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2 A PSICOLOGIA CONCRETA DE VIGOTSK: IMPLICACOES PARA A EDUCACAO Angel Pino Se fosse possivel sinttizar em algumas poucasidéias a contribuigio de Vigotski & Psicologia e, em termos mals am= plos,a compreenstodo ser humano, evapontaria duasque so Como uma espéce de eixo de coordenadas de sua elaborasio teérien, A primeira € que o desenvolvimento psicol6gico um process histrieo. A segunda, na co ensamento psicoldgico da sua época, & que o psiquismo éde natureza cul- furl. Embora diferentes, tata-se de duas idéias interdepen- dentes, uma vez que afirmar que o psiquismo & de natureza cultural equivale dizer que ele istricoe vice-versa, como tentarei mostrar nese trabalho. Desenvorynavro como Processo Hisrerico 0 termo “histria” tem para Vigotski dois significado sum gerale outro restrito 1 “The won, history Ostre prsttogy) forme means he things: a general Heel aprosh os = sis sense xen hs is » cOLOsiA BEAGAO:REVENDO CeRTLIORS 1. Em termos gerais histéra significa uma abordagem dlialtia perl das coisas, no sentido de que cada cosa tem a propria historia, como quando falamos de “histria natural” para nos referlimos 3 ciénca da natureza. Eevidente que, ne3- fe easo,0 temo histéria nfo tem o mesmo sentido que quando aplicado aos fats humanos, pols histéria néo €a mera suces- ‘lo de fatos no tempo e noespago, mas um certo ordenamento Sgnificaiva desses fatos, o que, necessariamente, implica @ presenga de certo nivel de conscinciae de intencionalidade. Com efeto, Vigotsk est falando de uma certa maneira de abordar as coisas em geral, uma abordagem dialtica. Ete tipo Ge abordagemn foi emprestada de Hegel por Mars, invertendo fo sentido idealista que aquele Ihe dra e conferindo-the wm ‘sentido materalista, constituindo o chamado materiaismo alético. Este fundarse em uma concep da realidad como "ofalidade concreta”, a qual nada tem de comum, como diz, Kosik (1976, p. 49), com a ida de totalidade holistic ~em que ‘0 todo € concebide como algo} pronto e formalizado que de- termina as partes uma vez quea prépria otalidace~0 todo fala uma das suas partes ~ concrtizase em um processo de sénesee desenvolvimento [ss significa quea génese eo desen- ‘olvimento da “totalidade concreta” & “um process0 no qual se cra realmente o conteddo objetivo eo significado de todos, ‘os seus fatores e partes” (idem, p. 5). "A natureza pode ser entendida em dois niveis, ambos concretos: 0 ontoldgica eo dialético. No primeiro caso, €a res- Tino this swat Marc ant he any anc story (Aves Masel Ene); atl scene =the ty of trent oN {2} rsory n tess ene The fot hiory tec een Sorat maeionf-1 The wigucnerof he aman mind les he {ot iat both pe of ary (oat + sory) arated (ees) rie uns tooo) (Vigo, 190, pp. S455). Tatse de verso ‘ign de wm mnnaore de ott de 1 feto de eons, elt pelafihecdotr GL Vigolas.a AA Pree par pug. lidade em si,0 "dado" nos termos de Hoge, ou sea, a realida- de como existéncia independente do homem, aquilo de que fala a cicia, No segundo caso, é a realidade pam si ou sa, ‘para o homer e,coma tal, objeto da cgncia Fneste nivel que 4 natureza tem uma dimenste histérica,na medida em que ad- ‘quire exsténcia para homem que, aoa sobreelaetransfor- mésla integra na sua propria hstria. Ohomem conatit-se fem *conscidncia da natureza” e sua hist6ria 6a histéria das transformagdes da natureza. Tal parece ser o sentido das pala~ vvras de Marx quando diz: "a propria historia € uma parte real dda historia da natareza, da transformagio da natureza em ho- ‘mem” (1972, p96). Portanto, £0 homem ~ zo mesmo tempo natureza e histria dessa natureza ~ quem confer a esta sa dimen HistSeca. 2, Em sentido restrit,histria 6 historia do homem. Se no sentida anterior a histGria€ a visto dalética da natureza, Aaquiela éentendida como o prdprio materialism histico se- {undo Vigatski © autor estéindicando que a sua compreen- 40 da historia do homem tem sua referéncia na matriz do ‘materialism hist6rio, 0 qual implica uma concepgio cen cc da histia, Desde que exist o homem, historia da natureza €hist6ria do homem sSoinsepardveis, pos esta confereaquela ‘um sentido histérico, Nao € minha intengio entrar aqui na ‘complexa questia terlca do materialism hist6tico, mas ape ‘as reuniralgumas das idGias mais importantes colocadas por ‘Marx e Engels, para entender o peasamento de Vigotsk 'Na perspectiva do matesalieme histérico, 0 que caateri- zaaevalugio da spécie homo ea distingue das outrasespéci= (6s terse tornado eapaz de assumir o controle da sua propria evolugda, Iso 36 foi possivel quando os homens se tornaram ‘apazes de riar svas propriascordites de existénca, ivan- {d0-s assim do determinismo da adaptagio as condigGes natu- rais do meto como condigao de sobrevivencia,regeageral no mundo biolégico segundo a teoria da evolugao. Como nos a rsiconocia mEDUCAGAO: HEWES CONRBUICONS lemsbra E.Bottigell (1972), 0 problema do homem eda sua l= berdade dominow a filosofia cassicaalema. Seo idealismo 0 deslocou ao plano clo pensamento, sob a forma absteata da re lag sujitoobjeto, ele situase realmente no plano do conere- to'como problema dialéico da oposigio homem-natureza Hegel (1941) resolve esse peablema no plano da “consciéncia ‘dest, ponto de chegada de um desenvolvimento dialtico que tengloba todo o devie da Histdra equ revelaaverdade do ho- tem, lveeecapaz de pensar-see de pensar o mundo. Teata-se ‘de uma solugio idealista, crticada por Feuerbach Marx ‘Quantoa Feuerbach, ele substitu a“conscitacia de i” pelo ho= ‘mem concreto,reconcliando homem e naturezae fazendo do Ihumanismo o equivalente de naturalismo. Trata-e de uma ‘concepcio materalista, sem dkivida, mas que, ao exclu ahis- Aria, deixa sem resposta a questio da verdadeire natureza do hhomem. Criticando 0 idealismo de Hegel, Feuerbaché, por sua ‘er, objeto dascatticas de Marx por no te eonseguidoescapar deum humanismo abstrato ¢ meramente contemplative, Para Marx, que relém de Hegel a idéia do “devirhistrico do ho- mem’ na perspectiva dialtica e de Feuerbach a concepsio Imaterialisa, a "werdade” da homem s6 pode revelar-se objet- “Vamente, na plano da produsio ou trabalho, campo da ativida- de especficn do homnem. Como para Hegel ~ que vé 10 trabalho omeio pelo qual homer opondo-se(negagto)&na- tureza se reconilia cam ela =, 0 trabalho também constitu para Maro meio, no daconciliagodahomem eda nature, pois aquee jé faz parte desta, mas do salto evalutivo que pet~ Fite ab homem fazer cla fealidade natural uma ealidade cul~ tural ow humana, Isso ocorre quando o homem produ 05 fnsteumentos para agir sobre a natureza e crar suas préprias condighes de existncia, assumindo assim o controle da pré- pra evolugso que ¢ sua histria ‘Em O Capital (1977), Mare rtoma a questo do trabalho, ‘colocada i nos Mannscritas de 1844 obra dejuventude marea- dda visivelmente pela inluéncia do idealismo de Hoge, para lfirmar que 6 por ele que 0 homem assimila as earacersticas (Ga materia a transforma (ox Soja, imprime-The wma forma ova, tal €idéia de “transformae”) e, por esse mesmo ato, twansforma-se le mesma, deservolvendo capacidades latentes sna sua propria natureza. Assimila as caractertstien da materia implica a sua subjtivagio, Conferir-lhe uma forma nova im- plea ndo s6 alterar sua materalidade mas, sobretudo,impri- frie nela uma ida (projto que preside e dirige o trabalo). essa mancira, 0 produto do trabalho torna-se a objtivagso dda fia eda propria atvidade do homem, consituindo asim 1 sintese da relagio dialética homem-natureza, 'Na concepgio ce Marx trabalho & um processo tinico € complex, envolvendo trés elementos simples: a atividade pessoal de homem, o objeto sobre o qual ele age eo meio ins- {rumente) pelo gual age. Nesta formula, o carder de gene- talidade dado a esses elementos permite estender a qualquer tipo de atividade humana, material ou mental, o conceit de trabalho. Com efeto, tanto uma materalidade quanto um ente mental podem ser objeto da atividade, mantendo a formulasa0 toda sua validade conceptual Pica claro, entretanto, queo que Confere datividade de trabalho sua especiicidade humana &a imediagio de instrumentos,criados pelo homem em funcio do tipo de agdo que pretende realizar no objeto. Diz Mare J -o cao ¢ antes de lum ate que se pau entre o orem 64 cesta Nate hoe decempanka ce ater Sing de una Teetanat, As lorpr de gua oro capo € dato, brags © pemas, Ae eo, ce apes mown» fn de sir ms SRE Aine fom dpa un vas Ao mn tempo ie Por ‘Sirirovimenn ee ageacbre satura eterna, tans SEE ap aurea © deeb ae clades recat Te aeintas gar chga ouabain presse arent og Se aotearoa 97, 1p 16 ron | » COLOGA EEAGAD: KEV CRTIGHE neon . i Onno de uabalho uma cis ou conju de sins queoho- ta essascontradiges ao plano expecuiativo, Marx as recoloce ‘em inerée entree 0 abt do su aba como conic no plane do concreto, fazendo da alenagio uma etapa ans i tores da sua apf [-] O uso ea cragSo de mens de trabalho, toria na dialética da histéria das relagdes de produto. A sw |: mesmo encontando-se em germ em espécies de ania eo ‘acterizam eminentement trabalho humaro [| No proceso ‘de tabal a atividade do homtem efetuaportanto coma ajuda {dos meios de trabalho una modifeasiointenconal do seu ob- jet. 0 press conelubse no produto, ou sa num valor de pressao da alienagio 36 sera possivel, segunda Marx, pela I upevagda da sua fonte, a propriedade privads, expresso da propriagdo da mais valia,verdadeiro motor das relaghes de produsto do eapitalismo, ‘Geo, una tatiana asin 3s neces dades humanas Se € pelo trabalho que os homens criam sas proprias por uma mudanga de for, O trabalho combinando-se com condigoes de existéacia, a manelra como eles organizam 0 Feet, materialzourae ex matiia fot trabalhada, Oqueera modo de produgio tem, necessariamente a ver com a qualida- ‘om movinunta do rabulhador aparece agora no produto como de dessas condiges, como © mostra a hist6ria socal dos ho- ‘uma popredade em repoure.© operti eceu eo produto go mens. £0 que diz Marx tec. idem, pp. 187-138) Produindo sews neoe deesstnca, os homens produzem ine Se 0 trabalho, assim concebido, consttul a condigio de “lretamente sun pespea vida materi] que eles sto coin sumanizagio do homem eda natureza raduzindo a “verda- de portani com # sua prodigio, tanto com 0 que ees de”, a0 mesmo tempo, da natureza,pelaciéncia, edo homem, produzem quanta com a maneza como eles oproduzem. Por pela conecinia da sua iberdade, € porque 0 homer ~ que Tioo que os ndividuossto depende dascondigbes materials fi sua produ [] Esta produgio nie aparece senlo com © ‘iment da populagto A qual pressupée da sua parte elagBes {dor individansenge si Pr aua vr, forma desas eases € ‘ondicionada pea produ. (Mare Engels, 1976, pp. 70-71) pensa.erealizaaatividade—eo produto que dela resulta per- , fanecem indissociaveis em todo o processo. Na medida, po- rém, em que, por condigbes histGricas concretas, eles sto Aissociados produz-seaallenagao do trabalhador do processo te trabalho. Como diz Bottigeli (1972, p. LV ess), termo “alfenag, de origem juricae econdmica, fot elevado por Hegel ao estatuto de categoria floséfica,aparecendo no siste ma hegeliano (1941) como uma etapa do retorno do Espritoa Isso quer dizer que, se 0 mado de produto, qualquer que ce sejg,condiciona a relagpesdos homens com anatureza te deles ene si, ele determina as condigtes de exsténcta dos ff mesmo, onde ocorrea identidade do suetoe do objeto. Na homens, no apend sateriais mas também cultura. Estas, Gitta hegeliana, 0 concito de alienacio identifica-se com 0 or sua vez, vo condicinaro conjunto da vida sacal~ = a~ ‘le objetivagto. Mars, porém, diferencia uma da outra. Se ao- eis como a elagbes coca s extruturam =, inamente, 0 jetivacio€0 resultado natural do proesso de trabalho, 2 mi ‘modo de ser dos homens Ganga nas relagdes de produgfo, como ocorre no sistema de producto centrado no capital transforma-a em alienagio. Em. Eontraposigéo a Hegel que, apesar de relacinar a alienagto ‘com as contradigbes existentes no mundo capitalist transpor- ® PSCOLOGA REDUCAGAO: INDO CENTRIGOS CCviase asim, a partir do trabalho, uma espécie de “ce- cuito” como mostraa Fg. 1 TRABALHO => MODODEPROOUGAO MODODE SER <= RELAQDES SOCIIS dos homens pos 1 dagrama do Gel “mado de produgio” © "modo dese dos omens ‘onde o modo de ser dos homens, cjacesénci, segundo Marx, io a8 relapts socais, depende do modo de produgto que, por sua veo, depende daquele. Nao é um processo cego e de fe:minista, wma vez que S20 os priprins homens eno‘ matte tera, que estabelecem as regras que determinam 0 modo de producto. Mudangas em um ponto do “circuito” produzem mrudangas no conjanto dele. A questo, ent, € politica. Bi ‘Gentemente, est se falando dos homers como um entecoetivo,© “ipenero", como expressto do rumo que os préprios homens cderam & sua histria, Mas na medida em que cada ser huano texiste ese constitui em e por esse coletivo, a istéria pessoal ta hist ra coletiva esto profsndamenteimbricadas, de for- sma que aquela esté condicionada pelo curso que toma ests [Narureza Cuvturatno Pstauisio More and more efernal laos of nature are turning into lass of history. Esta frase de Marx e Engels, colocada como ‘epigrafe em um dos traballos mais importantes de Vigotski (199, revela bem qual 6a questio central das reflexes do au tor, no 96 nesse trabalho mas nos outros em geal. Como aca- ‘bamos de ver anteriormente, a entrada da natuteza na HistGria obra do homem, que, para tanto, precisou transpor os limites {mpostos pelas “eterna els da natureza” eassumiro curso da propria evolugto que constituia Histéria. Transpor os limites {da natureza stm deixar de ser natureza & 0 grande paradoxo ‘da histria humana, cujacompreensio abreas ports “verda~ {de do homem?, Se Vigotski mostra-se partcularmente criico fem relagio a psicologia da sua 6poca (1997, v.3@4),€ precisa ‘mente pela inabilidade desta em entender que o que homer tem de especfico 0 que. diferencia dos outros sere da natu ezae nfo que tem em comum com eles, como aparece na so naturalisia, Deixando de investigar a dimensto Bistrica ddo homem para insistir no que ele tem de prdprio com a natu reza, a psicologia fecha-se& “verdade do homem”,abrindo © ‘eaminho is ideologias que, se falam do homem, fazem-no pcultando sua verdadeiza esstncin. Esse ¢ 0 grande equivoco das teorias psicoligicas ea fonte principal de impastes. ‘Ao fazer da relagoente naturezae cultura seu principal ‘objeto de anise, Vigotol acaba reclocando no plana psicol6- fico um debate que, no plano da Fiovofia Politica, envolveu ‘iversos filésofos, particularmente nos séculos XVIL-XVIII? Vigotski pensava que, levando-se em conta o que se sabia na sua Epoca sobre a evolugéo da espécie humana (ilogtnese) © 0 desenvolvimento do individuo (ontogénese), podiaafiemar-se {que estes dois procestos soo resultado de duas linhas dife- Fentes, porém interligadas, de evolugio: a natural ea cultural ada uma regida por les prprias Sena ilogénese, a evelucao ‘natural precede a cultural qe ela possbilita, na ontogénese a5 ‘duaslinhas esti entrelagadas, a ponto de ndo poderem se se parades, ano ser por abstracio, O desenvolvimento histérico 7 Taio a date sobre» peng do etado de atures pas ode [cisace, porn fmdat aonb da soit do Eth « do ‘Treo, cohen ate or sun is aint, J. Althea S57 {abe eos (8 9) Spnaea 1-177, & Po’ TES, JLo (82-1709). J Rowen (7178 Kant 72180. a PSCOLOGtA EDUCAGAO: EVENDO CONTRIESES 40 homem constitu, portanto, como diz Vigotski, “uma ur Gade dialdica de duas ordens essencialmente diferentes” (ier, p22) Eu atiseariaafirmar que as difculdades que per- Sistem nas andlises dos fl6sofossociais, com a introdugio da ‘dela de “contrato social” para explcar a passagem do esto de natureza ao de cultura, desaparecem na andlise dialética fem que Vigotsi se situa, pois ratureza e cultura constituem Cstados ou ordens diferentes, mas uma implica a outa, ‘Seria eansetivo e eedundante apresentar as inGimeras re- fertaciasem que Vigotst tata da questi da relagio natureza “cealtura entice 0 educionismo raturalista das teorias sobre ‘ desenvolvimento psicolégico. Por outro lado, ¢ fi pereber igor 0 repetitivo uso que ele faz das expressdes “fungbes ele ‘entares”(naturas ou biol6picas) e“fung6es superiores” (cul turais ou mentais) evela, 29 mesmo tempo, um desejo de rigor CGentifio na andlise demonstrativa daquela elago e uma cer ta difculdade para lidar com uma questao tao alheia a tradigdo paicoligica ‘Antes de comecar @ andlise da histéria do desenvolv mento das fungbes mentas superiore, no texto que leva esse titulo (idem, v4), Vigotaki lembra, em uma espécie de alerta to leitor, que sea Infancia & um momento privilegindo para.a hatise dessas funsbes, pois € quando elas comesam a consti- fuir-se em um momento de intenso desenvolvimento bio ico, € apenas. comego de uma historia de transformagies qe uram a vida inteira. Reduzir a andlse psicoldgica dessas fu ‘es 8 ininciaeqvaleria a ficar na sua “pré-histria”. "As ralzesgenéticas das duas formas cultural bésicas Go comportamento si0 constitufdas na idade infant: 0 us0 de inatramentos ea fala humana” (idem, p.6). Em outros termes, {soo sigifiea das coisas: a primeira, que 0 comportamento hhumano nfo éda ordem dobiologico, pois suas bases s80 “for tas euturais’ por isso suns ratzesseconsttuern na inféncia © hao antes; a segunda, que o que define esse comportamento é see duplamente medida, pela técnica e pelo simbdlico.O que quer dizer que, assim como a invengio de instrumentos e de Sistemas simbicos possibilitou aos homens trnsformar a na- lgeza em cultum ¢ eanaformar-se eles mesmos de seres na ris em seres culturas (ou bumanos, 60 mesma), da mesma maneita, 9 transformagio da crianga em um ser humana (0M sejn cultural) pressupoe 0 acesso dela aos melos que possibil- tam ess irnsformasso.Instzumento ¢ simbolo slo os media- ores entte 0 homem e 0 mundo, natural e socal, que confetem A atividade seu eardter produtivo. Com efeito, pela acto técnica o homem altea.a matériae conferethe umaforma ‘novazpela ago simbolica essa forma nova se constitu em sin~ bolo do homem trabalhador, ox sea, naquilo que repzesenta suas capacidades, isieas e mentas,e suas ids. E pela ag50 téenica que Michelangelo confere ao bloco de mérmore uma {forma excultaral, a qual torra-se 0 simbolo da personalidade ‘de Moise tal como 0 artista imaginou. ‘Se 0 conceto de instrumenta téonico ¢ suficientemente larg, embora envolva aspactos complexos, odesinbote €bem ‘mais complexo erequer alguma expcagso. Vigotski dedicou, ‘em1930, ui longo trabalho & anise do instrumento edo sim bolo (Vigotsk e Luria, 1994, pp-99-173) cujo objetivo principal ‘era "caracterizar os aspectos tipicamentehumanos do compor- tamento”, explicando a sua formagio ao longo da historia hu- mana € a historia pessoal de cada individuo. A questio central era saber como a atvidade, aspecto essencial do see vivo, adquire no homem seu poder crladar (produtivo). Sua lnélise mostra que isso ocorte quando ela & mediada por etos,ténicos e simbélicos, ciados pelo proprio homem. Em felagio aos meios tEenicos, Vigotski pouco acrescenta 20 ji afiemado por Marx e Engels na teoria do twabalho socal e aos ‘estudos comparativos dos seus contempordneos (W. Kabler, C.e K. Bahler) sobre o uso de instrumentos pelo macaco e pela crianga. Sua andlise centea-e nos eeites que o aparecimento « 01 ACA LEDUCAGAD: REVESDO GENRES cde um meio simbolico como a fala produ sobre aagbo prética {que usa instrumentos) da erianga. Ap6s discutir diferentes ‘pontos de vista dos estudiosos,Vigotsk conclu (© moment gendico mais portant de tod 0 deseavlv- trent itlectual, do gual merger s forms puramete tranas de inelgtei pita «aba, ore quando eis law tinas de dsenvavinnt, até ent completamente oe epee ee unica(1998,p 1058 [A aa, diz ele, além de reorganizar © comportamento, dando the um formato humano, pessibilita queacriangaoriente fecontrole suas agBes sobre o meio. ‘Mesmo seo autor no avanga mais nesta dima quest80, lei entender que o simples uso de instrumentostécnicos no sera suficiente para transformara aividade do homem em at- vidade produtiva ou trabalho. Sem linguagem nBo ha como pPensat a realidade, mesmo se ela pode ser naturalmente cO- hecida, nem como organizare planer as ag0es e, portant, into hé trabalho. Embora Vigotski enfatine nos seus textos 8 Fangio da fala, em razdo do papel preponderante que ela ad- (quitiu na hist6ria humana, nfo reduz a ela © mundo simbsl- Junto com a fala ele refere-se aos signos em terms gerais ‘alguns tipos deles em particular, como os gestos 20 discuti 0 ‘avo dos deficientes auditivos, Seo autor introduz aida de Signo a partie da andlise do modelo da “duplasinalizacio" da feflexologia pavloviana, fonte de ambigicades conceituais ros seus escrits, ele avanga na sua elaboragao ao analisarare- Troan researc eds us nt any othe coin ofthe fly of is cept tat te pstve concn Bathe grt pri moment Per elocal vlan owe rete ply emo prc S23 goatee yen he unaton of hstvo previly ses) independent ines of deveepment ied wa). lagi entrefalae pensamento (1997, v1) chegandoa wm modelo {de signo com uma estrtura semelhante& que encontramos no Signo de Perce (1990) wma estrturatridica do tipo: co e Figura 2dagraa da esteatra do signa onde “x” representa elemento material do signo ou aquilo {gue faz sina (som, gesto, objeto), "Y" representa 0 objeto sina Tizado (coisa, evento ov ida) es” representa a razto ou prin= cpio que permite relacionar x-< y, Dos trés componentes do ‘sigpo, este iltimo (0 “2”, chamiado por Peirce de interpretete fe por Vigotski de signified) € 0 que apresenta maior dificul- ‘dade de compreensio. No caso de Peirce, € 0 que permite a0 sxjllo interpreter o sign ¢ como tl, nfo 6 totalmente evident. [No caso de Vigotski,€ 0 significado convencioral que signo veicula e que os sujeitos podem interpretar de maneiras dife- rentes (60 que entende por “sentido") em fungio da propria Fistéria pessoal. [Nao é 0 momento de entrar em maiores detaes sobre a {questo semistcar basta dizer que o que caracteriza o signo € ser um meio inventado pelos homens para representar-se a realidade, material ov imaterial, de manera a poder comparti~ lhar entre so que saber a cespeito dela. Masse 0 sinbica ¢ ‘da orem da represestacao, pressuple que exisiem realidades ‘oncretas que ele representa, o que descarta qualquer desvio idealist. O munda simbélico € 0 mundo construfdo pelo ho- rem, uma espcie de répller do mundo natural, a0 mesmo tempo resultado © condigéo da atividade humana. & a esse ‘mundo que chamamos de cultur:totalidade das produgées hhumanas portadoras de significa “ "StCOLOGIA KEBUCAGAO:REVENDO CONTLIGOES ‘Quancio Vigotsk fala de desenvolvimento cultural, rete ese especificamente ao desenvolvimento pessoal (ontogéne- 8), mas tendo como referéncia 0 desenvolvimento gera! da fexpécie humana, Por isso, a questéo principal dele ¢ saber como o desenvolvimento culteral da espécie acontece em cada individu Ble ndo explicitow o conceto de cultura, limitando- se a uma definigto sintética: "Cultura € ao mesmo tempo, produto da vida social e da atividade do homem" (1997, v.4, . 108}, Dois pontos marca esse definigao: ser produto da asvidade do homem” e, como tal, na definigao de cultura est cembutida a teoria do trabalho social, eser produto da "vida so- Gal” ¢, como tal a cultura const a dimensiio humana da so- Subildade,o que diferencia esta da socabilidade puramente animal. Assim sendo,o desenvolvimento cultural € um proces- Souja origem &necestarlamente socal de forma alguma indi- ‘vidual, como o entende a psicologia tradicional. Iso permite Vigotski enunciar 0 que ele denomina “Iei genética geal do desenvolvimento cultural” (idem), segundo a qual todas as {fungies superiores ow cultura em contraposigto 8s fungBes| ‘lementares ou biol6gicas—antes de se constituirem no plano pessoal jéexistem no plano Socal ou interpessoal. [to levanta Yarios problemas, que Vigotski procura explicar ao longo da bua obra. O principal dels, pens, & expicaranatureza cults faldas fungbes eo modo como elas se consituemem cadaindi- ‘ido, Em sintese € explicarahistéra pessoal na e pela histria sgeral dos homens. FoncoesSuveitones. Naruneza e COnsTITUIGAO ‘Um dos efeitos do trabalho socal, tal como descrito por ‘Marx eanteriormenteapontado, € que, a0 agir sobre a natureza tterior¢ transformé-la o homem ansforma sua propria na- turezae deserwolve a faculdades nea adormecidas. Cabe per- Jguntar-se: que relaclo existe entre a tese do trabalho enunciada por Marx ea tese da génese das fungdes superiors proposta por Vigolski? Como essas teses gerais podem expliarodesen- Yolvimento humano dos individuos singulares? ‘Se €celativamente fil compreender esss teses no Sea sentido geral, no tio fil compreendé-las quando aplicadas 2 histria particular dos individuos singulares. Em primeiro ugar, o conceito de trabalho, tal como aparece na tese geral, tem uma conotagio espectfca dada pelo contexto da anise do process de produsio econdmica em que Marx ouiliza,e que The permite fazer a ertica do modo de producto capitalist. Fora dessecontexto,entretanto, ele conserva toda sua fora se centendido como definidor da especiicidade da atividade hu- ‘mana, qualquer que ela sea. Tal 6 sentido em que o utiliza ‘Vigotsk. sso nto quer dizer que seam concepstes diferentes, ras que 0 conceito de trabalho se stuaria dentro do conceit mais amplo de atividade humana que, para sertumare, deve reuniras caractefsticas ateibuidas ao trabalho, Em segundo lu- ‘gar,a tese de Marx expica 0 desenvolvimento histérico do ho- rem em geral, edo seu mundo, nao odo homem singular 0 Interior dle, nio obstante ofato de tratar-se de duas dimen= shes de um mesmo e nico processo histérico, O que significa {que o carster produtivo da atividade humana opera nos dois ‘los de que &a mediadora: no MuNDO, transformancio-o em ‘CurtUnA e no Hone, transformando-o pela CULTURA HOMEM -» [—ATIVIDADE] > MUNDO 4 tenia esemisticn | cytrura gua agar da atidadeprodutiva I I f | « rsicoLoca ArDUCAGAO; HEVIRDDCENTBLICOES Pela atividade, 0 homem, individuo concreto transfor ima-se desenvolvendo habilidades organieas, em fungao da ‘adaptas8o ao tipo de atividade que realiza, (musculatura, d0~ ‘nino motor, sensibilidade perceptiva, etc) ¢ ments (novos aberes, valores, entimentos, ete). Nenhuma dessa transfor- iagbes ocorrem raturncente, coma mero efito da maturas80 tholgica. Enicetanto,comoomostra a evolugio de todas as es- pécies,o desenvolvimenta de habilidadeshumants na cianga ‘std condicionado pelas caractersticas gendticas da espe Com eftito,pode-se conjeturar, de maneira razoavel, que his- ‘ria cultural do homem marcow a natureza bildgica da epé- Ge, na forma de mentéria genética das transformagbes pelas ‘qua ela passou ao longo do tempo, Isso responderia & ques tho do significado da expressio “faculdades adormecidas” a aque se retere Marx. Bevideste que isto € congo nacesséria thas nfo sufciente para a emergéncla das unBes mentais supe ares, as quais, como diz Vigotst, sto a reconstitsigao no pla- rho pessoal das fungBes que jéexistem no plano socal, Daf a Féin da internalizagio ou conversdo para explcar a passagem ‘dem plano ao outro, Mas qual é a natureza dessasfunges? E fem que consist sua internalizagio ou conversBo? Nasunnza Das PUNGOES “Antes de entrar nesta questio, devo dizer que Vigotskt ‘nao frat, explictamente, do significado do termo fungi0, tusado frequentementé por ele, como acorte, als, com outros termes. Todavia,o carsteraparentemente vagodo termo ajuda fh conesber a psiquismo como algodindmico que nlo se crista- liza em formas ontol6gicas (estruturasfaculdades, caracteris- tieas, etc), mas que estd sempre em movimento, em am permanent iri, ou seja em uma constante(re)consttuiio. ‘Algo que se situaria,falando metaforicamente, “entre o cristal ea fumagy”, entre a fixidez de um ea fuidez da out. Algo {gue nos faz pensar na criagaoIninterrupta do velho no novo, do significado dado na flutuagSo do sentido. Na Tango, fer {dem-se, sem se confundizem, 0 ato de funcionar eo sew resul- taco. Assim, por exempo, as fangbes de pensar ou de falar 6 se concretizamn noato da propria fala edo proprio pensaralgu ra coisa. Isso quer dizer que, fora do ato de pensar ede fala, a fungao nada mais 6 do que uma simples capacidade e um re gistro. O termo permite ver 0 psiguismo como um complexo de atividades vietuais que precisam, em cada momento, er ‘concratizadas, ‘Mas, levando-se em conta 0 uso do temo fungi na lite- ratura especializada, ele pode ser também entendido em um ‘dupla sentido: (1) 0 de posigo social, sentido sociol6gico, 20 ‘qual vo associados determinados paps, (2) odecarnspon- ddencia entre dois conjuntos de elementos, sentido matemstco Embora diferentes, esses dois sentidos posiem ser combinados ‘se admitiemos que toda posigfe social é fungfo de uma outa posigio que, opondo-se a ela, a constitu. E dessa forma que pademos entender atelaio “mestre-servo” de que fala Hegel, femora o fga referindo-se > um fendmeno diferente: a condi flo de "mestre” depende da existincia de um “servo”, sem 0 ‘Qual ndo seria mestre A mesma coisa podendo-seafirmar do ervo"” que, sem “mestre” fo tem serventia. Ambas as post Ges ofo logicamente opostas, negando cada uma a outa, mas E nesta negacdo que ambas se constituem reciprocamente. A rmudanga de condigio de uma delas produz mudangas equiva- lentes na outa, "Neste contexto conceptual pode-se entender 0 termo fun- 80 seja como 0 ato de fancionae” sxja como a azo de uma 5 Thule de uma das ores do conbesdo Wlgo Hane, aoe da Nc frm suturing Ene vss tafe (a Ehdw sa » tcoLOGA REDUCACKO:REVENDO CCATHRLIGOES relagio de “posig6es" diferentes. Os textos de Vigotski nada idieam que nos permita determinar o sentido que ateibut dao termo. Mas, a0 retomar a questdo da natureza socal das, Frangoe pecans (1997.4) esbogada no “Concrete human payehotogy” (1989), ele introduz um dado novo, que pode Eonatitueo elemento-chave para determinar o sentido que ele pode ter pata o autor Diz ee ‘Mesino quando nos vetanios para os processos mental, fun navureza permanece quate social. Na sua esferap ‘adda, on seres humanos retém as fungdes da intrepo 0 iad (p 106; itlico mes) Dado 0 contexto em que Vigotskl uliliza a expressao “anges da interagao socal”, no parece set um fato mera mente ocasional, embora do saibamos arazao que 0 levou a utilzéla (@ possivel até que no exista neniuma espectica) Entretanto, tal expresso tem, em minha opinigo, um grande valor heurtstico, pois ajuda a entender melhor o pensamento Uo autor. Com efeito, se entendermos a “interacbo socal” ‘Como a maneiraconereta pela qual duns pessoas se relaionam, poderiamos pensae que a fungBes da interagao socal tanto PO ‘Sem ser os prncipios que regem sua elacio (p08 prineipios [que regem as relagies concrelas entre 0 “mestre” €0“serv0"), [quanto a furcio que a posigao de cada uma delas na relagao esempenha nas agbes da outra(p..afunsioque a posigio do ‘mestre” desempenha nas ages do "servo" e vice-versa). sé sit, as fiuigbes da interagd social nos reerriam, ao mesmo tempo, 20 “principio da relagao” ~0 que faz que o sujito (S) centre em rlagdo com o sujet (2) ~e 8s consequéncias da po- siglo de eada um nas ages do outro. 'No *Coneret human psycology”, obra de 1929, Vigotski firma, retomando a ida de Marx (a VI tee sobre Feuerbach va nntureza psicoldgicn do homem é 3 totalidade das relagbes sociaistransferidas&esfea interior etornadasfungoes da per- sonalidade e formas da sua estratura” (1989, p. 59). Affrmagao tepatida em texto de 1931, em que ele acrescena: “Nao quere- ‘mos dizer que este sea especiticamente o sentido da tese de ‘Max, mas vemos nesta tes a expresséo mals acabada de twdo 20 que nossa histéria do desenvolvimento cultural nos con= Guz" (1997, v4, p- 106). A assimilagao das fungSes superiores| fu cultura s relagdes socais aparece com bastante freqién- ia m0 titimos eseritos de Vigotski, tomandorse uma iia fandamental. [Nas duas itagbes acima, Vigolskl est se referindo espe- cificamente, a ertca que Marx faz da concepsio de homem (que Feuerbachapresenta em A esstnct do crstanismo;ertica Sinjotizada nesta famosa tse, em que Marx afiema: “Feverbacl resolve esséncia religiosa na eséncia humana. Mas a esséncla humana nio € uma astrasio inerente ao individuo singular [Nasua ralidade 60 conjuntodas relagbes socials". Marx criti ca visto abstata que Feverbach tem do homem,considerado ‘como “homem genético”. Conta essa vido, ele sustenta que 0 hhomem é uma realidade concretacuja esséncia é constituda pelasrelagdes scias. Em outras palavras, o que define o ho- mem como se humana (sua esséncia) nao € algo previamente ‘dado, como é anatureza bloligiea que herd dos seus antepas- sados, mas algo que se constitu na histéra social dos homens Como comenta Milhax (1982), na sua introducio a verso fran- cean do Ideologia elem, 35 "eses sobre Feuerbach" colocam ‘a origem da histria humana seres vivos que para subsist- rem, produzem suas condigdes de existéncia e, dessa forma, st propria natuceza. Se pelo trabalho os homens criam suas condighes de existéncia, a divisio social do trabalho gerarla- 1 has essence hie wert prune saracon inhéene Ye Linger Do al est onal des rapporsseclonc” 0 ¢ Engels 986) a FSICOL0GA BUCA AO: REVENDO CONTRI «6es sociais que constitem sua prSpria natureza Ou, em ou- feos termos, qué os constituer como seres manos. Nessa perspectva,o que em sltima instincia,impulsiona o desenvol- imento da hstéria humana, a geral ea particular de cada ho them sio as relagbes socials geradas pelo processo de prods, “Ao assumir a tese marssta de que a ess€ncia do homem sao as relagbes soca, Vigotski muda os rumos do pensarer- to palologico,indicando qual éa verdadkéra natureza ea ori- fem das fungGespsicol6gicas. Aidéia de Marx deque “aio €a onsigneia que determina a vida, masa vida que determina a tonseiacia” (1976, p78), Vigotski aaplica a todas a8 otras fangBes psicologieas (pencamento, linguager, pereepgio, me- ria, et), entendendo por vida as novas condigbes de exis fencia criadas pelo proprio homem. Isso quer dizer das coisas: primeico, que as condiches naturnis de existéncia nio poclem dar origem as fungbes Superiores ou culturas, emibora Eejam a condigao nevesséria para que easacontegam segundo, {que estas no preexistem 2 istria do desenvolvimento do ho- ther, mas surgem nessa hist6ria ao mesmo tempo que a cons ‘Seria ingenuidade pensar que Vigotski, a identificar a funbes superiores a relagbes socials, estaria entendendio esas ‘como expressdo de uma socabilidade natural e, portant, fdeologieamente neutra, Ao contrério, ele esta referindo-se 3S ‘ages socials historicamente produzidas, como pode verse fm am texto publicado em 1830, em que ele afirmas ‘Da mesma manita ques vid da sociedad nfo representa um todo nico euniforme ea socedade éaubdividida em dfren- tes clsve asim, durante wm dado peiodo histo, compo- figlo don pereonlidades humanas ago pode ser vst come enresentando aig homogenee «uniforme, ea picologla eve trouve conta fto fundamental ques tse gral que fi fore frulada eeantemente, sf pde ter uma conus drt, conit- mare carter de classe, a naturera de aase eas diferecas de ‘nse questo responsves pela formasio dos tpos humanos ‘as viviascontedigesinteraaque fram encoatradas er i= enter sistemas soins enconttam sua expresio, a0 mesmo fempo, no fpe de persnaldade ena etrutura da pscologia humana nest period histvico. 194, p 178) ‘As relagdessociais conatituem uma estrutura social com= plexa feta de posigbes socials ede expeciativas de ago a elas fasociadas, Essasrelagoes concretizan-se em prftiens soci. Isso quer dizer que, 0s termes em que fala Vigotski a “fun- hes psioldgicas”traduzem 2 maneira como os individos se Stuam uns em relagio ade outros no interior dessas prticas| sociis que, por sua vez concretizam a estrutura de relagbesda Sociedade. © que nos permite conclur que as fungBes pslcol6- ica se constituer no sujeito na meelida em que este participa fas priticas socais do seu grupo cultural ‘Sem pretender dar uma definicho do que seam as priti- cas socials, pode-se dizer que elas raduzem, de maneira co ‘reta, as relagdes socials em que as pessoas esto envolvidas. Flas so formas, socialmente institufdas, de pensar, de falar © de agir das pessoas em fungio das posig6es que ocupam na ‘rama de rlagées sociais de uma determinada formagio social ‘Dols aspectos parccem earacteriza as prticas socials em rela- lo a outras agbes: teem uma certaconfigurasio (0 que as tr= ha identificéves), perpetuarem-se em um certo tempo © em tim eerto espacoe veicularem uma signfierefo compartilhada pelos integrantes de um grupo cultural espectfico. Por exem- plo, a8 pica religiosas, familiares, politias, jridicas, ed- Encionais, ete, prprias das pessoas que integram o mundo, respectivament, das confssGesreligisas, ca familia, dos pat tidos poltces, da maglstratura ou da educagio. Mundos esses aos quis, via de rea, ste aseodadas determinadas“priticas Sizcursivas” que os deiner como “formagbes discursivas”e3- pesificas (Foucault, 1986) e determinadas formas socais de « cova kEDUCAGAO,REVENDO COTES ‘agit. As peices sociaistransformam o agit 0 pensar eo falar tm formas vtualizadas sigifiatvas. Dessa forma, ocotidlano ‘nslitu um grande complexo de rtualizagces. De tudo oque acaba de ser dito, conchu-se que a fiungdes psicolégicas superiors (ox cultseais) sio uma trnsposigo no plano pessoal das funpies inerents is relagdes sociais nas (quai cada ser amano est envolvido, Relagdes socials deter- ‘hinadas pelo modo de produgio de uma dada formasto social fem um dado momento histrico. A questao agora & explicar amo possivel essa transposigzo, qual 0 processo pelo qual as fungBes superiores ou culturaisseconstituem. CConstiTuI¢ko DAS FUNGOES Segundo Vigotski,o desenvolvimento cultural passa por rts estos: “desenvolvimento em si para os outros e paras ream” (1989, p. 567. Trata-e de uma referencia andlise dia Teen de Hegel 1997, v.4,p.104),em que, como} vimosan- tes.o"em si” 60 “dado”, aqulo cuja existéncia nao depende dda agdo do homem, e 0 “para si" € 0 “em si* como objeto da ‘onseiéneia do homem, uma réplica do “dado” no plano sim Dolio, Mas Vigotsi introduza um elemento navo, 0 “para os ‘urs’ equivalente do"parasi” mas como conscéncia do ou- tro, exterior & do eu e mediadora entre este «0 “dado” ou “em. H°.""Nos nos tornamos nés mesmos através clos outros. Em ua (Grmula puramente lgica, a esseia do prooesso de desen- Yolviimento eullusal consiste precisamente isso” (Vigotsk, 1989, p_ 58). Com estas formulagbes, um tanto enigmaticas owe mw the genes Um: ft means of acting on thers, Hen Sse Insecta eselopment hes hess lpn ine. fortes onl for oneal? (Vigoh 138.8) 18 "We become sure Snygh Br rt ualy lng form, emer ike yoessof etal foelopmenl conse precy i" Vige, 193,58) para leitr, Vigotski parece quererindicar que, de um lado, 0 Uesenvolvimento cultural passa, necessariamente, através do “rautro”e que, por isso mesmo, seu fator dindmico no esta na ratureza biologica do individuo, mas em algo externo a ela: ‘de outro lado, que o mediadorentreoindividuoe0 outro” éa significagio que este atribui as agbes naturals daquele isso que Vigotski quer dizer com o exemplo do “ato de apontar", considerado por eleo prottipa do modo como ocor~ reo process de internalizagto das fungies superiors (1957, ¥.4, ‘P. 104-105) © que inieioimente 6 um ato natural (movimento {id mao em diregto a um objeto), tornase um ato signifintivo para 0 “outro” ao ser inerpretado por este como “sinal” de flgo que a crianga quer. sigifienglo do movimento dacrian- fa traduz-se no ato do “outro” de atender & sua demanda (ob- fer 0 objeto apontado). Desta forma, a crianga descobre a signifieagio do seu ato, em razao do qual este torna-se para ela ‘sigh como qual se comunicard depois com oautro cada vez ‘que desejar objeto, Como diz Vigotsi, “a fungo do proprio movimento muda: de um movimento dirigido a um objeto, torna-se um movimento dirgido a outra pessoa”. O movimen- to 28se tora gesto “para” porque antes foi gesto “para ou" to", A significagto atsibuida a movimento, fato natura, torna-o gesto ou signa, fto simbélico ou cultural. Portanto, 0 {que Cinernalizado nto & 0 gesto, como materialidade de mo- Vimento, masa sua significapto.£ signficagdo que te 0 po- ter de converter 0 fato natural em fato cultural e, dessa ‘maneira, permite a passagem do plano social para o pessoa. ‘A propria natureza da sigaificaglo fez dela algo que, 20 _mesmo tempo que pode ser compartilhado por todos ~é de todos e nao é de ninguém em particular ~conserva a singe laridade de cada um dos que a compartiIhamy, ao mesmo tempo que nlo estésujeita as condigbes da espacialidade © da temporalidade, concretizase em seres reais € no tempo seal desses eres. % tenLoci kEUCAGAO:REVINDO CATS A capacidade de signifiear~no duplo sentido de faze six pal a0 outro e de interpretar 0 sinal do outro ~ constitu a es- séndia do serhumario.O poder de signifcar €0 poder de criar fas coisas, utna vex que estas 56 tim existéncia para 0 homem {quando este as nomea, ou ej, Ihesaribul uma signifcago. UAs coisas e 0 proprio homem so, no sentido de exstirna me- ‘ida em que sgsificam algo para o homem. Talver sea essa 2 real fungao das fungbes superires: significa. Isso autoriza di- zee que o homem & um ser semistico, no 6 porque ele pode ‘onferi signifcagio As coisas mas também porque ele €0 que ‘le sigoifea para 0s outros. Signficar paraos outros pode ser 0 ‘squvalente 20 reconecimento de que fala Hegel, condigio da conscitncia de Thareicagoes Boucactonasspas Toéias 8 Vicorskt ‘Como lembra Elkonin (1998, pp. 297-917), Vigotski fot an- tesde tudo um especialista na dea da psicologia gerale da me- todologia. Sew interesse principal era construir um sistema Clentifico de psicologia, na perspectiva do materialism hist rico e dlalétic, Por isso,0 centro da sua pesquise,tebrica e me: todoléica,é.a histori do desenvolvimento esua conexa com | historia social dos homens, Entretanto, duas fortes razdes © levaramn a estudae a8 questbes reltivas & psicologia infantil: ‘uma, o fato de sera infancia 0 perfodo em que essasfuncbes omesam a constitute, momento privilegiado para analisae tanto.a emergéncia dela (a neoformacdes) quanto a desinte- sgracio de algumas delas (tabalhos sobre “defectologia"); a uta, a demanda da sua propria prtica de professor, que oe- ‘vara a inteessar-se pelos problemas de psicologia pedagégica antes de dedicar-se as grandes questes de psicologia geral Foi seu passado de professor que levoundo 86 acampanhar atentamente as mudangas que ocoeriam no curso ca constru- {fo de um novo sistema educative na Uniso Sovitica, como a tomar parte ativa nessa construgio como membro do GUSa (Conselho Cientifico do Estado ~ Centro Metooligion do Co- missariado de Edueagio do Povo). A solugio dos problemas do ensino edo desenvolvimento desempenhou, segundo Ekonin, um papel importante na formagio da sua concepco da psico- logiae foi a forma mats dire de atuarna reforma do sistema educativo, da escola primdria e da escola secundaria, que ‘ocorren nia URSS a partir do decreto do Comité Central do Partido Bolchevique de 1981. Em resumo, para Vigotski, desen- olvimento humano e educagio constituem dois aspectos de uma mesma coisa, Se primero diz 0 que € 0 ser humano € como ele se constitu, a segunda €a concretizario dessa const tuicio. O que nos permite dizer que nessa perspectiva, aed caro nio é um mero "valor agregado” & pessoa em formaséo. ta constitutive da pessoa. 0 processo pelo qua, através da rmediago socal individuo inernalizaa cultura se consis! fem ser human. “Muito se poderia dizer a respito das mitiplas implica- Bes que as idéias de Vigotskitém para a educapfo, ob acon ar de levar em conta, Uma das grandes idéias da perspectiva histério-cultura em que se situa Vigotsi € que as vérias fun- {8es so fungoes de wma mesma e nica pessoa, constituindo ‘uma “unidade maitipla”. Bum dos grandes equivocos das ins- ttuigdeseducativas, soba inluéndia de uma certa radicao psico- logica e sociologica, ¢ pensar que a chamada inteligencia ‘constitui um compactimento isolado do individuo sem hist +a, Dessa forma, peasa-ce queo deseavolvimento mental ¢ umn setor independent e, portant, mune 4s condigbes concretas de existéncia, devedor unicamente de uma obscura heranga ‘genética, A natureza histrica do desenvolvimento cultural, de ‘um lado, eas desigualdades sociisinerentes as sacedades mar- ‘adas peladivisi de asses, do outro, colocam o educador em @ scoLecta KEDUCAGO:REVENDO CATHERIOES situagbes aparentemente sem saida quando se trata deexiangas provenientes de meios populares marcados pela pobreza € pela miséra. Se ignorar a hstria do meio pode levee aver a Erianga como uma “abstragio genérica” ow a implantarnela a flusto de um "futuro impossivelslevarem conta a Ristéria do meio pode conduzira implantarnela a conscitacia do proprio fracasso ea desistincia de toda educapio. O desaio,enquanto tessns condigdes nto forem transformadas,€levar em conta a fistoria do meio e conseguir implantarna cianga aconseiéncia da sua realidade eda possibllidade real de swperasio das lim tages que ela he impde, Como? Este 60 desafi. [Rermxencias BaooxAnicas Bottgeli (1972) "Prisentaton”. Ie Mars, KMamsrits de 1844, Paris, Ed. Sociales. Elkonin,D.B. (1998). "Epilogue". The collected warks of LS VVigotsk, New York, Plenun Press Foucault, M. (1986) A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, Forence Universitaria Hegel, G. W-F. (1941). La phénoménolgie de esprit 2v-Paris, ‘Aubier/Montaigee. jv A. (1947) nroduction I ctre de Hegel. acs, Gaiman Kosik, K. (1976), Diaéticn do concreto. Rio de Janeiro, Paz Terr Mars, K. 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