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AT sass © DIREITO RIO ee ee ae die ies Pa re Pa, SP Ee Pel PS 9 dt fd ; oe Fuel 4 REGULACAO NO BRASIL Copyright © Sérgio Guerra Dircitos desta edigio reservados 4 EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dantas. 37 2231-010 | Rio de Janeiro, R] | Brasil “Tels: 080-021-7777 | 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430 ceditoragfgnbr | pedidosedicora@fgy.br www fgubreditora Impresvo no Brasil | Printed in Brazil (Os cenceits emits nete loro shade itera responsabilidade dos autor 11 edigdo ~ 2014 (1 reimpresséo ~ 2014) reparagio de originals: Sandra Frank Diagramagdo: Cristiana Ribas Revisio: Fernanda Mello Proje gufic de cap: 2abad | ingprado no panel de azulejos da Fundasto Gevalo Vargas Rio de Janeso (RJ), criado por Athos Buledo em 1962 cha catalogrficaelborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen Regulao no Brasil: ma viso tulsa Org Sexo Guerra, ~ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. 2p. Incl bibliograia, ISBN: 978-85-225-1339-0 1 Poder rolamentar. 2. Agincasreguladoras de avidaes privadas |, Gues Séigio, 1964- Il. Fundacao Getulio Vargas cpp - 341.3221 Sumario Prefacio 7 Carlos Ivan Simonsen Leal Notas do organizador " Sérgio Guerra Autores "7 Introdugao 25 Capitulo 1. Regulagao do sistema de educacdo 31 Antonio Freitas ‘Ana Tereza Spinola Capitulo 2. Regulacao e administracao publica 57 Alketa Peci Capitulo 3. Regulacao financeira no Brasil 81 Ant6nio José Maristrello Porto Capitulo 4. Direito puiblico e regulacao no Brasil m1 Carlos Ari Sundfeld Capitulo 5. Responsabilidade civil dos provedores de internet: uma década a procura de regulagéo 43 Carlos Affonso Pereira de Souza Capitulo 14 Regulacao estatal sob a otica da organiza¢éo administrativa brasileira Sérgio Guerra* Até a década de 1980 0 Brasil seguiu 0 modelo de forte intervengao estatal direta, seja na prestagéo de servigos puiblicos, seja na atuac3o nas atividades econémicas em sentido estrito. Mas com o fim do governo ditatorial militar e com o forte clamor pela melhoria das condigoes de vida da populagéo provocou-se um sucessivo proceso de mutacio das estrururas estatais, notadamente da organizagio administrativa do Brasil Inserida no contexto do padrio neoliberal, houve, no Brasil, a op¢4o pela participacio no amplo processo econdmico globalizante, e, em seu bojo, a adogio de um programa de redugio do papel do Estado na explo- ragdo de atividades econdmicas e prestagio direta de servigos piblicos. De cerca de 600 empresas estatais federais, o Brasil chegou, atualmen- te, a 126. O pais seguiu na linha de que caberia preponderantemente ds forcas do mercado o papel de protagonista na organizagio da economia, de modo que a iniciativa privada seriam destinados os bénus ¢ os nus da flutuagio mercadologica. = Pés-doutor em administragio publica. Doutor e mestte em direito. Vieediretor de Ensino, Pesquisa ¢ Pés-Graduagio e professor titular de dirito administrativo da Escola de Direito do Rio de Janeito da Fundago Getulio Vargas (FGV Dircito Rio). Editor da Revista de Direito Adminisrative (RDA). fegulagao no Brasil As decisées governamentais seguiram as premissas constitucionais, Nos termos da Constituigo Federal de 1988 ao Estado reservou-se a atuagio direta (i) nas atividades econdmicas monopolizadas (indistti do petrdleoe gés) e nos casos compreendides como sendo (i) imperative da seguranga nacional ¢ (iii) de relevante interesse coletivo. oe podemos, contudo, dizer que 0 Brasil seja, hoje, um estado A revisitagao ao modelo minimalista do liberalismo oitocentista, em que 0 Estado valoriza a livre iniciativa e passa a adotar o principio da subsidia riedade, foi mitigada na Carta Brasileira de 1988 com freios e conte ead que visam assegurar garantias e direitos fundamentais ao cidadao, Se, de um lado, a Constituigio Federal assegurou a livre iniciativa como um dos pilares dessa nova era, de outro, 0 texto constitucional valorizou, como eixo principal, a dignidade da pessoa humana ¢ outros principios a serem observados e sopesados no caso concreto. Para a atuacéo executiva estatal por esse novo enfoque, destaque-se a fungio regulatéria, disposta no art. 174 da Constituicéo Federal de 1988: Como agente normativo e regulador da atividade econdmica, o Estado exercerd, na forma da lei, as fung6es de fscalizagso, incentivo e planeja- mento, sendo este determinante para 0 setor piblico ¢ indicativo para 0 setor privado, Essa previséo constitucional foi edificada a partir da ideia de que as modernas formas de administragao do interesse publico — em evolugao para nao mais serem encaradas como poder supremo — devem ordenar ¢ implementar politicas estratégicas para suas respectivas sociedades de forma sistémica; isto é, tanto no sistema social como no campo cientifico ¢ tecnolégico, ambos umbilicalmente atados ao sistema econdmico. Nesse cendrio 0 Estado vé-se compelido a adotar, ponderadamente, priticas de gestio modernase eficazes, sem priorizaro aspecto econdmico nem, tampouco, perder de vista sua fungio eminentemente voltada 20 interesse piblico, dirccionada ao bem de cada um dos cidadaos. 374 'A busca de uma gestio moderna ¢ eficiente no contexto politico- -econémico-social vem gerando novas competéncias ¢ estratégias para 0 ‘exercicio das escothas administrativas, com vistas a perfeita conformagao dessas mudangas e desses acoplamentos a0 contexto juridico-constitucio- nal brasileiro. Com essa premissa constitucional buscou-se, no Brasil, no inicio da segunda metade da década de 1990, umm novo marco testico para a admi- nistragao publica que substituisse a perspectiva burocrética weberiana até entio seguida. Sob os influxos dessa onda, em que se impés uma reforma adminiscrativa para a renovasio de estruturas estatais absorvidas do modelo burocritico francés, 0 governo federal brasileiro editou, em 1995, 0 Plano Diretor da Reforma do Estado, direcionando a administragao piblica para tum padsio de geréncia com eficiéncia nos moldes da iniciativa privada. ‘Além disso, promulgou-se uma série de emendas constitucionais visando “abrit”, 20 setor ptivado, determinados subsistemas econdmi- cos ~ como, telecomunicacées, petréleo, gés natural ~ ¢, nesta senda, adaprar os deveres do Estado (¢ de suas empresas) a esse modelo. "A abordagem, entio disciplinada democraticamente pelo Poder Legislativo, decorreu do reconhecimento de que as democracias con- temporineas (verdadeiras sociedades de riscos) carecem de entidades autonomas ¢ independentes. Assim, estas novas entidades foram criadas paraa regulacio de atividades econémicas preponderantemente caleadas em aspectos cientificos e, paralelamente, com certa prote¢ao as presses politico-partidérias.! Em sintese, a Constituigéo Brasileira de 1988 dispée que 0 Estado se estrutura numa democracia, tendo por objetivo garantir a dignidade © 0 bem-estar dos cidadios, valorizando 0 trabalho, a livre iniciativa € o pluralismo politico, Ademais, na sua fun¢io normativa ¢ reguladors, o Estado deve atuar de forma a promover a fiscalizacio, o fomento ¢ 0 planejamento das atividades econdmicas 7 Sobre or desaflose riscos na criagSo desss entidades, vr PRADO, Mariana Mota, The chal lenges and risks of creating independent regultony agencies: x cautionary rake From Bra Vanederbile Journal of Transnavional Law, v.41, n. 2, p. 435-503, mas. 2008, 375 Reguiacao no Brasil Portanto, podemos extrair do texto constitucional que 0 Brasil se. enquadea na categoria de Estado regulador. Quanto as trés subfungées (Fiscalizar, incentivar e planejat) decorren- tes da fungao regulat6ria, o planejamento estatal é, nos ditames constitu: cionais, determinante para o setor ptiblico e meramente indicativo para o setor privado. Ou seja, as escolhas do administrador piblico devem, sempre, levar em conta que o Estado tem a missio, primeiramente, de planejat as ages que impactario a sociedade como um todo, e, compul- soriamente, estard vinculado a esses mesmos planos. Diante desse preceito consticucional, surgem algumas questées € dividas acerca do que é regulagdo estatal e do que representa enquadrat © Brasil no rétulo de Estado regulador. ‘A regulaco estatal est atrelada a um sistema econdmico? Ou a regulagio exercida pelo Estado representa uma estrutura do sistema politico? A resposta parece ser negativa para ambas as perguntas. Em termos sistémicos, a nossa economia segue modelo capitalista. Ade- mais, no Brasil hé grande dificuldade em se definir que sistema politico esta vigorando, podendo-se afirmar que estamos proximos ao modelo social-democrata. Resta, entio, indagar se a regulasao estd atrelada ao sistema organiza cional do Estado. Ao nosso sentir, a resposta deve ser afirmativa. Quando sustentamos que um Estado é regulador, como no Brasil, estamos nos referindo & estrutura da organizacao administeativa. Os Estados Unidos da América sio um Estado regulador; contudo seguem, também sob a estrucura capitalista, um sistema liberal. O Brasil & um Estado regulador, em que pese, quanto ao sistema politico, estar préximo & social-democracia com intimeras medidas de impacto social custeadas pelo Estado, Partindo-se da premissa de que o Brasil é um Estado regulador do ponto de vista organizacional, resta perquitir neste artigo: (i) & luz do sistema juridico, qual deve ser o fundamento da regulagio estatak; (i) como estd estruturada, do ponto de vista organizacional, a regulagao exercida pelo Estado; (ii) quais foram os influxos estrangeiros recebidos 376 Regulacdo estatal a de regulagao estatal; (iv) como cor ‘a regulatdrio exercido pelas entidades 1p6s 0 Plano Direror da Reforma do pelo Brasil na adogio da estrucur rigir as eventuais falhas do sistem: reguladoras autbnomas, criadas aj Estado de 1995. Fundamento da regulacao estatal a luz do sistema juridico H& pelo menos ts concepg6es quanto 3 amplitude do concsito deimer- veo vegulatériaA primeira delas alcangatia toda forma de intervene vereconomia independentemente dos instrumentos ¢ fins ~ intervene romp, Uma incervengio menos abrangentecortespondera Agus 296 nr na economia mediante condicionamento, coordenacéo ¢ disciplina Mia atividade econdmica, Por fim, numa modelagem restirioa somente haveria 0 condicionamento normativo da atividade econdmica privada, Hd outras formas de sistematizagio da regulagdo escatal, pela dtica das medidas estruturais € de conduta: sunshine regulation, lighshanded regulation, aucorregulacio, regulagio setorial independente e o modelo 0 norte-american0.* a regula esttal do pont de vst do sistema jriico, Tntendemos que estamos diante de uma nova categoria das esco Ihas administrativas: a escolha regulatéria. Na regulagio de atividades scondrneas pelo Estado estruraestatl necesita para equilib os cchelstemas regulados, aastando as falhas do mercado, ponderando-se ifiversos inceresses ambivalences, tudo com vistas & dignidade da pessoa humana, ndo se enguadra no modelo positivsta cldssico e moderno, haja vista sua patente singularidade. T MOREIRA, Vie. Anorepelapi rofisioal e admintararo piss Liss: Almedina, 1997 os ablicos, Granada: Comates, 2003, P SEIDEN GARCIA, Miguel Angel. Regulacion ysrveor pico, Granada: C pSesexs 317 ‘A tegulacio se distingue dos modos cléssicos de intervencao do Estado na economia, pois consiste em supervisionar 0 jogo econémico, estabelecendo certas regras ¢ intervindo de mancira permanente para amortecer as tens6es, compor os conflitos e assegurar a manutengéo de uum equilfbrio do conjunto. Ou seja, por meio da regulaeio o Estado no se pe mais como ator, mas como dabitzo do processo econdmico, limitando-se a enquadrar a atuagio dos operadores e se esforcando pars harmonizar suas agbes ‘Acescolha regulatéria, como espécie de intervengio estatal, manifesta-se tanto por poderes e ages com objetivos declaradamente econdmicos’ — 9 controle de concentragoes empresariais, a represséo de infracdes 3 ordem econdmica, 0 controle de precos e tatifas, a admisséo de novos agentes no meteado ~ como por outros com justificatvas diversas, mas efeitos econd- micos inevitéveis — medidas ambientais, urbanisticas, de normalizacao, de disciplina das profissbes etc Compreendemos, do ponto de vista juridico, a regulagao estatal pela 6tica da organizacio adminiscrativa, com medidas setoriais/sistémicas. Diante da grande tecnicidade decorrente da sofisticagio do conhecimen- to humano, naturalmente ha uma especializagao dos direitos, ramos do sistema juridico Isso se revela na edigao de logislac6es cada vex. mais hermeéticas para a compreensio e operacéo, das quais no bastam sblidos conhecimentos juridicos, fazendo necessdrio a eles acoplar conhecimentos técnicos do setor especifico normatizado. Tal especializagso vai implicar nao apenas * CHEVALLIER, Jacques. O Bade pés-moderno, Trad, Marsal -modervo, Trad. Maral Justen Filho, Belo Horizonte Forum, 2009. p. 73 wen Be Beets © M. Chemilliet-Gendreau, da Universidade Paris VII, anata que a regulasio resume os virios mecanismos que levam 0 sistema econBmico a0 equilibeio, P aveas,* ms : io. Por suas palavas, “xt utilisé pour nde compe des difens mtcanines par lsquels le stim deonomigue parvien a Ugur: le couple équilibrcrégulation eta centre des analyeséeonomigucr, la régulation éant pose comme lt ‘condition de éalation de équilibre” (CHEMILLIER-GENDREAU, M. De quelques usages di concept de régulation In: MIAILLE, Michel (Org.). La gultion ene dive e politique, Pats: LHarmattan, 1995, p79) . © SUNDFELD, Carlos Ari. Servigos pibl : sl rilicose regulago estaal. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org). Diveito adminiasivo econdmico. Sho Paso: Malbeiros, 2000. p. 23, 378 uma segmentagao dos instrumentos legais, como também a construgdo de diversos subsistemas. ‘A regulagéo estatal representa um estado de equilibrio ¢ de regula- ridade no funcionamento de um subsistema, mediante regras, em sua maioria elaboradas com alto grau de tecnicidade ¢ complexidade, Essas regras devem set observadas em determinado comportamento ou situac40, afetando-se minimamente direitos e garantias fundamentais do cidadao. Pela dtica do postulado da eficiéncia e como fundamento juridico, a regulago estatal deve alcancar a maior satisfagao do interesse pablico io de outros interesses constitucional- substantive com 0 menor sacri mente protegidos. Secundariamente, a regulagéo deve buscar 0 menor dispéndio de recursos piblicos.” ‘Acscolha regulatéria fundamenta-se, portanto, na atuagio do Estado sobre decisdes e atuagdes empresariais de forma adequada, necesséria € proporcional, para 0 equilibrio de subsistemas. ‘A regulagio deve levar em conta fundamentos técnicos ¢ cientificos que visem atender ao interesse puiblico substantivo sem, coneudo, deixar de sopesar os efeitos dessas decisées no subsistema regulado com os in- teresses de segmentos da sociedade e, até, com o interesse individual no caso concteto. Esses fundamentos levam & indicagéo de alguns principios funda- mentais e norteadores da base juridica regulat6ria no Brasil. © primeiro, relacionado & perfeita concepséo da tecnicidade das escolhas regulatérias, para que esta ameaca nao seja um instrumento de embarago a0 estado democrético de diteito (recnocracia). © segundo, voltado & necesséria especializagio dos ramos juridicos em subsistemas que impéem uma plu- talidade de fontes em cotejo com a dificil carefa de discernir onde comeca e termina o espago de cada um & luz do principio tripartite de separacdo dos poderes. O terceiro, ligado & permanente ambivaléncia, que aspira a0 sopesamento de valores e principios, F MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Divito regularri: « alternativa participative € Aexivel paca a administragio pblica de relagbessetorials complexas no estado democritico. Rio de Jancira: Renova, 2003. p. 93. 379 4 Ciera premise peildades ns apresetadas ace s regulacao estatal, identificando-a como tema sujeito A organizacag_ admii rativa, i | ae inistrativa, cumpre examinar quais s4o 0s mecanismos de Tae estatal que foram desenvolvidos no Brasil. a Mecanismos de intervencao regulatéria pelo Estado brasileiro A luz do texto constitucional de 1988, podem-se identificar int formas de intervengio do Estado em face da ordem economics, qge orientam as escolhas politicas em diversas atuagSes, Apesar de haver dif culdade prética em apontar todos os mecanismos de intervenedo estatal no Estado regulador, cumpre indica algumas formas de fizélo de modi a melhor compreender qual aparato & necesirio para a extrucuragio da ‘organizagéo administeativa brasileica.* a © Estado intervém quando proibe, por meio de lei, a exploragao de atividade econdmica, como a produgio de materiais com 0 uso do ami (Lei n* 12.684/2007, do Estado de Sao Paulo). = __Também é uma forma de intervencio quando o Estado cria um mono- pélio para a exploracio de atividade econémica, a exemplo do que ocort com as atividades inerentes&indiistria do petrdleo, notadamente ames edigao da Emenda Constitucional n® 9/1995 ¢ © monopélio das atividades aferas aos correios (Lei n® 6.538/1978, julgado pelo Supremo Tribunal Fede- ral em sede da Agio de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 46) Constitui mecanismo de intervengéo do Estado o ato de reservar algumas atividades econdmicas como sendo servigos piblicos e, portanto, executados pelos particulares por meio de concessao, petmissio ou auto- Fizagio, Exemplos marcantes aleangam os servigos de telecomunicagbes, distibuigio de energa elétricae transporte piblico, atualmente regulados, em sua maioria, por agéncias reguladoras. + : informe GUERRA, Sérgio, Agi Sérgio. Agéncias repuladoras da administasio piramidal 4 govern ‘em reds. Belo Horizonte: Férum, 2012. p. 54 © segs SS 380 ee cnonnceonncnas A presenga do Estado € marcante quando atua na qualidade de agente econdmico de forma direta, como nos casos de empresas estatais pres- tadoras de servicos piblicos (servigos postais ~ Lei n® 6.538/1978, com a observacio supra, ou no caso da Eletrobras). A regulagao do exercicio de atividades determinadas, por exemplo, do sistema financeiro ~ Lei n? 4,595/1964, que dispde sobre a politica e as instieuigées monetarias, bancérias e crediticias, é forma de intervengao estatal. ‘Mesmo atuando em sentido mais amplo, quando regula 0 exercicio de atividades gerais — como no caso da disciplina ambiental (Lei n* 6.938/1981) e da concorréncia (Lei n* 8.884/2004) ~, 0 Estado acua de maneira intervencionista. Também, 0 Estado disciplina normativamente co exercicio de atividades econdmicas, por exemplo, legislando acerca da atividade da industria do tabaco (Lei n® 6.437, de 20 de agosto de 1977, Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, ¢ Lei n® 9.782, de 26 de janciro de 1999). Outra forma de intervengao esté na delegagio de fungées de autorre- gulacio, como nos casos de profiss6es regulamentadas (Conselho Regional de Administracao, Conselho Regional de Corretores de Iméveis etc.). Ao atuat na figura de “contratante” de bens ¢ servicos, 0 Estado intervém nna economia, por exemplo na contratagao de infraestrutura por meio de parcerias piblico-privadas (Lei n* 11.079/2004). Fomentando, incentivando ou induzindo a atuagao dos agentes econd- snicos privados (ex. politica aduaneira, disciplinada pelo vetusto Decreto- “Lei n® 37, de 18 de novembro de 1966) ou quando o Estado exerce © poder de policia sobre atividades econdmicas, como no caso da vigilancia sanitiria (Lei n® 9.782, de 26 de janeiro de 1999), esta cle intervindo. Vale destacar que a forma de intervengao estatal pode ocorrer isolada ‘ou, até, de forma cumulativa em determinados setores, de modo que Estado reserva uma atividade econémica como servico publico, regulando- a, atuando como agente econdmico € criando politicas indutivas (ex.: setor elétrico). Como se vé, so intimeras formas de intervengao estatal, de modo stado deve estar prepatado para atuagio de sua organizagio ad- que 0 aet ministrativa, Adotar ou nao regulagio estatal descentralizada é, portanto, uma questio de escolha politica, governamental, Atualmente, podemos identificar seis mecanismos estatais (espécies) para operacionalizar a regulacao estatal (género). O primeiro é a regulagao direta, exercida por ministérios ¢ secretarias. Exemplo dessa regulacio direta esta nos servigos postais. Recentemente, 0 Ministério das Comuni- cagbes editou portaria acerca de indicadores e universalizacéo dos servigos prescados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Um segundo modelo de regulagao estatal esté associado as autar comuns, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos q Naturais, que regula as atividades potencialmente poluidoras do meio ambiente no ambito federal. Essas autarquias comuns sio vinculadas (e nao subordinadas) aos ministérios, porém seus membros dirigentes sto. indicados pelos ministros e, 2 qualquer hora, podem ser destitudos (nao gozam de real autonomia frente o poder central). Um terceiro modelo de regulasao estatal ¢ exercido por agéncias exe- cutivas. Atualmente, s6 existe uma: 0 Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que, como autarquia, promove a regi Jacdo com ligeira auronomia em comparagio com autarquias comuns. Isso significa que seus dirigentes também podem deixar, a critétio exclusivo da chefia do Poder Executivo, seus cargos em comissio. Identificamos um quarto modelo: as entidades reguladoras de- nominadas autarquias especiais. Nessa categoria temos as agéncias reguladoras, a Comissio de Valores Mobilirios (CVM) ¢ 0 Conselho Adiinistrativo de Defesa Econdmica (Cade). Essas entidades nao so subordinadas ao poder publico central; possuem drgios de direcdo colegiados em que cada diretor recebe um mandato. Detém auronomia administrativa, financeira e independéncia deciséria (iltima palavra no setor regulado). Em quinto lugar, podem-se identificar os conselhos profissionais (Conselho Regional de Corretores de Iméveis, Conselho Regional de Medicina etc.) como espécie de regulador estatal, Eles promovem a at- torregulacao das profissées regulamentadas. 382 reenarnneicrneerartana ee $ Regulacao estatal, E, em sexto lugar, temos a autorregulagao exercida pela Ordem dos ‘Advogados do Brasil, como entidade sui generis, conforme jé decidiu 0 Supremo Tribunal Federal na Acéo Direta de Inconstitucionalidade n* 3.026 € no Recurso Extraordindrio n® 603.583. Vé-se, portanto, que apenas a OAB tem assento constitucional para promover a regulagao de determinada profissio e atividade; as demais se inserem na discriciona- riedade (escolha) do chefe do Poder Executivo, juntamente com a con- cordincia da maiotia do Poder Legislativo na aprovacio dos projeros de lei de criagao de entidades dotadas de maior ou menor autonomia frente 0 poder central Agéncias reguladoras brasileiras ¢ os influxos estrangeiros ha composicao do sistema estatal de regulacao Sem prejuizo de algumas leis especiais ¢ disposigées constitucionais que disciplinam a matéria, 0 marco legal da organizagao administra~ tiva brasileira ainda é disposto, em grande parte, pelo Decreto-Lei n* 200/1967. © Brasil, em termos de organizagao administrativa, esté préximo de um modelo ainda nao totalmente superado de uma administragio inspitada — mas nao totalmente alcangada — no modelo weberiano, com ithas de exceléncia, rotulada de pesada, lenta c ineficiente, que acaba por frustrar a sociedade Do ponto de vista da regulacio jusidica, 0 principal sistema de or- ganizacao estatal é a utilizagao de agéncias reguladoras. Como a fungao regulatéria e seu modo de execugio, por meio de érgios com ou sem autonomia, nao foram explicitados na Carta de 1988, estavam afetos & discricionariedade legislativa. Apenas no art. 20, XI, e no art. 177 da Constituigao Federal esté prevista a eriacio de drgios reguladores para os servigos piblicos de telecomunicagées ¢ para as atividades monopolizadas da industria do petrdleo, Ambas as previs6es nao constavam do texto original, decorrendo de emendas constitucionais. 303 Entre algumas agées governamentais visando aleangar um modelo de organizagao administrativa gerenciat, foram criadas (ou reestruturadas), no bojo do processo de desestatizacio, entidades reguladoras independentes (autarquias especiais vinculadas, e néo subordinadas 20 poder puiblico central), compondo, em parte, a chamada administracao descentralizada ou indireta No bojo da tentativa de estruturacéo desse modelo foram ctiadas 10 agéncias reguladoras federais. Séo elas ‘Aggncia Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Agéncia Nacional de Petréleo, Gas ¢ Biocombustiveis (ANP); > > > Agencia Nacional de Telecomunicagées (Anatel); > Agéncia nacional de Vigilancia Sanitaria (Anvisa); > Agencia Nacional de Aguas (ANA); > Agéncia Nacional de Satide Suplementar (ANS); > > > > Agéncia Nacional de Cinema (Ancine)s Agéncia Nacional de Transportes Terrestres (ANT); Agéncia Nacional de Transporte Aquavirios (Antaq); e Agencia Nacional de Aviagio Civil (Anac), ‘Também foram reestruturadas entidades como 0 Cade, criado em 10 de setembro de 1962 e alterado pela Lei n* 12.529, de 30 de novembro de 2011, ea CVM, criada em 7 de dezembro de 1976, entes estatais que passa- ram a ter, praticamente, as mesmas caracteristicas das agéncias reguladoras. A organizagéo dessas entidades autarquicas estruturou-se de forma que suas decisdes definitivas observem, em regra, a forma colegiada. O Conselho Diretor & composto pelo diretor-presidente e demais diretores, com quorum deliberativo por maioria absoluta. As nomeagaes desses dirigentes sao feitas para mandatos por prazos certos e ndo coincidentes, havendo impossibilidade de exoneragio ad nutum. A autonomia financeira e orgamentiria esté assegurada nas leis insti- tuldoras de cada agéncia reguladora, em que pese 0 contingenciamento de recursos (retardamento ou inexecucéo de parte da programagao de despesa prevista na lei orgamentéria) que essas autarquias vém experimentando nos ultimos anos. -tacnimegenunmaesionenan | Ve Meg Urayao. ESCaral Os recursos das agéncias reguladoras advém das denominadas taxas de fiscalizagao ou regulagao pagas por aqueles que exercem as respectivas atividades econémicas reguladas, de modo que inexista dependéncia de recursos do orcamento do Tesouro. Finalmente, a independéncia deciséria representa 0 estabelecimen- to do Consetho Direror da agéncia reguladora como tiltima instdncia deciséria, haja vista sua vinculagéo administrativa (¢ néo subordinagio hierdrquica) ao respectivo ministéro. ‘A ideia de descentralizacéo governamental, ocortida no Brasil na década de 1990, advém do movimento estruturado no Reino Unido, denominado new public management (NPM). Tal movimento foi adotado a partir da década de 1980 visando modernizar a o:ganizaao adminis- izado para descrever a onda de reformas do setor publico trativa e ut naquele perfodo. Com efeito, naquele periodo, vrios paises ~entre eles o Brasil~ tentaram reformas que permitissem maior agilidade e flexibilidade & atividade estacal. Os diversos planos de melhora receberam a denominagéo comum de Nova Geréncia Publica (New Public “Managemeni) « seus principais enunciados foram sintetizados num memo- ravel relardrio da OCDE (1996). Teatava-se de medidas destinadas a dotar a administragéo publica de um comportamento gerencial que aliviasse a miquina ou o aparelho do Estado (Saravia, 2010:22]? Os pontos centrais desse movimento se referiam & adaptagao € trans- feréncia dos conhecimentos gerenciais desenvolvidos no setor privado para «0 piiblico, pressupondo a redugao do tamanho da méquina administrativa, uma énfase crescente na competicéo © no aumento de sua eficiéncia." > SARAVIA, Earigue. Governanga socal no Brasil conremporineo. Reins Gorernanga Social — IGS, Belo Horizonte ana 3, ed. 7, . 21-23, det 2009/mar, 2010. , © ECT, alketa: PIERANTI, Octavio Penna: RODRIGUES, Silva. Govesnanga e new public ndigdes no contexto bral. O€S, x 15, mAb p. 39-55 management: convergéncias e contr julse. 2008, Regulaco no Brasil O programa do NPM pode ser resumi ete aoe pode ser resumido, de forma objetiva, nas 2) diminuigio do tamanho do Estado, inclusive do efetivo de pessoal; b) privatizagdo de empresas e atividades; 2 c) descentralizasio de atividades para os governos subnacionais; 4) terceirizasio de servicos piiblicos (outsourcing); : 6) regulagio de aividades conduzidas pelo setorprivados £) transfertneia de atividades sociais para o terceio setor; ) desconcentracio de atividades do governo central; i) separacio de atividades de formulacéo ¢ implementacéo de politicas publicass i) estabelecimento de mecanismos de aferigio de custos e avaliagdo d resultados; 5 10) autonomizasao de servigos e responsabilizagio de dirigentes; 1) flexibilizacdo da gestao orgamencéria e financeira das agéncias publicas; m)adogio de formas de contratualizacao de resultados, : 1) abolicio da establidade dos funciondrios e fexibilizagao das relagoes de trabalho no servigo pablico." No bojo das reformas administrativas, erazidas nos governos Marga- reth Thatcher e John Major, foram criadas diversas entidades regulatérias. Destaque-se a Office of Telecomunication (Oftel), na drea de telecomu- nicagées, criada no ano de 1984; a Office of Gas (Ofgas), para regular 0 setor de gis, ¢ a Office of Eletricity Regulation (Offer), regulando 0 setor de eletticidade. As duas tltimas entidades, ap6s fusio no ano de 1999, transformaram-se na Office of Gas and Eletricity Markets (Ofgem), abrangendo os sevores de gis e elecricidade.” : Foram criadas a Water Services Regulation Authority (Ofwae),® para 6 setor voltado aos recursos hidricoss a Office of Rail Regulation (ORR), "COSTA, Frederico Luscosa da. Reform do estado casa da, Reforma do estado confbsto brasileiro critica do paradigma sgerencialsts. Rio de Jancio: FGY, 2010. p. 154 pe Disponivel em: , Acesso em: Dip gem. gov 13 ago. 2012. Disponivel em: ewwwrrail-reg govale, Acesto emi 13 ago. 2012. 386 7 | Regulacdo estatal. do sistema ferrovidrio; a Civil Aviation Authority (CAA).* para o setor suéreo; 2 Office of Fair Trading (OFT)," atuando na defesa da concor réncia; e uma agéncia responsivel por loterias, a Office of The National Lottery (Oflot), sucedida pela National Lovtery Commission.” Vejacse que isso passou 2 ser uma tendéncia internacional. As enti- dades reguladoras independentes, com suas caracteristicas pr6prias, esto iimplantadas em diversos palss. A titulo exemplificativo, idencficam-se as seguinces “agencias’: as independent regulatory commissions estaduni- denses, as autorités administratives indépendantes francesas, as autorita indipendenti icalianas, as administraciones independientes espanolas, as régies canadenses, as ambetswerk suecas¢ finlandesas, os ministrialfreien Rawms germanicos.!® CCumpre destacar, ainda, que com 0 processo de unificaséo europeia comnoutse quase imperativa a necessidade de coordenar a atividade das diversas agéncias reguladoras de cada pais. Assim, foram criadas iniimeras instituig6es com esse objetivo. Cite-se a Agencia Europeia para a Seguranca da Aviagio (Easa). Essa centidade foi criada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da Europa hho ano de 2002.” Vale destacar a Autoridade Europeia de Seguranca ‘Alimentar (Efsa), também ctiada no ano de 2002 pelo Conselho da Europa, E.um érgéo comunitésio com personalidade juridica prépria, independenre das instituigées da comunidade.” Cabe ressaltar, igualmente, a existéncia da Agéncia Europcia de Se~ guranca Marftima (Emsa), criada em 2002 com o objetivo de reduzit 0 isco de acidentes maritimos, a polui¢io produzida por navios ¢ a perda de vidas humanas no mar.” 1 Disponivel em: cwow.cea.co.uk>, Acesso em: 18 ago. 2012, 1 Dispomtvel em: cwvrofegovul>. Acesso em: 1 mar, 2012, © Disponivel em: . Acesso em: 10 mar, 2012, > Diaponivel em: . Aceso em: 10 mas. 2012. 2 Disponivel em: , Aceso em: 10 mat, 2012. 387 Outro ente, criado em 2003, € 0 Grupo Europeu de Reguladores de Eletricidade ¢ Gés ou European Regulators Group for Electricity and Gas (Ergeg), que surgiu no ambito da Comissio Europeia como grupo assessor das autoridades reguladoras independentes de cada pais, deform, 4 apoiar a comissio na consolidagio do mercado europeu de eletricidade © gis. Do mesmo modo o Grupo Europeu de Reguladores de Redes ¢ Servigos de Comunicagio Eletronica (ERG Telecom), criado pela Comissao Europeia em 2002, com o objetivo de fomentar a cooperagao € coordenagao das autoridades nacionais de regulago com a comissao, promover 0 desenvolvimento do mercado interno de redes ¢ servigos de comunicagio eletrénica ¢ lograr a aplicagao efetiva, em todos os Estados- -membros, das detetminagdes do novo marco regulatério. Para além da new public management, softemos, no Brasil, direta influéncia estadunidense quanto & estruturagéo dos entes regulatérios auténomos. Com efeito, os Estados Unidos da América experimentaram um amplo e continuo desenvolvimento da regulacdo setorial desde 1887, quando surgi a Interstate Commerce Commission, com competéncia regulatéria do transporte ferrovidtio interestadual, Diante da experiéncia acumulada com tantas décadas de regulagao setorial descentralizada, cumpre examinarmos os principais aspectos juridicos relacionados a esses entes com independéncia frente o Poder Executivo central. Os independent establisments séo entes estatais autonomos, F irigidos por um colegiado composto por commissioners eleitos pelo chefe do Poder Executivo e investidos para exercer o minus piblico por meio de mandato fixo. Desse modo, esses dirigentes s6 podem ser exonerados em caso de falea grave Os mandatos dos commissioners variam, sendo certo que sempre so determinados por prazos escalonados, de forma que os mandatos néo scjam coincidentes. A nomeagio do chairperson, que preside 0 drgio Disponivel em: . Acesso em: nergy-regulators.eu/portal pageportl . ee HOMES. Aces ® Disponivel em: . Acesso em: 10 mat. 2012. 388 colegiado, compete ao chefe do Poder Executivo, com prévia aprovasao do Senado Federal No modelo de administrative agencies, podemos encontrar, atual- mente, algumas entidades norte-americanas, a exemplo da Consumer Product Safety Commission (CPSC), Environmental Protection Agency (EPA), Equal Employment Opportunity Commission (Eeoc), Federal ‘Communications Commission (FCO), entre outras. A necessaria corregdo de fathas do sistema regulatério exercido pelas entidades reguladoras brasileiras Como dito acima, o Brasil recebeu, na criagéo de agéncias reguladoras, influéncia do new public management c do modelo norte-americano. Naquele momento politico (década de 1990), e diante da forte crise econdmica, o governo brasileiro precisava desenvolver consistente esforco institucional para implantar 0 modelo constitucional de Estado regulador sem se valer da regra cldssica da hierarquia. Por isso criow uma espécie de entidade estacal sem subordinago ao poder central e que teria, nas suas decisées, 0 “poder” de dizer a ultima palavra em sede administrativa. fator fundamental para a adosao desse modelo estava atrelado & premente necessidade de atrair investimentos, sobretudo estrangeiros, ¢ gerar salvaguardas institucionais que significassem, para o setor privado globalizado, um compromisso com 2 manutengio de regras ¢ contratos a longo prazo. De fato, com aquele gesto, © governo do presidente Fernando Hen- rique Cardoso, com a aprovacio do Congreso Nacional, pretendeu na verdade demonstrar que a regulacio deixava de ser assunto de governo para set assunto de Estado. Isto é, a regulagio deveria ser efetiva, sem percalcos inerentes aos processos politico-partidatios, Os agentes politicos (eleitos pelo povo) liberatiam parte de seus “po- deres” a favor de entidades aurénomas, nao eleitas, para tentar reduzir 0 309 isco regulatério”. Essas entidades passariam, na pratica, a ser capazes até de mitigar as decisées das autoridades que passaram pelo crivo das urnas (freios e contrapesos) © Brasil no se encontra em ambiente politico similar aquele que propiciou a criacio das agéncias reguladoras na década de 1990. Naquela fase, a segregagio de competéncias entre a administracéo publica direta € a indizeta em setores estratégicos (telefonia, energia elétrica etc.) por meio de entidades auténomas se apresentou como sendo fundamental para: (i) criar um ambiente propicio & seguranga jurfdica e atragao de capital privado (notadamente estrangeiro) (i) descentralizar a regula- sao de temas complexos ¢ preponderantemente técnicos, naturalmente distances dos debates € interesses politicos do Congresso Nacional na atual sociedade de rede, Hoje, ha cerca estabilidade em termos politicos ¢ econdmicos no Brasil, de modo que a criagio de entes estatais autOnomos (brgaos de Estado) s6 se justifica se, além da ampliagio da complexidade técnica, outra razdo se apresentar plaustvel : E fato que no atual quadro politico nacional, a chefia do Poder Executivo federal ~ e seu partido politico ~ se vale de um “governo de coalizao” com outros partidos para obter maioria no Congresso Nacional © aprovar as politicas puiblicas de seu interesse. Sabe-se que muicas dessas politicas pablicas, em tese, nao foram aprovadas pela sociedade, haja vista © resultado Final da eleigao presidencial de 2010 (56,05% de votos para Dilma Rousseff e 43,95% para José Serra), . "0 wel da Organi para a Cooper e Deseo ro « Desealviment (OCDE) fo arse do em seminirio realizado pela Casa Civil da Presdéncia da Replica, no dia 28 de mao de 2008; O end edo cm 2007, nal maroc expends pec regulars non ato de neg, comune, amore teeter snc ole rena nie no Ba ela, a ages regula cntbulam pa ade tm anieme de oncortaca 0 bom depen domi bse Segundo s pega eos gra, eld de anon de xpi inscom sae macroronmie avo geen pe pe pn ia ike an Hoe taeda dedimini doc eglis(ORGANIZACAO PARA DESENVOLVIMENTO ECONO MICO, Dal lnlaandosgemana prncreesone Brasilia: OCDE, 2008). menos csi ee einai EPR a ere nT ‘Também parece ser indisputavel que esses partidos politicos “aliados", que apoiam o governo, acabam por ndo ter compromisso com 08 pro- gramas do governo eleito e, assim, visam, salvo raras excegoes, aleancar interesses menores, que se aproximam do fisiologismo. Desse modo, a razo para a criagio de entes estatais com autonomia ¢ independéncia deciséria poderia encontrar eco na atual situagao politico- -partidéria brasileira, Assim, justificar-se-ia a alterago normativa fou criagéo de novas autarquias especiais ¢ agéncias executivas para setores sensiveis & efetividade de uma democracia material (¢ nao meramente formal), em que se destacaria 0 accountability. ‘A estruturagao dos entes antigos ou de novos deveria ter, no minimo, as seguintes caracteristicas basicas: 2) definicéo do marco legal, com atribuigées expressas das fung6es téc- nicas neutrais a serem exercidas pelo entes ») formacao de um conselho consultivo, composto de pessoas de novério reconhecimento piblico no setor escolhidas pelo chefe do Poder Exe- cutivo, com a responsabilidade, inclusive, de defender o orcamento do novo érgio junto ao poder puiblico centrals ©) direcao por érgio colegiado, com cinco membros; d) identificagéo dos candidatos aos cargos de diregio no mercado; ©) identificacdo dos diretores feita pelo conselho consultivo ou por meio de um “comité de busca”, formado por personalidades de norério reconhecimento piblico, a serem escolhidos pelo conselho consultivo da entidade; £) “busca” por meio de editais piblicos de chamadas de candidaturas, amplamente divulgados, visando identificar encre integrantes da esfera piblica, da comunidade cientifica/tecnolégica e do meio empresarial, homes que se identifiquem com as diretrizes técnicas ¢ politico-adimi- nistrativas estabelecidas legalmente para a entidade; 2) poderiam se candidatar ao cargo de dirigente da entidade brasileiros com formacio académica e atuaco profissional comprovada no setor Sobre ssa questio, ver: BAYON, Juan Carls, Derechos, democraca y constieuciin. Ins CAR BONELL, Miguel. (Org). Nenconstzucionaismo(s). 2. ed Made: Trotta, 2005. 391 Regulagao no Brasil ptiblico ou privado em atividades técnicas de producio de bens € servigos, pesquisa, consultoria, ensino ¢ assessoramento em quaisquer das areas de atuagio da entidade; h) candidatos deveriam possuir experiéncia gerencial minima de 10 anos, computados pela soma de anos ou fragdes dos tempos de exercicio profissional em cargos comprovadamente ocupados; i) por experiencia gerencial, poderia ser aceito 0 exercicio de cargos de chefia superior, tis como ministto do governo federal, secretério de governo municipal ou estadual, presidente ou diretor de instituigdes e empresas ptiblicas ou privadas, superintendéncia de érgios ou empresas, diretoria executiva, chefia de assessorias técnicas, chefia ou diretoria de centros efou departamentos de pesquisa, ensino ¢ extensio e de entidades de ensino superior ou tecnolégico, entre outras, a critério da “comisséo de busca’; }) candidato a dirigente nao poderia manter, com entidade do setor ree gulado, qualquer um dos seguintes vinculos: acionista ou sécio com articipagao no capital social de empresa coligada, controlada ou con- troladora; membro de conselho de administracao, fiscal, de diretoria executiva ou de drgio gerencial; empregado, mesmo com contrato de trabalho suspenso; prestador de servico permanente ou temporirio, inclusive das empresas controladoras e controladas ou das fundagées de previdéncia de que sejam patrocinadoras; ou membro de conselho ou de diretoria de associagao regional ou nacional, representativa de interesses dos associados ou de érgios governamentais, de conselho ou diretoria de categoria profissional de empregados dos associados ou de érgios governamentais, bem como membro de conselho ou diretoria. de associacao ou classe de usudrios/consumidores do setor; k) formacao de lista triplice pelo “comité de busca”, para a escolha dos dirigentes; 1) escolha dos dirigentes pelo presidente da Repiiblica ¢ sabatina pelo Senado Federal; 7 m)nomeagéo a termo, tendo 0 mandato fixo de quatro anos, vedada a reconducio; 392 conceal aE Ie Pe 1) impossbilidade de demissio ad mutwm, salvo nas situagées previstas ° a administrativa ¢ financeira efetiva, sem a possibilidade de contingenciamento de recursos orgamentéios pela administragd0 piblica direta. Os orgamentos seriam segregadls, consticuindo o ene uma unidade orgamentéria autonoma; - 1p) independéncia deisbria, vedado expressamente na le recurso bea impréprio contra decis6es proferidas na esfera de sua competéncia legals 4g) estabelecimento de “plano de gestio” e “plano de execugao das metas, estas a serem alcancadas anualmente, a exemplo do Inmetro; 1) controle efetivo (nfo meramente formal), pelo conselho consultivo, entre outros controles jé institucionalizados no pais, das atividades desenvolvidas pela diregao; 4) disponibitizagao, via internet, do processo de acompanhamento ¢ controle do “plano de gestao” e do “plano de metas ‘Coma forma estruturada acima, parece-nos que as agéncias regulado- ras— como entes da organizacéo administrativa brasileira vocacionados 20 desenvolvimento de atividades tipicas de Estado e que, assim, atuam em reas que demandam decisées preponderantemente técnicas ~ poderiam melhor atingir a missio publica do Estado regulador: o bem-estar da so- ciedade e de cada um dos cidadéos brasileiros, nos termos preconizados na Constituigio Federal de 1988. Conclusdes Muito em fungao da crise de financiamento do Estado € dos processos de democratizagio no mundo, o modelo intervencionista brasileiro, an- corado na atuacio direta do Estado em diversos setores, cedeu espago @ um modelo temperado, inserido em um movimento, dito neoliberal, que surgiu no continente europeu na década de 1980. Surge o modelo de Estado regulador, com a promulgasio da Const tuigao Federal de 1988, tendo como eixo a busca da dignidade da pessoa 393 humana. Com efeito, a Constituigao Brasileira de 1988 pautou a ordem econémica no principio da livre iniciativa e na valorizacao do trabalho humano (art. 170), reservando ao Estado fung6es de fiscalizacao, incen- tivo € planejamento (art. 174). Buscando ajustar-se a esse novo modelo, © Brasil implementou amplo processo de desestatizagao (notadamente, Privatizacées), transferindo, para a iniciativa privada diversas atividades econdmicas € a concessio de servigos puiblicos. Pode-se concluir que foi com 0 aparecimento desses novos opera- dores privados na execucao de atividades econémicas que se adotou uma posicéo politica num ambiente globalizado em que deveria haver uma “segregacao” das fungoes de regulacio daquelas tipicas funcées de governo, Acestrutura, de viés hierarquizado, deixaria, nessa fase por que passou © Estado brasileiro, de ser unissona no bojo da administragao publica. O Estado, seguindo influxos da new public management, procurou dar um vies de administracao piiblica gerencial e, entte outras medidas, criou au- tarquias especiais préximas 20 modelo estadunidense para regular alguns setores econdmicos ¢ a prestagio de servicos puiblicos. As agencias reguladoras receberam uma série de competéncias nao livres de controvérsias, tanto em sede dout: dria quanto em sede preto- riana, a luz da clissica teoria tripartite de separacéo de poderes. © surgimento das agéncias reguladoras brasileiras comecou, basi- camente, paralelamente ao langamento, pelo governo federal, do deno- minado Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a partir da motivagéo de reconstruir 0 Estado de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar politicas pitblicas. Referindo-se as agéncias, 0 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado previu que dois fatores inspiraram a formulacio do projeto: a responsabilizacio por resultados e a autonomia de gestio. Assim, 0 ob- jetivo inicial — nao implementado na pratica - focava na modernizacio da méquina publica visando transformar aufarquias ¢ fundagdes, que exerciam atividades exclusivas do Estado (com 0 necessitio poder de policia), em agéncias auténomas. 304 — Oe ce cee O plano previa que o projeto das agéncias autdnomas desenvolver-se- via em duras dimens6es. Em primeiro lugar, seriam elaborados os inscru- rentos legais necessérios & viabilizagao das transformagées pretendidas ¢ um levantamento visando superar os obsticulos na legislacéo, notmas ce lacdes existentes. ano, setiam aplicadas as novas abordagens em igus autarquias selecionadas, que se transformariam em laboratérios de ex- 40. pereGlom efeio, na década de 1990, diante da forte crise econdmica, 0 governo brasileiro desenvolveu consistente esforgo politic ¢ institucional para implantar o modelo constitucional de Estado regulador sem se - dla regra cléssica da hierarquias isto é, criou-se uma espécie de enti estatal sem subordinagio ao poder central que teria, nas suas decis6es, © “poder” de dizer a tiltima palavra em sede administrativa, I faco que este processo gerou significativas mudangas préticas na organizagéo administrativa do governo. Essas mudangas tazem, em seu bojo, expressivas transferéncias de “poder” para novos atores. Conclusivamente, a assungio de atividades econémicas de relevante compromisso social pelo setor privado em um ambiente globalizado indica a regulagéo por meio de entidades estatais devcentraizadas 7 amplas funcées ¢ amplo conhecimento técnico sobre os setores regulados. O padrio regulatério brasileiro, como estruturade, tem ae pass perseguir 0 equilibrio entre o Estado, o cidadéo ¢ o agente regulado, de modo que o regulador possa se manter equidlistance dessas tr figuras. Para contribuir para essa equidistancia, sugerimos algumas medidas na estruturagao desses organismos regulatérios, envolvendo, especialmen- te, a forma de escolha dos seus dirigentes. Referéncias BAYON, Juan Carlos. Derechos, democracia y constitucién. In: CARBONELL, Miguel (Ong). Neoconstitucionalismo(s). 2. ed. Madi: Trotta, 2005, 395 CARDOSO, José Lucas. Autoridades adminisorativas independentese Constituigdo, Coimbra: Coimbra Ed., 2002. CHEMILLIER-GENDREAU, M. De quelques usages du concept de régula tion. 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