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Na direcdo contrdria as ciéncias naturais CE ToD tau en eLee)ksa I Od ‘a teoria antropolégica sobre a questdo de nero, nas quais o feminino e o masculino Elokse]8) (10 0 oNee)a i egt (ee [cele] entre 08 quarenta e seis cromossomos do mapa ge- nético humano, apenas um, diferencia bilogicamente as mulheres dos omens. Entretanto, esse detalhe microscépico foi o suficiente para dividir quase toda huma- nidade em dois grapos que se interpene- tram sem nunca perderera sua distingso bsica, Muitos irdo concordar que ho: ‘mens ¢ mulheres so diferentes do ponto de vista de seus corpos, de sua constitu ‘940 psicldgica e do papel que oeupam na Sociedade. Porém, na contraméo da dite renga, a Antropologia teceu eo longo do século pasado uma tradicéo que des- ‘monta muitas de nossas percepgées mais fundamentais sobre os sexos. Um cromossomo é formado de diver 08 genes, de forma que o que separa ho- ‘mens de mulheres é a combinagio de al guns bocafos dessas partes mintisculas. ‘Ainda assim, para a Biologia, esses de- talhes so responséveis pela consti 80 de corpos diferenciados, compostos de uma maioria de érgios em comum € de outros que seriam exclusives a cada lum dos sexos, Além da caraeteriaagdo ge nética e anatOmica, ha também uma di ferenciago hormonal-as mesmas subs- 2B | sociotocia tancias, mas em quantidades diferentes os homens ¢ nas mulheres, Se a Biologia propée uma diferenga f- sca, a interpretagéo do senso comum se pois em uma diferenca de comporta mento e de papéis. Acima de tudo, mu- Theres so possiveis mées - apés serem fecundadas, nutrem, carregam e déo & uz a um novo individuo, que deverd re- ceber ateneao por boa parte de sua vida, A poesia e a literatura descrevem com agoracdo e reserva esses seres fantasti- cos que transitam entre a sensualidade e ‘ matemnidade. Jé os homens também ti veram historicamente seu papel: fecun- are prover 0 sustento para a mulher © para seus descendentes 8 verdade que as fungées para os ois sexos mudaram ao longo da histé- ria, Atualmente, principalmente na so- ciedade ocidental, boa parte das. mu: Theres integra o mercado de trabalho, e ‘muitos dos homens relizam fungées do- résticas e participam da eriagio dos f Thos. Ainda assim, algumas expecta vas parecem manter-se fixes, Mulheres que abrem mao da maternidade ainda sto vistas com certo estranhamento, Da mesma forma, um homem sustentado por sua compankeira dificilmente nao causari algumn constrangimento, NEGANDO 05 PAPEIS SOCIAIS Em um primeiro momento, negar a ideia de que homens e mulheres slo es- senciakmente diferentes parece algo ab: surdo, justamente por essa ideia ter ex: trema accitagdo pela ciéneia e pelo senso comum, Entretanto, a abordagem antro- rau Laboratrio de Antropologia Social do Colege de France e deixou coma princpallegade ovo A soce polégica _sugere ‘uma nova interpre- tagdo a partir de tra: balhos que estudaram a fundo outras sociedades (es- pecialmente as ditas sociedades primitivas) ¢ as variadas maneiras como essas culturas enxergeram a realidade. ight MOASEBS?, no capitulo “0 ‘Arco ¢ 0 Cesio” de seu célebre lio A So- ciedade contra o Estado apresenta a in- teressante cultura dos Guaiaquis. Nessa sociedade, assim como na nossa, as tate fas eram divididas entre Hops e mulhe- te. Or prince se repaetilran pela cara, ¢ as segundes, pela coleta ¢ pelos constantes deslocamentos dos obje- tos pelo territério, uma vez que se tratava de uma sociedade némade, Sem aden- trar profandamente em toda a rica and lise que Clastres faz sobre as interdicdes ligadas aos sexos e as familias, os Guaia ‘quis sao importante para nosso tema por: que trazem um exemplo de sociedade em que impera a poliandria, ou sea, a unio da mulher com mais de um marido. Con forme sugere o autor, as mulheres Guaia ‘quis possuiam uma vantagem estrutural em relaco aos homens: mesmo casadas, podiam ter relacionamentos com mogos solteiros e transformé-los em maridos se- ccundrios se assim desejassem. Isso ndo significava que os maridos principais f- cavam felizes, porém, esses no tinham muita escolha: se abendonassem suas cesposas scriam condenados ao celibato, pois a tribo carecia de mulheres disponi veis, Jd as esposas logo encontrariam ou: tro matido, pois havia o dobro de homens em relagao as mulheres, inz0 Estado, colegza ce ensaios, ntropologia Muito interessante na andlise do autor € 2 ideia de que a desproporgéo numérica entre os cexos poderia ter sido salucionada por outros meios sendo a po liandria. Seria possivel que certos parentes considerados proibidos para o casamento passassem a ter permits. Também se- ria imagindvel que houvesse um incentivo social a0 celibato masculino ou que se ad mitisse 0 assassinato de recém-nascidos homens. De qualquer mancira, o modelo ‘matrimonial verfcado nessa trbo eviden- cia que dentre as infnitas possibilidades das culturas que jé passaram pelo gobo terest, os Guaiaquis sio uma mostra de {que oarranjotecido pela nossa propria so- ciedade ao que dz respeito as relages en: tre homens e mulheres esti longe de ser 0 tinico possivel. De forma ainda mais sugestiva para essa ideia, MAAGSFEEIESAS, cm sou li- vro cléssico Sexo e Temperamento, ques- tiona as nogées mais comuns dos papéis semuais ao apresentar tés sociedades na Nova Guin. A autora toma como base © que considerou serem os padrées norte americanos: © comportamento feminino seria caracterizado por ser “décil, mater nal, cooperative, ndo agressivo e susceti- vel As necessidades ¢ exigéncias alheas" 0 comportamento masculin seria rela tivamente oposto a essa caracterizagéo, ‘Tomando esses padres como referéncia, percebemos que cada uma das trés tr- ‘bos apresenta comportamentos diferen- tes para homens e mulheres. Dentre os Arapesh, por exemplo, tanto og homens como as mulheres exibiam uma persona: lidade que seria considerada feminina na sociedade norte-americana. Ji os inte sgrantes da tribo Mundugumor eram ho- ‘mens e mulheres “implacdveis, agressi- vos € positivamente sexuados, com um ‘minimo de aspectos carinhosos e mater ‘ais em sua personalidad’, apresentando uum tipo de comportamento que, segundo Mead, s6 seria encontrado em um komem rorte-americano “indisciplinado extre- ‘mamente violent’, Tchambulli é a teeeira tribo apresentada pela autora e se caracte- rica por uma diferenciagdo entre os sexos uma clara inversio das expectativas de temperamento de nossa sociedade: a mu- ther é *o parceio dirigente, dominador e mpessoal,e ohomem a pessoa menas res- ponsivel e emocionalmente dependente™ Assim, a antopélogachama nossa tengo para duas cosas Primeiro para ofato de que 6 possvel encontrar invertidos os comporta- rmentos que nés estamos habituads para 08 sens na nosea sociedad. Alm dso, mos- ‘ra possbldade de que as cultures no re- conheram uma direnga de temperamen- tos entre homens e mulheres. A partir dessa andlise, ela coneui que no nos resta mais @ menor base para considera tis aspectos de comportamento como igados ao sexo’, uma vez que “a natureza humana € quaseincrivel- ‘mente maleive, respondendo acurada e di- ferentemente a condigées calturis contras ‘antes’ Iso sera possivel porque as eiangas as diferentes tibosseriam passives ao es namento do compartamentocorrente em sua socedade, sea el Yeminino’ ou “mmasclino” (do pont de vista da socedade ocidentalle este ele sujito ou ndo a uma distingo en trebomens e mulheres. ‘Outro par fundamental paraavisdo que nega a essencializagdo das dilerengas entre (0s seams €0 trabalho de Marcel Nauss, No texto As téenioas do orp, o autor enfatiza que a cultura treina o corpo em seus mi- nimos detalhes, desde movimentas, postu 1s ¢ treeitos corporas. ssa idea eviden- cia que muito daquilo que aparece como inerente& natureza bioigice seria, na re=- lidade, um treino corporal a partir de uma ovientaglo da cultura vigente, Dentre as téenicas do corpo estariam atos simples como sentar, dormir, falar, fcar de pé, eg char-se, nadar, respiar, ee. Nesse sentido, o argument é interes- sante no que diz respeito& diferenca en- ‘re homens e mulheres: muitas das ca Margaret Mead » Doutora pela Universidade de Cohiba uma das andes epresentantos docuituralismo 3 antropéloge rare americana Margaret Mead (1901-1976) publcoutivres coma Adolescéncia sex cultura em Samoa (1928) Sexoe temperamento om tes sociedodes prirtivas (1935). racteristicas corporais que distinguem os sexos seriam constituidas a partir de um treino social do corpo. A delicadeza feri ning; a postura imponente dos homens; 0 jeito discreto de sentar das mulheres re catadas; 0 largar-se confortavelmente m0 sofa, tipicamente masculino; ou entéo & maneira sensual ferinina de andar mo- vimentando os quadris sio todas exem- plos das chamadas téenicas do corpo ‘propostas pelo autor. ‘O CONCEITO DE GENERO Mead, Mauss e Clastres, dentre outros autores, incutiram na tradi¢do antropols ia a ideia detque os papéis destinados a homens ¢ mulheres nao sio expicados par uma diferenga essencialinscrita na natu reza de seus corpos. Ainda que sejam bio logicamente diferentes, as peculiaridades sociotocie {29 “Por muito tempo se dizia que as mulheres tinham menos poder ou que estavam restritas a esfera doméstica por causa da reproducdo eda maternidade, mente aciéncia. Considerado ‘uma primeira aprorimagéo, quase intuitiva, as teorias, que desconstroem radioal- um dos principais fundado- ouseja, devido a elementos associados ao proprio corpo tes da “Antropologia, Bronis- feminino. A Teoria de Género tenta mostrar que nem ee eee nies no comego do século pas- todas as sociedades tratam as mulheres dessa maneira” sado cam a exstic interpre- tagdo que os trobriandeses, HELOISA BUARQUE DE ALMEIDA, ANTROPOLOGA E PROFESSORA DA USP {avian da gravides e do inter- anatimicas ndo explicariam as intimeras ‘outras diferenciagdes sociais entre os se- xos: sejam elas de hierarqui, de status, de poder, de posigio na diviséo do traba- tho, de personalidade, de comportamento fe nem mesmo de seus trejetos corporais. ‘Assim, se por um lado essa interpreta fo ndo nega radicalmente a perspectiva da diferenca anatdmica, firma que a Bio- logia nada explica no que diz respeito & vida social. O argumento principal € que ‘a natureza dos corpos € interpretada pela cultura que, por sua ver, origina intime ros significados que transcendem as die rengas corporais. A partir dessa rejeicdo explicacio bic logica para as diferengas sociais, a An- tropologia criou o conceite de género. “O faco da Teoria de Género é desconstruir a ideia de que existe uma diferenga natural entre homens e mulheres que explique o que acontece nas sociedades’, define He loisa Buarque de Almeida, antropéloga es pecialista no tema e professora da Univer- sidade de Séo Paulo. “Por muito tempo se disia que as mulheres tinharm menos po- der ou que estavam restritas a esfera do- méstica por causa da reprodugéo e da ‘matemidade, ou seja, devido a elementos associados ao préprio corpo feminino. A Teoria de Género tenta mostrar que nem todas as sociedades trata as mulheres dessa maneira’, completa, A professoraexplca que aorigem do con- ceito de género estaria inicialmente asso- 30] sociatosia ciada s ciéncias médicas, “Genero apa- rece na medicina nos anos 1950, no caso os chamados distirbios de género, como criangas que nasciam intercemuadas, ou sea, que tinham @ genitalia que hoje cha- ‘mamos de ambigua, ou entéo pessoas que nasciam de um sexo ¢ se diziam seres de ‘outro sexo. Era usedo quando a identidade do corpo da pessoa néo combinava com aguilo que ela sentia sobre si" ‘Na Antropologa, apesar da. impossibi- lidede de se tragar uma genesloga exats, os estudos atuais colocariam a antropélg norte-americana Gayle Rubin como uma as preoursoras do uso do conceto."0 foco de Rubin era mostrar que arelacio entre os igéneros nao deriva da natureza, poi €his- térica, decore de um arranjo social ¢ tem tum momento de fundagéo, Apeser disso, acaba aparecendo ieologicamente como naturalizad’,explica Helosa DEBATE COMA BIOLOGIA Se parte dos estutos antropol6gicos afirmam que a explicagio para a dife- renga social entre homens ¢ mulheres sé pode ser compreendida a partir do uni verso social que os permeia ~ sem, entre tanto, negar que existam diferengas bio- ligicas e anatémicas reais entre os sex ~ outra parte radicaliza o argumento ¢ nega a propria Biologia, esse sentido, diversos estudes realize dios nas llhas Trobriands representaram ccurso sexual, Para essa tribo, fo homem através da relagso semual que martinha com a mulher néo era responsével pela geragéo de criangas, ‘A implementagao do bebé no corpo ma terno seria realizada a partir de espititos oriundos exclusivamente do lado da mae, de forma que @ fungéo do pai era a de “abrir o caminho", icando excluido da as- ccendéncia sobre o novo ser Além disso, os homens trobriandeses eram considerados responsaveis pelo erescimento e pela fsio nnomia das crianges, que seria formada a partir das relagdes sexuais que mantives: sem com as mulheres grévides. Essa interessante interpretagio sobre a reprodugdo humana abre caminho para pensarmos que a partir dos mesmos fa- fos fintercurso sexual, gestagio e nasci- mento} iniimeras explicagées e relagées entre causa e efeito podem ser desenvalvi- das pelas culturas. Assim, a compreensio do nascimento como decorrente da ges- taglo, ¢ esta vitima como consequénicia do encontro entre os gametas femininos ¢ ‘masculinos durante o intercurso sexual, no é uma decorréncia inevitavel do pen- samento humano, mas sim uma particu- Jaridade do pensamento ocidental Por volta de meio século depois das in- vestigages de Malinowski, Michel Foucault promoveu uma das principas eriticas no sentido da desconstrugdo da ciéncia, O au torlevou a ja expostaideia de Marcel Mauss (Ge que as téenicas do corpo seriam cons: tituides de um treino social} ao extremo. ‘Afrma que ndo apenas os movimentos cor- porais so construidos socialmente ¢ inc tidos nos individuos, como também 0 pro- prio corpo é constr politicamente, Pra ele, absolutamente nada existe an- teriormente ou externamente ao discurso hhumano. Toda a suposta realidade eon- cteia 86 seria conoebida pelos individuos ‘a partir do ‘saber’, endo que esse saber é entendido pelo autor como uma relagéo de poder que designa, nomela e confere sen tido a todas as cosas. Sua ideia central éa “Gnero aparece na medicina nos anos 1950, no caso dos chamados distuirbios de g@nero, como criancas que nasciam intersexudas, ou seja, que tinham a genitalia que hoje chamamos de ambigua, ou entéo pessoas que nasciam de um sexo e se diziam seres de outro sexo. Era usado quando a identidade do corpo da pessoa ndo combinava com aquilo que ela sentia sobre si" HELOISA BUARQUE DE ALMEIDA, ANTROPOLOGAE PROFESSORA DAUSP. 2| sociovocia de que no existe uma *natureza natural", 1 seja, uma realidad anterior aa saberes aos discursos humanos. Um bom exer plo nese sentido ¢ pensarmas que o eénicer uma enfermidade que tem uma presenga relativamente recente no léxico da medi- ina. Antigamente, as pessoas que hoje di zemos que morreram em sua deoorréncia, ‘morriam porgue estavam velhas ou sim- plesmente sem que se soubesse o porque. Apknas a partir do reconhecimento da exis téocia dessa doenga pela comunidadecien- tifca é que o cancer passon a existir no ln ajar € no pensamento das pessoas. Da ‘mesma manera, 0¢ sintomas que hoje in- terpretamos como doenga de Alzheimer ou ‘como outras deméncias degenerat simplesmente sina de velice, sem possu- fem um sentido particular, © cessencial que os dois exemplos pre- tendem sugerr & de que apenas quando ha ‘um reconhecimento na sociedade de que certo elemento tenha um determinado sen- tido, que isso passa a estruturar a vida so. cial ¢ fazer parte da interpretago comum, ‘Am disso, o econhecimento dos sentidos das coisas (e também o reconhecimenta da existéncia das proprias coisas) se realiza por meio de uma relaglo de poder. Assim, 0 saber ou o conhecimento, para Foucault, 6 sempre permeado por uma farga porque lesigna positivamenteo sentido das coisas. ‘Até esse ponto, deve ser coerente dizer que a teora do autor implica em uma pro- funda critica ao sentido da ciéncia, uma vex que nega sew aspecto de saber abso Ito, neutzo e apoitic, enfaticand a ques tio do poder que envolve dretamente todo 0 conhecimento que existe, Para essa con- cepgio, citncia nfo @ um aparato de tée- nicas imparciais, que descobre a realidade externa, imutivel e objeiva, Muito pelo contréria, o argumento de Foucault sugere que realidade que nos aparece como obje- tivaé, na verdade, constrada por um saber ‘mundo de pode: Nesse mesmo sen- tido, a medicina seria ‘um saber institucional zado que implica em um con- trole dos corpos dos individuos na mesma medida em que impée o sentido esses corpos. Assim, podemos comegar pensar na natureza supostamente dife- rente dos corpos femininos e masculinos como uma ideia lange de ser natural, Para ilustrar a concepgdo foucaul- liana de ciéneia, Heloisa Buarque de Al- ‘meida expla como ao longo da historia da medicina diversos aspectas do corpo Jhumano foram responsabilizados por de- terminados eomportamentas ‘No final do século XVII, como mostra a autora Ma- galt Engel, 0 comportamento feminino é imputado aos ovérios. Quando a mulher é vista como tendo alguma perturbacio mental, como fouca ou como promiscua, © protocolo étirar os ovérios, mesmo que aparentemente estivessem saudi Depois, conforme completa a antropé- Jog, o ditero surgiria como o maiai culpado pelos problemas emocionais, a forma de ratamento mais comum para os chama: dos desvios mentais se tomaria a extir- ppacdo desse érglo. “JA por volta dos anos 1940-1950, ganha proeminéncia a ideia dos horménios. Aparece na medicina que 0 comportamento chamado masculina & ge rado pela testosterona, que passa a exp car a virildade, tanto do ponto de vista da poténcia sexual, quanto de um comporta ‘mento agressivo e dominador dos homens, ssa viséo também explica o comporta- mento mais afetivoe carinhoso das mulhe- res como sendo algo gerado pelos hormé- nies’, deservolve, Hoje em dia, nem mais os horménias € to pouco os érgios reprodutives: a forga cxplicatva da cigneia estaria na ideia dos genes, que passa a ser a causa maior da diferenga sexual. Os médicos indicam as- pectos biolGgicos como determinantes do comportamento, mas esse lugar da na- tureza parece estar sempre mudando?, naliza a antropbloge. ‘Na mesma trilha de Foucault, Thomas Lacqueur dé forma ao argumento do f Tsofo. Em seu livro Inventando 0 Sexo, autor, a partir de um levantamento de manuais de medicina e de outros escritos ‘do campo afirma que até meados do sé- cculo XVIII havia uma concepelo de sexo tinico, “no qual homens e mulheres eram classificados conforme seu grau de perf: (0 metafisica, seu calor vital ao longo de uum eixo cuja causa final era masculina.” Assim, segundo esse modelo que impe rou até ndo muito tempo atris, homens € mulheres no eram considerados fisica mente diferentes. Sua diferenea era apenas em grau (homens tinham maior calor vital ¢ maior perfeigac). Essa eoncepeio se mani- festava nos mannais de medicina de tal ma neira que néo era descrta nenhiuma forma de distingio anstimica entre o8 sexs. A convergéncia também se exprimia no fato de haver uma mesma nomenclature para 08 6rgios que hoje séo consderados especi- ficos de cada um dos sexns. Lanquerafirma, que “durante milhares de anos acreditou-se que as mulheres tinham a mesma geité- lia que os homens’, com a diferenga de que genitalia feminina ficava dentro do corpo, enquanto que a masculine era externa. Os labios vaginas eram considerados equiva athe emmeniacismaeeae sobre 2 questo, € desde 2007 int lentes ao prepicio masculino, otro era a ‘mesma coisa que 0 escroto ¢ os ovéris ve- iam uma transposicdo dos testicles. Impressiona na descriggo de Lacqueur aque essa maneira de conceber os compos como iguais prevaleceu & prtica da disse- cagio, evidenciando que nao se tratava de tum conhecimento baseado na impossibil- dade de ser enxergaros érgios, mas sim em ‘ima forma de ohare deinterpretar o corpo diferente da que impera atualmente ‘Também Dastante revelador desse mo elo de sexo Unico € a iia de que senda a diferenca entre homens e mulheres ape- nas de gran e ndo de natureza, poderia hhaver uma mudanga de sexo: ‘as meni ras podiam torar-se meninos, e 0s ho- mens que se associavam intensamente ‘com mulheres podiam perder a rigider ¢ definigdo de seus corpos perfeitos, ¢ re- sredir paraa efeminagio". Lacqueur apre- senta um relato médico do século XVI que atesta para a possbilidade de se transi- tar enire os sexos: uma pessoa identifi cada até entdo inquestionavelmente como menina passa a apresentar um “pénis ¢ uum escroto extern”, 0 caso que seria explicado hoje como um exempio de intersexo (ou seja, de um individuo que possui o aparelho reprodu: tor ambiguo e que pode desenvalver novos “rgdos na adolescéncia) foi considerado, nnaquela €poce, como a prova da possibi lidede de mudanga sexual. Essa anedota cevidencia que, diferente do que normal- ‘mente pensamos, nao é a simples viséo dos corpos que condiciona a. teorizagaa (que se fara sobre eles posteriormente; € 0 modelo corrente na sociedade que deter- RES “Ocorpo do homem eocorpo da mulher sdo diferentes. Mas aidentidade de género, masculina ou feminina, €algo que no entendimento da psicandlise vai sendo construida ao longo do tempo, como consequéncia das vivéncias do sujeito na vida familiar e social" MAGDALENANIGRO, PSICANALISTAE PROFESSORA DA FESPSP ‘minaré a imagem que nossos olhos faréo do que estd em nossa frente, UM MUNDO POS-GENERO? A filésofa JUGHEHEUREEE em sua obra Problemas de Género, agregn aspectos do pensamento de Foucault ¢ de Lacquer para afrmar que genero é sempre um ato performativo, que se constitui apenas nas, Judith Butler » rusione-anercansesetesos ee Unersoe de Berle contri delves pros extaer sore geo © icra eit Sulina Pblansce Geos to comoumecbr aera sociovocin 33 mico see SS Sn Luto Acad No di 13 de dezembro de 2010, faleceu a sacétoga, prafessora e pesquisadora Heleieth lara Bongiovani Saffioti recanhecida internacionalmente por seus studs sobre tes de genera e dire das mutheres, Professora da Unesp e da PUC-SR.Heleiteh Seffiat pubicau alvro Génera,Patriarcado |} Vioiancia(Fundacao Perseu Abrama, 2004) Apersisténcia se afirma em um mundo que, ao mesmo tempo em que muda, continua reiterando as barreiras entre homens e mulheres agies a partir dos simbolos eriados para ‘ofeminino eo masculine. Assim, travesti drag queens evidenciariam & natureza performética do feminino e sua artfcial- dade, inclusive nas mulheres, Para a autora, se ginero é performance, Inge de se desenvoverlvremente, & regu Jado por uma matri que pressupéem coe rncia entre o sex biolégio, as atuacbes de nero, 0 desejoe a prtica sexual. Assim, pessoas com a genitalia feminina devem ser mulheres que tém deseo por homens que devem manter rela tivas exclusivamente com 0 sexo oposto. ‘Além disso, no seria possivel em nossa so ciedade a inexisténcia de qualquer perfor mance de género pelo indivduos, uma vez suai ¢ ae (que o pensamento ocidental,além de inca paz de aceitar as descontinuidades ¢ incoe- réncias provenientes das subjtividades que no se adéquam & norma, também se Tia indbil em parar de localiza os sujetos em relagao as opressoras categorias de fe rinino ¢ masculino, Assim, mesmo que 08 individues subvertam alguns aspectos des- «as regras, ainda estariam se posiconando em relagio a elas Apesar da visdo antropoldigica que pro pe uma igualdade radical entre os sexos, Butler parece apontar para uma dificu dade em nos desvencilharmas das cate gorias de género, que seriam ordenado: ras de nosso pensamenio. A persisténcia se afirma em um mundo que, ao mesmo tempo em que muda, coatiaua reiterando as barreiras entre homens e mulheres, Ainda assim, mesmo que aertica da An- tropologia no implique em uma verdadeira libertagdo das amarras mais profundas em relagdo aos papel de género~ to pouco no fim da opressdo das subjetvidades huma- nas dissidentes e na aceitacdo das milti- plas formas de semuaidade a discplina fomece, cetamente, um intenso estimulo a nosso pensamento e & nossa capacidade de conceber um mundo diferente daquele ue se apresenta 20s nossos olhes, espe- cialmente a partir do contato com outras re alidadesculturais ue nos maravlham com suas vastas possibilidades, * Maysa Rodrigues éjrnaita REFERENCIAS AUTLER. th. Problema de Gero: em nism e subverso da entdade fae ita Cla rasta, 2003. CLASTRES ere Sociedade contr oF tada Soul: Cosy. 2007, AUS Maro "Asténcas doco Sci lagiae Antropologia So Paulo Caan, EAD Morgareth Sexo eTemperamenta, So Perspect, 2000,

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