo 4 Anvisa, na safra 2010/2011, o consumo foi de 936 mil toneladas, movimentando USS 8,5 bilhdes entre dez empresas que controlam 75% desse mercado no Pais (11) A maior utilizagdo dessas substan! agricultura, no combate as mais variadas pragas on, jas esté na como tentativas de sui- cidio, homicidio e maus-tratos a animais, que repre- sentam 0 maior nimero de casos de intoxicagoes fatais (3,7% dos casos em 2012) atendidas pelos Centros de Assisténcia e Informagdes Toxicolégicas (CIAT) no pats (6,12). De acordo com o Sistema Nacional de Informa- 0 Téxico-Farmacolégica (Sinitox), mais de 9 mil ca- sos de intoxicacées por praguicidas (uso agricola, uso doméstico e raticida) foram registrados em 2012 no Brasil, ocupando assim a terceira posigao dos agentes téxicos que mais provocaram intoxicagées. Analisan- do essas intoxicagdes por agrot6xicos em 2012, cerca de 3.700 casos (41%) ocorreram por tentativa de sui- Cidio, homiefdio e violencia ou aborto {12}. Os carbamatos e os organofosforados esto en- tre os mais utilizados na produgdo agricola e nos am- bientes domésticos, colocando-se entre os princi- pais agentes téxicos relacionados aos casos de into- xicacdo aguda humana, em situagdes acidentais ou intencionais, dada a alta toxicidade de alguns desses compostos ¢ a facilidade de sua aquisigao [13, 14]. Os processos de intoxicagdo humana tém se constituido em um dos mais graves problemas de sat- de piiblica, pela falta de estratégias de controle e pre- vencao das intoxicagées. Tudo isso esté associado & {acilidade de acesso da populagio a um niimero cres- cente de substancias licitas e ilfcitas, com alto grau de toxicidade, tornando-se assim um desafio para a toxi- cologia atual, nas dreas clinica, analitica e no aspecto forense das investigacdes toxicolégicas (13,14) 26.3. Paraquat (PQ) © paraquat (PQ) ou 1,1-dimetil-4,4-bipiridil é um herbicida da classe dos bipiridilos, sintetizado pela primeira vez por Widel e Russo em 1882 [15]. Em 1933, Michaelis, no Instituto Rockfeller, produ- ziu o PQ empregando-o como indicador de oxidorre- ducdo, conhecido como metil-viologeno, pois em sua forma reduzida forma um composto de cor azul ‘ou violeta [16,17]. Contudo as propriedades herbici- das desse composto somente foram descobertas em 1955, no Jealott's Hill International Research Center de Bracknell, no Reino Unido, e sua introdugaio no mercado deu-se apenas em agosto de 1962 pela Plant Protection Division Ltd of Imperial Chemical Industries (antiga ICI, atual Syngenta). Sua primeira aplicagao como herbicida ocorreu na Malésia em plantagdes de seringueiras (15,16,18]. B um herbicida de contato, nao seletivo, utili- zado em varios paises do mundo. Ata nas ervas da- nninhas que podem diminuir 0 rendimento das cultu- ras, em gramineas para renovagio de pastagens, em ervas daninhas aqudticas e em ambientes de nao cultivo como aeroportos, em geradores de eletrici- dade, ao redor de prédios, em vias publicas, entre outros. Sua grande utilizagao se deve ao seu efeito rapido em baixas concentragdes, com baixo efeito acumulativo no solo e pelo seu baixo custo em com- paragaio com os demais herbicidas [16]. E aplicado em pré e pés-emergéncia em diversas culturas como desfolhante e dessecante, porém no Brasil sua apli- cacao sofre algumas restrigdes, podendo ser utiliza- do apenas como dessecante ou em pés-emergéncia, e seu limite maximo de resfduo (LMR) ¢ intervalo de seguranga para diversas culturas so preconizados e fiscalizados pela Anvisa (18-21]. Comercialmente, 0 PQ é vendido sob vérios no- mes. A principal linha comercializada é produzida pela Syngenta (Zeneca), porém existem outros fa- bricantes, como Sinon e Iharabras, ¢ 0s nomes co- merciais s4o: Gramoxone®, Gramocil®, Agroquat®, Gramuron®, PQ®, Paraquol®, Crisquat®, Es- gram®, Paradox®, Pramato®, Dextrone X®, Dexu- ron®, Pathclear® e Priglone®, Preeglone®, Wee- dol®, associados com Diquat (outro herbicida da classe dos bipiridilos) [5,22,23]. Esses produtos sao obtidos a partir do dicloreto de 1,1-dimetil-4,4-bipi- ridil e suas formulagdes variam de 25% a 44%, sendo que o solvente utilizado geralmente é agua e outros adjuvantes e substancias odoriferas e eméticas so utilizadas para formar o produto comercial [5,18]. Muito utilizado na agricultura, 0 PQ merece destaque especial dentro da classe dos praguicidas pelo alto indice de intoxicagées e fatalidades que Ihe séo atribuidas, sendo responsével por 13% do total de mortes decorrentes de intoxicagdes por praguici- das e produtos quimicos. Seu indice de mortalidade 6 superior a 70%, principalmente pela falta de um antidoto eficaz que reverta seus efeitos t6xicos. Da- dos do Centro de Controle de Intoxicacoes da Uni- camp mostra que entre 2013-2014 0 PQ foi o se- gundo agente téxico que mais provocou mortes em intencionais (suieidio). Sua toxicidade se sta em varios érgiios, incluindo pulmoes, figa- do, eérebro, rins, coragao, adrenais e muisculos, mas © principal dano ocorre nos pulmoes, culminando em faléncia respirat6ria e morte [15,24]. Varios paf- Ses suspenderam ou restringiram severamente seu uso, além de adotarem medidas como diminuigao da TOXICOLOGIA FORENSE concentragaio @ adigao de substincias odoriferas corantes ¢ eméticas nas preparagdes comerciais Porém em muitos paises ainda ha uso indiscrimina do do herbicida, aumentando os indices de mor. mortalidade mundiais [15]. 26.3.1 Propriedades fisico-quimicas 0 PQ é um sélido incolor, cristalino e higroses. pico cuja formula molecular é C,,H,,N, com peso molecular de 186,3. Na forma de dicloreto é repre. sentado pela f6rmula C,H, N,Cl, com peso molecu- lar de 257,2. Nao é volatil, explosivo ou inflamvel em solugao aquosa. E corrosivo para metais e est4- vel em solugao dcida ou neutra, mas se hidrolisa fa- cilmente em meio alcalino (pH > 12). Os seus sais sao eletrdlitos fortes que, em solugao, dissociam-se em uma grande quantidade de fons positivos e nega- tivos [15,24]. Apresenta solubilidade em gua, pos- sui baixa solubilidade em 4lcoois e é insolivel em hidrocarbonetos, O nome PQ ¢ resultante do posi- cionamento molecular dos étomos de nitrogénio quaternérios, em posi¢ao para (para + quat - erné- rio) (Figura 26.1) [19]. Figura 26.1_Estrutura molecular do herbicida PQ. Fonte: extraido de (19). 26.3.2 Toxicocinética © PQ apresenta absorgio oral répida, porém incompleta (menos de 30% da dose administrada) por sua alta hidrossolubilidade. A absorgao ocorre predominantemente no intestino delgado (baixa ab- sorgao no estémago) e ¢ influenciada por alimentos que podem reduzir a absorgao do herbicida. 0 trans- Porte ativo é o principal mecanismo responsével pela entrada do PQ em todas as células da mucosa. Caso a mucosa do trato gastrointestinal esteja com prometida, em razdo de seu poder de corrosio, 0 percentual absorvido € elevado, gragas difusio passiva [16,25]. O pico da concentragao plasmitica ocorre geralmente apés duas horas da ingestio € seu volume de distribuigao € de 1-2 L/kg [25]. Outras vias como dérmica, ocular e respiratoria apresentam minima absorgao sistémica, porém apreciavel, apesar do risco de dano tecidual local Repetidos ou continuos contatos na derme, esPe cialmente com uma solugao concentrada, podem Intoxicacdes intencionais por praguicidas evar absorgdo pela corrente sanguinea caso a inte- sridade do estrato comeo esteja prejudicada, A ab- sorgio de concentracdes capazes de levar a morte foirelatada em exposigdes ocupacionais cronicas de Q [19.25]. Apesar de numerosos estudos, a distri- puigio do PQ através dos diferentes tecidos ainda nig est bem estabelecida, Dey et al. (1990) estuda- rama toxicocinética em ratos expostos a uma tinica injegdo subcutanea e observaram uma répida absor- «ao, apresentando um T-max (tempo no qual a con- centragao maxima ¢ atingida) de vinte minutos (26) A distribuigao foi mais bem caracterizada por um modelo bicompartimental. A média do tempo de meia-vida de eliminagao foi de aproximadamente quarenta horas. O PQ foi rapidamente distribuido para a maioria dos tecidos, apresentando concentra- gées elevadas nos rins, figado, eérebro, bago, mtis- culos e pulmdes (principais reservatérios) e as con- centragdes maximas nos rins e nos tecidos pulmona- res foram atingidas em cerca de quarenta minutos ands a exposicdo [26]. No entanto, a maioria dos pesquisadores concorda que a cinética de PQ no plasma é mais bem descrita por um modelo tricom- partimental [16,19], Apenas uma pequena frago do PQ administra- da oralmente é metabolizada, sendo que a maior par- teéexcretada inalterada pela urina [24], com mais de 90% da dose absorvida sendo eliminada pelos rins na forma inalterada nas primeiras doze a 24 horas apés a ingestio, A redistribuigao dos pulmoes e muisculos para corrente sanguinea é lenta, com meia-vida de aproximadamente 24 horas, apresentando perfodo de \deteccao de baixas concentragdes de PQ na urina por ‘ros dias apés sua administragao [25] 26.3.3 Toxicodindmica O real mecanismo de agao do PQ ainda esta in- certo, Entretanto, sabe-se que, apés a sua entrada ha célula, o PQ sofre processos de reducao e oxida- ‘% continuas que sao conhecidos como ciclo redox, \desencadeando a formacao de radicais livres e espé- ‘les reativas de oxigénio, entre elas 0 radical supe- Toxido (0,), 0 perdxido de hidrogénio (H,O,) € © Fadical ludroxila (OH), os quais sao instdveis € rea- Set rapidamente com acidos graxos, provocando ‘esto nas membranas, proteinas € DNA [15,16]. 0 Fa reage como uma substaneia doadora de elétrons © 0 fosfato de nicotinamida adenina dinucleotideo (NADPH) sofre redugao por agao da enzima NA- DPHt-ctocromo P450 redutase, o que resulta na ge- Fa¢ao de um radical PQ. O radical formado € alta- 523 / mente instavel e transfere um elétron para 0 oxigé~ nio molecular, formando 0 radical anion superdxido (0,), que 6 uma espécie altamente reativa. Dessa forma se inicia 0 ciclo redox {5}. © 0, que se forma pode ser detoxificado pela cdo da enzima superéxido dismutase (SOD), pro- duzindo o peréxido de hidrogénio. Esse produto for mado € removido através da enzima catalase. Entre- tanto, a SOD pode ser suprimida pela grande quan- tidace de superéxido que vai sendo produzida quan- do ha altas doses de PQ. Dessa forma, os anions su- peréxido sofrem uma reagao de dismutagao nao en- Zimatica, formando 0 oxigénio singleto, que ataca os lipfdios insaturados das membranas celulares, dan- do origem a radicais livres lipidicos que, espontane- amente, geram radicais peroxil lipidicos. Esses po- dem reagir com outros acidos graxos poli-insatura- dos, produzindo um hidroperéxido lipidico e mais radicais livres lipidicos, propagando o processo con- tinuamente como uma reacdo em cadeia chamada peroxidacao lipidica [5,15,19} A morte celular ocorre quando as fungdes so alteradas pela reacao das espécies reativas de oxige- nio com o DNA, as proteinas e as membranas celula- res. O balango entre a geracio de radicais de oxige- nio e sua dissipacao pelos sistemas celulares antio- xidantes (SOD, catalase, glutationa-peroxidase e vitaminas C e E, sistemas que requerem um periodo de tempo para sua adaptacdo e equilfbrio) é altera- do, possibilitando que espécies reativas ataquem as biomoléculas, tendo como consequéncia o dano te- cidual. Tal mecanismo descrito pode explicar as le- ses nos principais érgios-alvo [5,15,25]. 26.3.4 Efeitos toxicos agudos As manifestagoes clinicas comumente presen- tes nas intoxicagdes agudas por PQ esto resumidas por tipo de sistema no Quadro 26.2 [25] Quadro 26.2 Manifestacées clinicas agudas do PQ por sistema Necrose tubular agud: tubular proximal, oliguria Coma, convulsbes ¢ edema cerebral Tosse, afonia, pneumotérax, hemorragia, fibrose, mediastinite, alteracdo faringea (membrana) (continua) isfungao urinario Nervoso central Respiratério 524 Quadro 26.2 Manifestacdes clinicas agudas do PQ por sistema (continua¢ao) Hipovolemia, choque, disritmia Cardiovascular Leucocitose precoce, anemia tardia Corrosao da pele, da cérnea, da conjuntiva e da mucosa nasal Circulatorio Dermico Insuficiéncia adrenal causada pela necrose adrenal (faléncia multipla dos 6rgaos) Ulceragao e corrosao orofaringea, nausea, vomito, diarreia, disfagia, perfuracao do es6fago, pancreatite, necrose hepatica, colestase Endécrino Gastrointestinal 26.4 GLIFOSATO © glifosato ou sal isopropilamina de N- -(fosfonometil)-glicina foi descoberto em 1971 por Franz e em 1974 foi introduzido no mercado europeu como herbicida. E 0 herbicida mais vendido e consu- mido em todo 0 mundo (27,28). Seu uso é registrado legalmente em mais de 130 paises, sendo seu primei- ro e principal produtor atualmente a Companhia Monsanto, porém outros fabricantes como Syngenta, Cheminova, Agripec, Helm, Atanor, Nortox, Sinon e Milenia também produzem o glifosato. Comercial- mente o glifosato ¢ registrado como Roundup®, Gli- fosato®, Agrisato®, Glifogan®, Glifonox®, Rodeo®, Rondo®, Bronco®, Weedoff®, Pasor®, Radar®, Po- laris®, Scout®, Trop®, Zapp QI® e Sting®. Sua for- mulacao original contém o sal de isopropilamina (41%), um surfactante de _polioxietileneamina (15,4%) e agua [5,23,27]. Essas formulacdes descri- tas podem apresentar variagées na concentragao, no tipo de surfactante e no tipo de sal utilizado, sendo encontrados os sais de monoamdnio, diaménio, ses- quissédio, potassio, trimetilsulfonil (trimesium), en- Ire outros sais que aparentemente apresentam toxici- dades diferentes, enquanto o principal surfactante utilizado ¢ o polioxietileneamina (5,25). O glifosato possui um ingrediente ativo de bais xa toxicidade para humanos, animais, insetos e mi- crorganismos, sendo denominado “virtualmente nao toxico”. Contudo, € formulado com diversos ingre- dientes, denominados de “inertes”, que so respon- saveis por intimeros efeitos agudos letais e cronicos [25,27]. As principais substancias inertes presentes nas formulagdes de glifosato so 5-cloro-2 metil- TOXICOLOGIA FORENSE -3(QH)-isotiazolona, FD&C azul n° 1, glicerina, do-2-propinil-butil-carbamato, destilados de pets. leo, metil-p-hidroxibenzoato, propilenoglicol, sulfite de s6dio, benzoato de s6dio, Acido s6rbico e fenilfe. nol, O grande sucesso nas vendas do glifosato se deve a elevada eficiéncia na eliminagao de ervas da. ninhas, com a vantagem adicional de ser de baixa toxicidade aos que o manipulam, a comunidade e ag ambiente, Apesar de o herbicida ser citado como pouco txico, ha evidéncias de efeitos deletérios em seres humanos decorrente da toxicidade ambiental, causando danos indiretos e também levando a resis- téncia de algumas espécies de ervas que se adaptam apés o uso prolongado do herbicida [29]. O glifosato é um herbicida sistémico, nao sele- tivo e de pés-emergéncia, muito utilizado na agricul- tura e em outras dreas nao cultivadas para o contro- Je de ervas daninhas anuais e perenes [30]. No Bra- sil, tem sido amplamente utilizado na agricultura, principalmente como dessecante, maturador, apli- cado pés-emergéncia em cultivos sob plantio direto, nas entrelinhas de culturas e na eliminagao de plan- tas daninhas em ambientes aquéticos [21,28]. No uso nao agricola, é empregado em margens de rodo- vias e ferrovias, areas sob a rede de transmissao elé- trica, patios industriais, oleodutos e aceiros, para fins de erradicar plantagdes rasteiras que crescem naturalmente e podem comprometer o funciona- mento desses locais/objetos, e também é empregado como domissanitdrio na jardinagem [21]. Na década de 1970, apés a constatagiio da toxicidade relaciona- da ao paraquat, quando este era aplicado com pro- P6sito de erradicagao das culturas de substancias ilicitas, como a Cannabis sativa, houve a sua subs- tituigdo pelo glifosato, que 6 até hoje utilizado como Propésito de erradicacao das culturas de Cannabis sativa L, Erythroxylum coca e Papaver somnife- Tum. em alguns paises da América Latina, principal- mente na Colombia - em uma acéo governamental chamada “Plano Colémbia”, popularmente conheci- da como War of Drugs. O glifosato é o segundo her- bicida, apés o PQ, mais utilizado para cultivos ilici- tos da Erythroaylum coca na Colémbia (31-33). 26.4.1 Propriedades fisico-quimicas O glifosato apresenta formula molecular C,H- sNO,P (m.m. = 169,1 g/mol) e, na forma de sal de isopropilaménio, apresenta-se acrescido do grupo (CH,),CHNH,’ (m.m. = 228,2 g/mol)’. Em condigées ambientais, tanto 0 glifosato quanto seus sais sao s0- lidos cristalinos, muito soliveis em agua (12 g/.a25 ES TT 1c, para glifosato) € quase insoliveis em solventes arginicos comuns,tais Como acetona e etanol, entge guiros.Funde-se a 230°C, possui densidade apaten. te de 05 gem’ © Se apresenta bastante estivel em resenca de luz, inclusive em temperaturas superio. yes. 60 °C. Nao apresenta grupos croméforos e flu- {riforos, o que impede a sua deteccio por detecto. resconvencionais (absor¢do UV/VIS e detectores de ftuorescéncia) [29, 34). O glifosato € um organofosforado pertencente go grupo quimico dos aminodcidos fosforados @ apresenta um comportamento zwiteriénico, Amino- fcidos e derivados apresentam comportamento zwi- teridnico, ou seja, em stia estrutura o grupo carboxi- lico apresenta carater mais fortemente écido que o grupo aménio [35]. No caso do glifosato, os grupa- mentos fosfato e carboxilico tém carater acido supe- rior aquele do grupamento aménio, Em pH inferio- res 20,8, 0 glifosato se apresenta com uma protona- io no sitio da amina. Em pH 0,8, valor da primeira constante de dissociagao, tem-se 50% das moléculas possuindo essa protonacdo e as demais moléculas com uma dissociagdo no grupo fosfato. A partir des- se valor até pH 2,2, tem-se predominancia da forma molecular, com uma dissociagao (PO,H) e uma pro- tonacao (NH,"), sendo que, em pH 2,2, 50% do com- Posto j4 possuird duas dissociagées, embora mante- nha a protonagdio no grupamento amina. Entre pH 2254, o herbicida se mostra com predominancia da forma com duas dissociagées, tendo, do mesmo modo, 50% das moléculas com trés dissociagdes em pH5,5. A partir de pH 5,5 até 10,2, tem-se trés dis- sociagdes. Nesse pH ocorrem as formas com trés € quatro dissociagdes e, entdo, o glifosato se apresenta totalmente dissociado acima de pH 11. Os valores da Constante de dissociagao (pKa) do glifosato sao pKa, =08, pKa, = 2,16, pKa, = 5,46 e pKa, = 10,14 (29,35). Microrganismos degradam o herbicida glifosato €m cido aminometilfosfonico (AMPA), principal 'metabslito e produto de degradagao no ambiente, Comumente encontrado por um perfodo de tempo Taior em amostras de solo, agua e outras matrizes. Niveis de AMPA encontrados representam em me- dia cerca de 10% do glifosato presente (dependen- do do tipo de matriz aplicada). Alguns paises nao consideram 0 AMPA de importancia toxicologica, Por isso nao se tem estabelecido LMR em culturas Snide 0 glifosato é aplicado. Porém, em outros pa Ses, como Canada, ja se tem estabelecido tais limites bara o AMPA, pois atua como um marcador de exPO- Si¢20 ao glifosato, principalmente nas culturas tole- ‘encionais por Praguicidas eh Tantes ao glifosato (36). Suas propriedades fisico- ~quimicas sao semelhantes js do glifosato, ¢ sua to- Xicidade aguda comparada ao composto original 6 Menor para os mamiferos, porém maior para seres aquiiticos (DL,, oral e dérmica em ratos, maior que 5.000 mg/kg para o glifosato e 8.300 1 para AMPA) [25,30,36). ws 26.4.2 Toxicocinética O glifosato e seu principal metabélito, AMPA, apresentam em sua estrutura dcido fosfonico, cujos valores de pK, so baixos e, portanto, ambos os compostos so absorvidos no limen intestinal. Con- tudo, somente de 15% a 36% da dose oral adminis- trada repetida ou unicamente 6 absorvida principal- mente no intestino delgado, demonstrando assim que 0 glifosato e AMPA so mal absorvidos meso em condigdes dcidas favoraveis [36]. ‘Apés a absor¢ao, glifosato e AMPA sao distribu- fdos no organismo, sendo encontrados principal- mente nos intestinos, nos ossos, no célon e nos rins. A concentracdio plasmtica de pico é observada duas horas aps a administragéo oral em humanos e apés 6 horas e 30 minutos em outras espécies animais. A biotransformagao para o glifosato em mamiferos 6 minima, sendo que apenas cerca de 0,5% a 1,0% do glifosato € convertido pelo metabolismo bacteriano para o AMPA, que nao é metabolizado pelo organis- mo [5,25,36]. Como esperado para as substancias que ndo so bem absorvidas pelo trato gastrointesti- nal, as fezes constituem a principal via de elimina- io. As pequenas fragdes absorvidas de glifosato e AMPA sio rapidamente excretadas pela urina, qua- se que exclusivamente na forma inalterada. Em in- toxicagées, a meia-vida de eliminagao é de duas a trés horas, apresentando para fungdo renal normal e, caso esta esteja comprometida, a meia-vida sera maior, dependendo da quantidade exposta [25,36]. Resultados de estudos sobre a eliminagao de sglifosato e AMPA apés doses orais repetidas mostra- ram que ndo hi efeitos significativos na eliminagao quando comparados com aqueles observados apés exposigdo a uma tinica dose e que ambos os com- postos nao apresentam acumulagdo. A demora na eliminagao dos ossos 6 explicavel pela interacio re- versivel entre 0 dcido fosfenico presente no glifosato @ AMPA com os fons céleio (mesmo mecanismo de acumulacao no ambiente, variando apenas os tipos dde matrizes) [36]. Em estudos ir vivo com macacos ‘ezus e in vitro utilizando tecidos humanos, a ab- rh -a apresentou valores menores sorgao por via cutane: que 2%. Portanto, 0 potencial para indugao de efel- tos sistémicos ¢ limitado pela combinacao da baixa absorgao e ripida excregao do glifosato ou AMPA apés exposigdo oral ou cutanea [5,36]. 26.4.3 Toxicodinamica ‘O mecanismo de agiio do glifosato puro e dispo- nivel comercial mente em formulagdes ainda é ques- tionado. O estudo e a elucidagao do mecanismo sto dificultados pela grande variedade de sais de glifosato € de surfactantes, produtos inertes e concentragdes presentes nos diversos produtos comerciais [37] Muito embora se saiba que o herbicida inibe a enzima enolpiruvil shikimato-3-fosfato sintase (EPSP) em vegetais, a auséncia de enzima equivalente em mami- feros impossibilita atribuir a toxicidade do glifosato a esse mecanismo de agio [30]. Apesar de ser um herbicida organofosforado, © glifosato nao é um inibidor da enzima acetileoli- nesterase e, portanto, nao induz os efeitos decor- rentes do actimulo de acetilcolina no espaco inter- sinaptico (5]. O glifosato aumenta o consumo de oxigénio, da atividade ATPase, interrompe a ativi- dade da enzima aromatase (responsavel pela sinte- se de estrégenos) e a alteracao dos niveis de RNAm € reduz os niveis hepaticos do citocromo P450. Em. razdo da reducao dos niveis de citocromo P450, ocorre interferéncia no metabolismo de alguns far- macos, podendo originar uma predisposi¢ao para porfirias [32]. Em estudos utilizando mitocéndrias isoladas do figado de ratos, constatou-se que o gli- fosato age desacoplando a fosforilagao oxidativa e interferindo na reagdo trans-hidrogenase depen- dente de energia (5,32) 26.4.4 Efeitos toxicos agudos As manifestagdes clinicas comumente presen- tes nas intoxicagdes agudas por glifosato esto rest midas por tipo de sistema no Quadro 26.3 [5,25]. Quadro 26.3. Manifestagoes clinicas agudas do gli- fosato por sistema Necrose tubular aguda, insuficiencia renal hemataria, oligitia, anuria Urinario Alteracao da consciéncia e estado Nervoso central mental, letargia (continua) TOXICOLOGIA FORENSE Quadro 26.3. Manifestacées clinicas agudas do gi. fosato por sistema (continuacao) Hipoxia, lesdo pulmonar aguda, irritagdo, erosao das mucosas do trato respiratorio, sensibilidade na via respirat6ria superior, broncoespasmo (raro) Choque, disritmia, taquicardia, palpitacdes, arritmia ventricular, hipotensdo, bradicardia e parada cardiaca Respiratério Cardiovascular Leucocitose Irritagao, piloerecdo, eritema, dermatite de contato Circulatério Dérmico Acidose metabilica, hipertermia, elevacao da amilase sérica, bilirrubina e desidrogenase léctica e hiperpotassemia Néuseas, vomitos, hiperemia da mucosa, odinofagia, disfonia, aumento da salivacao, erosio, ulceracdo, esofagite, gastrite Conjuntivite e edema periorbitario Endécrino Gastrointestinal Ocular |26.5) Compostos ORGANOFOSFORADOS E CARBAMATOS Os primeiros compostos organofosforados foram sintetizados por um grupo de pesquisadores alemdes liderados por Gerhard Scharader na Farbenfabriken Bayer, em 1937, para substituir aos organoclorados, em virtude de caracteristicas indesejéveis como a bio- acumulagao [38]. Esses compostos so utilizados na agricultura como praguicidas e, atualmente, sua utili- zacao no Brasil representa 50% da quantidade usada em toda a América Latina. Para Eddleston (2015), esse uso indiscriminado, a falta de utilizagao de equi- Pamentos de protecao individual na aplicagao, tem contribufdo para um ntimero expressivo de intoxica- GOes agudas e crénicas [39], Além do uso como pragui- cidas, os organofosforados também siio usados como antioxidantes e estabilizantes para plisticos e éleos industriais, e em diversas areas de aplicagio, por sua resisténcia a corrosao, extraco e complexacao [40]. Muitos dos inseticidas contendo fésforo sao de- tivados dos Acidos fosforico e tiofosférico com acao de inibigdo da enzima acetilcolinesterase. A formula estrutura geral dessa classe de compostos € apre- sentada na Figura 26.2. A toxicidade dos compostos organofosforados depende da posicao dos atoms de oxigénio e enxofre na estrutura. : X = O,Sese nl : alquil, SR’, OR ou NHR’ Se halogenios; alqul, aril i ‘ou heteraciclicos, ya262_ Estrutura basica dos inseticidas orga- i nofosforados. “se Fone: enrai de 415) dos oe ePalsonganotestorados comer Ais Peles companhins agroqulmieas soo paration, ul paration, clorpirifés, terbufés, malation, mo- Rocrotofés, diazinon, fenitroti 2 oo ‘ ion e dimetoato (Figu- «i “ty x | s$ NaoN & s lo. yee. PON, RAL cl "So 07 So — titel partion) Clrpintés oo = a Iyer jest ple PN oN Soho SA o-Ps Nop sy Q Aw A Menoeottos Matson bine Figura 26.3 Principais compostos organofosforados. O primeiro praguicida carbamato com proprie- dades fungicidas foi sintetizado em 1930. O grupo dos carbamatos ¢ formado por derivados do acido N-metil-carbimico ¢ dos Acidos tiocarbamatos e di- tigearbamatos, sendo que estes tiltimos néo séo ini- tidores das colinesterases. Entre 0s derivados do acido N-metil-carbémico, incluem-se 0s metilcarba- natos (aldicarb e carbaril), os carbamatos feril- -substituidos (propoxur) e os carbamatos cfclicos (carbofurano) [42]. Os carbamatos registrados para ‘so agricola sto: o aldicarb (Temik 150®), 0 carbari (Sevin®, Carbaryl®), 0 carbofuran (Furacarb®, Carboran®, Furadan®), 0 metomil (Methomex®, lannate®), 0 benfuracarb (Afitrix®), 0 mancozeb (iziman®), o carbosulfano (Fénix®), 0 cloridrato e propamocarbe (Previan®, Tattoo®), 0 ipravoli- ‘atb (Pésitron Duo®); os registrados para uso vele= Thério sto o carbaril (Curadil®, Farmaril®), 9 me tomil (Vetomil®) eo propoxur 24 (Kiltix®, Tani Ale, Bolfow), entre outros [42]- 265.1 Toxicocinética beg oS orssnofosforados e carbamatos apresentam sorgdo pelas vias oral, dérmica e respirat6ris, om. velocidade dependente de fatores como a formula~ do, propriedades fisico-quimicas do composto e condigdes do ambiente [43], sendo a via respiratéria amais eficaz, seguida pela oral e dérmica. Enquanto a exposigdo pelas vias respiratoria e dérmica so as formas mais comuns nos casos ocupacionais e aci- dentais, a via oral 6 a mais comum nos casos de ten- tativa de suicidio e de homicidio, Os organofosfora- dos s40 muito bem absorvides pelos pulmdes, pelo trato gastrointestinal, pela pele, por membranas mu- cosas e pela conjuntiva. A presenga de fissuras na pele, dermatitee temperaturas mais elevadas tender ‘a aumentar a absorgao cutanea. Os carbamatos S80 em absorvidos através da pele e membranas muco- sas, bem como por inalago e ingestao [44], ‘A maioria desses compostos apresenta caréter lipofiico, podendo se acumular em tecido adiposo. Efeitos toxicos podem acontecer em pacientes cujos depésitos de gordura contendo organofosforados sso mobilizados, Alguns desses compostos apresen- tam pico maximo de concentragao de trinta a qua renta minutos apés a exposigao por via oral. Depois de sua distribuigdo pelo organismo, os compostos forganofosforados e carbamatos se encontram em s27p/\ fh 528 maiores concentrages nos drgaos e tecidos envolvi- dos com a sua biotransformagao. A maioria deles so- fre hidrolise, hidroxilacdo e conjugagao no figado e na parede intestinal, sendo que 90% da dose absorvida 6 excretada pela urina dentro de trés dias [43] Pode-se diferenciar os carbamatos dos organo- fosforados por meio de parametros toxicocinéticos. Os carbamatos nao atravessam facilmente a barreira hematoencefillica e, portanto, seus efeitos sii mais limitados. Apenas os carbamatos mais lipofilicos po- dem alcancar concentracées significativas no sistema nervoso central e/ou outros tecidos ricos em lipidios. Entretanto, a maioria dos carbamatos nao desenca- deia sintomatologia excessiva proveniente de estimu- lacdo colinérgica no SNC, sendo que, quando esses sintomas esto presentes, podem ser considerados TOXICOLOGIA FORENSE sinais de gravidade da intoxicacao [43]. Além disso, q ligagdocarbamato-acetilcolinesterase (AChE) nao provoca o envelhecimento da enzima, e, portanto, seu quadro é caracterizado como reversivel, uma vez, que a hidrélise acontece espontaneamente [22,41] [As reacdes de biotransformagao de organofos- forados em mamiferos ocorrem de maneira acelera- da e os produtos formados podem ser ativos ou ina- tivos, Considere, por exemplo, a biotransformacao do metil paration (Figura 26.4). Apés reagao de oxi- dagdo, 0 metabdlito ative paraoxon (DL,, oral em ratos = 760 yig/kg), mais toxico que o precursor, é obtido. Dependendo ainda da persisténcia da forma bioativada no organismo, pode-se inferir que a estas poderd interagir com seus sitios de ago varios dias apés a tiltima exposi¢ao [38,4546]. on{_\ 0-100 | Metil paration me Desarilagao ou hidrdlise ° I oc, prnitrofenol Inibicdo da colinesterase °. ~ <)- p-nitrofenil glucoronideo HO—P —OcH, Dimetilfosfato Desarilagao ou hidrélise ocH, Dimetittiofosfato a <)-« prritrofenol | COOH Ho’ ‘OH p-ritrofenilsulfato Figura 26.4 _Processos de biotransformagao do metil paration (organofosforado). wAxicasoes intencionais por praguicidas 26.52 Toxicodinamica (Qs organofosforados e os carbamatos sao con- ajerados agentes anticolinesterdsicos, uma vez que piven a enima acetilcolinesterase (ACHE), res- ponsavel pela degradagao do Neurotransmissor ace- iicolina (ACh) na fenda sinaptica [47]. A ACh 6 0 peurotransmissor encontrado tanto nos ganglios pa- rassimpaticos como Nos simpaticos [41], sendo um | emento necessério para a transmissdo do impulso nervoso para todas as fibras pré-ganglionares do sis- "tema nervoso auténomo (SNA), para todas as fibras © parassimpéticas pés-ganglionares e também para algunas fibras simpaticas p6s-ganglionares [5]. Apés o evento da despolarizagao do axénio ter- ninal, vesiculas contendo ACh fundem-se com a membrana externa do axdnio e, consequentemente, hia liberagdo do mediador quimico no espaco inter- sindptico ou entre a fibra nervosa e a célula efetora [41]. Em seguida, a ACh liga-se a um receptor coli- nérgico (nicotinico ou muscarinico), gerando, dessa forma, um potencial pés-sindptico e, portanto, a propagacao do impulso nervoso. Posteriormente, a fim de evitar uma hiperestimulacao nos receptores colinérgicos, pelo actimulo de ACh na fenda sindpti- ca, esse mediador quimico sofre o fendmeno da hi- drdlise mediante a ago da enzima AChE. A ACh se decompoe em colina e dcido acético, sendo que um dos produtos formados por essa reacdo, a colina, vol- tapara a célula e reage com a acetilcoenzima A sob a catalise da colina acetiltransferase. Uma nova molé- cula do neurotransmissor é novamente formada e ar mazenada dentro da célula, em vesiculas presentes brincipalmente nas terminagdes do axénio [43]. As colinesterases, um grupo de enzimas Tes- Ponséveis pela hidrélise de ésteres, apresentam-se sob duas formas diferentes: a AChE, também conhe- cida como colinesterase especifica, verdadeira ou etitrocitaria, e a butirilcolinesterase (BuChE), tam- bem denominada de pseudocolinesterase, colineste- Tase plasmatica, inespeeifica ou sérica [44]. AAChE, principal colinesterase envolvida no mecanismo de loxicidade desses praguicidas, € sintetizada na eri: ropoese, com renovacao de noventa a 120 dias. gE encontrada no tecido nervoso, na jungao neuromus Cular € nos eritrécitos [5]. A BuChE hidrolisa varios éteres, entre eles a acetilcolina. Sintetizada no figa- 0, com renovacao de trinta a sessenta dias, ess* enzitna esta localizada principalmente NO plasma, NO “ado, no pancreas, na mucosa intestinal ¢ na SUDS- \aicia branca do SNC [5]. A enzima AChE apresenta esterasico na sua estrutura, i UMN sitio anionico e um ~~. de modo que as interagdes enzima-substrato ocor- Tem através de forgas eletrostaticas, interagdes di- polo-dipolo, interagées hidrofébicas, pontes de hi- drogénio e forcas de Van der Waals (43). Em relagdo aos inseticidas, tem-se que 0s orga- nofosforados se unem somente no sitio esterasico da enzima, na qual o fésforo forma uma uniao covalente € estavel (enzima fosforilada). A reagao de esterifi- cacao é potencialmente irreversivel na presenga de alguns inibidores, e a regeneracao da enzima € lenta, podendo prolongar-se durante meses, sendo deter- minada pelo tempo requerido para a sintese de no- vas moléculas de ACHE [1]. A inibigdo das colineste- rases pelos carbamatos é instavel e reversivel e a recuperacao da atividade enzimatica é muito mais rapida quando comparada aos organofosforados, Esse processo ocorre formando, primeiramente, um complexo reversivel carbamato-acetilcolinesterase, seguido da reagao de carbamilagao irreversivel da enzima e, finalmente, a descarbamilagdo por hidroli- se. A enzima original é liberada e 0 carbamato fica desmembrado e sem atividade como agente antico- linesterdsico [5]. 26.5.3 Efeitos toxicos agudos Como 0s inseticidas organofosforados e carba- ‘matos atuam como inibidores da AChE, impedindo a hidrélise da ACh, esta titima, quando acumulada, pode provocar sindrome colinérgica, caracterizada pela presenga de fasciculagdes musculares, sialor- reia, broncorreia, diarreia, bradicardia/taquicardia, miose, hipotonia, sudorese e vomitos [48]. Os car- bamatos, além da inibigdo reversivel da AChE, in- duzem outros efeitos bioquimicos e farmacolégi- cos, incluindo um decréscimo de atividade metab6- lica do figado, alteragdes dos niveis de serotonina no sangue e um decréscimo da atividade da glandu- la tireoide [49]. ‘A intoxicagao por inibidores da colinesterase tem um quadro clinico de acordo com o grau de ex- posigao, que podem aparecer entre cinco minutos e 24 horas [40]. O quadro clinico é constituido por ‘efeitos muscarinicos, nicotinicos e do SNC, como sa- livagio, miofasciculagées, sudorese e miose. Em se- guida aparecem a broncorreia, ansiedade, fraqueza, tremores, hipotensio, taquicardia, vomitos e néuse- ‘as, Os sintomas observados com menor frequéncia rsuficiéncia respiratoria, dispneia, desorienta- ao, torpor, agitacao, hipertensao, bradicardia, céli- ca abdominal, diarreia, hipotermia, cianose e coma {38,4046 }\ 529 )\/\/\ 530 26.5.4 Armas quimicas Segundo a OMS, os agentes quimicos de guerra sio substancias empregadas por causa dos efeitos t6- xicos provocados em homens, animais e plantas [50] Essas substancias tém sido utilizadas nas guerras desde tempos remotos; por exemplo, em 600 a.C. os atenienses envenenavam as aguas de um rio com raiz de helsboro, e entao os inimigos consumiam a égua e apresentavam intensa diarreia. Mas foi a partir da Pri- meira Guerra Mundial que essas armas ganharam a conotagio de armas de destruigao em massa, pois fo- ram amplamente utilizadas com a finalidade de pro- vocar injtirias e/ou mortes [51] Na Segunda Guerra Mundial, algumas substén- cias foram empregadas pelos alemaes nas cémaras de gas com a finalidade de exterminar civis e milita- res, e durante esse perfodo foram desenvolvidos os mais potentes agentes quimicos de guerra: os orga- nofosforados neurotéxicos, ou “agentes dos nervos”. Esses agentes possuem toxicidade varias vezes maior do que seus similares e foram inicialmente planejados como praguicidas. Nas tltimas décadas, devido ao baixo custo e facil manufatura, os organo- fosforados passaram a ser alvo de interesse de orga- nizagdes terroristas, fazendo com que a defesa con- tra tais agentes passasse a ser um foco de preocupa- ‘cdo tanto no meio militar quanto civil. Na Guerra do Vietna, empregou-se o desfolhante conhecido como agente laranja, que devastou a floresta vietnamita, além do emprego do napalm ~ uma mistura de acido nafténico e Acido palmitico com caracteristica in- cendiéria -, agente que fez diversas vitimas. Na Guerra Ira-Iraque foram amplamente empregados 0 agente mostarda e os agentes neurotéxicos, que fi- zeram mais de 45 mil vitimas 14,51). Mesmo tendo sido sintetizados durante a Se- gunda Guerra Mundial, o primeiro relato de utiliza~ cao de um agente de guerra neurotoxico foi em 1988, com 0 uso do “agente sarin” pelo Iraque con- tra os curdos. O mesmo “agente sarin” foi usado em 1995, em um ataque terrorista no metré de Téquio, em 2002 uma substancia conhecida como BZ (-quinonuclidinil-benzilato) foi empregada pelas forcas russas para libertar reféns [50,51] Em 1937, Gerhard Schard desenvolveu a formula geral dos compostos organofosforados, e ocorreu nes- se periodo a fabricagao do GA (tabun) e GB (sarin), Esses compostos foram empregados primeiramente durante a Guerra do Golfo Pérsico pelo Iraque contra 0s rebeldes curtos. Além de terem sido empregados como agentes quimicos de guerra, atualmente alguns TOXICOLOGIA FORENSE organofosforados sao amplamente utilizados coma praguicidas (inseticidas). Uma lista com os principaig compostos é apresentada no Quadro 26.4 (50). Quadro 26.4. Principais compostos organofosforados co-etil dimetil . Mi aminofosforil cianeto | Muito volsti Isopropil metilfosforofluoridato GB (sarin) Volatil Volatilidade moderada Pinacolil metilfosforofluoridato GD (soman) Pouco volatil (6leo) o-etil s-di-isopropi aminometil vx 26.5.5 Aldicarb Sintetizado na década 1960 por Payne e Wei- den, 0 aldicarb 2-metil-2(metiltio)-propionaldeido 0-(metilearbamoil) foi introduzido na agricultura em 1970 com o nome de Temik 150® (Figura 26.5). Por sua elevada eficacia, foi registrado mundialmen- te como inseticida, acaricida e nematicida para uma grande variedade de culturas agricolas (7]. Gesso Aldicarb (150g/kg) 15% de material ativo Agente ligante Grafite Figura 26.5 Estrutura do Temik 150® [52] A comercializacao e 0 uso do Temik 150® no Brasil atualmente estdo proibidos, exceto nos esta- dos da Bahia, Minas Gerais e Sio Paulo, que autori- zam seu uso para agricultores certificados e proprie- dades cadastradas pela empresa fabricante, em cul- turas de batata, café, cana-de-agticar, citros e vivei- ros de mudas citricas [53]. 0 aldicarb 6 absorvido com facilidade no trato gastrointestinal e, em menor intensidade, através da pele. Sofre biotransformagao hepatica, que envolve os fendmenos da hidrdlise do éster carbamato ¢ oxi- dagao do enxofre, sulf6xido e sulfona. A hidrélise ocorre lentamente e produz aldicarb oxima e aldicarb nitrila, compostos com pouca ou nenhuma atividade

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