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Cap.

01 – Chegada

A Cidade Labirinto de Rapan era única.

Rapan estava localizada no meio de um vasto deserto, presa dentro de uma peculiar e
enorme gaiola branca. Uma pessoa curiosa que se aproximasse descobriria que esta
gaiola era na verdade construída com ossos, de algum behemoth morto há muito tempo.
As costelas eram grandes o suficiente para envolver a cidade inteira.

De certa perspectiva, a cidade não passava de um pequeno oásis. Os restos do behemoth


mudaram tudo, e agora estava rodeada por um número chocante de labirintos,
transformando em um local atraente para incontáveis aventureiros. Graças a esses
aventureiros vindos de todas as partes do mundo, procurando enriquecer rapidamente, a
cidade se tornou um palco onde finais felizes e tragédias aconteciam.

Esta cidade, envolta em um turbilhão de caos, é atualmente uma das maiores e mais
proeminentes do Continente Begaritt.

—Trecho de Peregrinando pelo Mundo

Por Aventureiro e Autor Kant Sangrento

Eu tinha uma vaga lembrança das informações contidas em Peregrinando pelo Mundo.
Rapan era uma grande cidade com uma cor de terra, no meio de seus característicos
doze pilares brancos, com edifícios feitos de lama e materiais obtidos de bestas
regionais. Já tinha visto muitas cidades com a mesma estética no Continente Demônio.

Dito isto, este lugar era inesperadamente verdejante, talvez graças ao oásis próximo aos
pilares de osso. Mesmo de longe, eu podia ver uma linha do que pareciam ser palmeiras.
A atmosfera também era única. Havia algo parecido com um cheiro bruto no ar, não
muito diferente dos mercados de escravos lotados.

— Surpreso? Esses pilares são, na verdade, as costelas de um behemoth.

Ainda estávamos caminhando enquanto eu inspecionava a área quando Galban me


chamou com orgulho. Graças à formação atual do nosso grupo, estive conversando
muito mais com ele. O homem gostava de se gabar. Suas histórias eram sempre
incríveis e lisonjeiras, com veracidade questionável, mas fáceis de desfrutar se deixasse
a descrença de lado.
— Quando o grande herói, da segunda geração do Deus do Norte Kalman, visitou esta
terra, ele e seus companheiros derrotaram um behemoth que estava devastando o
deserto. Eles se banquetearam com um pouco de sua carne e deixaram seus restos
apodrecendo, deixando o que você vê agora, ossos que se recusam a apodrecer, como
testamento da passagem do tempo.

— Uau.

Então esta terra tinha alguma conexão com o Deus do Norte Kalman, hein? Eu conhecia
algumas das histórias sobre ele, mas nunca tinha ouvido nada sobre ele matando um
behemoth. Vi um behemoth enquanto viajávamos, mas era muito grande para sequer
considerar enfrentá-lo. Precisa ser pirado para enfrentar um monstro desses. Fiquei me
perguntando como Kalman conseguiu lutar contra um. Bem, o Deus do Norte
aparentemente venceu um Rei Demônio imortal e um dragão enorme, então
talvez tivesse o hobby de derrotar monstros com quantidades colossais de PV.

— As formigas estavam entre os inúmeros monstros que se banqueteavam com a carne


do behemoth caído e são a causa para os numerosos labirintos da cidade. Quando os
monstros devoram outros monstros que são mais fortes do que eles, dão à luz uma prole
poderosa. Essas formigas mutantes cavaram inúmeros ninhos, e todos os ninhos se
transformaram em labirintos.

— Oh, entendi.

Quando o behemoth morreu, os insetos comeram as partes dele. Então começaram a se


reproduzir e fazer ninhos. Ao longo de muitos anos, esses insetos começaram a morrer,
os ninhos começaram a sofrer mutações e, assim, os labirintos surgiram.

Então foi assim que aconteceu, pensei.

A parte sobre comer monstros fortes e dar à luz uma prole poderosa… Deve ser um
conto popular, não mais verídico do que os contos de como comer a carne de uma sereia
daria imortalidade. Se fosse verdade, então as pessoas do Continente Demônio, que
consumiam carne de monstro diariamente, deveriam ser muito mais fortes do que eram.
Monstros poderiam ser uma exceção especial à regra, mas não acreditei.

Espera. Na verdade, isso poderia explicar a taxa alta de pessoas fortes, como Badigadi e
Kishirika, nascendo por lá? Os próprios monstros eram versões mutantes de animais
normais. Faria sentido se as pessoas também pudessem dar à luz a tais mutantes…

Ah, droga. Já comi um pouco de carne de monstro. O que eu faria se meu filho com
Sylphie nascesse e de repente falasse: “Sou o Imperador do Mundo Demônio!”? Eu
poderia encontrar uma afinidade repentina com os pássaros que chocaram seus ovos
apenas para encontrar uma prole de cuco escondida entre eles.

— Aventureiros e mercadores de todo o mundo se reúnem aqui — Galban continuou o


monólogo.

Itens mágicos eram produzidos em massa. Ferramentas e armaduras mágicas voavam


das prateleiras. Não importava quantos cristais mágicos, também conhecidos como
pedras mágicas, ou cristais magicamente imbuídos alguém tinha, nunca era o suficiente.
Contanto que o estoque fosse de certa qualidade, poderia ter certeza de que tudo seria
vendido a preços elevados. Este lugar era uma terra onde os sonhos dos mercadores se
tornavam realidade.

É verdade que isso exigia o conhecimento de como atravessar o deserto, entre outras
coisas. Apenas alguns poucos escolhidos poderiam fazer disso um hábito. O resto com
certeza encontraria um comércio mais lucrativo e seguro se fosse para o Continente
Central.

Mas, bem, um peixe em um pequeno lago não sabia nada sobre o oceano. Galban
parecia bastante embriagado com seu próprio narcisismo, não seria eu que iria estragar
sua diversão. A economia só funcionava graças a comerciantes como ele.

Nos despedimos de Galban após chegar a Rapan. Seu grupo aparentemente iria armar
sua barraca na periferia da cidade. Nosso tempo juntos foi curto, mas aprendi muito com
seu grupo, e eles cuidaram de nós.

— Obrigado por tudo.

— Também agradeço. Se precisar de alguma coisa de novo, pode contar conosco.

Foi uma despedida rápida. Usei o mínimo de palavras, fazendo uma reverência a
Balibadom e Carmelita. No final as coisas estavam um pouco tensas, mas eu esperava
que não houvesse má vontade entre nós.

Agora precisávamos procurar Geese ou Paul. Eu realmente esperava que estivessem por
aí, já que andamos tanto. Ainda faltava tempo para o pôr do sol e, normalmente, íamos
primeiro encontrar uma pousada, mas talvez devêssemos priorizar a procura pelos dois.

— Como vamos fazer isso? — perguntei.

— Excelente pergunta — disse Elinalise. — Esta cidade é grande o suficiente para ter
uma Guilda dos Aventureiros, então vamos lá primeiro.

— Vamos lá.

Eu preferiria primeiro ficar livre de nossa bagagem, mas tudo bem, isso servia. Queria
ficar na mesma pousada que Geese e Paul, se possível.

Quando perguntamos a localização da guilda, falaram para ir para o centro da cidade, o


local usual para tais coisas. As pessoas que andavam nas ruas eram principalmente
comerciantes. A maioria usava o mesmo traje de Galban: um turbante; tecido simples e
esvoaçante que envolvia todo o corpo; e barba. Caminhavam pelas ruas, puxando
camelos, espalhando suas mercadorias à venda na beira da estrada. Muitos estavam tão
bem cobertos que nem dava para ver a pele.

Entre aqueles que erguiam beirais de tecido estava um indivíduo em particular que
usava uma roupa saída diretamente de Aladdin. A loja dele era um armazém, vendendo
lâmpadas feitas de metal e potes com desenhos curiosos estampados. Tinha um toque
bem árabe. Aposto que se tocasse flauta, uma cobra vermelha colocaria a cabeça para
fora de um vaso para dar uma olhada.

Ao nos aproximarmos da Guilda dos Aventureiros, vi várias pessoas vestidas com trajes
familiares de aventureiros. Devia haver muitas pessoas nesta área que eram
originalmente do Continente Central. Todos tinham rostos marcados pela batalha;
provavelmente aventureiros de rank S que se especializaram em exploração de
labirintos. A maioria usava roupas bem leves. Era perigoso sair sob a luz ofuscante do
sol sem ampla cobertura para proteger a pele, mas provavelmente estava bem, desde que
não se aventurassem por muitas horas.

O prédio da Guilda dos Aventureiros era esculpido em uma pedra enorme,


provavelmente por meio de magia. Percebi de imediato, já que parecia com algo que eu
mesmo poderia ter feito, mesmo que a complexidade de sua construção ultrapassasse
minhas capacidades. Havia um relevo requintado esculpido na entrada, e o interior,
assim que entrava, era bem ventilado o suficiente para ser refrescante.

A sensação dentro da guilda era quase a mesma do resto da cidade, mas sendo o tipo de
cidade que era, não havia aventureiros novatos à vista. Todo mundo parecia ser
poderoso. Aqueles que mais chamaram minha atenção tinham rostos e corpos com
cicatrizes. Todos pareciam ter um passado diferente. Mas não eu. Levei uma vida
protegida, sem marcas, sem cicatrizes, sem manchas.

— Beleza, vamos começar a perguntar sobre Paul e Geese por aí — disse Elinalise.

— Pode ser — concordei. — Tenho certeza de que, se perguntarmos, descobriremos


algo.

— Geese já deve ter uma rede de informações por aqui, então tenho certeza de que ele
vai saber se usarmos o nome dele… Ah, parece que isso não será necessário. — Segui o
olhar de Elinalise para encontrar um homem com cara de macaco em um canto da
guilda. Ele estava absorto em uma conversa com um homem-fera empunhando uma
espada.

— Qual foi, estou te perguntando — implorou Geese. — Você também deve uma para
ela que eu sei.

— Você está pedindo o impossível.

— Você não pode fazer isso só uma vez? É uma corrida contra o tempo.

— Já faz um mês, não é? Ela está morta.

— Não — Geese balançou a cabeça. — Não tem como. Mesmo se ela estiver, temos
que pelo menos entrar e verificar, encontrar seus restos mortais. Qual foi, estou te
implorando. Eu mesmo vi a sua habilidade. É por isso que estou aqui. Vou até pagar o
dobro, se é isso que você quer.

Ele tinha uma expressão desesperada no rosto. Eu nunca soube que ele poderia fazer
aquele tipo de cara.
— Desculpe, mas tente outra pessoa. Não estou com pressa para morrer.

Geese tentou persuadir o homem por um tempo, mas o homem-fera finalmente balançou
a cabeça e Geese estalou a língua alto o suficiente para que pudéssemos ouvir de onde
estávamos.

— Tch, seu covarde de merda! Não acredito que você se auto-intitula aventureiro com
essa atitude!

— Tá, tá, fale o que quiser. — O homem saiu pela porta sem sequer olhar para trás.

Era raro ver Geese xingar alguém. Não, na verdade, eu não sabia muito sobre ele. O
Geese que encontrei no passado era mais despreocupado.

— Parece que ele está realmente encurralado.

— Cara, é assim que ele costuma ser — disse Elinalise.

— Sério? Meio que tive uma impressão diferente dele.

— Ele deve ter tentado parecer mais maduro na sua frente. Ei, Geese!

Geese virou a cabeça, procurando. Ele arregalou os olhos quando a viu e se arrastou em
nossa direção.

— Ah, ei! Se não é Elinalise!

— Foi mal por te deixar esperando — disse ela.

Geese soltou uma risada vazia.

— Não se preocupe, chegou aqui mais rápido do que eu imaginava. — Ele abriu um
sorriso quando deu um tapinha no ombro dela. — Na verdade, como diabos chegou aqui
tão rápido, hein? Faz só seis meses desde que enviei aquela carta. Ahh, você não deve
ter lido, né? Você provavelmente não se deparou com a carta, já que estava viajando.

— Falaremos sobre isso depois. O que está acontecendo com a Zenith? — perguntou
Elinalise.

O rosto dele ficou turvo.

— Nada bom. Mandei aquela carta porque achei que iria demorar. Mesmo que, para ser
honesto… Bem, também podemos falar sobre isso depois.

Aparentemente, as coisas não estavam indo bem, mas tínhamos antecipado isso. Minha
esperança excessivamente otimista de que já tivessem resolvido tudo quando
chegássemos foi rapidamente provada como falsa.

— Por enquanto — interrompi —, poderia nos guiar até onde meu pai está?
Geese arregalou os olhos quando olhou para mim. Então começou a coçar o lábio
superior.

— Ah, ei… é você, não é, chefe? Você com certeza cresceu.

— E você com certeza não parece ter mudado, Senhor Geese.

— Ugh, chega. Isso me dá arrepios. Pode me chamar só de “novato”, igual antes.

Ahh, isso com certeza despertou algumas memórias.

— Ora, ora, vocês dois parecem ser próximos — comentou Elinalise, brincando.

Ouvindo isso, Geese sorriu.

— Bem, dividimos uma cela, não é, chefe?

— De fato — falei. — Isso com certeza desperta algumas memórias.

Ah, nostalgia, o tempo que passei completamente nu naquela cela na aldeia da tribo
Doldia. Foi depois de cruzar o mar do Continente Demônio ao Continente Millis, sendo
pego em um incidente de sequestro e arrastado para a aldeia. Entre os Doldia, aqueles
que cometem crimes graves eram despojados de suas roupas e jogados em uma cela.
Recebi o mesmo tratamento porque havia sequestrado a Besta Sagrada e tentado
cometer atos sexuais com ela. Eram alegações equivocadas, é claro. Quem diabos
tentaria cometer atos sexuais com um cachorro? De qualquer forma, foi lá que conheci
Geese. Seu crime foi algo pequeno, provocado por sua própria ganância. Ele era um
ladrão generoso.

— Ah, isso é o suficiente. Vou levá-lo para onde Paul está — disse Geese, mostrando
outro sorriso vazio enquanto deixávamos a Guilda dos Aventureiros para trás.

Paul estava hospedado em uma pousada em um canto da cidade. A pousada era de lama
e pedra e destinada a aventureiros de rank B, pelo menos para os padrões do Continente
Demônio. Não era luxuosa nem dilapidada.

Assim que chegamos à entrada, Geese nos disse:

— Escutem bem, Paul está muito mal. Então, Elinalise, sei que você tem muito a dizer,
mas desta vez se segure.

— Não posso prometer nada — respondeu ela, balançando a cabeça.

Geese forçou um sorriso e deu de ombros, deixando por isso mesmo. Ainda assim, era
de Elinalise que estávamos falando. Ela não iria se tornar hostil e agressiva do nada.

— Você também, Chefe. Não comece uma briga como da última vez, entendeu? Tenho
certeza que você tem muito a dizer, mas só… tente não culpá-lo muito, tá?
Devia ser muito ruim, para Geese fazer uma introdução tão longa. Além disso, eu já
tinha visto Paul quando ele estava mais fraco e fugindo de seus problemas. Apenas tive
que me preparar mentalmente para algo semelhante.

Mesmo que sua aparência pudesse sugerir o contrário, Paul não tinha a melhor das
resistências mentais. Se acontecesse algo de ruim, ele cairia em depressão na mesma
hora. Eu não iria tão longe a ponto de chamá-lo de desastre emocional, mas ele não
tinha resiliência para lidar com reveses massivos. Achei que voltaria a ser tão
autoconfiante quanto quando vivíamos em Buena Village assim que encontrarmos
Zenith, mas quem sabe?

Essa era uma etapa essencial. Eu precisava ter a mente aberta o suficiente para que as
pessoas me chamassem de Buda Rudeus.

— Beleza, vamos entrar — disse Geese, e nós entramos.

Não havia porta, apenas uma cortina que separava o interior do exterior. O primeiro
andar da pousada era basicamente como todos os outros que eu já tinha visto, com
mesas para as pessoas comerem. Os materiais usados para construir as ditas mesas eram
diferentes, assim como o seu layout, mas, fora isso, era igual.

Reconheci Paul de relance. Sua metade superior estava jogada sobre a mesa.

— Ah…! — Alguém ofegou baixinho.

Era Lilia, parada ao lado de Paul. Mesmo neste continente, ainda estava usando seu
uniforme de criada. Seu cabelo normalmente arrumado estava desgrenhado e seu rosto
estava abatido de exaustão. Ainda assim, ela se animou quando nossos olhos se
encontraram. Ela se curvou para mim e imediatamente cutucou as costas de Paul.

A mulher que estava sentada bem na frente dele se levantou. Ela olhou para o meu rosto
e recuou vários passos, então de repente abaixou a cabeça. Seu corpo estava envolto em
um manto. Qual era seu nome mesmo, Vierra ou Shierra? Tinha certeza que era Shierra.
A conheci em Millishion, ela era uma porta-voz, não?

Seu rosto estava pesado de exaustão. O de todos estavam.

Sentei-me em sua cadeira, ficando diretamente em frente a Paul.

— Mestre, Lorde Rudeus chegou — falou Lilia.

— Hm…? — Persuadido pela cutucada dela, Paul lentamente ergueu a cabeça. Tinha
olheiras sob os olhos. Seu corpo inteiro estava magro e emaciado. Parecia acabado, mas
não havia barba por fazer e seu cabelo estava razoavelmente bem cuidado. Ele também
não estava fedendo a álcool.

Ainda assim, dava para dizer que ele estava perdendo o juízo. Fiquei feliz por termos
vindo. Ver a condição em que Paul estava me denunciou que tinha sido a decisão certa.

— Rudy…?
— Pai. Já faz um tempo.

Ele olhou para mim, olhos confusos e sem foco. Quase como se não estivesse
totalmente acordado. Não, talvez estivesse dormindo. Cochilando dentro e fora da
inconsciência enquanto estava caído sobre a mesa.

Fazia muito tempo desde a última vez que nos vimos. Da última vez, ele gritou e me
repreendeu. Mesmo que ele se sentisse encurralado no momento, eu ainda retornei suas
palavras fortes na mesma moeda, e isso se transformou em uma briga.

Desta vez não. Desta vez eu era o Buda Rudeus.

— Huh? Isso é estranho, posso ver o Rudy. Ha ha, o que foi, Rudy? Faz tanto tempo.
Parece que você está bem. Como estão Norn e Aisha? — perguntou ele, seu rosto
escuro e nublado.

Sinceramente, sua reação não foi o que eu esperava. Achei que ele estaria exatamente
como antes, bêbado e fugindo de seus problemas. Com uma garrafa em uma das mãos,
gritando comigo.

— Uh, as acolhi. Agora estão morando na Cidade Mágica de Sharia. Estão bem. As
deixei aos cuidados de algumas pessoas de confiança, por garantia.

— Beleza, sim, isso faz sentido. Confiável como sempre, Rudy. Ah, como você está,
aliás? Está tudo bem?

— Ah, sim… acho que estou.

Ele sorriu, petulante e despreocupado. Um sorriso inadequado às circunstâncias, como


se tivesse perdido todo o ânimo.

— Beleza, bem, isso é bom. É isso que importa.

Não havia vida em seus olhos. Seu espírito talvez tivesse cedido e se tornado nada mais
do que uma casca vazia. Lancei um olhar nervoso a Geese, mas ele apenas balançou a
cabeça.

É sério? Era isso que Paul havia se tornado?

— Rudy… — Paul se levantou e cambaleou ao redor da borda da mesa em minha


direção. Então me puxou para um abraço apertado. — Eu sou… um desgraçado sem
esperança.

Eu silenciosamente retornei o abraço.

Ele talvez estivesse desesperado. Talvez nunca voltasse a ser como era. Eu mal podia
acreditar, não quando ele tinha um neto a caminho. Mas tudo ficaria bem agora que eu
estava presente. Faria algo para consertar as coisas. Era esse o motivo para a minha
presença.
— Não posso salvar a sua mãe. Não consigo nem cumprir as promessas que fiz.
Também falhei completamente com você como pai. Sou mesmo um desgraçado sem
esperanças.

— Por favor, não se preocupe. Agora estou aqui. As coisas vão ficar bem.

— Urgh… Rudy, você realmente cresceu, né? — Ele apertou meus ombros com força.
Doeu um pouco, mas eu não reclamaria.

— Realmente cresci. Logo também vou ter uma criança. Então, deixe o resto comigo e
tire um tempo para relaxar.
— Huh? Uma criança?! — Um grito estrangulado escapou da garganta de Paul e a luz
voltou a inundar seus olhos. — Q-Quêêê?! — Ele parecia totalmente perplexo enquanto
acariciava meu rosto com as mãos. — Espera, é você mesmo?

— Sim, sou eu mesmo!

— Então, isso não é um sonho?

— Sou incrível o suficiente para parecer um, né? — brinquei.

— Sim, definitivamente é você. — Ele piscou várias vezes, então olhou ao redor.

Os olhos de Lilia encontraram os dele.

— Bom dia, Mestre.

— Ah, é você, Lilia. Quanto tempo eu dormi?

— Desde que Lorde Talhand saiu para ir às compras, cerca de uma hora.

— Certo, acho que ainda estava meio acordado. — Ele balançou a cabeça e se
espreguiçou.

Ah-ha, então ele estava meio adormecido, pensei. Então ele não era só uma casca. Bom.
Sou muito jovem para ficar preso cuidando do meu velho.

Paul retomou seu assento e se virou para mim. Então, como se estivéssemos refazendo
toda a reunião, ele perguntou:

— Rudy, por que você está aqui?

— Já te disse. Vim ajudar.

— Não, não é isso que quero dizer.

Balancei minha cabeça. Já tinha antecipado essa pergunta. Já tivemos uma comunicação
confusa bem parecida antes e se transformou tudo em uma briga, mas, desta vez, ficaria
tudo bem. Eu tinha visto sua carta, e Norn e Aisha estavam sob meus cuidados.

— Está tudo bem. Norn e Aisha também. Elas estão sendo bem cuidadas — falei,
repetindo o que já havia dito um momento atrás.

— A-Ah, certo. — Paul parecia confuso. Ele estendeu a mão para me tocar de novo,
quase como se estivesse verificando se eu realmente estava ali. — Não, mas… quero
dizer, você não chegou aqui bem rápido?

— Pegamos um método de transporte um tanto quanto único. Tenho certeza de que terei
que explicar quando chegar a hora de voltar para casa.
— Único, hein? Bem, conhecendo você, acho que é possível. — Paul parecia estupefato
enquanto abaixava os ombros, a boca ainda aberta.

— Bem, só para esclarecer tudo, por que você não me conta o que aconteceu depois que
Geese enviou aquela carta?

— Uh, não, espera. Estou meio confuso.

— Tudo bem então. Por que não toma um pouco de água e tenta se acalmar? — Usei
minha magia da terra para conjurar um copo, magia de água para enchê-lo e, em
seguida, passei para Paul.

Ele o pegou na mesma hora e engoliu o líquido. Assim que terminou, soltou um grande
suspiro.

— Foi mal, só fiquei um pouco chocado. Eu sabia que Geese tinha ido e enviado aquela
carta. Achei que demoraria um pouco até você chegar.

— Corremos o mais rápido que pudemos — falei.

Paul forçou um sorriso.

— Correr é pouco.

Um mês e meio. Da perspectiva de Paul, pouco mais de seis meses se passaram desde
que eles enviaram a carta. Isso era considerado rápido? Acho que sim. Normalmente,
teríamos levado mais de um ano para chegar. Paul devia ter imaginado que teriam mais
dez meses de espera.

Ele, de repente, colocou a mão no queixo, claramente quebrando a cabeça. Parecia


nervoso quando perguntou, sua voz lenta e proposital.

— Então, você disse algo sobre ter um filho?

Ah sim, eu disse. Não era algo que eu pretendia esconder dele, mas talvez ele estivesse
com raiva de mim, pensando: Por que você está se divertindo tanto enquanto estou aqui
lutando?

Elaborei minha resposta com cuidado.

— Bem, a verdade é que me casei enquanto estudava na Universidade de Magia.

— Casou? — Paul franziu as sobrancelhas. — Com quem? Ah, com a Eris?

— Não, Sylphie — corrigi. — Nós nos encontramos de novo na universidade.

— Sylphie? Você quer dizer aquela da Buena Village? Então ela está viva, hein?

— Sim, mesmo que também tenha passado por momentos difíceis.


Paul coçou o queixo, ainda parecendo surpreso. Mandei várias cartas para ele, mas
parecia não ter as recebido.

— Poderia me dizer exatamente o que levou a esse casamento?

— Uh, claro. Eu provavelmente deveria contar tudo.

Decidi explicar o que havia acontecido depois de enviar a primeira carta. Como me
matriculei na universidade e tudo a partir daí, levando ao meu casamento. Escolhi
minhas palavras com cuidado enquanto fazia isso. Honestamente, eu não tinha nada
além de boas lembranças do meu tempo na escola. Claro que teve pontos baixos, mas
não seria exagero dizer que tive o melhor momento da minha vida por lá. Fiz amigos,
encontrei minha esposa e me diverti muito.

Tentei manter meu relato dos acontecimentos o mais objetivo possível, mas não
consegui esconder. Não tinha como negar que eu tinha me divertido lá.

— Entendi. Então… uma criança. Meu neto…

Eu estava preparado para ele me repreender. Afinal, o fato de eu ter um filho significava
que estava praticando o ato que levou à sua criação, numa época em que Paul trabalhava
desesperadamente para tentar salvar Zenith. Seria natural se ele estivesse chateado. O
prazer deveria ser compartilhado, e Paul estava vivendo uma vida de abstinência.

No momento em que eu estava pensando isso, a cabeça de Paul tombou.

— Sinto muito. Você está prestes a se tornar pai, mas teve que vir aqui porque sou
inútil.

Uma desculpa. De Paul, nada menos!

— Não, na verdade, eu que me sinto mal. Ainda nem encontramos a Mãe, e estou
seguindo em frente com a minha vida.

— Não, não posso te culpar por isso. Afinal, também dormi uma vez com Lilia.

Bem, eles eram marido e mulher, afinal, então não vi qualquer mal nisso.

— Eu pretendia esperar até que salvássemos Zenith. Sou mesmo patético. — Paul
baixou os olhos, parecendo que ia chorar de novo. Ele era tão frágil. Igual porcelana.

Lilia repentinamente interrompeu:

— Fomos atacados por uma Súcubo. Não tínhamos escolha.

— Mesmo assim, você… Ahh, foda-se. — Paul aninhou a cabeça nas mãos enquanto as
memórias voltavam à tona.

Uma Súcubo, hein? Nesse caso, realmente não foi culpa dele. Eu mesmo havia as
encontrado e sabia que não havia como resistir. Elas expõem os cantos mais escuros do
coração… embora seus ataques pudessem ser anulados por magia de desintoxicação.
Paul tinha uma curandeira em seu grupo que deveria ser capaz de fazer isso.

Virei minha cabeça em direção a Shierra, que entrou em pânico no momento em que
sentiu meus olhos sobre ela.

— S-Sinto muitíssimo. É que… eu estava com tanto medo do capitão. Não pude fazer
nada.

— Rudy, por favor, não a culpe. O culpado aqui sou eu.

Quando Paul estava excitado, ele provavelmente ia direto para cima das mulheres ao seu
redor. Deve ter sido assustador ver um homem como ele dominado pela luxúria,
especialmente considerando que Paul era o principal causador de danos do grupo. A
magia de desintoxicação não poderia ser realizada a menos que tocasse fisicamente na
pessoa. Não era surpreendente que não tivessem sido capazes de detê-lo por tempo
suficiente para usar a magia. Lilia devia ter se apresentado para usar seu corpo para
resolver o assunto.

— Sim, eu encontrei súcubos no caminho até aqui. Entendo o quão aterrorizantes são.
Não havia nada que você pudesse ter feito contra isso.

— Mas Talhand não foi tão afetado. Fui o único que não resistiu — Paul se desesperou.

Parando para pensar nisso, seu grupo tinha outro homem. Talhand era totalmente
resistente? Como isso funcionava? Difícil de acreditar que qualquer homem pudesse
sair ileso. Será que as artimanhas das súcubos não funcionavam com anões?

Enquanto eu considerava as possibilidades, Paul fixou seu olhar em mim.

— O que foi? — perguntei.

Paul coçou o lábio superior.

— Nada, é só que… Você parece mais confiante e assertivo do que antes.

— Hein?

Eu não tinha notado até que ele falou. Pensando bem, quando comecei a falar tão
livremente na frente das pessoas? Pretendia manter minha fala casual separada de meus
hábitos de tratamento, mas, pelo visto, eu me acostumei enquanto conversava com
Zanoba e os outros.

— Ah, sim, desculpa. Serei mais prudente.

— Nah, está tudo bem. Quando fala assim, você soa mais másculo. — Paul riu.
Lágrimas começaram a brotar nos cantos de seus olhos. Uma caiu, depois outra, depois
outra… Surgiram espontaneamente, recusando-se a parar. — Rudy… você realmente
cresceu muito.
Ouvi-lo dizer isso também me levou às lágrimas. Éramos família e, mesmo assim, nem
sabíamos o quanto o outro havia mudado.

— Sinto muito por ser um pai tão ruim.

Silenciosamente, passei meus braços ao redor dele. Nem precisei me esticar, era
facilmente capaz de alcançar seus ombros. Em algum momento, sem que eu percebesse,
nós dois tínhamos ficado da mesma altura.

E, assim, choramos juntos.

Depois de um tempo, nos afastamos. Nosso reencontro acabou. Agora tínhamos que
trocar de marcha. Ainda havia um problema a ser resolvido.

— Hmph. — Elinalise se sentou em uma cadeira próxima, parecendo completamente


sem graça. Paul se virou lentamente para ela e seus olhares se encontraram. Paul
semicerrou os olhos. Elinalise franziu as sobrancelhas.

Isso era ruim.

— Hmm, pai, a Srta. Elinalise veio da Cidade Mágica de Sharia para ajudar, sabendo
que nossa família estava em apuros. Ela veio, mesmo não querendo te ver.

—…

Paul gradualmente ficou de pé. Então caminhou com cautela em direção a Elinalise. Ela
observou, as mãos fechadas em punhos, e também se levantou.

— Ela também está preocupada conosco. Sei que deve ter acontecido muita coisa no
passado, mas por consideração a mim, poderia, por favor, deixar tudo para trás?

Elinalise olhou para Paul, uma cabeça mais alta do que ele. O ar estava denso de tensão.
“Volátil” foi a palavra que me surgiu à mente.

Talvez acabassem se socando. Não, talvez tentassem se matar! Merda, o relacionamento


deles era realmente tão ruim?

— Geese… — Olhei para ele em busca de ajuda, mas o idiota apenas deu de ombros,
impotente, e sorriu de um jeito irritante.

Esse homem realmente não vale nada, pensei.

— Elinalise?

— Sim, pois não?

Paul olhou para mim, depois para Lilia e Shierra. Parecia haver algum significado por
trás de seu olhar, mas eu não conseguia descobrir o que era.
Ele, de repente, caiu de joelhos. Então colocou sua testa contra o chão. Ele estava se
curvando!

— Sinto muito pelo que aconteceu naquela época!

Elinalise se recusou a olhar para ele. Ela só virou a cabeça para o lado, alargou os lábios
em um beicinho e disse, completamente sem graça:

— Bem, eu também tive culpa naquela época.

Isso foi completamente inesperado. Honestamente, imaginei que ela começaria a xingá-
lo.

Paul continuou se prostrando.

— Causei muitos problemas desde que o Incidente de Deslocamento aconteceu.


Realmente sinto muito.

— Tudo bem. Também queria procurar alguém, então foi conveniente.

— Obrigado.

— Não há de quê, Paul.

E acabou aí. Desse jeito mesmo. Ambos tinham a sombra de um sorriso em seus rostos.
Parecia que o problema que existia entre os dois, seja lá o que fosse, tinha simplesmente
desaparecido. Sem esforço, embora Elinalise já tivesse falado bastante sobre como não
poderia perdoá-lo.

— Ufa… — Paul soltou um longo suspiro, levantou-se do chão e espanou os joelhos.


Então olhou para Elinalise, que gentilmente retornou seu olhar.

— A idade não tem sido gentil com você — disse ela.

— E quanto a você. — Disse ele em retorno. — Está linda como sempre.

— Oh, querido. Vou contar para Zenith que você disse isso.

— Isso significa que vou conseguir vê-la com ciúmes de novo.

— Algo pelo que ansiar, tenho certeza.

Os dois riram. Foi bom vê-los assim. Eles combinavam bem: uma elfa linda e um
espadachim de meia-idade exausto.

Eu não tinha ideia do que abalou a amizade deles. Talvez fosse apenas Elinalise sendo
obstinada, e o assunto tinha sido muito trivial. Ou talvez fosse algo que exigiu tempo
para curar. Apesar de tudo, a amizade era uma coisa linda.
— Ainda assim, é impressionante que você tenha conseguido suportar a jornada até
aqui. Fica bem longe dos Territórios Nortenhos, não é?

— Sim, é — concordou ela.

— E o que aconteceu com a sua maldição? — perguntou Paul sem perder o ritmo. —
Não me diga que você e Rudeus fizeram isso?

— É claro que não. Cheguei até aqui graças ao implemento mágico de Cliff.

Paul inclinou a cabeça.

— Cliff? Quem é esse?

— Meu marido.

— Seu o quê?! — Paul arregalou os olhos. Então sua voz ficou alta graças à surpresa.
— Então você tem um marido? O homem deve ter gostos estranhos! Que tipo de piada é
essa? Tem certeza que este homem realmente concordou em se casar com você? Ei,
Rudy, você conhece esse cara? Este “Cliff”? — Ele riu enquanto olhava para mim.

Mantive uma cara séria enquanto assentia, principalmente porque Elinalise parecia
pronta para matar.

— Pai, você foi longe demais. Sim, acho que Cliff tem gostos estranhos, mas ele é um
homem muito respeitável. — Cliff às vezes tinha dificuldade para ler o clima, mas era
honesto e não tinha vergonha de proclamar seu amor. Ele era um indivíduo incrível.

— Sério? Bem, ele deve ser incrível para você dizer isso. — Paul ficou chocado com o
que ouviu. Ele parecia estranho enquanto abaixava a cabeça. — Beleza, então foi erro
meu. Não se esqueça de me apresentar quando voltarmos.

— Sim, você deveria se desculpar — bufou Elinalise. — Ele é um homem muito mais
incrível do que você.

Paul forçou um sorriso e abaixou a cabeça mais uma vez.

— Tudo isso à parte… Rudeus, Elinalise, obrigado por terem vindo.

— Estamos apenas começando — brincou ela.

— É claro que vim — falei. — Somos uma família. — Agora, então, era hora de
chegarmos ao cerne da questão. — Pai, por favor, explique o que está acontecendo.

Paul começou explicando os detalhes de como chegou na cidade, embora eu já


conhecesse a essência. Roxy e Talhand encontraram-se com ele em Millishion,
coletaram todas as informações que puderam e cruzaram o mar até o Continente
Begaritt. Graças aos números do grupo, conseguiram chegar a Rapan. Foi ali que se
reuniram com Geese e descobriram onde Zenith estava localizada.
— De acordo com as informações de Geese, sua mãe está cerca de um dia ao norte
daqui, capturada em um labirinto.

Era uma informação vaga. Por “capturada” ele quis dizer que alguém estava a mantendo
lá? Ou era o próprio labirinto que a mantinha? Labirintos que capturavam pessoas
existiam?

— Por seis anos inteiros? — perguntei em descrença.

Paul balançou a cabeça.

— Não sei.

— Ela… ainda está viva?

— Não sei. Teve um grupo que foi lá alguns anos atrás, e aparentemente um dos
membros disse que viu alguém que parecia com Zenith. Além disso, não ouvimos falar
deles desde que entraram de novo.

Então eles ficaram sérios. Isso não foi reconfortante. Esperar que ela ainda estivesse
viva, presa lá, era só uma ilusão?

Então, de novo, de acordo com o que Roxy havia dito, Zenith ainda estava viva quando
Kishirika a viu. Com base nas informações de Geese, as notícias do grupo mencionado
pararam de chegar antes de Roxy se encontrar com Kishirika. Isso foi há dois anos. As
informações de Geese foram obtidas há quatro anos. Em outras palavras, Zenith estava
há dois anos sem contato com ninguém e ainda estava viva quando Kishirika a viu. Isso
significava que havia uma grande probabilidade de que ainda estivesse viva.

Aparentemente, estavam apostando nesse pedaço de esperança para continuar com a


busca. Mesmo que ela não tivesse sobrevivido, ainda era importante confirmar a sua
morte. Claro, eu esperava que ela ainda estivesse viva. Quando soube que poderia estar
morta, meu coração acelerou.

Acho que percebi que era tarde demais. Afinal, haviam passado seis anos.

De repente, Geese interrompeu.

— Tudo o que temos são informações de segunda mão, então não sabemos. Talvez ela
esteja morta. Talvez esteja possuída por algum tipo de monstro. Tudo o que sabemos é
que ela foi vista no labirinto.

Paul acrescentou:

— Este labirinto é muito antigo e complicado. No ano passado, entramos nele várias
vezes, mas tem sido difícil. Temos quatro profissionais em nosso grupo, mas não
chegamos nem na metade do caminho. Muito triste, na verdade.

Quatro… Paul, Geese, Talhand e Roxy? Eles também tinham outros três, mas nenhum
era profissional. Pensando bem, onde estavam os outros três membros?
— Hm, tem companhia?

Só então, a luz surgiu da entrada. Alguém entrou.

— Oho! Parece que perdi uma reunião comovente, hein?

Era um homem pequeno. Certo, sua altura era a única coisa pequena nele, que tinha
tanta circunferência quanto altura. À primeira mão já poderia dizer que era um anão.
Tinha uma barba longa e esvoaçante e um grande saco de estopa na mão. Com certeza
era Talhand.

Uma mulher estava atrás dele, vestida como uma guerreira e carregando um saco
semelhante. Ela não estava usando a armadura de biquíni que usava antes, mas me
lembrei de seu rosto. Vierra, né? Ela me fez uma reverência e então correu para o lado
de Shierra.

O corpo robusto do homem balançou conforme se aproximava. Ele me examinou do


topo da minha cabeça às pontas dos pés.

— Você é o filho do Paul?

— Uhum, sim. Prazer em conhecê-lo. Sou Rudeus.

— Você parece tão inteligente quanto ouvi. Uhum. — Ele colocou o saco em cima da
mesa.

— Rudeus, é melhor você ficar longe dele. Ele rouba o que os homens apreciam —
advertiu Elinalise.

O que os homens apreciam? O que isso significa? Seu orgulho?

— Aha, bem pensei que o cheiro de mulher estava forte por aqui. — Talhand olhou para
Elinalise, com uma expressão em seu rosto que parecia dizer que ele tinha acabado de
perceber a presença dela ali. — O que foi, hein? Então você também o acompanhou?

— Oh, você está dizendo que eu não deveria?

— Claro que estou. Só você estar aqui já cria problemas. — Ele enfiou a mão no saco e
tirou uma garrafa de vidro cheia de um líquido âmbar. Tirou a rolha e engoliu em seco.
— Pwah! Esta é uma bebida que vai cair muito bem no seu estômago.

O fedor de álcool veio flutuando no ar. Uma bebida bem forte, se isso fosse alguma
indicação. Afinal, os anões adoravam seu licor.

— Experimente. — Talhand empurrou a garrafa para Elinalise. Ela pegou sem falar
nada e tomou um gole. Ela não bebeu tanto quanto ele, mas eu ainda podia ver sua
garganta pálida se movendo enquanto engolia duas vezes e então arrotava.

— Álcool muito bruto.


— Perfeito para alguém rude como você. — Ele enfiou a rolha de volta e devolveu a
garrafa ao saco.

O que aconteceu entre os dois? Era para ser uma saudação no estilo anão? Ninguém
mais estava comentando sobre isso. O que…?

— Bem, agora que estão todos aqui, vamos continuar de onde paramos, tá? — A voz de
Paul me trouxe de volta aos sentidos. Talhand causou um grande impacto com sua
entrada, então esqueci completamente que estávamos no meio de uma conversa.

Espere… ele disse todo mundo?

— Espere um momento — interrompi. — E a Mestra Roxy?

O rosto de Paul ficou sério quando perguntei. E não foi só o dele. Todos os outros
estavam com a mesma expressão, exceto Elinalise. A beldade de orelhas compridas
pareceu perceber o que isso significava, e arregalou seus olhos.

— O quê? Não pode ser…

No momento em que a ouvi dizer isso, uma única palavra surgiu na minha mente. A
pior que se podia imaginar.

Morte.

— Há um mês, Roxy foi pega por uma das armadilhas do labirinto.

Eu podia sentir meu coração batendo forte. Não queria ouvir. Não aquela garotinha de
cabelo azul. Não podia ser. Não queria ouvi-los dizer isso. Digo, ela era uma aventureira
competente, que já havia entrado em um labirinto sozinha. Ela não podia usar magia não
verbal, mas conseguia encurtar seus encantamentos. Era uma maga de água de nível
Rei. Minha Salvadora.

Eu não queria ouvir mais nada. Mesmo assim, perguntei com relutância:

— E-Ela não está morta… está?

Elinalise se levantou de sua cadeira e se moveu para trás de mim, colocando as mãos em
ambos os meus ombros.

— Não — disse Paul. — Ela pisou em um círculo de teletransporte e desapareceu. Não


confirmamos sua morte. É muito provável que ainda esteja viva lá no labirinto.

Era o suficiente, pelo menos por enquanto. Senti a tensão me deixar. Mas meu rosto
logo endureceu novamente com a próxima fala de Geese.

— Qual é, Paul. Simplesmente não é possível. Entendo que é de Roxy que estamos
falando, mas esse não é o tipo de lugar onde uma maga pode sobreviver por conta
própria. Claro, ela talvez ainda esteja viva, mas as chances disso são…
Talhand interrompeu:

— Não, Roxy não é uma maga comum. Há uma boa chance de que ela ainda esteja viva.

— Você diz isso, mas estivemos procurando o mês todo e não a encontramos! —
exclamou Geese. — Nós entramos cinco vezes e nada!

— Geese. — Paul disse laconicamente. — Por quanto tempo você vai continuar com
isso?!

Paul, Geese e Talhand começaram a discutir entre si. Geese, que eu me lembrava de ser
todo descontraído, estava irritado e brigando. Parecia que estava até perdendo o juízo.

Então Roxy pisou em uma armadilha de teletransporte. Ela tendia a ser descuidada às
vezes, então acho que eu podia entender isso. Ainda assim, se eles não tivessem
confirmado sua morte, então eu queria acreditar que ela estava viva. Não me parecia
possível que alguém como Roxy Migurdia pudesse morrer tão facilmente.

Pelo menos, queria acreditar que ela não podia. Então essa era a crença que eu iria
manter.

Ugh. Fiquei ainda mais chocado com a notícia do que quando soube que Zenith poderia
estar morta.

— Desculpe interromper a conversa. Vamos voltar para onde estávamos. Que tipo de
lugar é este labirinto? — perguntei.

Os três trocaram olhares. Era como se estivessem conferenciando para ver quem
passaria as informações. Paul finalmente abriu a boca.

— Um labirinto de teletransportação.

No momento em que ele disse essas palavras, foi como se eu pudesse ouvir um livro
farfalhando dentro da minha bolsa. Como se o livro tivesse ouvido alguém chamar seu
nome. Aquele intitulado Uma Consideração Exploratória sobre Teletransportação
em Labirintos.
Cap. 02 – Confirmando a Situação

Roxy estava em apuros.

No momento em que ouvi isso, senti a necessidade imediata de sair correndo para
encontrá-la. Ela estava perdida em um labirinto de teletransportação, mas felizmente, eu
tinha Uma Consideração Exploratória sobre Teletransportação em Labirintos comigo.
Um guia estratégico. Também já tinha pesquisado círculos de teletransportação e,
contanto que tivéssemos tempo para observar um dos círculos, certamente poderíamos
usar este livro para nos guiar através dele.

Mas primeiro, eu tinha que ter certeza de como as coisas estavam atualmente. Isso era
importante.

Pode ser uma corrida contra o tempo para Roxy e Zenith. Se estivéssemos cinco
minutos atrasados, poderia ser a diferença entre a vida ou a morte para elas. Mesmo
assim, ou melhor, exatamente por esse motivo, não podíamos ser precipitados .
Tínhamos que confirmar a situação, preparar cuidadosamente e salvá-las sem falhar.

Se fôssemos muito precipitados, poderíamos esquecer algo importante e cometer erros,


jogando nossos esforços no lixo. Isso não nos custaria apenas cinco minutos, mas talvez
um dia, talvez dois ou três. Precisávamos ser cautelosos. Não havia espaço para erros.

Um só erro, com certeza, me deixaria com remorsos. Quaisquer que sejam as


circunstâncias, se meus erros impedirem de salvar Roxy ou Zenith, eu ficaria me
sentindo um lixo para sempre.

— Pai, tenho um livro comigo de um aventureiro que foi fundo no Labirinto de


Teletransportação. — Comecei revelando a existência do livro.

Uma Consideração Exploratória sobre Teletransportação em Labirintos me foi


mostrado pelo mestre Fitz. Ele tinha informações detalhadas sobre a forma dos círculos
de teletransportação, que eram considerados tabu. A única razão de ter evitado a censura
na universidade foi porque simplesmente teve a sorte de passar despercebido, ou porque
era um conto de aventureiro. O fato de não ter sido retirado das prateleiras trazia a
possibilidade que o livro fosse pura ficção.

O Labirinto de Teletransportação era o local em que ninguém se aventurou. O autor


pode ter usado o conceito para fazer funcionar este conto fictício, mas parecia
improvável para mim. Afinal, os círculos de teletransportação descritos neste livro têm
uma semelhança impressionante com os reais. Eu mesmo pesquisei os círculos e este
livro tinha as informações mais precisas que encontrei ao compará-lo com outros livros.
Eu tinha certeza disso.

Ainda assim, pode estar se referindo a um labirinto de teletransportação diferente . Eu


não poderia descartar a possibilidade de ter outro labirinto neste mundo cheio de
armadilhas de teletransportação. Um guia de viagem com o mesmo nome não tinha
valor, a menos que seu conteúdo correspondesse à situação.

— Se o labirinto mencionado aqui for o mesmo ao que estamos prestes a entrar, então
isso poderia realmente nos ajudar.

Quando eu disse isso, os olhos de Paul se arregalaram.

— Espera aí, Rudy… por que você tem um livro assim?

— Achei que poderia ser útil, então peguei na biblioteca da universidade e trouxe
comigo.

— Entendi…

Por enquanto, decidi deixar de fora a parte sobre os círculos de teletransportação pelos
quais viajamos. No momento, precisávamos confirmar se o labirinto do livro
correspondia ao que estávamos prestes a entrar.

— Gostaria de revisar o livro. Se parecer que pode ser útil, vamos usá-lo. — Paul o
pegou nas mãos e, após uma longa e profunda olhada na capa, imediatamente o passou
para Geese.

Geese segurou e se virou para mim.

— Vou ler então, tá?

— Por favor.

Por que Geese? Eu me perguntei. Todo mundo agiu como se isso fosse natural, então
optei por não perguntar. Deve ser o papel de Geese no grupo de Paul. Ele era capaz de
fazer qualquer coisa, então foi exatamente o que fez. Senti como se tivesse ouvido ele
dizer isso antes. Provavelmente também estava encarregado de mapear o labirinto e
organizar as informações à sua disposição.

— Pai, enquanto Geese estuda o livro, gostaria que me contasse mais sobre o labirinto.
— Fiquei bem na frente de Paul, preparado para direcionar perguntas com o propósito
de confirmar o que estava escrito no livro.

— Claro, vamos lá.

Minhas perguntas se referiam aos tipos e nomes dos monstros, ao número de pisos até o
nível mais profundo, o estado do interior e à forma dos círculos. Paul respondeu tudo.
Começando com os monstros. Havia cinco tipos no labirinto, mas Paul só chegou ao
terceiro piso, então tinha algumas bestas que ele ainda não tinha visto.

Tarântula da Estrada da Morte: Uma aranha enorme e venenosa. Mesmo sendo uma
tarântula, ainda solta fio. Seu veneno pode ser tratado com magia de desintoxicação de
Nível Iniciante. Um monstro rank B.

Rastejador de Ferro: Uma lagarta semelhante a um tanque. Pesado e resistente. Rank B.

Crânio de Lama: Um monstro em forma humana coberto de lama. Tinha um crânio


enterrado em seu centro que era seu ponto fraco. Rank A. Parecia muito ridículo, mas
era inteligente e poderia usar magia para atirar lama.

Guerreiro Blindado: Uma armadura enferrujada com quatro braços, cada um carregando
uma lâmina afiada na mão. Rank A.

Demônio Voraz: Uma besta com braços e pernas longos, com garras e presas parecidas
com facas. Rank A.

Quantos pisos faltam para o nível mais fundo? Desconhecido. Rumores diziam que
eram seis ou sete pisos, mas ninguém tinha realmente ido nas profundezas o suficiente e
encontrado seu guardião. Quanto ao estado de cada um desses pisos, também era difícil
de descrever, mas o livro continha alguns relatos.

O primeiro piso foi onde as aranhas criaram suas numerosas teias. O segundo piso era
ocupado por um grande número de aranhas e lagartas. No terceiro piso, os Crânios de
Lama assumiram o comando dos monstros mencionados. Assim que você chega ao
quarto piso, as aranhas e lagartas somem, deixando os Crânios de Lama e os Guerreiros
Blindados. No quinto piso, os Crânios de Lama desaparecem e ficam apenas Guerreiros
Blindados e Demônios Vorazes. Depois do sexto piso, apenas Demônios Vorazes.

No livro não falava mais nada de outros pisos acima do sexto.

Os três primeiros pisos faziam parte de um formigueiro: caminhos complexos e


sinuosos com salas conectadas no final. Aparentemente, os círculos de teletransportação
ficavam sempre localizados na parte de trás dessas salas. De acordo com o livro, o
labirinto se transformou em uma ruína de pedra pelo quarto piso, mas Paul e seu grupo
não tinham ido tão longe ainda. Mas havia informações sobre as bestas e os três
primeiros pisos a serem encontrados, cortesia da tentativa e erro de vários aventureiros.

Finalmente, a forma dos círculos de teletransportação. Esculpidas no solo estavam em


formas complexas e bizarras emitindo uma luz fraca. Ao ouvir os detalhes, parecia
exatamente como os que eu tinha visto várias vezes.

A maior parte do que Paul disse está de acordo com o que li no livro e visto por mim
mesmo.

— Isso é incrível, haha! Deixo isso com você, chefe. Você nos trouxe algo incrível! —
Mais ou menos na hora em que Paul concluiu sua explicação, Geese fechou o livro e
ergueu a voz em empolgação. Aparentemente, terminou de ler. Ele com certeza lia
rápido. Ou talvez apenas tenha passado superficialmente nos destaques.

— Ei, Geese. É realmente incrível? — Paul perguntou surpreso, vendo como o membro
do seu grupo estava eufórico.

— Sim, é inacreditável, Paul. Se tudo o que está escrito aqui for verdade, basicamente
temos um mapa até o sexto piso. — Ainda entusiasmado, Geese passou o livro para
Talhand. Ele deixou que o anão lesse e, incapaz de esconder sua empolgação, começou
a explicar o conteúdo do livro a Paul. — Todas as coisas que não entendemos estão
escritas naquele livro. Em quais círculos saltar, de quais círculos ficar longe, para onde
vão nos levar e o que enfrentaremos quando os usarmos!

Claramente, ele estava convencido de que este livro era real.

O rosto de Paul ficou sério enquanto encarava Geese com um olhar feroz.

— Entendi. Então você pode dizer o que está acontecendo com Roxy e Zenith com base
no que está escrito naquele livro?

— Bem… não, — Geese respondeu, parecendo como se tivesse jogado água fria sobre
ele.

— Não se empolgue tanto. Não podemos cometer mais erros — Paul alertou baixinho.

Certo. Precisávamos ser cuidadosos. Seria de partir o coração se acreditássemos


cegamente naquele livro, apenas para que ele nos levasse à nossa ruína.

— Entendo o que você está tentando dizer, Paul. Mas com este livro e uma vanguarda e
uma retaguarda confiáveis, ficaremos bem. Vamos nos alegrar um pouco, tá? — Geese
disse, olhando para todos.

Paul seguiu seu olhar e, eventualmente, seus olhos pararam em mim.

— Sim, você está certo. Me desculpe. — Um pequeno e calmo sorriso apareceu em seu
rosto.

Não importa o quão acuado você possa se sentir, era importante manter a compostura.
Paul entendia isso.

— Tudo bem então. Se acabou de ler, vamos decidir nossa formação. — A voz de Paul
soou mais enérgica, como se tivesse recuperado seu ânimo. A atmosfera na sala relaxou.

Apenas cinco membros entrariam no labirinto: Paul, Elinalise, Geese, Talhand e eu. Isso
significava que Vierra e Shierra estavam sendo trocadas por Elinalise e eu. O labirinto
era estreito, então, mesmo que entrássemos em grande número, ficaríamos no caminho
um do outro. Elinalise era um aprimoramento da Vierra e eu da Shierra. Nós apenas
estaríamos roubando seus papéis se elas se juntassem.
Elinalise era a tanque, Paul era um atacante secundário, eu atacando e curando, e
Talhand poderia fazer papel do tanque ou atacante secundário. Nós quatro estávamos no
comando da batalha. O papel de Talhand era um pouco vago, mas ele era um mago
capaz de usar magia da terra de nível intermediário, bem como um lutador multiuso. Por
isso, ele foi colocado em uma posição onde poderia fazer qualquer um dos papéis. Por
mais desajeitado que parecesse, ele era bastante hábil. Então, todos os anões eram.

— Cuidaremos uns dos outros. — A posição de Talhand seria na frente ou atrás de


mim, então ele me deu um tapinha amigável no ombro. Por alguma razão, senti um
arrepio na espinha.

— Rudy geralmente será o responsável por todas as magias. — Paul falou. — Nós
também estaremos esperando por você para nos curar depois de cada batalha. Você
pode fazer isso?

— Sem problemas.

Ofensivo e cura. Era minha primeira vez em um labirinto e ainda tinha uma grande
responsabilidade. Era praticamente o mesmo de quando eu trabalhava como aventureiro.
Com certeza conseguiria lidar.

E então Geese. Mesmo que não seja muito útil em batalha, ele pode executar habilmente
um monte de outras tarefas intrínsecas ao plano, como verificar o mapa, confirmar a
direção que estávamos indo, gerenciar suprimentos de comida, selecionar quais
materiais levar dos inimigos e como extraí-los, também como decidir quando recuar.
Ele estava no comando e também era o garoto de recados. Nosso gerente, podemos
dizer. Entrar no labirinto não era só batalha, então um papel como o dele também era
essencial.

Restavam três pessoas, Vierra, Shierra e Lilia, que serviriam de apoio, esperando na
cidade ou na entrada do labirinto. Poderia dizer que elas estavam apenas cuidando da
casa (ou da pousada), mas aparentemente, esse também era um trabalho importante.
Pelo que me disseram, grandes clãs também designaram alguém para cuidar da casa
quando saíssem para entrar em um labirinto.

Deixaria a maioria dos preparativos para os profissionais: Talhand e Elinalise. Eu ainda


era um amador quando se tratava disso. Poderia usar o conhecimento da minha vida
anterior para pensar em várias estratégias, mas deixaria isso de lado por enquanto.
Primeiro, seguiria o que os profissionais faziam. Então, se eu pensasse em algo de que
precisássemos, poderia sugerir. Qualquer coisa que eu dissesse seria apenas uma
sugestão. Não tinha ideia se o conhecimento que ganhei jogando RPGs roguelike na
minha vida anterior poderia ser aplicado aqui.

— Nosso primeiro objetivo será chegar ao terceiro piso, — Paul disse, agora que
decidimos nossa formação. — uma vez lá, rastrearemos Roxy.

Não tínhamos ideia se ela ainda estava viva. Se estivesse, então teríamos que resgatá-la
e recuar. Dependendo de sua condição, Roxy também poderia se juntar ao nosso grupo
enquanto nós íamos mais fundo no labirinto. Nós seis poderíamos explorar o ainda não
pisado quarto piso e além, sondando todo o labirinto até suas profundezas enquanto
procurávamos onde Zenith pudesse estar.

Eu não tinha ideia de quantos dias isso levaria. Seria uma busca longa e complicada.

Paul, Lilia e eu dormimos no mesmo quarto naquela noite. Geese tinha providenciado
tudo em consideração a nós, dizendo que a família deveria ter tempo para ficar sozinha.
A maior parte do tempo que passei com Lilia não era como uma família. Até o
nascimento de Aisha, ela era apenas a empregada, e isso era tudo que eu ainda
conseguia enxergar nela. Paul a considerava sua esposa, mas apenas como a segunda
esposa. Zenith ainda estava em primeiro lugar na lista de prioridades de Paul, com Lilia
em segundo lugar e Norn logo em seguida. Isso significava que Aisha era a quarta, e eu
imaginei que fosse o último.

— Esta é a nossa primeira vez compartilhando quartos, não é, Lorde Rudeus?

— Sim, é. — A maneira como Lilia se comportava com tanto respeito sugeria que ela
só via Paul como seu chefe. Graças à influência dela, descobri que minha fala também
estava um pouco tensa.

— Se o ronco do mestre incomodá-lo, sinta-se à vontade para o empurrar — ela


brincou, mantendo as coisas surpreendentemente despreocupadas.

— Sim, tudo bem… — Fui incapaz de oferecer a ela o mesmo. Não tinha a mínima
ideia do que dizer. Como falava com Lilia no passado? Eu parecia me lembrar de nossas
interações em Buena Village sendo bastante profissionais.

Paul estava me observando há um tempo, sem dizer nada. Fiquei me perguntando o


porquê. Ele com certeza tinha uma expressão estranha no rosto. Eu não iria tão longe a
ponto de chamar de sorriso extravagante, mas parecia relaxado.

— Se eu puder fazer uma pergunta, Lorde Rudeus — Lilia falou.

— Sim, pois não?

— O desempenho de Aisha é aceitável?

Graças à sua pergunta que finalmente percebi a resposta para a minha. Isso mesmo,
família. Afinal, somos uma família. Então, podemos apenas falar sobre isso.

— Sim. Ela está se dedicando bastante.

— Ela não lhe causou nenhum problema, não é?


— Nem um pouco, — Assegurei. — Aisha é de grande ajuda. Ela tem feito todas as
tarefas domésticas para nós.

— Sério? Só espero que ela não esteja fazendo nenhuma exigência egoísta.

— Pessoalmente, seria mais fácil para mim se ela fosse um pouco mais exigente.

Lilia sorriu baixinho quando eu disse isso, parecendo aliviada.

— E quanto à Senhorita Norn e Aisha? Elas não estão brigando, estão?

— Bem… as coisas estão um pouco tensas entre as duas, mas não aconteceu nada muito
grande até agora. Na verdade, suas pequenas brigas são muito cativantes.

— Sempre disse a ela para mostrar deferência pela Senhorita Norn. Não tenho ideia do
porquê o relacionamento delas evoluiu tanto — ela disse, suspirando.

— Não é algo que você possa controlar. — assegurei. — Além disso, Aisha ainda é uma
criança. Você não acha que a coisa mais importante como mãe é amar as duas
igualmente?

— Talvez você esteja certo. Aisha é minha filha, mas ela também é filha do mestre,
então…

— O sangue não tem nada a ver com isso. Somos uma família — insisti.

— Obrigada.

Paul não se inseriu na conversa. Apenas observou nossa interação com a mesma
expressão profundamente emocional que vinha usando desde antes de começarmos.

— O que foi desse olhar? — Perguntei, olhando para ele. — Você está sorrindo o tempo
todo.

— Ahh, sabe, é muito divertido assistir. — Paul coçou a nuca, suas bochechas estavam
vermelhas de vergonha.

— O quê?

— Ver meu garotinho já crescido, conversando assim com a Lilia. — Em outras


palavras, ver seu filho adulto interagir com sua esposa. Lilia não era minha mãe, mas
para Paul, nós dois éramos uma família. Talvez tenha sido profundamente comovente
para ele. Talvez eu entendesse como ele se sentiu quando meu próprio filho crescer. —
Ah, sim, Rudy, você disse que se casou.

— Sim, há cerca de seis meses.

— Meu garotinho… Difícil de acreditar. Você ainda era pequeno quando o vi pela
última vez. — Paul fez um gesto com a mão.
— Sim, cresci muito nos últimos dois anos. — Aparentemente do nada, minha altura
saltou para quase igual à de Paul. Ele ainda era um pouco mais alto, mas provavelmente
eu ainda cresceria um pouco. Acho que iria alcançá-lo eventualmente.

— Quando chegarmos em casa, teremos que fazer uma grande festa — Paul disse.

— Concordo. E não se esqueça, será seu primeiro neto. — eu o lembrei. — Você será
vovô.

— Ah, pare com isso. Não estou tão velho ainda. — ele disse, não parecendo nem um
pouco chateado como suas palavras poderiam sugerir. Então, de repente, ele sorriu. — É
mesmo, você vai ter um filho. O que significa que você fez ‘aquilo’, não é?

— Meu senhor, não tenho certeza se essas perguntas grosseiras são realmente
apropriadas. — Lilia objetou, enquanto Paul exibia seu sorriso de velho cafona.

— Ah, qual foi. Sempre quis ter esse tipo de conversa com ele antes.

— Mesmo assim… — ela começou.

— O quê, você também não está curiosa? — Paul desafiou.

Lilia franziu a testa.

— Pergunta injusta de se fazer.

— Bem, então quem foi sua primeira parceira? Acho que Sylphie, né? Ou Eris? Parece
que me lembro de você dizendo que vocês dois se separaram, mas não havia realmente
nada entre vocês antes disso?

Aparentemente, ele queria ter uma conversa de adulto. Parte de mim se perguntou se
isso era realmente apropriado, dadas as circunstâncias, mas eu também conseguia
entender onde queria chegar. Provavelmente estava muito animado, já que era a
primeira vez que nos víamos há muito tempo. Acontece que ele não queria revelar esse
lado de si mesmo na frente de todo mundo. Fiquei muito feliz por nos reencontrarmos
também.

A partir de amanhã, estaríamos entrando no labirinto. Não teríamos mais oportunidade


para esse tipo de coisa. Pelo menos por esta noite, poderíamos nos soltar e trocar
histórias de sexo.

— Eu me sinto muito confiante quando se trata de sexo. — Paul disse. — Você pode
me perguntar qualquer coisa. Pode não parecer agora, mas brinquei bastante quando era
mais jovem.

Parecia que eu não tinha outra escolha. Acho que simplesmente vou ter que seguir o
fluxo. Sempre quis alguém para conversar abertamente sobre o assunto.

— Tudo bem então, tem algumas perguntas que eu gostaria de fazer — comecei.
— Sério, Lorde Rudeus. — Lilia interrompeu, exasperada. — Não posso acreditar que
você está concordando com isso.

Paul disse:

— Ela fala assim, mas é muito agressiva na cama.

— Meu senhor! — Lilia protestou.

— Ah sim, você mencionou que ela foi a única a se aproximar de você antes. — eu
disse, relembrando. — Por que você não explica isso com um pouco mais de detalhes?

— Lorde Rudeus! Vocês dois, por favor, parem. Minha nossa. — Lilia olhou para nós
dois antes de falar, suspirando. Ainda assim, ela tinha um sorriso no rosto.

Continuamos conversando depois disso, até tarde da noite.


Por volta da meia-noite, apagamos as luzes e nos acomodamos em nossas camas. Fiquei
me perguntando se Paul e Lilia já estavam dormindo. Eu podia ouvir seus sons rítmicos
de respiração enquanto estavam deitados por perto. Aparentemente, não estavam
esperando que eu adormecesse para que pudessem começar. Paul disse que iria se
restringir até que Zenith fosse encontrada, então talvez ele realmente estivesse
cumprindo sua palavra.

Não consegui dormir, talvez porque estivesse um pouco excitado com a nossa conversa.
Eu nunca sonhei que chegaria o dia em que pudesse realmente experimentar trocar
histórias de sexo. A vida com certeza é imprevisível.

De qualquer forma, chega disso. Hora de se concentrar no que estava acontecendo no


momento. Talvez eu realmente estivesse dançando na palma da mão do Deus-Homem.
Com certeza parecia que estava. Agora que parei para pensar sobre isso, tive acesso
àquele livro porque fui para a universidade. Se ele não tivesse me dito para ir lá e
pesquisar o Incidente de Deslocamento, eu nunca teria encontrado o livro, e teríamos
que enfrentar o Labirinto de Teletransportação sem sua ajuda.

As palavras do Deus-Homem sempre pareceram desmentir um significado mais


profundo, e isso não era exceção. Ele disse que eu me arrependeria de ir para Rapan e
que deveria ficar com Linia ou Pursena. Parecia que tinha dito propositalmente coisas
que sabia que iriam me agitar. Se não tivesse dito isso para mim, ou se tivesse me dito
para ir para o Continente Begaritt, havia uma boa chance de eu ter escolhido ficar. Eu
era rebelde com o Deus-Homem, e se eu colocasse as coisas em perspectiva, Sylphie era
tão importante para mim. Claro, não teria simplesmente descartado minhas
responsabilidades. Teria enviado Ruijerd, Badigadi ou mesmo Soldat em meu lugar.

Talvez o Deus-Homem tivesse levado tudo isso em consideração antes de agir. Afinal,
ele tinha me enviado para aquela escola com o objetivo de reunir todas as coisas
necessárias para resgatar Zenith. Quem ele era, afinal das contas? O que queria que eu
fizesse? Será que ele realmente gosta de me observar?

Como de costume, eu não tinha ideia do que se passava em sua cabeça. Mas não era por
acaso que ele era um aliado.

Eu me perguntei se ele reapareceria em meus sonhos novamente esta noite. Seu timing
sempre foi impecável. Se as coisas corressem bem desta vez, teria que dar a ele algum
tipo de oferta. Eu não tinha ideia de suas preferências, então não podia ter certeza se ele
iria gostar.

Enquanto refletia sobre todas essas coisas, finalmente adormeci.

O Deus-Homem não apareceu em meus sonhos naquela noite.

Cap. 03 – Entrando no Labirinto


À primeira vista, o labirinto de teletransportação parecia uma caverna comum. Não
havia nada de especial no lado de fora, exceto pelas teias de aranha que revestiam as
paredes, cortesia das aranhas que residiam na área. Mas era tudo. Fora isso, parecia
apenas um buraco na lateral de um penhasco. Se visse uma foto do local, nem chamaria
atenção.

Ver pessoalmente era outro assunto. Algo me deu a sensação de que havia um labirinto
escondido ali dentro. Tinha um ar inquietante, mas foi precisamente esse ar inquietante
que despertou minha curiosidade. Me perguntei se todos os labirintos tinham uma
vibração parecida com essa.

— Beleza, Rudy, vamos fazer exatamente como discutimos. Entendido?

— Entendido — falei.

Paul me deu um tapinha no ombro e acenou com a cabeça.

Entramos em formação exatamente como havíamos discutido no dia anterior e


entramos. Era minha primeira vez em um labirinto e não senti muita emoção. Apenas o
peso de saber que não poderíamos falhar.

— Tome cuidado, meu senhor — disse Lilia.

— Por favor, tomem cuidado, todos vocês.

Lilia, Vierra e Shierra voltariam à cidade a cavalo. Quando grandes clãs entravam em
um labirinto para conquistá-lo, seus membros de suporte montavam acampamento e
esperavam do lado de fora. Felizmente, Rapan ficava um dia, ou meio dia, se fosse
rápido, de distância. Não havia necessidade de acampar em frente à caverna.

— Bem, vamos indo.

Estava escuro, mas não totalmente. O interior tinha um brilho fraco. Essa visibilidade
ruim não era ideal. Podia ser fatal.

— Vou iluminar — falei

— Vá em frente — respondeu Paul.

Assim que entramos, usei o pergaminho espiritual que Nanahoshi me deu. Uma bola de
luz brilhante apareceu, circulando minha cabeça. Geese também ativou o mesmo
pergaminho para si mesmo. Ele estava atuando como um batedor, então precisava de
sua própria fonte de luz.

Esses pergaminhos poderiam ser usados por qualquer pessoa. Claro, durariam mais se
alguém com uma enorme reserva de mana, como eu, usasse, mas aparentemente não
gastava muita mana. Geese e Paul ficaram maravilhados quando lhes mostrei os
pergaminhos, dizendo: “Agora não precisamos mais carregar tochas.”
Parecia que ter uma mão ocupada por uma tocha era realmente inconveniente. A luz
desses espíritos era mais brilhante do que uma tocha, e mesmo alguém sem muita mana
poderia sustentar por um tempo. Se esses pergaminhos se tornassem populares, as
tochas poderiam desaparecer completamente do mercado.

— Paul, seu filho trouxe coisas úteis, hein? — disse Talhand.

— Bem, tenho motivos para chamá-lo de filho. — Paul estufou o peito, o que lhe
rendeu um suspiro exasperado do anão.

— Mas você com certeza não é um pai do qual ele se orgulha.

— Ah, esquece isso. Já estou desanimado o suficiente — disse Paul com um meio
suspiro, seus ombros caídos.

— Vamos entrar. — Com o incentivo de Geese, avançamos para dentro da caverna.

No primeiro piso, estávamos andando no que parecia ser um formigueiro. Teias de seda
nas paredes e tetos, e mais adiante havia um círculo mágico emanando uma luz pálida.
O espírito prosseguiu além desse ponto, iluminando a área como uma lâmpada
fluorescente.

— Você disse para ter cuidado porque alguns dos círculos mágicos não acendem,
correto?

— Isso mesmo, Rudy — disse Paul. — Certifique-se de seguir as pegadas de Geese


com precisão.

Geese estava dez passos à nossa frente. Ele estava usando um par de botas especial.
Havia placas de aço em forma de cruz nas solas, deixando rastros em forma de cruz por
onde passava. Não era um item mágico, mas sim um produto da sabedoria dos
aventureiros. Era um equipamento conveniente que evitava que o usuário escorregasse,
ao mesmo tempo que deixava uma marca enquanto andava.

Foi fácil descobrir os círculos de teletransportação no primeiro piso. O monstro


principal neste piso era a Tarântula da Estrada da Morte, mas havia muitas aranhas
menores e menos maduras andando pelo chão. Estas eram as presas primárias da
Tarântula da Estrada da Morte. A visão disso teria feito alguém com aracnofobia
desmaiar. Era no meio desses enxames que se localizavam espaços completamente
vazios, aqueles que eram de forma circular ou quadrada. Eram armadilhas. Se colocasse
o pé naquele espaço vazio para evitar esmagar aranhas, seria imediatamente
teletransportado para algum lugar.

Assim, não tivemos escolha a não ser esmagar as pequenas aranhas por onde pisamos.
Não era agradável, mas o que mais poderíamos fazer?

Quanto às bestas de rank B, as Tarântulas da Estrada da Morte, elas não apareceram em


nossa passagem. Ocasionalmente, uma ou duas apareciam, mas assim que Geese as via,
Paul as matava. Não havia necessidade de fazer nada no momento.
— Hah, isso é moleza. — Paul tinha uma espada em cada mão e caminhava
rapidamente à frente. Dessas duas espadas, uma era a lâmina que ele empunhava o
tempo todo em casa, sua parceira. Embora não parecesse ser uma arma particularmente
poderosa, era capaz de cortar essas Tarântulas da Estrada da Morte em duas. Isso era
menos por causa do fio da lâmina e mais por causa da habilidade de Paul, eu tinha
certeza.

A espada em sua mão esquerda tinha uma forma que eu nunca tinha visto antes: um tipo
de lâmina curta, mas não curta o suficiente para ser chamada de espada curta, nem longa
o suficiente para ser chamada de espada longa. O protetor de mão envolvia a mão inteira
do portador, com uma lâmina ligeiramente curva, de dupla face. Havia um buraco no
meio da lâmina, provavelmente para evitar que coisas grudassem nela.

Ele não estava usando muito essa arma. Paul geralmente lutava apenas com a mão
direita. Me perguntei qual era o propósito de sua espada da mão esquerda. Ou ele era
apenas um nerd em sua forma final?

— Como tirar doce de criança! — Não que fosse relevante, mas sempre que ele
derrotava algo, Paul olhava para mim.

Que irritante. Ele provavelmente queria mostrar o quão legal era.

Tá, tá, entendi, pai; você parece legal, mas, por favor, não baixe a guarda.

— Paul! Mantenha a cabeça para frente! — E, sim, lá estava Elinalise fazendo ele
prestar atenção.

— Qual foi, está tudo bem — disse Paul —, já passamos pelo primeiro piso dezenas de
vezes. Não vou estragar tudo.

— Baixar a guarda assim pode custar-lhe a vida — alertou ela.

— É, é, eu já sei.

— Além disso — continuou Elinalise —, você estava na frente esse tempo todo.
Sou eu quem deveria estar na frente, não é?!

— É o primeiro piso. Não que isso vá fazer grande diferença.

E então, a briga começou. Eu podia ouvir Talhand atrás de mim, soltando um suspiro ao
dizer:

— Blegh, lá vão eles de novo.

— É minha função ficar mais à frente, e esta é a primeira vez de Rudeus em um


labirinto e, como adulto, você deve dar um bom exemplo!

Paul argumentou de volta:


— É por isso que eu estava procurando uma oportunidade para puxar conversa com ele,
para ajudar a relaxar os nervos.

— Que absurdo — zombou ela. — Você parece tão tonto agora quanto estava quando
Zenith se juntou ao nosso grupo.

— Não posso dizer muito quando você coloca dessa forma. O que foi? Você se tornou
uma verdadeira chata.

— Claro que sim — respondeu Elinalise com altivez. — Você é basicamente como um
filho para mim. Então, vou repreendê-lo quando necessário!

Paul riu disso.

— O que você está falando, me chamando de filho? Você passou tanto tempo com
Rudeus que desenvolveu afeição por mim também? Qual é, chega disso. Você se
chamando de minha mãe me dá arrepios.

— Oh, Rudeus realmente não te contou? — perguntou ela zombeteiramente.

— Contou o quê?

— Sylphie é minha neta. Como Rudeus se casou com ela, isso o torna meu neto
também. Nesse caso, como pais do meu neto, você e Zenith são basicamente como
filhos para mim.

Paul congelou. Lentamente, ele se virou e marchou de volta em minha direção. Com
nossa formação quebrada, todos os outros também pararam.

— Ei, do que ela está falando, Rudy? Por que Elinalise está fazendo essas afirmações
insanas sobre Sylphie ser neta dela?

Ah, sim. Eu ainda não tinha contado, tinha?

— Acontece que Laws era filho de Elinalise — expliquei.

— Laws era? — Paul parecia cético. — Ele nunca me contou nada disso.

— Bem, muitas coisas aconteceram no passado, então parece que ele queria manter a
identidade da Srta. Elinalise em segredo — falei.

— Ahh, entendi — disse Paul. — Eu meio que entendo isso.

— Mais importante, devemos continuar. — Acrescentei: — E tome cuidado para não


baixar a guarda.

— T-Tá. — Paul parecia ter afundado neste momento. Ele voltou para a vanguarda,
resmungando enquanto caminhava. — Sério? Então Elinalise agora está ligada à nossa
família? Não posso acreditar nisso…
Pelo jeito, a notícia foi um choque e tanto para ele.

O primeiro piso foi muito fácil. Deviam ter feito esse caminho inúmeras vezes, assim
como Paul disse. Continuamos descendo, fazendo pausas ocasionais, até que emergimos
em uma sala repleta de Tarântulas da Estrada da Morte. Dispensar enxames como esse
era meu dever como mago.

Mas antes de entrarmos na sala espaçosa, Talhand me deu alguns avisos.

— Escute: sem magia de fogo.

— E por quê?

— O fogo enche salas fechadas de veneno — explicou o anão. — É preciso ter um


cuidado especial com isso à medida que vamos mais fundo.

— E a magia de desintoxicação? — perguntei.

— Não funciona.

Ele provavelmente estava se referindo ao envenenamento por monóxido de carbono. Se


usasse fogo em um espaço fechado, consumiria o oxigênio até que todo mundo
finalmente perdesse a consciência. Só porque o fogo era criado por magia não mudava
esse fato.

— Além disso, não acerte o teto com seus ataques. Consegue adivinhar o por quê, né?

— Porque pode destruir a caverna inteira?

Ele assentiu.

— Bingo. É também por isso que você não pode usar magia de água. Use tanto gelo
quanto puder.

— Vamos lá.

Se usasse grandes volumes de água, ela soltaria a terra. Ainda assim, um pouco não
devia doer. Eu também poderia usar magia de terra, embora caso não tomasse cuidado,
poderia acabar usando a terra do labirinto em vez de conjurar a minha própria. Se isso
perturbasse a estrutura interna da caverna, poderia causar um colapso. Usar o tipo de
magia que me foi recomendado era a opção mais segura. Então, era gelo.

Decidi usar a magia de água de nível Avançado, Tempestade de Neve, um feitiço que
fazia com que lanças de gelo caíssem. Era o que eu costumava usar para matar as
aranhas no fundo da sala, uma a uma, com cuidado para não acertar Paul e os outros.

— Oho, você realmente é o aprendiz da Roxy. Você usa até a mesma magia. — Eu
podia ouvir Talhand murmurando atrás de mim. Aparentemente, Roxy também utilizou
o mesmo feitiço. Isso me deixou meio que feliz em ouvir. — E sem encantamentos,
também. Posso ver porque ela é tão orgulhosa de você.
As palavras fizeram meu ego inflar de orgulho enquanto eliminávamos a última das
aranhas e seguíamos em frente.

Nós ultrapassamos os ninhos de aranhas e pulamos no círculo de teletransportação


localizado mais a frente. Ele nos levou para o fundo de uma passagem, indo para um
ninho separado de aranhas. Já tínhamos repetido esse processo cinco vezes desde que
entramos no local. A cada vez, comparamos cuidadosamente as referências dos círculos
com o que estava escrito no livro. Os outros já tinham mapeado onde cada círculo de
teletransportação levava no primeiro piso, mas a verificação ajudou a ter certeza sobre a
precisão do livro. Comparamos a forma, a cor e as características dos círculos e, uma
vez que ficamos satisfeitos por tudo combinar com o livro, continuamos em frente.

Demorou cerca de uma hora para chegar a cada círculo mágico. Como já tínhamos feito
cinco vezes, isso significava que aproximadamente cinco horas tinham passado. A
última área no primeiro piso era uma sala coberta de teia, onde no fundo havia dois
círculos alinhados juntos. A cor deles era um pouco mais intensa do que a dos outros
que vimos, e também eram maiores. O azul mais escuro levava ao próximo piso, mas
tinha um círculo duplo com a mesma forma ao seu lado.

Para os iniciantes, qualquer um parecia ser o verdadeiro. No entanto, havia uma pedra
com um círculo inscrito nela, colocada na frente de um dos círculos. Isso era algo que
Geese havia deixado para trás como um sinal de qual era o correto. Assim que
consultamos o livro e confirmamos que estava tudo certo, pulamos nele.

De lá, fomos para o segundo piso.

No segundo piso, as aranhas rastejantes desapareceram e os ninhos de tarântula foram


severamente reduzidos. Agora era possível ver o chão. Em vez de aranhas, agora
tínhamos uma enorme lagarta de aço, o Rastejador de Ferro, rastejando. Tinha um metro
de altura e dois de comprimento, parecendo curto e robusto. A coisa mais próxima que
eu poderia comparar era o Ohmu de Nausicaä1. Assim como sugeria seu exterior, as
criaturas eram resistentes e robustas, mas ao contrário de sua aparência, elas eram na
verdade bastante rápidas. Sua velocidade me lembrava menos uma lagarta e mais uma
centopeia.

E tem mais, eles eram amigos das aranhas, estas últimas lançavam teias pela bunda
enquanto usavam os rastejadores como escudo. Se fosse pego por essas teias, o pesado
rastreador de uma tonelada iria pisotear quem estivesse pela frente.

Os Rastejadores de Ferro eram tão resistentes que nem mesmo Paul conseguiu derrotá-
los com um único golpe. Foi aí que entrei. Eu poderia lançar dois tipos de magia ao
mesmo tempo para atacar as Tarântulas da Estrada da Morte na parte traseira com
minha Tempestade de Neve, então derrotar os Rastejadores de Ferro um por um com
meu Canhão de Pedra enquanto Paul e Elinalise os mantinham ocupados.
Aparentemente, os Rastejadores eram fortes o suficiente para repelir um Canhão de
Pedra normal, mas não tive nenhum problema com isso, pois meus canhões passaram
direto por eles. Porém, sendo insetos, se eu não os acertasse corretamente e os matasse
com o impacto, começariam a se contorcer de dor e se debater.
— Nada para eu fazer, hein? — Enquanto eu trabalhava diligentemente, Talhand
resmungou sobre estar entediado. Ele estava de prontidão ao meu lado, apenas para o
caso de algo inesperado ocorrer. Para garantir que seus serviços não fossem necessários,
todos nós, Geese incluso, andávamos da forma mais prudente possível. Portanto, a partir
de então, não havia nada para Talhand fazer.

Era uma coisa boa. Quanto mais profundamente avançávamos, era reconfortante saber
que ainda tínhamos mais poder de fogo de reserva, se necessário.

As Tarântulas da Estrada da Morte estavam cuspindo suas teias em nós. Achei que
tarântulas não criavam teias, mas essas eram claramente diferentes. Suas teias às vezes
vinham direto para mim, mas eu era capaz de evitá-las com meu olho demoníaco.
Mesmo se uma me acertasse, não seria nem doloroso nem inconveniente, já que eu
poderia usar magia de fogo para queimar.

— Gah, droga! — resmungou Paul.

Elinalise parecia concordar.

— Ugh, essas coisas são tão pegajosas.

A vanguarda não conseguiu se esquivar de todas, então os dois estavam cobertos de


teias.

— Aqui, pegue. Mas não vá desperdiçar, ouviu? — disse Geese. Eu poderia queimar as
teias, mas ele trouxe um líquido para dissolvê-las, que os outros estavam diluindo com
água e usando. Ele me disse que era um medicamento único, popular em todo o
Continente Begaritt, que não causava danos ao corpo. Embora não tenha causado danos,
Elinalise bufou por aquilo irritar a sua pele. Quase como detergente.

Talvez eu devesse levar um pouco para casa para tentar lavar a louça, pensei.

— Beleza, vamos fazer uma pausa rápida aqui — gritou Geese para nós depois que
terminamos de lutar, e nós paramos onde estávamos. Talhand e Elinalise imediatamente
se levantaram para vigiar.

Paul imediatamente removeu sua armadura e cinto, então começou a limpar o sangue
das bestas neles. Ele estava tentando acelerar a verificação de seu equipamento no curto
espaço de tempo do nosso intervalo. Ver como suas mãos eram treinadas me lembrou
que ele era um profissional nesta área.

— O que foi? É melhor você se apressar também, Rudy.

— Ah, sim.

Depois de receber uma severa repreensão, voltei minha atenção para o meu
equipamento. Não havia muito para inspecionar, considerando que eu estava usando
minha magia à distância.
Tirando isso, Paul estava terrivelmente quieto. No primeiro piso, ele vinha até mim
quando fazíamos pausas, perguntando “Então, o que achou?” e coisas do tipo. Acho que
era de se esperar, já que este era o segundo piso, mas ele ficou sério. O pai “legal”.

— Tch, essa porcaria de coisa não sai. — Paul começou a praguejar enquanto tentava
desesperadamente limpar os fluidos corporais, ou qualquer outra coisa que fosse aquela
gosma, colados em sua armadura.

— Por que você não experimenta aquele líquido que o senhor Geese estava usando? —
perguntei.

— Isso é para tirar as teias, não é? — Mesmo assim, ele aplicou um pouco em seu pano
e voltou a esfregar furiosamente. Quando esfregou, a armadura ficou em um tom branco
cintilante, exatamente como naqueles comerciais de alvejante! Tá, não branco branco,
era uma armadura, afinal, mas pelo menos estava limpa. — Saiu! Obrigado!

— De nada.

Então era detergente. Sylphie ficaria muito feliz se eu comprasse um monte antes de
voltar. Não me importaria de usá-lo em casa, se possível.

Paul reequipou sua armadura assim que terminou de limpá-la. Ele então desembainhou
sua espada e caminhou em direção a Elinalise. Pensei em trocar com Talhand, mas a
voz de Geese me parou.

— Chefe, não se preocupe com a vigia.

— Tem certeza?

— Está tudo bem — disse ele. — Aquele velho não fez nada mesmo. Tem algo em que
eu gostaria de ter a sua opinião.

— Devo mesmo substituir meu pai nisso?

— Claro. Você é muito mais inteligente do que ele — disse Geese com desinteresse,
tirando o livro e dois mapas de sua bolsa.

Ele espalhou os mapas lado a lado. Um estava lindamente desenhado, enquanto o outro
estava parcialmente completo.

— Logo chegaremos ao terceiro piso. Isso, bem aqui, é onde Roxy se separou de nós.
Se tivermos sorte, ela ainda deve estar por perto dessa área, se o livro estiver certo.

— Beleza

De acordo com o livro, as armadilhas de teletransportação enviavam pessoas para áreas


no mesmo andar. Mesmo sendo chamado de transporte aleatório, não iria transportá-la
de repente bem na frente do chefe no piso final. Roxy tinha sido teleportada no terceiro
piso. Não fazíamos ideia se o círculo em que ela pisou era um círculo de
teletransportação aleatório ou um com destino fixo, mas se ela ainda estivesse viva,
havia uma boa chance de que estivesse no terceiro piso. Se tivesse sorte, poderia até ter
chegado ao segundo ou primeiro piso.

No entanto, ela já tinha atravessado aqueles andares várias vezes. Considerando a força
de Roxy, se tivesse conseguido chegar ao segundo piso sozinha, já teria deixado o
labirinto. Era difícil imaginar que ela continuaria para o quarto piso.

Geese perguntou:

— Não tem magia que possa ajudar a encontrá-la, não é?

— Não, não tem. — Tentei pensar em uma maneira de utilizar os feitiços à minha
disposição para tentar encontrá-la, mas nada me veio à mente no momento.

— Chefe, apenas use sua intuição. Onde você acha que Roxy estaria?

— Minha intuição, hein? — Acariciei meu queixo.

— Não podemos nos dar ao luxo de passar um pente fino no labirinto todo — disse
Geese. — Então, se vamos procurá-la, vamos precisar de intuição.

— Tudo bem, então que tal esta área? — Por causa disso, selecionei uma das áreas
vazias aleatoriamente no mapa inacabado.

— Leste de onde ela se teletransportou, hein? Beleza, então vamos começar a procurá-
la.

Ele foi tão casual em sua resposta. Senti que ir direto para o leste era a maneira mais
eficiente. Afinal, não havia ninguém em nosso grupo com capacidade analítica para
identificar sua localização. Teríamos que vasculhar as áreas que ainda não haviam
investigado.

— Sinceramente, com Roxy fora do grupo, não podíamos nem chegar ao segundo piso.
Tudo isso graças a você, chefe. Esses Rastejadores de Ferro são bem desagradáveis

— Aposto que sim.

Os monstros neste labirinto eram resistentes à escola de magia preferida de Talhand.


Paul era o principal causador de danos do grupo, mas se ele fosse pego em teias, não
conseguiria fazer seu trabalho direito. Vierra também não era muito confiável e não
podia cobrir outras pessoas tão bem quanto Elinalise. Para passar por aqui, precisava de
alguém que pudesse usar magia de gelo ou fogo. Não era de se admirar que estivessem
presos sem Roxy. Na verdade, foi um milagre terem conseguido voltar sem ela.

— Achei que poderíamos nos virar de alguma forma, mas não há muitos magos nesta
área, e nenhum com coragem para desafiar o labirinto de teletransportação. — Geese
tinha tentado encontrar uma solução sozinho, aparentemente. Agora que pensei nisso,
ele estava tentando recrutar alguém quando o vimos na guilda. Não parecia que tinha
dado bom.
— Parece que colocamos você em muitos problemas, senhor Geese.

— Eh, não se preocupe com isso. Além disso, eu disse para você me chamar de
“novato”, não disse? Você me dá arrepios falando educadamente assim.

— Pode deixar, novato. Vou apresentá-lo a uma bela garota macaquinha depois que isso
acabar e você poderá fazer com que ela arranque as pulgas de suas costas.

— Ooh, nada mal, já que não posso nem mesmo ir para o distrito adulto por aqui. — Ele
fez uma pausa. — Ei, espera! Quem você está chamando de macaco?!

Havia muito que eu queria discutir com Geese, mas vou deixar essas coisas pendentes
por enquanto.

Depois disso, Geese e eu confirmamos qual rota seguiríamos. O mapa que ele criou era
fácil de entender. Comparado com o primeiro piso perfeitamente mapeado, faltavam
várias partes neste mapa do segundo piso. Roxy e Zenith não estariam em nenhuma
dessas partes, né? Continuar sem verificar me deixou um pouco inquieto, mas tínhamos
que chegar ao terceiro piso. O melhor lugar para procurar não era o mais próximo, mas
sim o lugar em que Roxy provavelmente estaria.

— Geese, onde estamos? — Elinalise repentinamente se inseriu na conversa.

Geese respondeu apontando para um ponto no mapa.

— Estamos por aqui.

— Então, passaremos do segundo piso em breve.

— Sim, mas ainda teremos que enfrentar aquelas aranhas e vermes.

— Monstros que mudam a formação no meio do caminho. Este certamente é um


labirinto desagradável — disse ela.

— Infelizmente é isso — concordou Geese.

Elinalise passou a mão no cabelo. Seus cachos orgulhosos de sempre pareciam um


pouco despenteados.

— A propósito, Geese, por que você chama Rudeus de “Chefe”?

— Heh heh. Nós nos conhecemos em uma prisão dos Doldia.

— Uma prisão dos Doldia? — perguntou ela. — Quer dizer daqueles que Ghislaine
falou? Como isso foi acontecer?

— Vou lhe contar mais sobre isso quando chegarmos em casa. — Geese sorriu,
deixando-a ali.
Pensar na prisão dos Doldia despertou algumas memórias. Experimentei a verdadeira
liberdade naquela época. Eu não podia mais andar pelado daquele jeito, infelizmente.
Exceto na cama.

Claramente não estava muito nervoso, já que podia me dar ao luxo de ter pensamentos
como esses.

E, assim, nosso grupo chegou ao terceiro piso. Provavelmente se passaram mais ou


menos dez horas desde que entramos. Estávamos nos movendo muito rapidamente.

— Achei que levaríamos vários dias para nos aprofundarmos até aqui.

— Levaríamos, se não tivéssemos um mapa — disse Paul em resposta ao meu


comentário casual. Fazia sentido que ficar às cegas fosse muito diferente de seguir um
mapa.

Não havia mais aranhas pequenas no chão. Ocasionalmente, encontrávamos uma teia na
parede, mas havia poucos sinais de vida. Em vez disso, pude sentir algo inquietante no
ar, irradiando das profundezas da caverna.

A verdadeira missão começou. Primeiro, tínhamos que encontrar Roxy.

Seu cheiro familiar veio flutuando pelo ar. Não, não foi minha imaginação. Era
realmente o seu cheiro, senti sua presença. Nunca confundiria isso. Eu podia sentir meu
coração acelerar.

Ela estava ali. Eu tinha certeza.


Cap. 04 – A Perspectiva Emocional Dela

Roxy

Ouvi um som baixinho e arregalei os olhos. Tudo ao meu redor estava escuro e estreito.
Sim, isso mesmo, este lugar era estreito. Depois de ser teleportada inúmeras vezes, foi
neste lugar que cheguei, em um espaço do tamanho quase de um berço. Tinha espaço
para uma pessoa, ou talvez duas, se deitasse. O teto também era baixo, pouco mais alto
que minha cabeça.

Enquanto eu estivesse dentro dessa área pequena e apertada, nenhum monstro poderia
entrar se teletransportando. Sentei na borda do espaço e encostei na parede, olhando
para o que estava na minha frente.

Um círculo mágico, emitindo uma luz fraca. Um círculo de teletransportação. Se eu


pisasse, me mandaria para algum lugar. Provavelmente para a toca de um monstro. Para
um lugar cheio de monstros. Para minha morte.

Um mês atrás, eu tropecei. Poderia dar a desculpa de que não foi minha culpa; estava
fugindo de um ataque que estava vindo em minha direção, dando um passo para trás,
quando tropecei em uma pedra. Perdi o equilíbrio e meu pé encostou em um círculo
mágico. Apesar do fato de que eu tinha passado por onde as armadilhas estavam antes
de entrarmos na batalha, ainda assim acabei pisando em uma.

O lugar para o qual fui teletransportada estava lotado de monstros. Havia vinte, não,
trinta. Eu era uma maga, e uma das boas. Não conseguia lançar magia sem
encantamentos, mas conseguia encurtá-los, lançando magia mais rápido do que a
maioria. Enfrentar inimigos em grande número não era novidade para mim. Mesmo
estando cercada, não entrei em pânico. Eu só pensava em erradicar meu inimigo, e logo
fiz exatamente isso.

Mas não importava quantos eu derrotava, continuavam chegando. Um após o outro,


tanto quanto os olhos podiam ver.

As bestas deste labirinto sabiam exatamente para onde os círculos de teletranspotação


levavam. Afinal, ali era o covil deles. A armadilha era preparada para que as bestas
pudessem se banquetear de aventureiros desavisados. Eu estava preparada para morrer.

Derrotei todos, mas, ainda assim, minha mana não era infinita. Em algum momento eu
teria que sair correndo. Eu sabia que estaria tudo acabado. Mesmo com minha mana
diminuindo para 20%, a onda de inimigos não parava. Tinha um corpo em cima do
outro, mas as bestas não paravam de aparecer.
Eu estava completamente encurralada. A ajuda não chegava. Talvez tivessem me
abandonado. Se estivesse no lugar deles, também não me incomodaria em salvar uma
desastrada como eu. Não importava quanto de mana tivesse; se fosse tola o suficiente
para pisar em uma armadilha, então era nada mais que um peso morto.

Não, eu tinha certeza de que eles não eram do tipo que me abandonariam. Talvez
quando ativei a armadilha, também foram pegos e foram todos teletransportados
aleatoriamente para lugares diferentes. Ou talvez estivessem sem força de combate com
a minha ausência, e tiveram que se retirar temporariamente.

Apesar de tudo, a ajuda não viria.

Mesmo enquanto sentia as lágrimas ameaçando brotar, eu ainda lutei desesperadamente.


Mesmo quando senti minha mana começar a diminuir.

Foi então que vi uma luz: seis círculos mágicos em uma sala espaçosa. Monstros
estavam aparecendo de todos, exceto um dos círculos. Talvez fosse porque não havia
monstros na outra extremidade.

Eu tinha que escolher ou morrer. Usei o restante da minha mana para derrotar a horda,
depois pulei no círculo, que me levou para onde eu estava sentada no momento.

De alguma forma, consegui sobreviver. Minha sorte se manteve.

Se eu precisasse de água, poderia fazer com magia e tinha comida embalada em minha
mochila. Poderia recuperar minha mana ali e depois encontrar uma maneira de sair.
Com esse pensamento em mente, o resto do dia passou.

No dia seguinte, pisei no único círculo mágico na sala. O círculo me levou para uma
passagem desconhecida. Aparentemente, era um dos teletransportes aleatórios.

Não consegui sentir ninguém nas proximidades. Mapeei a área sozinha e avancei, com a
intenção de escapar deste labirinto. Cogitei esperar por ajuda, mas havia a possibilidade
de Paul e os outros também terem sido teletransportados. Armadilhas de teletransporte
aleatório eram mortais.

Passei pelos túneis, descobrindo outros círculos de teletransporte. Deixei um símbolo no


chão próximo e pisei. Mais uma vez, fui levada para uma passagem desconhecida.
Repeti esse processo várias vezes; o Labirinto de Teletransportação foi projetado para
tornar impossível chegar a qualquer lugar sem repetir esse mesmo processo. Tive o
cuidado de não pisar em nenhuma armadilha, observando os círculos que poderiam estar
escondidos sob as rochas enquanto continuava andando.

Eu não fazia ideia se estava progredindo ou voltando por onde cheguei. Era impossível
orientar-se neste labirinto; não adiantava confiar no seu senso de direção neste local.
Fiquei ansiosa, mas mesmo assim tive que seguir em frente. Meu suprimento de comida
não duraria para sempre, nem minha mente. Derrotei monstros, comi a carne deles e
continuei.
E depois de me teletransportar inúmeras vezes, fui mais uma vez enviada para uma cova
de monstros. Lutei ferozmente e encontrei outro círculo do qual nenhuma besta
apareceu.

Foi assim que voltei para este pequeno espaço apertado. Quantas vezes eu havia
repetido o ciclo? Cinco, dez vezes? O círculo na minha frente sempre me mandava para
algum lugar diferente quando eu pisava nele, mas, no final, sempre acabava voltando
para o mesmo lugar. Meu coração e minha mente estavam no limite. Meu corpo estava,
sem surpresa, exausto. De acordo com meu relógio interno, cerca de um mês se passou.

Um mês e nenhum progresso. Eu estava andando em círculos.

As lutas também não foram fáceis. Fui atingida inúmeras vezes e me senti cada vez
mais tonta com a perda de sangue. Em algum momento, as bestas começaram a tentar
bloquear o círculo para que eu não pudesse mais escapar. Apesar de suas aparências,
esses monstros eram inteligentes.

Minhas juntas doíam. Eu estava sem comida. Os monstros eram fortes e tinham um
gosto horrível. A carne era tão tóxica que precisava usar magia de desintoxicação para
comê-la, e eu podia sentir que isso estava corroendo minha resistência. A única coisa
que me restava em abundância era mana.

Me senti completamente encurralada. Não fazia ideia do que aconteceria. Se houvesse


mais inimigos da próxima vez, ou se coordenassem seus ataques melhor, eles me
rasgariam inteira e me devorariam assim que eu usasse o resto da minha mana. Mesmo
se eu tivesse sorte o suficiente para passar por eles, simplesmente voltaria para o mesmo
lugar.

Esses pensamentos, por si só, me impediram de pisar no círculo de novo. As bestas


provavelmente notaram minha presença. Sabiam que eu estava ali, naquele espaço
apertado. Também sabiam que se eu usasse o círculo, acabaria de volta à toca. Tinha
certeza de que estavam esperando por isso. Estavam esperando ansiosamente até que eu
cometesse um erro fatal devido à minha exaustão.

Pude sentir isso. Não haveria próxima vez.

Pela primeira vez, tomei consciência da morte.

Meu cadáver nunca seria encontrado. As bestas não deixariam nada para ser encontrado.
Eu morreria e nenhuma prova de minha existência permaneceria.

Era assustador. Eu estava apavorada. Antes que percebesse, estava rangendo os dentes.
Movida pelo impulso de gritar, agarrei meu cajado com força.

Eu já tinha visto a morte inúmeras vezes. Como aventureira, vi pessoas morrerem bem
na minha frente. Vi monstros dividirem guerreiros musculosos em dois com tanta
facilidade quanto se estivessem cortando manteiga. Vi magos sábios esmagados como
tomates podres. Ladrões habilidosos e espadachins velozes derrubados diante de mim.
Quando testemunhei suas mortes, sabia no fundo da minha mente que algum dia seria a
minha vez. E ainda, simultaneamente acreditei que seria capaz de passar por isso. Mas
então, diante da perspectiva muito real da morte, fiquei apavorada.

Eu ainda não tinha conquistado nada. Ainda havia muito o que queria fazer. Eu tinha
um sonho. Isso mesmo, um sonho. Eu queria ser professora. Adorava ensinar as
pessoas. Não tinha talento para isso, mas gostava. Por isso que, assim que tudo acabasse
e tivéssemos resgatado Zenith com segurança, planejei fazer o exame de professora na
Universidade de Magia para me tornar uma.

Meu mestre, aquele com quem eu tive uma briga antes de sair, estava na Universidade
de Magia. Podíamos acabar brigando de novo, mas tive a sensação de que agora nos
daríamos melhor. Ele adorava ser o centro das atenções; não ficaria surpresa se tivesse
sido promovido a vice-diretor enquanto eu estive fora.

Eu queria um gostinho da felicidade normal. Se fosse professora, poderia até me casar.


Poderia me apaixonar por um homem, me casar com ele e compartilhar noites
apaixonadas juntos. Como um demônio, eu tinha o corpinho atarracado de uma criança,
mas mesmo assim precisava de uma chance.

— Hah.

Uma risada autodepreciativa escapou dos meus lábios. Eu não podia acreditar que
estava me permitindo ceder a tais fantasias, mesmo sob essas circunstâncias.

Eu ia morrer. Nenhum dos meus sonhos se tornaria realidade. Minha morte seria
miserável. Não havia ninguém para me salvar. Nunca tinha ouvido falar de alguém em
minha situação sendo salvo.

Não quero morrer, pensei.

Pisei no círculo, tudo porque realmente queria viver.

Meus instintos estavam corretos. Fui teletransportada para uma passagem desconhecida,
onde deixei símbolos para marcar círculos anteriormente desconhecidos. Passei por
vários outros círculos, então, como se fosse predeterminado, me vi de volta na cova de
um monstro.

Eu soube à primeira vista que era impossível. As bestas amontoaram os corpos de seus
irmãos mortos para bloquear minha rota de fuga, e parecia que o espaço na outra
extremidade do círculo era muito apertado para os monstros, ou seus cadáveres,
teletransportarem. Não teria escolha a não ser abrir o caminho se eu fosse usá-lo para
escapar.

— Enquanto enfrento essa horda? — perguntei a mim mesma.

Eles estavam em uma formação impecável, ramificada envolta da montanha de


cadáveres que bloqueava minha fuga, protegendo-a. O Rastejador de Ferro que estava
na minha frente se moveu como se fosse dedicado à defesa, enquanto as tarântulas atrás
dele começaram a cuspir suas teias para impedir meus movimentos. Ainda mais atrás
estava uma grande forma humana coberta de lama, um Crânio de Lama, que estava
jogando pedras em minha direção.

São quase como um exército, pensei comigo mesma quando comecei a lançar minha
magia.

— Envolva-me na magnífica armadura de terra. Fortaleza de Terra!

Criei um escudo de terra ao meu redor. Ele me envolveu, cobrindo meu corpo até a
cabeça em uma forma de cúpula. Cortei o feitiço antes que consumisse meu corpo
completamente. Contanto que subisse até o meu pescoço, seria o suficiente para impedir
que o Rastejador de Ferro atacasse.

— Espalhe as gotas que caem, cubra o mundo de água. Cascata de Água!

Incontáveis esferas de líquido se formaram em minha volta, transformando-se em


projéteis que dispararam pelo ar. Era um feitiço extremamente fraco, adequado apenas
para impedi-los de se mover por algum tempo. Sabendo disso, comecei o próximo
encantamento na mesma hora.

— Deusa Azul descendo do céu, empunhe teu cajado e cubra este mundo de gelo!
Campo Sincelo!

As gotas de água que antes haviam caído no rosto das criaturas agora estalavam
enquanto congelavam. Era Nova Congelante, uma combinação dos feitiços Cascata de
Água e Campo Sincelo, que congelava toda a linha de frente do inimigo. A partir daí,
continuei lançando minha magia neles.

— Rei Congelante, governante supremo das terras árticas, soberano envolto em todo o
branco, cujo frio gélido rouba todo o calor. Congele teu inimigo, ó rei glacial que
governa a morte! Nevasca!

Terminei meu encantamento encurtado. Geralmente usava esse feitiço para soltar lanças
congeladas ao meu redor, mas agora elas se espalharam radialmente, voando para
aqueles que estavam congelados e perfurando as bestas atrás deles. Não iria realmente
derrotar a linha de frente; eram estátuas congeladas que funcionariam como uma parede
entre mim e o resto das bestas enquanto eu atacava os que estavam atrás deles com
minha magia avançada.

Essas eram as mesmas táticas que usei quando atravessei o labirinto perto de Shirone.
Eles garantiram a vitória. Porém, assim que os da retaguarda morreram, mais monstros
apareceram através dos círculos mágicos na sala, passando direto por seus camaradas
caídos. O lugar estava mais uma vez cheio de bestas, em um piscar de olhos.

Meu coração estava acelerado. Desesperado.

— Acho que realmente seja impossível.

Se eu não tirasse aqueles cadáveres do caminho, não conseguiria sair. Mas havia muitos
para lidar.
— Grr!

O Crânio de Lama estava jogando pedras em mim à distância. Já havia destruído parte
da minha Fortaleza de Terra, e o lento Rastejador de Ferro estava avançando.

Fiquei arrepiada. Eu podia sentir um suor frio escorrendo.

— Pegue sua lâmina queimada e perfure seu inimigo! Corte Flamejante! — Uma espada
de fogo voou pelo ar, queimando a carapaça do verme. A criatura se contorceu de dor
antes que a morte a tomasse.

Os Rastejadores de Ferro eram vulneráveis ao fogo. Usar magia de fogo em uma


caverna poderia acabar assinando minha própria sentença de morte, mas, mesmo assim,
não tive escolha.

— Envolva-me na magnífica armadura da terra. Fortaleza de Terra!

Mais uma vez, criei uma parede de terra. Minha mana estava diminuindo e comecei a
entrar em pânico. O que deveria fazer? Como deveria sair dali?

Pense, disse a mim mesma.

Vasculhei meu cérebro, mesmo enquanto continuava a lançar magia e explodir meus
inimigos. Mas não encontrei nada. Eu estava presa? Esse era o fim? Realmente morreria
ali? Meu corpo entrou no piloto automático, vencendo meus inimigos enquanto eu
ficava perdida nesses pensamentos.

— Ah! — Tropecei. Minha mente estava confusa. Eu podia sentir minha mana secando.
Tinha mais alguns feitiços antes de desmaiar. — Não…

Apertei meu cajado com mais força.

Não quero morrer. Não quero morrer.

Senti toda a minha vida passar diante de mim.

Minha primeira lembrança foi dos olhares desapontados nos rostos de meus pais quando
perceberam que eu era a única pessoa em nossa pacata aldeia que não conseguia
conversar mentalmente com mais ninguém. Eles me ensinaram a falar porque sentiram
pena de mim.

Quanto à magia… Comecei a aprender magia depois que um mago viajante passou por
nossa aldeia e deixou uma profunda impressão em mim. Equipada com magia de água
de nível Básico, saí de minha aldeia, indo encontrar os três meninos que formariam meu
primeiro grupo. Viramos aventureiros e viajamos juntos por vários anos, até que um de
nós morreu e o grupo se desfez.

Eu parti para o Continente Central, onde conheci muitas pessoas, descobri e me


matriculei na Universidade de Magia. Foi a primeira vez que tive aulas formais de
qualquer coisa e isso teve um impacto duradouro. Tive boas notas, era talentosa e ia
muito bem, ganhando o ciúme das pessoas ao meu redor. No dormitório, minha amiga e
eu ficávamos na cama, conversando sobre todo tipo de coisa.

Conheci meu mestre depois de vários anos por lá. Foi ele quem me ensinou a magia de
água no nível Santo. Aprendi tão rápido que deixei subir à minha cabeça. Meu mestre
reclamou de mim, o que me irritou, então me formei e saí sem me despedir.

Depois disso, parti para a capital do Reino Asura, certa de que alguém tão excepcional
quanto eu poderia encontrar trabalho por lá. Estava errada. Sem conseguir encontrar
emprego, mudei para o interior, mas também não encontrei trabalho. Não sabia o que
fazer quando encontrei um anúncio de recrutamento para ser professora particular.

Foi assim que conheci Paul e sua família, incluindo Rudy. Assistir aos muitos encontros
sexuais de Paul me excitou; o talento de Rudy me chocou. Eu estava com ciúmes, mas
também sentia um crescente respeito por ele, já que, ao contrário de mim, ele não
deixava isso subir à cabeça. Antes de partir, o ensinei magia de água de nível Santo.

Comecei a explorar um labirinto próximo ao Reino Shirone. O Reino Shirone me


contratou para ensinar magia ao Príncipe Pax assim que terminasse, uma tarefa que me
lembrou mais uma vez de como Rudeus era incrível, bem como de quão pouco talento
eu tinha como professora. Então chegou a carta de Rudy, e trabalhei incansavelmente
para elaborar um livro sobre a língua do Deus Demônio para ele. Quando meu trabalho
se tornou nojento demais para suportar, deixei o Reino Shirone.

Foi então que soube do Incidente de Deslocamento. Conheci Elinalise e Talhand, duas
pessoas tão descontroladas em seu comportamento que foi um choque para mim.
Partimos juntos para o Continente Demônio, onde me reuni com meus pais e confirmei
que eles realmente me amavam. Então encontrei Kishirika. E então, depois disso…

Todas essas memórias passaram pela minha mente em um piscar de olhos. Um


Rastejador de Ferro estava caindo sobre mim. Graças à minha magia de fogo, a sala
começou a esquentar e os efeitos da Nova Congelante estavam passando.

Não posso fazer isso. Não quero morrer. Não quero! Não!, gritei na minha cabeça.

— Não, não!! — Balancei meu cajado inutilmente. Teias vieram voando para mim,
enrolando nele. Em instantes, foi arrancado da minha mão. — Eu não quero morrer, por
favor, alguém, qualquer um, me ajude…!

Fui para trás, mas havia apenas uma parede atrás de mim. O Rastejador de Ferro estava
chegando. Não, não, muitos deles.

Não havia mais nada que eu pudesse fazer. Eu seria comida viva, não seria? Não,
qualquer coisa menos isso.

— Alguém, por favor…

Oh. O Rastejador de Ferro já estava…

Fechei meus olhos na cara do rastejador.


Acho que não conseguiria mais ver minha mãe e meu pai.

Esse foi o último pensamento que tive.

Esperei um pouco, mas o fim nunca chegou. Talvez eu tivesse morrido


instantaneamente. Talvez já tivesse acabado. Não, não podia ser… Mas não consegui
ouvir nada. Esta era a vida após a morte?

Timidamente, abri meus olhos. Uma vista inimaginável apareceu diante de mim.

Era um mundo de gelo. As Tarântulas da Estrada da Morte, os Rastejadores de Ferro e o


Crânio de Lama haviam se transformado em estátuas completamente brancas. O último
dos três estava na retaguarda da horda. Ouvi um estalo quando seu corpo começou a
desmoronar. Seu núcleo vital atingiu o chão e se estilhaçou. Até mesmo o interior
estava totalmente congelado.

O abismo de poder entre este feitiço e o meu era vasto. Minha Nova Congelante só
conseguia congelar a superfície das coisas. Mas isso… isso provavelmente matou tudo
na área.

— Huh…? — Confusa, estendi a mão para recuperar meu cajado. — Eek! — Uma
sensação de frio disparou em meus dedos e o deixei cair por reflexo. Caiu no chão,
ecoando em meio ao silêncio.

Ouvi uma voz, talvez reagindo ao som.

— Ah, graças a Deus.

Um jovem apareceu andando em minha direção, contornando as estátuas de gelo. No


momento em que o vi, meu coração disparou. Eu podia sentir o sangue subindo pelo
meu rosto, aquecendo minhas bochechas. Este homem… era meu tipo ideal.

Ele era alto, com cabelos macios e traços gentis. Estava usando um robe cinza e
segurava um cajado, mas tinha um corpo bem treinado para um mago. Havia uma clara
expressão de alívio em seu rosto quando se aproximou, olhando para mim.

— Eh? Huh?

Ele me abraçou com aqueles braços fortes e bem constituídos. Seu cheiro, muito
familiar, que cheirava a suor, preencheu meu nariz. Ele se ajoelhou parcialmente e
aninhou o rosto no meu pescoço, aparentemente dominado pela emoção ao inalar
profundamente.

Foi quando percebi algo. Eu não tinha tomado banho por um mês.
— Ah! — Assim que percebi, o empurrei.

— Huh? — Agora ele parecia surpreso.

Besteira. Fiz algo terrível! Depois que ele se deu ao trabalho de me salvar! Mas não
queria que ele pensasse que eu era fedida.

Ah, espera, talvez não fosse o momento para se preocupar com isso… Hm, não é? Eu
realmente não conseguia pensar direito.

— D-desculpa — disse. — Meio que estou fedendo…

— E-Eu fedendo? Sinto muito. — Chocado, ele cheirou sua manga.

— Não, você não! Meu corpo. Estou aqui há um mês.

— Ah, é isso que você quis dizer. — Ele parecia aliviado. — Mas realmente não me
incomoda.

— Bem, isso me incomoda. — E esquece. Isso não importava. Primeiro, eu precisava


agradecê-lo. — Muito obrigada por me salvar.

— De forma alguma. Isso foi natural.

Natural? Eu não via como ele tinha qualquer obrigação de enfrentar esse tipo de horda
para me salvar.

Ah, sim, o nome dele! Tive que perguntar o nome dele.

— Aham. É um prazer conhecê-lo — falei. — Meu nome é Roxy Migurdia. Se você


não se importa, posso saber seu nome também?

Seu corpo inteiro ficou rígido quando perguntei. Eu disse algo estranho?

— N-Não lembra?

Confusa, eu disse:

— Hã? Ah, já nos conhecemos antes? Nesse caso, devo me desculpar, infelizmente não
me lembro.

Pensando bem, tive a sensação de já tê-lo visto em algum lugar antes. Mas onde? Ele
meio que se parecia com Paul, mas eu com certeza não me esqueceria de alguém assim.

— Você não… lembra… — Seu rosto ficou pálido. Eu o deixei com raiva? Senti como
se já tivéssemos nos conhecido em algum lugar. Seu rosto era familiar, como se o
tivesse visto há muito tempo… — Não… lembra…

Ele balançou a cabeça um pouco e cambaleou para trás. De repente, colocou a mão
sobre a boca e então…
— Bleeegh!

Ele vomitou.

Logo depois disso, descobri que o jovem era Rudy, Rudeus Greyrat, já adulto. Paul e os
outros me encontraram alguns minutos depois, cuidaram de mim. Com isso, escapei da
morte por muito pouco.

Cap. 05 – O Mago é Implacável

Roxy estava do mesmo jeito que eu me lembrava. Ela parecia e se comportava da


mesma forma, mesmo que ficar presa no labirinto durante um mês a tivesse
enfraquecido consideravelmente. Suas bochechas estavam magras e havia olheiras. Suas
tranças estavam soltas e todo o seu corpo estava coberto de sujeira, fazendo-a parecer
uma mendiga. Apesar de tudo isso, ela não tinha perdido seu espírito.

Depois de ver sua condição, Geese mandou que nos retirássemos. Uma decisão
prudente. Talhand carregou Roxy nas costas e fomos para a superfície. Eu, é claro,
sugeri carregar Sua Santidade, mas não passaríamos pelo segundo andar sem minhas
habilidades ofensivas, então tive que desistir da ideia. Debati internamente se era
aceitável deixar um bruto tão rude carregar Roxy, mas ninguém mais protestou, Roxy
incluído.

— Sinto muito, senhor Talhand, por causar tantos problemas, — disse ela.

— Não se preocupe. Eu também preciso ajudar às vezes.

— Eu não estou fedendo, não é? Acho que estava muito ruim para o Rudy vomitar
daquele jeito.

— Ha ha! — O anão gargalhou. — Se eu não aguentasse, não poderia me chamar de


aventureiro!
Eu escutei enquanto caminhávamos. Os dois viajaram juntos por muito tempo, me
disseram. A julgar pela maneira como conversam, poderia dizer que eles confiavam
profundamente um no outro. Uma pontada de ciúme começou dentro de mim.
Estimulado por aquele ciúme, falei.

— Professora, você sabe que não foi por causa do seu cheiro que vomitei.— Roxy
olhou para mim antes de rapidamente desviar os olhos.

— E-então por que você vomitou? — perguntou.

— Eu estava entre a felicidade por finalmente ver você de novo e o desespero por você
não ter se lembrado de mim, assim meu estômago deu um nó.

— Não é como se eu tivesse esquecido de você. Simplesmente não conseguia fazer a


conexão entre o adorável Rudy de muito tempo atrás e o você de agora, — murmurou
em resposta antes de ficar em silêncio.

Foi uma conversa curta, mas estar ouvindo sua voz pela primeira vez em muito tempo
me encheu de tanta alegria que eu poderia ter voado direto para o céu.

Nosso grupo alegrou-se com o retorno da Roxy, provavelmente porque esta era a
primeira notícia feliz que eles tiveram desde que começaram a procura no labirinto.
Certo, nós só tínhamos preenchido o buraco que eles próprios cavaram, mas eu não ia
dizer isso. Independentemente das circunstâncias, esta era uma ocasião feliz.

Lilia imediatamente persuadiu Roxy a ir para o banho. Esperando que pudesse haver
algo que conseguisse fazer por ela enquanto isso, eu pairava fora de seu quarto, mas
então Vierra me enxotou. Ela disse que era rude aproximar-se do quarto de uma garota
enquanto ela tomava banho. Claro, eu não tinha segundas intenções. Só queria fazer o
que pudesse por ela.

Quero dizer. Sério.

Tá bom, sim, eu fiz algo assim anteriormente. Mas desta vez era completamente
inocente!

Pensei em defender meu caso, mas decidi desistir. Isso foi ótimo. Afinal, era eu. Se eu
de repente olhasse para o meu lado e visse suas roupas ali, não havia garantia de que
minha mão não escorregaria e pegaria o pequeno tecido branco. Não poderia dar
oportunidade ao meu lado pervertido. Agora, meus sentimentos ainda eram inocentes.
Então, realmente, foi bom.

Íamos descansar alguns dias para dar a Roxy tempo para recuperar as forças. Ela era
uma aventureira. Não teve ferimentos graves, ainda era forte o suficiente para andar sem
ajuda e jurou que com comida boa e uma cama macia para dormir profundamente, ela
voltaria ao normal em pouco tempo. Tudo parecia estar indo bem.

Mas eu não conseguia superar o fato de que eu estraguei tudo e me comportei


vergonhosamente na frente dela. Esperava que ela não estivesse desiludida comigo. O
vômito foi desrespeitoso, mas eu fiquei tão chocado. Nunca parei de pensar nela durante
todo o tempo em que estivemos separados. E pensar que ela pôde ter se esquecido de
mim… foi esmagador.

Pensando bem, Sylphie disse que também ficou chocada quando agi como se
estivéssemos nos encontrando pela primeira vez. Fiquei pensando se ela se sentia da
mesma forma naquela época. Eu teria que me desculpar com ela quando voltasse para
casa.

Roxy dormiu um dia inteiro. Realmente não poderia culpá-la por isso, já que ela passou
um mês em um labirinto infestado de monstros. Eu queria ser o primeiro a lhe dar bom
dia quando acordasse, então fiquei parado na frente de sua porta, mas Lilia me enxotou.
Olhei para trás e pude ver seu rosto enquanto dormia pacificamente. Decidi deixar por
isso mesmo, esperando que ela se recuperasse logo.

No segundo dia, Roxy pulou da cama. Foi bem na hora do almoço. Ela andou até nossa
mesa enquanto comíamos, movendo-se tão rígida quanto um robô.

— Bom dia, Professora.

— Sim. Bom dia, Rudy, quero dizer, Senhor Rudeus.

Éramos quatro, incluindo eu à mesa. Os outros eram Elinalise, Paul e Talhand. Geese e
os três restantes estavam fazendo compras. Nosso grupo era dividido em dois, os que
entravam no labirinto ficava descansando enquanto os que não iam, ficavam esperando
e dando recados. Geese fazia parte do grupo do labirinto, mas por algum motivo, ele
estava assumindo o comando do outro grupo. Ele com certeza se esforçava.
Talvez devesse deixar de ser um aventureiro e se tornar um gerente.

— Pessoal…

Todos os presentes olharam para Roxy.

Humildemente, ela passou o olhar sobre cada um de nós, então baixou a cabeça.

— Desculpe por causar tantos problemas, mas eu realmente estou bem agora.

As reações das pessoas variavam. Houve um que passou um braço em volta do ombro
dela e disse:

— Não precisa se preocupar com isso.

Outro que acenou com a cabeça e disse:

— Sem problemas.

Outro que tomou um gole de álcool antes de empurrar uma garrafa em sua direção. E,
finalmente, havia eu, que estava dominado pela emoção quando ela voltou.
— Bem, se você quiser agradecer a alguém, agradeça a Rudy. Se ele não tivesse
começado a balbuciar: ‘Pai, posso sentir Deus por perto’, e corresse, esmurrando as
paredes, não teríamos encontrado você.

Paul me fez soar como um completo maluco quando disse isso, mas de alguma forma eu
sabia exatamente onde Roxy estava enquanto caminhávamos pelo terceiro andar.
Também tive a sensação de que ela estava em apuros. Sabendo que a situação exigia
rapidez, fui direto para o som de sua voz, sem me importar com o perigo dos túneis
desabarem. Sempre que eu batia em uma parede, eu a quebrava sem hesitação.

Não tinha ideia de como sabia que ela estava em apuros. Apenas sabia. Era meu vínculo
com Roxy, aproximando-nos; eu tinha certeza disso. Havia uma pequena chance de que
o Deus-Homem tivesse intervindo, mas desconsideraria isso. Havia apenas um deus em
que acreditava.

Espera, isso significa que Deus me guiou até lá? Nesse caso, não havia nada de estranho
nisso!

Como eu estava preocupado com esses pensamentos, Roxy se virou para mim e baixou
a cabeça novamente.

— Hmm, senhor Rudeus, o que quero dizer é, uh… obrigada.

Por que eu senti que Roxy estava sendo fria e distante? Não, conhecia essa sensação.
Descobri sobre isso na escola.

Era meu nome. A maneira como ela chamou meu nome. Ela estava me chamando de
“senhor”, como se eu fosse uma espécie de estranho.

— Não se preocupe com isso, — disse. — Eu só fiz o que qualquer um faria. Mais
importante, por favor, apenas me chame de Rudy.

Roxy olhou para baixo e murmurou:

— M-mas não soa que estou sendo excessivamente íntimo se eu te chamar assim?

— O quê? Mas somos íntimos. Se vou ter minha professora me chamando de ‘Senhor
Rudeus’, então posso muito bem fazer meu pai também me chamar assim.

— Ei, por que diabos eu faria isso?

Eu ignorei o protesto de Paul. — Gostaria que você me chamasse de ‘Rudy’, tão


afetuosamente quanto fazia antes. Não importa quantos anos se passem… Sempre vou
reverenciá-la, Roxy Migurdia, como minha professora.

Roxy piscou várias vezes. Por algum motivo, suas bochechas estavam vermelhas. Ela
estava com febre ou algo assim? De repente, ela deu um tapa no rosto. — Sim. Você
está certo… Rudy.

— Pronto, perfeito.
Ela deu um sorriso autodepreciativo enquanto olhava para mim. Suas bochechas ainda
estavam um pouco rosadas. — Fora isso, você realmente cresceu.

— Eu sou um humano, afinal, — eu a lembrei. — Mas você não parece ter mudado.

— Sim, pequena como sempre.

— Eu não acho que você seja tão pequena quanto pensa que é.

— Sério?

Isso estava trazendo de volta tantas memórias. Se fechasse os olhos, poderia me lembrar
de todas: o primeiro dia em que ela me ensinou magia, o dia em que obtive meu objeto
de adoração, o dia em que ela me ensinou magia de nível Santo, o dia em que nos
despedimos e os dias que trocamos cartas. Cada memória era preciosa para mim.

— De qualquer forma, foi uma magia espetacular, — disse Roxy. — Parece que você
continuou muito bem seu treinamento na minha ausência. Aquilo era magia da água de
nível Imperador?

—Qual feitiço você está se referindo? — Perguntei, mesmo que eu tivesse certeza de
que não tinha usado nada de nível Imperador.

— A magia que você usou quando me salvou. Aquele poder, velocidade e o alcance. Foi
uma magia incrível. Magia do nível Imperador da qual ouvi falar, Zero Absoluto, né?

Não. Foi uma simples Nova Congelante. Estávamos atravessando o segundo andar
quando Talhand me contou sobre a magia que Roxy estava usando e como era eficaz.
Só imitei.

Mas agora Roxy tinha uma expressão no rosto que parecia dizer: …? Estou certa, não
estou? Hesitei se iria corrigi-la ou não. Ela era uma especialista em magia de água.
Podia ficar envergonhada ao descobrir que interpretou mal meu feitiço. Talvez uma
mentirinha seria bom?

Eu seria exposto imediatamente. Talvez a opção mais sábia fosse dizer sim e depois
contar a verdade, em segredo. Mas e se eu fizesse isso e ela reagisse negativamente?
Meu Canhão de Pedra aparentemente tinha o mesmo nível de poder de um feitiço de
nível Imperador, mas era magia de um nível muito inferior.

Hmm, como devo responder?

— Nah, era uma Nova Congelante. Só tinha mais poder do que aquele que você usa. —
Enquanto eu hesitava, Talhand aproveitou a oportunidade para responder em meu lugar.
Que injusto. É melhor eu continuar ou…

— Ah sim, então é isso. Me desculpe.

— Honestamente, Roxy, você não mudou nada. Embora eu concorde com você, não me
pareceria nem um pouco estranho que Rudeus usasse magia de nível Imperador.
— Elinalise entrou sem demora para apoiar Roxy. — Afinal, ele é considerado o mago
mais poderoso da Universidade de Magia.

Embora esse último comentário fosse desnecessário.

Todos olharam para mim. Tá, essa era minha chance!

— Tudo graças à orientação da minha professora, — disse com confiança.

Roxy semicerrou os olhos com suspeita.

— Rudy, eu continuo ouvindo você afirmando isso, mas honestamente acha que isso é
verdade?

— Claro que sim.

Os ensinamentos de Roxy eram minha base. “Saia e converse com as pessoas”, “Tente
se dar bem com os outros sem preconceitos” e “Sempre dê o seu melhor”. Essas
palavras se enraizaram dentro de mim. Graças a eles que pude estabelecer a relação que
tinha com Ruijerd, por exemplo.

Claro, houve momentos em que eu não conseguia viver de acordo com esses
ensinamentos, mas isso é outros 500. Os humanos não eram capazes de atingir todo o
seu potencial sempre. O que importava não era se você sempre vivia de acordo com
seus ideais, mas se fazia deles a chave de como você via o mundo.

— Você melhorou por conta própria. Sem o meu ensino. — Roxy deu um sorriso
autodepreciativo. — Você se tornou um homem incrível. O completo oposto de uma
desajeitada como eu, que ficou presa em um labirinto.

Ela caiu para frente na mesa com um baque. Eu pude ver o ponto em seu couro
cabeludo, o redemoinho do seu cabelo, que era meio fofo.

— A mestre é incrível, e o aluno também. O que poderia ser melhor? — Disse Paul.

Bem colocado. Era exatamente isso. Eu não era particularmente especial, mas Roxy era
uma pessoa incrível. E daí se ela perdesse para o aluno em algumas categorias? Isso não
era um indicador de seu valor como pessoa.

— Se você não estivesse conosco, não estaríamos aqui. Tenha um pouco de confiança.
— As palavras de Paul pareceram animar Roxy. Ela se sentou e acenou com a cabeça.

Geese voltou depois disso e prosseguimos com o nosso encontro. Sentamos com o
segundo grupo.

— Eu disse que íamos esperar para observar a condição da Roxy, mas acho que
voltaremos lá em três dias, — anunciou Geese.

— Não é um pouco rápido? — Perguntou Paul.


Embora possa não parecer, entrar em um labirinto realmente cansa uma pessoa.
Especialmente um como o labirinto de teletransportação, que estava cheio de
armadilhas, forçando a observar constantemente onde pisa, mesmo quando estava em
uma batalha. Era exaustivo o suficiente para alguém como eu na retaguarda, mas a
vanguarda carregava um fardo ainda mais pesado.

— É melhor para Roxy voltar o mais rápido possível.

— Hm? Ah, sim, entendi o que quis dizer. Você tem razão. — Paul acenou com a
cabeça, mas eu não conseguia concordar. Não seria difícil para ela ter que entrar
novamente no lugar onde ela quase perdeu a vida?

— Não acha que seria melhor um pouco mais de descanso para ela? — Perguntei.

— Hmm? Ah. Você pode não saber disso, chefe, — Geese explicou, — mas quando
você quase morre em um labirinto, tem que voltar rápido ou será amaldiçoado e nunca
mais poderá entrar.

— Uma maldição? Isso existe? — Perguntei, em dúvida.

— Sim. Não tenho ideia do porquê, mas quando você tenta entrar em um labirinto
depois disso, seu coração fica tão cheio de medo que você não consegue fazer nada.

Ah, eu já li sobre algo assim em um mangá uma vez. Tipo ataque de pânico. Também
tinha ouvido falar que um tratamento eficaz era repetir imediatamente o que quer que
você tenha falhado. Aparentemente, o mesmo acontecia neste mundo.

— Além disso, você é um iniciante, chefe. Indo em um ritmo lento e entrando


repetidamente será uma boa experiência para você.

— Entendi. Você tem razão.

Depois dessa conversa, os outros começaram a entrar na discussão também.

— Posso lhe dar algumas dicas sobre como ser um mago curador e ofensivo, — disse
Roxy.

— Não devemos repetir o método de Rudy de quebrar paredes. O risco de


desmoronamento é muito alto, — disse Paul.

— Se você quiser, posso ir na sua frente, — disse Talhand.

— Estive pensando… Que tal Paul e eu trocarmos de posição? — Elinalise sugeriu.

Geese nos manteve organizados enquanto compartilhamos nossos pensamentos sobre a


entrada no labirinto, bem como devemos fazer na próxima vez. Todo mundo parecia
mortalmente sério. Pensei que eles poderiam ser um pouco mais tranquilos sobre isso,
mas aparentemente não. Mesmo que estejam enfraquecidos, ainda eram um grupo de
rank S.
Tive pouca contribuição para dar nesta reunião, exceto responder quando me
perguntaram o que eu achava do meu primeiro labirinto. Eles eram profissionais. Eu era
um amador. Não importa o quão bom eu fosse com magia, não conseguia esquecer
essas duas coisas. Nossa última viagem deu tudo certo, mas isso não significava que
esta também daria.

— Por enquanto, vamos nos concentrar em mapear o resto do terceiro piso. Dependendo
de como as coisas andem, podemos pelo menos ir fundo o suficiente para encontrar o
círculo para o quarto piso, — disse Geese. — O que acham?

— Concordo, — dissemos em uníssono.

Geralmente, uma vez que um grupo descobrisse as escadas para o próximo piso, eles
decidiriam se iriam mais fundo ou retornariam temporariamente à superfície. Se
optassem pela segunda opção, tomariam um caminho direto para baixo a fim de retomar
do ponto em que pararam quando retornassem. O mesmo aconteceu conosco; tínhamos
descido direto para o terceiro piso. Se você não fosse rápido, havia a possibilidade do
número de armadilhas aumentar. A velocidade era crucial.

— Ah, sim, o livro diz que o quarto piso é completamente diferente do que vimos até
agora, — disse Geese. — Algum tipo de ruína ou algo assim.

— Nesse caso, pode haver dois níveis inferiores, — disse Paul.

—Hmm. Bem, vamos deixar de pensar no quarto piso para a próxima vez. Por
enquanto, estamos nos concentrando no terceiro piso.

— De boa.

Houve casos de labirintos de longa existência combinando-se com outros, formando um


único labirinto com dois centros, dois corações com cristais imbuídos magicamente.
Diz-se que esses tipos mudam a estrutura no meio do caminho. O labirinto de
teletransportação tinha esse tipo de layout, mas isso não significava necessariamente
que tinha dois centros. Era uma possibilidade, nada mais que isso.

Na verdade, de acordo com o livro, o labirinto de teletransportação tinha apenas um


cristal mágico. Porém, ainda havia a possibilidade de que tivesse sido originalmente um
labirinto comum que mais tarde se fundiu com essas antigas ruínas para tomar sua
forma atual. Falando em ruínas, também havia aquelas contendo os círculos de
teletransporte que usamos para chegar aqui.

— De que livro você está falando? — Roxy perguntou, desconfiada.

— Rudy trouxe com ele. Tem anotações de um cara que entrou quase até as profundezas
do labirinto de teletransportação. Você também deveria ler. — Geese passou o livro em
questão para ela.

— Eu não sabia que tal coisa existia. Entendo. Vou repassar isso com cuidado amanhã.
Então Roxy planejou passar amanhã lendo. Nesse caso, eu ficaria na pousada. Gostaria
de falar com ela um pouco mais, embora não tivesse certeza do que dizer. Se ela fosse
ler o livro, talvez pudéssemos discutir sobre? Ela poderia me fazer perguntas, e eu faria
o meu melhor para respondê-las.

Sim, parece bom. Ótimo. Absolutamente perfeito!

— Agora então, sobre a nossa formação, — Geese começou. — Vamos agitar um pouco
as coisas. Talhand?

Como eu estava preocupado com meus pensamentos, a conversa mudou para o próximo
tópico. Talhand pigarreou. Como ele era o homem que frequentemente ficava na
retaguarda, onde observava mais, era o encarregado de decidir a nossa formação.

— Hmph, deixe comigo.

Mas ele cheirava a álcool. Sempre cheirava a álcool. Geese também tomava banho de
licor à noite, mas Talhand estava virando canecas ao meio-dia. Pelo menos ficou
completamente sóbrio no momento em que começamos a entrar no labirinto. Ele tinha
uma capacidade impressionante de ligar e desligar a “opção” de ficar bêbado.

— Vai ser quase o mesmo de antes. — Sobre a mesa havia um papel com duas linhas
desenhadas, junto com pequenas pedras de cores diferentes. Talhand colocou a pedra
azul primeiro. — Primeiro, como antes, Roxy ficará na retaguarda.

— Entendido. — Roxy acenou com a cabeça.

Em seguida, ele colocou uma pedra cinza ao lado da anterior. — Rudeus atuará como
suporte de Roxy. Ela é o tipo que comete um deslize quando algo inesperado acontece,
mas Rudeus tem aquele Olho da Previsão. Ele também é bem calmo para sua idade,
então talvez possa parar alguma coisa antes que dê errado.

— Beleza.

Ele fez soar como se Roxy não tivesse compostura. Eu queria protestar,
mas era verdade que ela escorregou e pisou em uma armadilha de teletransporte. Só
estaria criando problemas se falasse algo. Apesar de, se você pensar sobre isso, o Olho
da Previsão só poderia prever coisas que eu poderia ver. Isso significava que eu teria
uma boa desculpa para manter meus olhos em Roxy o tempo todo que estivermos no
labirinto.

Colocado dessa forma, não parecia tão ruim. Eu estava feliz por poder olhar para ela.

— Vamos tentar trocar Elinalise e Paul. Paul, você vai na frente. Elinalise, vá atrás dele,
— disse Talhand enquanto movia a pedra vermelha representando Paul para frente e a
amarela que representava Elinalise para trás. Eles ainda estavam basicamente lado a
lado. Provavelmente apenas uma mudança de funções. Antes, Elinalise era a tanque
enquanto Paul era o suporte, mas dessa vez seria o contrário. Paul seria nosso tanque
principal e Elinalise daria suporte.
— Geese, você estará onde estava antes. — Ele colocou a pedra marrom bem na frente
do resto. Finalmente, ele colocou sua própria pedra no meio. — Duvido que vamos
precisar, mas haverá mais monstros no terceiro piso. Vou servir de escudo para os que
estão atrás.

EXPLORADOR: Geese

VANGUARDA: Paul, Elinalise

MEIO: Talhand

RETAGUARDA: Rudeus, Roxy

Essa era a nossa nova formação. Excluindo Geese, parecíamos um tabuleiro de mah-
jongg de cinco pontos.

— Alguém tem alguma sugestão? — perguntou o anão.

Eu imediatamente levantei minha mão. — Devo interpretar isso como se minha função
basicamente não mudasse?

— Sim. Você pode conversar com Roxy sobre os detalhes de como vão trabalhar em
equipe.

Ao ouvir isso, olhei para Roxy. Ela retornou meu olhar, parecendo nervosa enquanto
engolia em seco.

— Tudo bem então. Estou ansioso para trabalhar com você, professora.

— Eu também. Vou fazer o meu melhor para não te atrapalhar.

Exatamente o oposto. Era mais provável que eu lhe atrapalhasse.

Eu gostaria que ela estivesse mais confiante.

Verdade, eu poderia vencê-la quando se tratava de capacidade de mana e uso de feitiço,


mas a força das estatísticas de uma pessoa não era a soma de seu valor. Apenas com a
experiência que se ganha verdadeiro poder, e eu senti que Roxy estava à minha frente
nesse aspecto. Ela passou um mês inteiro presa e lutando no labirinto. E poucos dias
depois de ser resgatada, ela se recuperou o suficiente para voltar como se nada tivesse
acontecido.

Se fosse eu, se tivesse de experimentar algo tão horrível, provavelmente juraria a mim
mesmo que nunca mais entraria naquele labirinto. Como afirma o provérbio japonês,
um homem sábio fica longe do perigo. Você poderia me chamar de franguinho, se
quisesse; eu sabia que era um covarde.

— Beleza então. O próximo é o grupo dois, grupo de espera. — Depois disso, Geese
prontamente deu suas ordens ao grupo de espera. Entregou a Vierra uma lista de
suprimentos para comprar e depois consultou Shierra sobre o estado de Roxy. Ele
também a aconselhou a preparar todos os suprimentos médicos que considerasse
necessários para o resgate de Zenith. Finalmente, ele confiou a Lilia a supervisão dessas
tarefas.

Se Geese era o líder do grupo do labirinto, então Lilia era a líder do grupo de espera. E
Paul era o líder geral do nosso grupo. Ele supervisionava todas as decisões finais e
acompanhava todas.

— Beleza então, pessoal, vamos nos preparar para três dias a partir de agora.
Dispensados. — Por ordem de Paul, a reunião terminou.

No dia seguinte, passei meu tempo vagando pelo primeiro andar da pousada, ficando
nas proximidades de Roxy enquanto ela lia. Queria que ela me consultasse se houvesse
algo que não entendesse. Eu, especificamente, ninguém mais.

— Hmm, Rudy?

— Sim?! O que é, professora?!

— Você se mexendo assim é uma distração, — ela disse com um sorriso forçado.

— Me desculpe. — Abaixei minha cabeça e decidi ir embora.

Então é isso. Estou distraindo ela. Isso faz sentido. Estou atrapalhando sua leitura.

Não queria causar problemas a ela. Essa não era minha intenção, só queria ajudar. Mas
se era uma distração, não poderia ajudá-la. Talvez eu deva ir para outro lugar. Sim,
talvez fosse para alguma taverna deserta em algum lugar. Era bom beber sozinho de vez
em quando.

É isso que vou fazer.

— Rudy, — uma voz me chamou por trás. — Se você tiver tempo suficiente, há
algumas coisas neste livro que não tenho certeza que eu gostaria que você…

— Beleza! — Imediatamente sentei ao lado dela. Acho que bati o recorde de sentar
mais rápido. Se eu fosse um cachorro e tivesse um rabo, ele estaria chicoteando no ar
como uma hélice agora. — Cadê? Por favor, sinta-se à vontade para me perguntar
qualquer coisa.

Ahh, Roxy com certeza era pequena, apesar que eu tivesse certeza que era em parte
porque eu tinha crescido muito. Se a colocasse no meu colo, poderia facilmente abraçá-
la. Embora tivesse certeza de que ela ficaria chateada comigo se tentasse.

Enquanto eu olhava para ela, Roxy olhou para mim de lado.

— Tem alguma coisa de errado? — Perguntei.

Ela rapidamente mudou seu olhar de volta para o livro. — Não é nada. É esta parte bem
aqui…
Nos anos que se passaram, minha altura ultrapassou muito a dela. Talvez tenha se
sentido desencorajada por isso. Ela parecia estar constrangida por ser tão baixinha.

Esses foram meus pensamentos enquanto passamos o dia juntos, lendo.

Eu estava contente.
Cap. 06 – Moleza

Com Roxy agora conosco, retomamos nossa exploração do labirinto. Nos movemos
como planejado, indo direto até o terceiro piso. Havia três tipos de inimigos lá: Crânios
de Lama, além de Tarântulas da Estrada da Morte e Rastejadores de Ferro.

O Crânio de Lama era um monstro de rank A. Parecia um gigante sem cabeça feito de
lama, com cerca de dois metros e meio de altura, com uma circunferência que fazia jus à
sua natureza durável. A criatura tinha um crânio cravado em seu peito, que também era
seu ponto fraco, bem como Jamila de Ultraman ou Sachiel de Evangelion. Ele se movia
devagar, mas poderia se livrar de qualquer golpe causado nas partes cobertas de lama de
seu corpo e, se sentisse que estava em perigo, poderia esconder o crânio dentro de seu
corpo. O método de ataque do Crânio de Lama era lançar lama e usar um feitiço
semelhante ao Canhão de Pedra.

Esses, no entanto, não eram os motivos pelos quais foi considerado rank A. Embora
parecesse um golem simples, o Crânio de Lama era bastante inteligente e capaz de
emitir comandos para monstros menores, como Tarântulas da Estrada da Morte e
Rastejadores de Ferro. Ele atacaria em formação com Rastejantes de Ferro na
vanguarda, Tarântulas da Estrada da Morte no meio e ele próprio na retaguarda. Em
outras palavras, era um monstro general.

No segundo piso, os Rastejantes de Ferro corriam na frente enquanto as Tarântulas da


Estrada da Morte tentavam nos prender atirando teias em nós. Agora tínhamos o Crânio
de Lama supervisionando-os, lançando Canhões de Pedra também. Essa deve ser uma
dinâmica difícil para Paul, que já se viu em lutas acirradas no segundo piso, que
dificultam o contra-ataque. O combate exigiu tudo o que tinham. Não havia como
conseguirem procurar por Zenith também.

Isso não seria um problema com Roxy e eu no grupo. A Tarântula da Estrada da Morte
estacionada no meio representava poucos problemas, então eu só tive que assumir a
liderança no ataque ao Crânio de Lama na retaguarda enquanto Roxy enfrentava o
Rastejador de Ferro na vanguarda. Tudo o que restou foi deixado para Paul e os outros.

Por serem feitos de lama, os Crânios de Lama eram vulneráveis à magia de água. Usar
bastante dela os desmancharia. O fogo também funcionava; se eu cozesse a lama até
deixá-los secos, não poderiam mais se mover. Mas meu Canhão de Pedra era tudo que
eu precisava. Usei meu Olho da Previsão para acertá-los, dando golpes críticos nos
crânios em seus peitos. Morte súbita. Eu era um atirador experiente, daqueles lentos,
como os tipos de FPS que não podiam mover seu ponto de spawn.

— Ufa… — Assim que o inimigo foi completamente eliminado, Roxy deu um suspiro.
Eu pude ver parte de seu rosto aparecendo por baixo da aba do chapéu. Ela deve ter
usado uma quantidade significativa de mana, pois parecia exausta.

De repente, encarou-me também, olhando para mim de lado. Quando nossos olhos se
encontraram, ela rapidamente desviou os dela.
— Estou quase sem mana. — disse ela. — Eu gostaria de descansar.

Voltamos para a passagem principal e fizemos uma pausa lá. Eu ainda tinha bastante
mana sobrando. Na verdade, nem tinha usado metade do meu estoque. Afinal, estava
basicamente usando o Canhão de Pedra, enquanto Roxy era quem congelava nossos
inimigos com o Nova Congelante. Não era surpresa ter se esgotado primeiro.

— Sinto muito por ter uma reserva de mana tão pequena. — disse ela.

— Não, acho que você tem mais do que o suficiente.

Ela usou magia com precisão excepcional, lançando feitiços em uma área estreita sem
nenhum disparo perdido. Ocasionalmente, sua Cascata de Água espirrava em Paul e nos
outros, mas sua precisão com o feitiço Campo Sincelo era tão boa que apenas os
inimigos congelavam. A precisão também exigia uma quantidade adequada de mana.
Apesar de tudo isso, ela continuou lutando por um bom tempo. De forma alguma tinha
uma pequena reserva de mana. A dela era provavelmente do mesmo tamanho que a da
Sylphie, senão maior.

— Eu queria encontrar o círculo mágico que leva ao quarto piso em breve. — Geese
coçou o queixo enquanto comparava o livro com o mapa.

Quase dois dias se passaram desde que descemos ao terceiro piso. O autor do livro
levou cinco dias para se aprofundar até aqui. Nós ultrapassamos seu grupo e passamos
pelo terceiro piso várias vezes, mapeando tudo. Já era hora de encontrarmos o próximo
círculo mágico agora.

— Rudy, posso pegar suas costas emprestadas? — perguntou Roxy.

— Fique à vontade.

Assim que respondi, ela se debruçou contra mim. Descansava assim sempre que
fazíamos uma pausa; presumi que fosse porque as costas de uma pessoa eram mais
confortáveis para ela do que as paredes de pedra que nos cercavam. Um benefício
colateral para mim.

— Sabe, nunca pensei que mergulharia em um labirinto como este com você. — disse
ela.

— Nem eu. Diga, há algo que estou fazendo e que devia ter mais cuidado?

— Hein? Você já entendeu o essencial quando se trata de se mover como um grupo,


então não há nenhum conselho que eu possa oferecer.

— Obrigado — falei.

— Usar magia sem recitar e com precisão perfeita. Você realmente é incrível.

— De jeito nenhum. — Balancei a cabeça. — Ainda tenho muito que aprender.


Isso mesmo, havia muito mais para aprender. Ver Roxy realmente me fez sentir isso.
Ela não incrementou o que já tinha, ao invés disso, melhorou ao máximo aquilo que já
possuía. Estava combinando os itens existentes em seu arsenal para dominar seu
oponente.

Eu tinha certeza de ter feito o mesmo no passado, mas em algum momento, comecei a
usar apenas Canhão de Pedra e Atoleiro. Não é um hábito bom, mas foram suficientes
para vencer a maioria dos oponentes mais fracos. Ainda assim, truques mesquinhos
desse tipo não funcionariam contra os inimigos mais fortes que eu me imaginava
enfrentando, mas eu não tinha ninguém em um nível apropriado para praticar. Eu
pensava grande, mas não havia nada tangível à frente para se visar. Por este motivo, não
estava melhorando.

— Rudy? — Roxy de repente me chamou.

— Sim, pois não?

— Se formos capazes de resgatar sua mãe com segurança e nós dois tivermos a
oportunidade, que tal entrar em um labirinto algum dia, só nós dois?

Eu pisquei.

— Só nós dois?

— Sim. Estamos com pouco tempo agora, mas entrar de cabeça em labirinto pode ser
bem divertido. Então, que tal formar um grupo com apenas nós dois e encarar um
labirinto mais simples juntos?

Um labirinto, hein? Para ser franco, se não fosse por Geese, eu provavelmente já teria
caído direto em uma armadilha. Ainda assim, se tinha alguém que podia se aventurar
sozinho em um labirinto, esse alguém era a Roxy. Ela tinha um histórico de falta de
jeito, mas se eu concordasse com ela, talvez conseguíssemos superar isso.

— Parece ótimo, — concordei. — Quando voltarmos, por que não tentamos?

— Tudo bem, é uma promessa.

— Sim, uma promessa.

Eu pude ver Roxy fechando a mão em seu punho com o canto do meu olho.

— Ah…, estou começando a ficar com um pouco de sono. Vou descansar por um
tempinho. — disse ela.

— Beleza. Durma bem.

Depois de um tempo, pude sentir sua queda contra minhas costas.


Eu aceitei sua proposta no calor do momento, mas aventurar-se em um labirinto
consumia vários dias. Eu não tinha certeza se teria a oportunidade de fazer isso, já que
precisaria ajudar na criação dos filhos.

Ah, que seja. Não era como se tivéssemos que decidir agora. Se eu tivesse tempo extra,
poderíamos fazê-lo. Talvez, quando nosso filho fosse um pouco maior e Sylphie e eu
tivéssemos mais tempo livre. Eu provavelmente teria mais de vinte anos até lá, mas isso
não seria um problema.

Fiquei muito feliz por ela ter me convidado para participar de seu grupo. Parecia que ela
estava reconhecendo minhas habilidades. Eu tinha que tomar cuidado para não revelar
minhas falhas na frente dela.

Enquanto considerava essas coisas, adormeci.

Depois que descobrimos o círculo que conduz ao quarto piso, terminamos de mapear
minuciosamente o terceiro. Não havia sinal algum de Zenith, então decidimos seguir em
frente.

As paredes do quarto piso eram feitas de um tipo familiar de pedra. Parecia as ruínas
que acessamos para nos teletransportar dos Territórios Nortenhos. Talvez fossem
estruturas semelhantes, exceto que esta se transformou em um labirinto.

— Geese, e então? — perguntou Paul.

— Hm? Olha, parece que estamos indo bem.

— Ótimo. Então vamos examinar o quarto nível um pouco antes de voltarmos à


superfície. — disse Paul friamente, olhando em minha direção enquanto eu examinava
nossos arredores.

Na época em que Paul estava deprimido, ele aparentava ser uma causa perdida, sem
salvação, mas parecia muito tranquilo quando estava no trabalho. Não me surpreenderia
se este fosse o lado pelo qual Zenith se apaixonou. Se o mesmo sangue realmente corria
em minhas veias, então talvez Sylphie não estivesse apenas me bajulando quando fazia
o mesmo tipo de elogio.

— Mestra, eu fico bonito quando estou falando sério? — perguntei abruptamente. Pode
ter soado um pouco narcisista.

Os olhos de Roxy espiaram por baixo da aba do chapéu.

— Hein? Oh, uh, hum… Bem, claro, você é bonito? — Ela se atrapalhou com as
palavras, então rapidamente desviou os olhos de novo.

Certo. Essa reação mostrou tudo que eu precisava saber. Ela expressou seus sentimentos
em alto e bom som. Essa foi uma pergunta claramente incômoda. Que rude da minha
parte. Parecia que eu tinha me empolgado um pouco.
Se Roxy ficasse super fofa comigo e perguntasse: “Ei, Rudy, em uma escala de 1 a 10,
quão fofa eu sou?” Eu alegremente levantaria bastões luminosos com ambas as mãos e
prontamente diria: “100!” Eu estaria na primeira fileira, sem dúvidas.

Havia mais em um homem do que apenas seu rosto — havia seu coração também. Ele
precisava de um coração de aço ardente. Um que poderia nocautear qualquer pessoa
com um único golpe.

— Rudy, inimigos.

Eu olhei para cima e vi dois monstros de quatro braços em armadura se aproximando.


Guerreiros Blindados. A propósito, esses monstros eram considerados mortos-vivos. A
magia de Terra e Divina funcionavam melhor contra eles. O Canhão de Pedra, desde
que fosse grande o suficiente, poderia despedaçar a maioria com um único golpe.

— Vou começar com o Canhão de Pedra. — eu disse.

— Espere, Rudy, você não pode. — Roxy me parou quando eu estava levantando meu
cajado. — Ouvi dizer que o Guerreiro Blindado usa o Estilo Deus da Água. Se você for
descuidado com sua magia, eles vão fazer com que o ataque volte para nós.

O Estilo Deus da Água era algo que eu realmente não conhecia muito, mas era um estilo
de espada baseado em desviar e contra-atacar. Também era eficaz contra magia, por
algum motivo. Eu não tinha certeza de como, mas uma de suas habilidades permitia que
contra-atacassem a magia ofensiva com o brilho de uma espada. Normalmente, eu não
ficaria muito preocupado, mas esses caras tinham quatro braços e não eram humanos.
Podem muito bem ser capazes de lutar com quatro pessoas ao mesmo tempo e ainda
conseguir conter todos os ataques.

— Tudo bem então, o que devemos fazer?

— Vamos cobrir os outros e afundá-los. — propôs Roxy. — É a nossa primeira vez


contra este adversário. É preciso ser prudente.

— Entendido. Pai, vou usar o Atoleiro. Por favor, cuidado com os pés!

— Certo!

Esses monstros do tipo blindado tinham muito poder e suas habilidades com a espada
eram assustadoras, mas eram lentos. O aço em seus corpos era pesado o suficiente para
que afundassem facilmente na lama. Podiam acabar afundando no chão se eu fizesse
com que meu feitiço fosse bastante profundo. Não achei que houvesse muito risco de
colapso, mas provavelmente ainda era melhor manter os efeitos de alteração do
ambiente ao mínimo. Até os joelhos eram o bastante.

— Atoleiro!

Seus pés afundaram enquanto tentavam avançar, a lama engoliu-os até as coxas. Então,
nossos dois membros da linha de frente começaram a trabalhar.
— Paul, vou pela esquerda. — disse Elinalise.

— Entendido. — Paul fez uma pausa. — Espere, você está sempre pegando a esquerda.

— A parede atrapalha e torna difícil atacar.

— Então está pensando apenas em si mesma… uou, essa foi por pouco! — Paul teve
facilidade para lidar com eles. Ele desviou um ataque com sua espada da mão direita e
logo cortou um dos braços do monstro com a espada curta em sua esquerda. A armadura
deles parecia resistente o suficiente, mas aparentemente isso não importava.
Espadachins do estilo Deus da Espada eram bestiais. Isso, ou talvez sua espada curta
fosse afiada demais.

Elinalise, por outro lado, parecia um pouco sobrecarregada. Ela nunca sofreu muito
dano de seu oponente, mas não teve a ofensa para acertar um golpe fatal.

— Vamos apoiá-los. — interrompeu Roxy. — Rudy, vamos liberar nossa magia ao


mesmo tempo, na direção da Senhorita Elinalise.

— Entendido.

Levantei meu cajado, conjurando um Canhão de Pedra. Agora que eles não podiam se
mover, não tinha como escapar. Não fazia ideia de quão rápido meu ataque teria que ser
para impedi-los de desviar, e nunca saberia, a menos que tentasse.

— Senhor Talhand!

— Tô ouvindo! — Ele ergueu o escudo e cambaleou na nossa frente. Se um feitiço


fosse contra-atacado e viesse voando de volta para nós, ele estaria lá para absorvê-lo.
Contanto que não morresse instantaneamente, eu poderia usar minha magia de nível
Avançado para curá-lo. Só esperava que qualquer ataque não acertasse seus órgãos
vitais.

— Canhão de Pedra!

— Majestosa lâmina de gelo, convoco-lhe para derrubar meu inimigo! Lâmina Sincelo!

Embora nossos tempos de conjuração fossem diferentes, lançamos nossa magia ao


mesmo tempo. Um era uma bala de canhão redonda e o outro, uma espada de gelo,
quase como o ataque Ultra Slash do Ultraman.

Nosso oponente de armadura tentou desviar dos ataques. Dois de seus braços
empunhando espadas se moveram, mudando sua postura para a defesa. Isso deu a
abertura perfeita para Elinalise escudá-lo, desequilibrando-o. Meu canhão arrancou um
de seus braços, cortando-o, enquanto a lâmina congelada cravou-se profundamente no
peito da armadura. Ao mesmo tempo, Paul também terminou sua luta.

— Não deve ser uma grande surpresa, mas esses monstros de rank A não caem
facilmente. — comentou ele, embora nosso tempo total de batalha tenha durado apenas
um minuto. Não os derrubamos com um único golpe, mas não foi uma luta dura.
Exatamente o que esperaria de um homem que alcançou o nível Avançado em todas as
três escolas de esgrima. Em termos de habilidade, ele provavelmente tinha condições de
alcançar o nível Santo.

Não, se fosse assim, Paul já podia ser tão forte quanto qualquer espadachim de nível
Santo. A força das pessoas não podia ser medida apenas pelo rank.

— Pai, você ficou mais forte do que antes?

Ah, merda. Acabei de dizer algo que aumentaria seu ego. Agora ele pode começar a se
gabar.

— Hm? Nem, de forma alguma. Estou mais fraco agora do que costumava ser. — Mas
Paul nem mesmo sorriu. Ele apenas olhou na minha direção antes de olhar para frente.
— Venha, vamos indo. E não baixe sua guarda.

As palavras de Paul serviram como um lembrete sério. Ele tinha razão. Estávamos em
um labirinto agora. Eu tive que me recompor.

Meu pai com certeza estava agindo bem hoje. Norn provavelmente ficaria encantada se
eu contasse a ela o quão tranquilo parecia em ação.

— O que é isso? — Elinalise falou de repente enquanto olhava para o rosto de Paul. Ela
colocou a mão sobre a boca e sorriu. — Qual foi a desse sorriso, Paul? É assustador.

— Qual é, você não tem que fazer esse tipo de comentário. —resmungou ele.

— Você está tão feliz que Rudeus te elogiou? Oh, não se preocupe, eu entendo. Heh heh
heh…

— Já chega, cale-se.

Não, eu retiro o que disse. Paul ainda é o mesmo velho Paul.

Depois disso, eliminamos vários outros Guerreiros Blindados e, em seguida,


começamos nossa jornada de volta à superfície. O percurso levou cerca de cinco horas a
pé. Essa busca iria demorar um pouco. Será que Zenith realmente conseguiria resistir
durante esse tempo?

Não, não podíamos ter pressa. Tínhamos que evitar mais acidentes, como aquele com
Roxy.

As coisas estavam indo bem agora. Eu estava nervoso, mas não tanto. Não me sentia
emocionalmente sobrecarregado.

Estávamos bem no momento. Manter esse ritmo é o que mais nos beneficia.

Assim que chegamos à cidade, todos nos juntamos para uma reunião.
Havia vários itens que precisaríamos em nosso próximo passo, então começamos a
buscá-los. Eu também desenhei mais alguns pergaminhos espirituais, já que estavam
acabando. Como esperado, dado que esta era a Cidade Labirinto de Rapan, a tinta do
círculo mágico e o pergaminho estavam prontamente disponíveis. Criar extras provou-
se fácil. Tudo que eu precisava fazer era desenhar um para usar como referência, e
Shierra faria o resto. Aparentemente, ela era muito habilidosa nisso, tendo trabalhado
anteriormente desenhando pergaminhos para a Igreja Millis. Ela prometeu que poderia
fazer cinquenta cópias no mesmo dia. Isso sim era promissor.

Geese comprou alguns produtos químicos que deveriam ser eficazes em monstros com
armadura. Ele nos informou que esse material, se acertado em cheio, adentraria nas
articulações das criaturas e retardaria seus movimentos. Quando sugeri borrifar óleo no
chão para fazê-los escorregar, já que eram muito pesados, ele riu, dizendo que seria Paul
quem cairia de bunda. Respondi pensativo “Acho que você está certo”, e Geese apenas
gargalhou.

Paul e Elinalise foram procurar armas. Pelo que parecia, estavam tentando encontrar
uma espada com um preço bom para Elinalise. O que ela estava usando atualmente, seu
florete, era um item mágico. Quando manejado, desencadeava uma faixa cortante de
vácuo, que não era o mais adequado para a batalha contra os Guerreiros Blindados, que
eram um oponente difícil de vencer de qualquer maneira. Eu podia entender porque ela
queria uma arma diferente.

A espada curta que Paul empunhava em sua mão esquerda era um item mágico que ele
comprou em Rapan. Ela tinha uma habilidade Corte de Aço, o que significava que
quanto mais difícil era cortar seu oponente, mais afiada sua espada se tornava. Era uma
habilidade bastante rara, tanto que as pessoas no mercado não conseguiram identificá-la.
Trataram como uma faca de manteiga sem graça, que nem mesmo conseguia serrar
carne seca, e praticamente venderam por centavos.

Paul afirmou: “Foi minha visão aguçada que me ajudou a identificar o verdadeiro poder
desta espada.” Eu já sabia. Eu li A Lenda de Perugius em Buena Village, e havia um
guerreiro nela cuja arma carregava essa mesma habilidade. Embora incapaz de cortar
carne seca, era capaz de cortar um pedaço de aço ao meio. Paul deve ter sabido o que
era no momento em que ouviu aquela frase sobre ela nem mesmo ser capaz de serrar
carne seca.

De qualquer forma, fazia sentido agora porque seus ataques contra os Guerreiros
Blindados eram tão eficazes. Mesmo que a empunhasse em sua mão mais fraca, ainda
seria um golpe forte, contanto que acertasse em cheio.

Elinalise comprou um único gládio, que aparentemente tinha a capacidade de emitir


uma onda de choque quando estocada. Não causava tantos danos, mas permitia que seu
portador ganhasse alguma distância de seu oponente, fazendo com que este voasse para
trás. Isso o tornava bastante útil, por isso custou um bom dinheiro, mas Elinalise puxou
um cristal redondo imbuído magicamente do seu bolso e realizou a compra. Quantas
dessas coisas ela tinha em mãos?
Naquela noite, saí para beber com Roxy e Talhand, este último me convidou dizendo:
“Você é um adulto agora, então pode ir beber, certo?” Não havia nenhuma maneira de
eu beber álcool na frente de Roxy, por isso estava apenas acompanhando.

Era para ser um encontro entre três magos, mas em algum momento o “Mestre” Talhand
começou a nos dar um sermão sobre “O que torna um homem um homem
de verdade…” Os homens deveriam ter músculos. Músculos soberbos significavam um
espírito soberbo. Não foi uma conversa para magos, mas ainda assim foi significativa.
Ele tinha toda a razão. Homens deviam ser musculosos e fortes.

Roxy parecia sonolenta durante a conversa. Ela claramente não poderia estar menos
interessada — não que eu pudesse culpá-la.

No dia seguinte, Lilia se despediu de nós enquanto entrávamos de volta no labirinto.

Nossa jornada até o quarto piso foi tranquila. Isso se deveu em parte aos nossos
elaborados preparativos e à mudança de marcha, mas também tivemos sorte. Foi
basicamente um tiro certeiro até aqui. Da mesma forma, levou apenas três horas. Quase
não tivemos nenhum confronto com monstros também.

Uma vez lá, continuamos a mapear o quarto nível em vez de prosseguir, mas, como já
era de se esperar, Zenith não estava em lugar algum.

Como nossos suprimentos ainda estavam em bom estoque, descemos para começar a
conquista do quinto piso. Neste nível, os Guerreiros Blindados estavam acompanhados
por Demônios Vorazes.

O Demônio Voraz era um demônio com uma boca gigante e presas afiadas. Ele também
tinha membros longos e garras pontiagudas que lhe permitiam escalar o teto, não muito
diferente de um alienígena de uma certa franquia de cinema. Era um oponente
formidável. O fato de que podia se locomover pelo teto ou pelas paredes significava que
nossa formação era inútil. Ele passaria por cima de Elinalise e Paul, enquanto estes
enfrentavam um Guerreiro Blindado, e vinham direto até nós. Ver isso fez eu sentir um
arrepio na espinha.

Apesar disso tudo, o Demônio Voraz não era tão forte assim. Era rápido, com ataques
que pareciam poderosos, mas tinha defesas baixas e não resistia muito. Fiquei um pouco
surpreso quando apareceu pela primeira vez, mas depois de rebatê-lo contra a parede,
Elinalise mergulhou com sua nova arma e a luta terminou sem incidentes.

Embora o Demônio Voraz fosse rank A, nós nos acostumamos com seus padrões de
movimento incomuns. Foi o Guerreiro Blindado, com sua força excepcional, que
provou ser o oponente mais difícil. No entanto, era irritante ter que ficar olhando para
cima para localizar os Demônios. Se sua atenção fosse atraída para o teto, não notaria as
armadilhas colocadas pelos seus pés. E se descuidadamente pisasse em tal armadilha,
poderia ser teletransportado para Deus-sabe-onde.

— Tudo bem, hora da nossa arma secreta. — disse Geese.


Felizmente, tínhamos nosso guia. Havia uma contramedida inovadora para essas pragas,
registrada nas páginas de Um Relato Exploratório do Labirinto de Teleportação.

As raízes da árvore Talfro eram vendidas para consumo, mas se as queimasse como
incenso, os Demônios desceriam do teto, pois odiavam o cheiro. Não apenas isso, eles
também tentariam fugir o mais longe possível da fumaça. Isso fez com que ficasse
muito mais fácil combatê-los. Na verdade, com esse método, eles não eram nem mesmo
rank B — estavam mais próximos do rank C! O autor deste livro com certeza fez uma
bela pesquisa.

Assim, limpamos o quinto piso em um piscar de olhos. Incapazes de localizar o círculo


que levava ao próximo piso, fomos forçados a vagar um pouco, mas nosso objetivo não
era explorar o local. Estávamos aqui para encontrar Zenith. Estava tudo bem. Na
verdade, isso estava indo muito bem para nós.

Finalmente, chegamos ao sexto piso.

— Então, Geese?

— Podemos continuar. — Geese deu uma resposta curta à pergunta ambígua de Paul.

Quase não tínhamos usado nenhum de nossos suprimentos, então estávamos bem
preparados. Além disso, estávamos com uma onda de sorte.

— Beleza, sem volta. Vamos que vamos então.

— Sim.

Não havia necessidade de retornar, pois tínhamos suprimentos e estávamos prontos.


Nossa busca continuaria.
Cap. 07 – Os Círculos Mágicos do Sexto Piso

O sexto piso estava repleto de Demônios Vorazes.

Os Guerreiros Blindados desapareceram por completo, deixando apenas os incômodos


rastejadores de teto. As lutas correram bem graças ao incenso, mas ainda havia muitos
deles. Tantos, na verdade, que se perguntaria: Por que as coisas são tão numerosas
aqui?

O motivo ficou claro quando invadimos as partes mais profundas do sexto piso.

Na sala que levava ao próximo círculo mágico, havia um ninho. Um enxame de bestas
se aglomeravam dentro dele, e incontáveis ovos estavam nas bordas da área. Eles eram
escuros, formas oblongas revestidas de líquido, não muito diferentes das baratas do meu
mundo. Senti um arrepio na espinha só de olhar para eles.

Talvez houvesse uma rainha em algum lugar, e ela estava usando Zenith para ajudar a
gerar seus ovos. O pensamento passou pela minha mente, mas não havia nenhuma
indicação de que os Demônios Vorazes tivessem tais hábitos. Eles se enxameiam, mas
não pareciam ter nada semelhante com uma rainha. Como as baratas.

De qualquer forma, de onde vinham todas essas pragas e qual era seu propósito? Como
havia tantas quando não existia uma fonte de alimento equivalente para sustentá-los?

— Mestra, o que animais como este comem? — Perguntei a Roxy.

— Boa pergunta. Existem muitas teorias por aí, mas sempre ouvi que se alimentam de
mana.

— Mana?
Florestas e cavernas tinham alta concentração de mana, além de serem cheias de
monstros. Pensando bem, Nanahoshi mencionou que essa energia mágica pode ser
encontrada em todos os tipos de coisas neste mundo. Mana, no entanto, não podia ser
visto a olho nu, então como essa teoria poderia ser confirmada?

Espere… havia o Olho do Poder Mágico, sugerindo que era verdade.

Ainda assim, se eles realmente se alimentam de mana, então não faria sentido se
simplesmente engolissem meus feitiços? O fato de não o fazerem deve significar que há
dois tipos de poder mágico: o tipo que pode ser consumido e o que não pode.

Agora que penso sobre isso, Paul tinha me dito há muito tempo que monstros eram
atraídos para o cristal magicamente imbuído no coração de um labirinto. Os cristais
eram realmente atraentes para monstros? Os que haviam aqui não estavam nem tentando
se aprofundar. Tudo o que fizeram foi criar um ninho e começar a habitar o lugar.

Bem, ponderar sobre este mistério não me levaria a lugar nenhum por enquanto. Havia
outros monstros, como o Guerreiro Blindado, que claramente não consumia nada para
sobreviver. Irei deixar as questões da ecologia dos monstros para os especialistas.

— Bem, não importa o que consumam, isso não muda o fato que atacam humanos à
vista. Vamos destruir esses ovos assim que os encontrarmos, ou eles serão uma pedra no
sapato quando voltarmos. — Roxy disse enquanto se livrava dos ovos com frieza. Ela
usou uma espada curta, ao invés de magia, para empalá-los um por um. Sua expressão
era a própria definição de indiferença. Eu gostava desse lado dela também.

De qualquer forma, monstros produziam ovos, hein? Eu me perguntava se Guerreiros


Blindados também tinham filhos. Imaginei uma mini versão deles do tamanho de uma
boneca de feltro, carregando uma espada de brinquedo e gingando. Imaginei seus pais
blindados cuidando dele alegremente. Então, de repente, passos — um intruso. A
mamãe e o papai blindados instruem o filho a se esconder enquanto eles entram no
campo de batalha. Paul aparece diante deles, seu rosto como o de um demônio. Ele mata
os pais brutalmente com uma espada curta que é especialmente eficiente para rasgar
suas armaduras, não muito diferente de um pesticida contra insetos. A criança
testemunha isso e aprende que os humanos são o inimigo. Ele cresce e se transforma em
uma besta que ataca os humanos à vista.

Sim, beleza, foi um pensamento ridículo.

— Rudy, por que está com essa cara de quem está pensando longe? — Roxy me
chamou. — Por favor, ajude.

— Ah, certo.

Fiz o que foi pedido e comecei a quebrar os ovos.

As outras três salas ligadas a esta também estavam cheias dessas coisas. Não havia
nenhum sinal de que algum deles estivesse perto da eclosão, mas se estivesse, a larva
tentaria se agarrar a qualquer humano que visse.
Nossa limpeza terminou sem intercorrências depois disso, sem uma única larva recém-
eclodida surgindo para tentar agarrar-se à virilha de Roxy.

Finalmente, chegamos às profundezas do labirinto, o mesmo lugar sobre o qual está


escrito nas últimas páginas de nosso livro. Era uma sala espaçosa e quadrada construída
em pedra. Havia três círculos mágicos perto de uma das paredes afastadas da entrada da
sala.

Se isso fosse tudo, o lugar não teria parecido especial. Mas a sala estava absolutamente
vazia, exceto pelos círculos. A anterior tinha um enxame inacreditável de Demônios
Vorazes e mais de uma centena de seus ovos. No entanto, a única coisa ali eram os
círculos, quase como se este fosse um solo sagrado onde nem os ovos nem os
rastejadores que os deram à luz ousavam entrar. Apenas uma palavra poderia descrever
suficientemente este fenômeno: anormal.

— É o guardião. — disse Elinalise.

Paul concordou:

— É o que parece.

— Mantenham-se alertas, — avisou Roxy.

Todos os três seguraram suas armas enquanto falavam. Talvez fosse comum que a sala
logo antes do covil do chefe tivesse uma vibração perturbadora.

— Bem, qual vai ser? — Geese segurou nosso guia em uma das mãos e investigou cada
círculo. Todos os outros estavam na entrada, esperando.

— Eu ajudo. — Eu me ofereci para me juntar a ele, como alguém que já tinha auxiliado
na criação de círculos de invocação antes.

— Sim, isso seria ótimo. — disse Geese.

Por algum motivo, Roxy correu atrás de mim. Sua presença seria reconfortante, pelo
menos.

— Como se parece? — Perguntei.

— Exatamente como diz o livro.

Um por um, comparei cada um dos círculos diante de nós com o que estava transcrito
no livro. O livro, aliás, dizia o seguinte:
Havia três círculos mágicos. Soubemos imediatamente que dois deles eram círculos de
teletransporte aleatórios, então usamos uma pedra para marcar aquele que
pensávamos ser o correto e pulamos. No entanto, era uma armadilha. Fui transportado
para um espaço desconhecido, encontrando-me preso entre corpos negros e viscosos.
Isso mesmo, um ninho de Demônios Vorazes. No momento em que me viram…

Vou poupá-lo da cena de batalha que se seguiu.

Eu imediatamente localizei a pedra que eles usaram como um sinal. Era uma rocha
lindamente polida do tamanho de um punho. O número seis foi esculpido em sua
superfície. Não tínhamos visto nada parecido nos pisos anteriores.

— Ao ver isso faz com que você se sinta meio emocionado, não é?

Geese franziu a testa.

— Jura? Eu digo que é apenas um mau sinal. Ouça aqui, Chefe, coisas assim… itens
deixados por um grupo morto, são um mau agouro.

— Mau agouro?

— Sim, isso mesmo.

— Tudo bem — eu disse — mas não é como se o grupo todo tivesse sido aniquilado.

Enquanto conversávamos, continuei a inspecionar o círculo à nossa frente. Parecia


muito com os círculos de mão dupla que usamos para viajar várias vezes até agora, mas
este aqui era diferente. Se pisado, o teletransportaria aleatoriamente. Ou talvez nem
precisasse pisar nele. Talvez, uma vez ativado, ele deformaria qualquer coisa localizada
dentro da sala.

Isso significava que um dos outros dois tinha que ser a opção correta. No entanto,
ambos claramente tinham as características de um círculo de teletransporte.

— Rudy, sabe qual é o correto? — perguntou Roxy.

Balancei a cabeça.

— Não, não tenho nem ideia. Nanahoshi poderia saber, se estivesse aqui.

— Nanahoshi? Quem é essa?

— Uma garota estudando teletransporte, ou melhor, invocação, na universidade. Ela


sabe muito sobre círculos mágicos, então pode ser capaz de saber.

— P-Poderia ser ela… sua namorada?

— Nanahoshi? Sem chances. — Eu ri de sua pergunta. Ao fazer isso, pensei comigo


mesmo, se ao menos Nanahoshi estivesse aqui. Ou Sylphie, ou mesmo Cliff. Os dois
primeiros teriam sido impossíveis, mas talvez eu devesse ter trazido Cliff, afinal. Será
que devo voltar e buscá-lo? Mas demoraria três meses para viajar ida e volta. Talvez até
quatro. Cliff não estava acostumado a estar na estrada.

Não. Mesmo se eu o trouxesse, ele poderia dizer: “Eu também não sei”.

— Na verdade — eu disse. — Eu fiz algumas pesquisas sobre teletransporte na


universidade, mas tenho vergonha de dizer que não consigo entender isso.

— Você pesquisou teletransporte? — Perguntou Roxy, surpresa.

— Sim.

— Entendo. Eu já deveria esperar isso de você, Rudy. A maioria busca as respostas sem
nenhuma base, mas você já tem fundamento para trabalhar com o problema.

Ela parecia ter entendido mal. Eu tinha acabado de seguir o conselho do Deus-Homem.
Não que eu pudesse realmente compartilhar isso com Roxy, já que meus motivos para
fazer isso eram impuros. Algumas coisas eram melhores quando não ditas.

— Bem, é uma conclusão óbvia a que se chega, como aluno da grande mestra Roxy.

— Você pode me elogiar se quiser, mas não ganhará nada com isso.

Terminamos nossa observação sobre os círculos.

— Bem, Chefe, descobriu alguma coisa? — perguntou Geese.

— Não, nadinha.

Meu conhecimento sobre círculos mágicos vinha principalmente do livro, de qualquer


maneira. Se a resposta correta não estava em suas páginas, então estava fora da minha
área de especialização. Eu fiz algumas pesquisas adicionais sobre teletransporte, é claro,
mas isso estava além de mim.

Havia uma coisa que eu sabia: os três círculos diante de nós eram anormais. Ajudei
bastante Nanahoshi com círculos mágicos no passado para ter noção disso. Uma
mudança nas partes menores e mais complexas de um círculo alteraria seus efeitos. É
por isso que eu poderia dizer com segurança que nenhum desses eram círculos normais.

— Se o que o livro diz é verdade, um desses dois é o correto. — eu disse.

— O que você quer dizer é que também não sabe? — esclareceu Geese.

— Exatamente.

Voltamos para a entrada da sala, sentando-nos na formação circular que Paul e os outros
tinham tomado enquanto descansavam. Lá, relatamos os detalhes de nossa pesquisa com
a maior precisão possível.

Paul estalou a língua.


— Tsk, duas opções, hein?

Elinalise murmurou:

— Nossa, duas opções…

E Talhand reclamou:

— Droga, duas, hein?

Nenhum deles pareceu satisfeito com a notícia.

— Duas opções realmente vão nos ferrar. Seria melhor se tivéssemos três. — Enquanto
olhava para o teto, Geese me lembrou um certo personagem de anime da máfia italiana
que usa um chapéu estranho na cabeça. Parecia que eles tinham algumas memórias ruins
associadas à escolha entre duas opções, o que não foi uma surpresa para mim.

— Isso também é um mau agouro? — perguntei.

— Sim, pois é. Quando temos apenas duas opções, temos que deixar Ghislaine escolher.
Ou o que quer que façamos, vai acabar em fracasso. — explicou Geese. Paul e os outros
concordaram com a cabeça.

Ghislaine, hein? Esse nome trouxe de volta memórias. Como uma fera, ela certamente
tinha um olfato bom o suficiente para farejar a resposta correta.

— Ghislaine… Se ao menos ela estivesse aqui agora. — disse Paul melancolicamente.

Elinalise acrescentou:

— Ela só foi útil em momentos como este.

— Ela nunca ouvia as instruções durante a batalha e corria de cabeça, quase como se
não tivesse entendido uma palavra que alguém disse. Não sabia ler, escrever ou fazer
aritmética e ficava furiosa sempre que falavam sobre algo que não entendia. Mas, pelo
menos, quando tínhamos apenas duas opções, ela era estranhamente capaz de escolher a
certa. — disse Talhand.

Uou, eles realmente não mediram palavras para serem cruéis com ela. Pobre Ghislaine.
Eu esperava que parassem por aí. Afinal, ela era uma das mestras que eu respeitava.

— Por favor, dê um tempo a ela. — implorei. — Ela agora pode ler, escrever e fazer
aritmética.

Ghislaine tinha trabalhado muito. Ainda tropeçava quando se tratava de adição que
exigia somar números grandes, mas deu seu sangue e suor para aprender divisão.

— Hmph, já ouvi isso do Paul antes, mas não vou ser enganado. — disse o anão. —
Não há como aquele cãozinho agir como uma pessoa normal.
— Eu ouvi a mesma coisa, mas, para ser honesta, também não posso acreditar. —
concordou Elinalise.

Os dois certamente estavam céticos. Não que eu não entendesse, já que Ghislaine
certamente tinha sido uma cabeça oca.

Isso parecia estranho, no entanto. Todos os ex-membros do grupo de Paul estavam


reunidos aqui — todos exceto Ghislaine. A mesmíssima mulher que tinha sido o único
membro do grupo a manter contato com Paul após a separação. A única que conhecia
Buena Village, de todos os aqui reunidos.

Sim, estranho mesmo.

— Esqueça isso, o que vamos fazer? — perguntou Geese, voltando ao ponto original de
nossa conversa. Havia dois círculos. Por qual iríamos prosseguir?

— Rudy, nem mesmo você foi capaz de descobrir, hein? — perguntou Paul.

Balancei a cabeça.

— Infelizmente, não. Eu até estudei isso na escola antes de vir. Perdão, mas não posso
ajudar mais do que isso.

— Então é isso… — Paul cruzou os braços sobre o peito, fechou os olhos e começou a
pensar. Depois de nem mesmo um minuto, ele ergueu a cabeça. — Vamos apenas votar
por maioria e ver onde isso nos leva. Aqueles a favor de ir pelo círculo da direita,
levantem a mão direita. Aqueles a favor do da esquerda, levantem a esquerda.

Cada pessoa levantou a mão ao seu comando. Paul, Elinalise e Roxy votaram para ir
pela direita, enquanto Geese, Talhand e eu votamos para ir pela esquerda. Estávamos
perfeitamente divididos.

— Tsk, não podemos nem decidir. — cuspiu Paul.

— Hum, Pai — disse. — Devo dizer que não tenho certeza se é certo decidir a respeito
disso com o voto da maioria.

— Sim, sim. Alguém mais tem alguma ideia brilhante?

Quando Paul perguntou, Elinalise ergueu a mão.

— Que tal enviar uma pessoa para cada um deles ao mesmo tempo?

— Você está propondo sacrificar alguém?

— Eu e você poderíamos queimar incenso e abrir caminho pelos Demônios Vorazes, se


for preciso. — disse ela, confiante.
Uma pessoa entraria em cada um dos dois círculos ao mesmo tempo, e a pessoa certa
voltaria para nós. Então iríamos imediatamente em busca da outra pessoa e o problema
seria — possivelmente — resolvido.

— Eu me oponho a isso. — disse.

Elinalise disse, surpresa:

— Oh, Rudeus? Por quê?

— Em primeiro lugar, não há garantia de que qualquer uma dessas seja a resposta certa.

Ambos os círculos pareciam aleatórios, ao que tudo indicava. Ambos podem ser
armadilhas, o que significa que todos os três círculos eram armadilhas. Era possível que
os círculos corretos estivessem localizados em uma sala diferente. Reconhecidamente,
isso parecia improvável; o livro dizia que eles vasculharam cada sala em cada piso antes
de passar para o seguinte. Se eu confiasse no autor, este seria nosso destino final.

Mas a posição dos círculos e suas formas… Tudo parecia deliberado. Ilusório.

Algo parecia errado.

Por que alguém faria uma armadilha com cinquenta por cento de chance de sucesso?
Isso não anularia o propósito de ser uma armadilha? Além do mais, se quem criou isso
se deu ao trabalho de preparar um círculo falso de mão dupla, a solução seria realmente
tão simples quanto a um dos círculos de mão única? Se isso era tudo, por que se
preocupar em ter três círculos, para começo de conversa?

Talvez tenhamos perdido uma dica em algum lugar? Não, este não era um jogo de fuga.
Um labirinto não era obrigado a nos dar dicas.

— Bem, Rudeus, então você tem uma sugestão? — perguntou ela.

— Não. — admiti. — Mas eu poderia pedir para você esperar um pouco mais antes de
tomar uma decisão?

Isso pesou em mim. Parecia que havia algo que eu estava esquecendo. E até que
pudesse me lembrar do que era, simplesmente pisar em um desses círculos baseado na
suposição de que era uma chance de cinquenta por cento era muito perigoso. No
momento em que uma pessoa o fizesse, era possível que toda a sala pudesse ser
teletransportada aleatoriamente.

Só se podia atravessar o Labirinto de Teleportação por meio de círculos mágicos.


Talvez houvesse salas que não poderíamos alcançar sem pisar em um círculo aleatório.

— Quero pensar mais um pouco sobre isso. — implorei.

— Tudo bem, Rudy. Vou deixar com você. — Paul acenou com a cabeça antes que
alguém pudesse responder.
Sentei-me na frente dos círculos e comecei a pensar.

Minha premissa inicial foi: todos os três círculos eram trollagem. Com base nisso, três
possibilidades surgiram em mente.

Primeiro, era possível que este não fosse o ponto final do labirinto.

De acordo com o livro, este labirinto tinha uma regra interna própria, e essa regra era
que a rota principal pelo labirinto era composta unicamente por círculos de mão dupla.
Seguindo essa lógica, esse tinha que ser o destino final.

No entanto, a área pela qual Roxy tinha vagado antes era uma seção do labirinto
inacessível caso usássemos apenas círculos de mão dupla. Para voltar ao caminho
principal, tinha-se que encontrar o caminho através de mais de trinta círculos de mão
única na área. Em suma, o verdadeiro fim deste labirinto pode estar localizado além de
um círculo de mão única, embora eu achasse que as chances disso eram pequenas.

Segunda possibilidade: Sem o conhecimento do autor, um dos membros do seu grupo


acionou uma armadilha antes de entrar no portal. O autor presumiu que eles estavam
pisando no portal de mão dupla, mas o que realmente aconteceu foi que outra pessoa
acionou um movimento aleatório, teletransportando todos na sala para um local
aleatório. Portanto, o círculo de mão dupla realmente era o correto.

Nah, não poderia ser isso. Se tal armadilha estivesse presente, certamente Geese teria
notado.

Terceiro: O círculo de mão dupla era na verdade um círculo duplo.

Os portais têm vários formatos diferentes. Talvez existisse um com formato de


rosquinha. Nesse caso, o círculo correto pode estar cercado por um círculo em forma de
rosquinha que na verdade era uma armadilha de teletransporte. Isso era possível, certo?

Em outras palavras, contanto que pisemos bem no centro, em vez de no perímetro,


poderíamos alcançar o próximo piso.

Idiota, não viaja. Quem você pensa que é, algum tipo de detetive de cinema?

A mais provável dessas três possibilidades tinha que ser a primeira.

Em geral, o autor só andou em círculos de mão dupla. Mesmo depois de descobrir os


três tipos diferentes no primeiro piso, ele nunca pisou em um único círculo aleatório ou
de mão única enquanto descia pelo terceiro e quarto piso. Isso foi o suficiente para
trazê-lo até aqui.

Talvez, desse ponto em diante, deve-se prosseguir por círculos de mão única para
chegar ao fim. Mas, se fosse esse o caso, então talvez o caminho que leva à frente não
começa aqui. Talvez estivéssemos simplesmente em um beco sem saída; nesse caso, o
caminho que leva à frente pode começar em algum lugar pelo qual já tínhamos passado.
Por exemplo, pode haver um círculo de mão única no quarto piso que realmente leva ao
ponto final da masmorra.
Droga. As coisas ficaram tão complicadas.

Além disso, a forma como o autor dividiu os “pisos” foi arbitrária, para começo de
conversa. Ele fez isso inteiramente baseado nos monstros ao redor e na aparência da
área. A “regra” única sobre a rota principal através do labirinto que consistiam apenas
círculos de mão dupla pode ter sido uma coincidência completa.

Nossa melhor opção era simplesmente usar a força bruta em nosso caminho,
experimentando cada opção uma por uma? Começar neste andar e passar por cada
círculo de mão única, derrotando todos os monstros que encontramos, tentando
encontrar uma rota diferente? Essa parecia ser a escolha correta.

Mas perceba a atmosfera desta sala. Os membros veteranos do meu grupo entraram e
imediatamente sentiram que o chefe — ou melhor, o guardião — devia estar por perto.
Eu tinha certeza de que aquele lugar tinha que ser especial. Que esta tinha que ser a
última sala neste labirinto.

Não, talvez fosse apenas uma das armadilhas do labirinto. Hmm…

— Simplesmente não há fim para as possibilidades. — murmurei para mim mesmo


enquanto me levantava. Era hora de uma pausa para o banheiro. — Pai?

— O que foi? — Paul ergueu os olhos.

— Eu vou dar uma aliviada.

— Vai dar uma mijada, é? Também vou.

— “Mijada”! — gritei em estado de choque. — Você não pode usar uma linguagem tão
inadequada na frente das mulheres!

— Quem se importa com os modos em um lugar como este?

Qual é, estamos na frente da Roxy. Não posso dar uma bola fora aqui!

Bem, beleza, ela provavelmente não pensaria muito sobre eu indo ao banheiro, mas
ainda assim.

Paul me acompanhou para fora da sala e voltamos para a área onde os cadáveres dos
Demônios Vorazes e os ovos esmagados permaneciam. Lá, nos revezamos para vigiar
enquanto o outro cuidava de seus assuntos.

— Você está sofrendo mesmo aí. — comentou Paul enquanto eu esvaziava minha
bexiga.

— Sim. Ocorreu-me que talvez este lugar não seja a sala final deste piso. Que talvez
haja outra rota. Uma que temos que pegar para chegar ao chefe.

— Nah, não tem como. — Ele balançou a cabeça. — Aquela sala é definitivamente o
lugar certo
— Você está dizendo isso com base no que exatamente?

— Nada.

Em outras palavras, intuição. Ainda assim, era a intuição de um veterano. Não é algo
que eu poderia deixar passar sem levar a sério. Intuição desse tipo pode parecer uma
conjectura infundada, mas na verdade era uma inferência inconsciente baseada na
experiência.

— Bem, não há necessidade de se precipitar. — disse Paul. — Vamos esperar. Se


houver algo sobre o qual você não tem certeza ou que deseja discutir conosco, fique à
vontade. Não tente resolver tudo sozinho, beleza?

— Entendido. — Eu coloquei meu amigo de volta para dentro das calças e troquei de
posição com Paul. Agora que eu estava de guarda, dei uma olhada ao redor.

— Oh, também há outra coisa sobre a qual gostaria de falar com você, Rudy.

— Sim? O que é?

Um breve silêncio.

— Ah, nah. Não é hora para isso agora. Eu vou te contar quando voltarmos para a
pousada.

— O quê? Por favor, não faça isso. Vou ficar nervoso se não me contar. É o tipo de
coisa que chamamos de “death flag”, sabe?

— Que diabos é isso? De qualquer forma, se eu disser agora, só vai mexer com o moral
do grupo.

Inclinei minha cabeça quando ouvi sua voz filtrada por trás. Isso iria bagunçar nosso
moral? Sobre o que diabos ele queria falar, então? Era ansiedade por causa da Zenith?
Ou algo mais poderia deixar as coisas estranhas entre nós?

— Uma reprimenda de algum tipo? — supus, no fim.

— Basicamente, sim. Algo do tipo.

— É verdade que poderia realmente estragar as coisas se eu ficasse deprimido e não


conseguisse manter o foco na batalha. Você pode ficar tão bravo quanto quiser comigo
quando isso terminar.

— Ah, bem, não é como se eu estivesse com raiva. Apenas imaginei que eu lhe daria a
chance de se preparar um pouco.

Assim que voltarmos para a pousada, hein? Eu esperava que pudéssemos resgatar
Zenith antes disso.

— Espero que a Mãe esteja bem. — disse.


— É, eu também.

Com apenas essas poucas palavras, o ar na sala se tornou opressor.

Isso não era bom. Paul devia estar se sentindo desesperado por termos chegado tão
longe e ainda não a ter encontrado. Era melhor manter esse tipo de pensamento para
mim.

Eu escutei o longo e prolongado gotejar de Paul se aliviando enquanto eu inspecionava


a área.

Havia uma sala grande e três menores que estavam cobertas de ovos. Mais adiante,
havia mais uma com os círculos mágicos. Todas as salas menores eram conectadas à
maior.

Algo estava me incomodando.

— Esta sala é muito longa, não é?

— Hm? — Paul grunhiu de volta. — Acho que sim. Por quê?

Tinha uma forma oblonga, embora larga o suficiente e tão abarrotada de cadáveres que
quase parecia quadrada à primeira vista. Uma inspeção mais detalhada revelou que seu
comprimento excedia a largura. Na verdade, era retangular. Em cada extremidade deste
longo trecho havia uma sala anexa, embora seus tamanhos fossem diferentes.

Eu já tinha visto isso antes. Recentemente.

Algo estava estranho.

— Ah!

Então de repente percebi. Isso mesmo, parecia exatamente com as ruínas dos círculos de
teletransporte que usamos para chegar aqui.

— Certo! Vamos voltar então… Uh, Rudy? O que você está fazendo? — Paul me olhou
desconfiado.

Eu dei a ele um olhar de soslaio enquanto corria de volta para os outros membros.

Geese estava sentado com a bunda plantada no chão, não muito diferente da estátua do
Grande Buda, quando gritei para ele:

— Senhor Geese, pode me ajudar um pouco?

— Hm? Você encontrou algo?

— Venha logo. — Eu o arrastei comigo para o centro da sala. — Por favor, procure por
aqui e veja se consegue encontrar uma escada escondida.
— Hã…? Espere, acho que pode ser possível. Não vimos nada além de armadilhas de
teletransporte até agora, mas pode ser que haja uma sala escondida ou algo assim.

Geese, tendo se convencido sem qualquer intervenção minha, ajoelhou-se e começou a


vasculhar. Ele pôs sua orelha no chão, o rosto tenso. Então retirou sua espada curta e
começou a bater com o punho no chão.

— Ei… Está aqui. Está aqui! — exclamou ele. — Chefe, há uma caverna aqui embaixo!

— Você consegue abrir?

— Me dê um segundo. — Geese começou a mexer no chão. Ele seguiu em direção à


parede, suas mãos roçando a superfície enquanto avançava. Então voltou até mim —
Nada bom. Não consigo abrir. Provavelmente é algo que precisa ser aberto à força.

— Não haverá problemas se quebrarmos, certo?

— Nah. Não há armadilhas. Tudo bem, Chefe, vamos lá. Mire bem aqui. — disse Geese
enquanto esculpia um X no chão.

Liberei meu Canhão de Pedra na área apropriada. A bala de terra foi desviada com um
estrondo retumbante, deixando o chão abaixo dela arranhado.

Me segurei demais?

— Um pouco mais forte do que isso. — disse Geese. — Você consegue, certo?

— Sim.

Aumentei a potência e dei outro tiro. Desta vez, um estrondo muito mais alto ecoou
pelos corredores enquanto o chão desabava, deixando um buraco em seu rastro.

— Tudo bem, deixe o resto comigo! Geese caiu imediatamente de joelhos, limpando os
escombros.

Agora que havia um buraco no chão, o resto foi fácil. Não demorou muito para alargar a
cavidade, transformando-a em uma abertura quadrada. Abaixo dela, escadas caíam em
cascata na escuridão.

— Incrível! Só podia ser você mesmo, Chefe. Nem acredito que descobriu.

— Bem, já vi esse tipo de layout antes. — admiti.

As ruínas ao redor do círculo de teletransporte que usamos para chegar aqui tinham três
salas vazias dentro delas, e mais uma com uma escada. Suspeitei que a quarta sala um
dia parecera tão simples quanto o resto. Talvez as escadas que levavam ao círculo de
teletransporte uma vez tenham sido escondidas, assim como estas. Na época em que as
ruínas ainda estavam em uso, cada cômodo deve ter sido mobiliado, tornando
impossível localizar a escada oculta com um simples olhar. Talvez o motivo de estar tão
visível agora fosse porque a cobertura enfraqueceu com o passar dos anos, ou alguém a
destruiu.

— Beleza, pessoal, o Chefe encontrou uma escadaria escondida!

Ao som da voz de Geese, os outros membros se levantaram. Eles vagaram e


examinaram as escadas, ofegando de espanto.

— Gahaha! Sabia que você poderia fazer isso! — Talhand gargalhou, batendo a mão
nas minhas costas.

— Ai.

— Esse é o meu filhão! — declarou Paul em voz alta, seguindo o exemplo do anão com
um tapa de sua autoria.

— Ai. — eu disse novamente.

— Isto faz sentido. Parece que me lembro das ruínas do círculo de teletransporte serem
parecidas. — Elinalise também me deu um tapa.

— Urgh…

— Não fique muito animado. Pode haver armadilhas. Chefe, passa-me três de seus
pergaminhos. E aqui está! — Geese disse, também dando um tapa.

—…

Quando olhei por cima do ombro, vi Roxy com sua mãozinha levantada no ar. Nossos
olhos se encontraram, os dela olhando de baixo, e sua mão parou suavemente nas
minhas costas, mal roçando em mim.

— Pronto — disse ela. — Você fez um bom trabalho. — Sua expressão estava tingida
de decepção, como se não conseguisse engolir o sucesso de seu aprendiz. Cada um dos
meus atos estava diretamente ligado a ela, então não vi a necessidade dela se sentir
irritada.

É isso, decidi, se a notícia deste momento se espalhar, vou me gabar de que na verdade
foi Roxy quem me deu a dica!

— Tudo bem, vamos indo. Fiquem atentos. — disse Geese.

— Pode deixar! — Todos acenaram com a cabeça juntos.

Ao pé da escada havia um círculo de teletransporte — um tipo de mão dupla. Um que


era de um profundo vermelho sangue.
Cap. 08 – O Guardião do Labirinto de
Teletransporte
Até este momento, todos os círculos de teletransporte emitiam uma luz pálida, mas este
era vermelho. A cor que sinalizava perigo. A frase “zona vermelha” surgiu em minha
mente.

— É aqui, depois disso — murmurou Paul.

Isso, com certeza, era sua intuição falando. Mas sobre o que se referia? A prisão de
Zenith? O guardião? Independentemente do que fosse, me senti estranhamente
confiante. Confiante de que a parte final deste labirinto estava à nossa frente.

— O que vamos fazer, Paul? Ainda temos suprimentos, mas podemos voltar, caso
queira — disse Geese.

Passamos com facilidade pelo sexto piso. Os Demônios Vorazes foram praticamente
nada graças à raiz de Talfro. Não usamos muito de nossos suprimentos; ainda
estávamos completamente abastecidos. Conseguiríamos continuar. Além disso, tivemos
tempo de sobra para descansar na sala anterior.

— Não, vamos continuar. Todos, chequem seus equipamentos.

— Entendido.

Após ouvirmos a decisão de Paul, todos nós sentamos no chão e começamos a examinar
nossos equipamentos.

— Venha, Rudy, você também.

A pedido de Roxy, eu me sentei. Retirei tudo que carregava em minha mochila e


alinhei-os no chão para fazermos um levantamento do que tínhamos. Não que eu
estivesse carregando muita coisa. Tudo que eu tinha eram alguns pergaminhos de
espíritos.

— Quer alguns dos meus pergaminhos? — Roxy tinha escondido alguns em sua
mochila apenas para o caso de necessidade. Tinha magia de nível avançado neles. Ela
conseguia lançar feitiços relativamente rápido, graças aos seus cânticos encurtados, mas
magia de nível avançado exige encantamentos um pouco longos. Havia uma obrigação
com o tempo do cântico e isso demoraria muito. Esses eram seus trunfos.

— É uma boa ideia. Posso pegar alguns dos seus de cura?

— Claro.

Eu conseguia usar magia sem recitá-la, então não precisava de pergaminhos de nível
avançado. Magia de cura, no entanto, era outro caso. Seria bom tê-los no caso de minha
garganta ou meus pulmões serem destruídos, igual no passado.

Roxy me passou eles e eu os fechei e enfiei em meu robe. Se não os usasse, poderia
apenas devolvê-los depois. Na verdade, gostaria de levar um para casa e pedir para
Nanahoshi ou Cliff recriar para mim.
Espera, fazer cópias sem permissão era proibido, não era? Embora eu não achasse que
seria pego, já que era somente para uso pessoal.

— Não tenho ideia de que tipo de guardião iremos enfrentar, mas temos poder de fogo o
suficiente. Vou me esforçar ao máximo para te auxiliar, assim você nem vai precisar
usar esses pergaminhos — disse Roxy.

— Por favor. Posso ser um pouco covarde às vezes, então, por favor, me ajude se eu
precisar.

— Claro. Pode contar comigo — Roxy bateu o punho em seu peito pequeno. Era
reconfortante ouvi-la dizer isso.

— Rudeus, Roxy. — De repente Elinalise jogou algo para nós.

Após pegar o objeto que voou para minha mão, percebi que era uma pedra do tamanho
de uma bolinha de gude. Um dos vários cristais imbuídos em magia que Elinalise
carregava consigo.

— Se ficar sem mana, use — ela disse.

Eu olhei para ela.

— Tem certeza?

— Estou apenas te emprestando. Se não usar, devolva depois.

— Ah, claro. Entendi.

Não era incomum que um mago ficasse sem mana quando explorasse um labirinto.
Normalmente, o grupo iria recuar em tal situação. Esse era o motivo pelo qual
derrotavam todos os inimigos que encontravam, para que pudessem recuar, repor as
energias, e prosseguir novamente.

Quando se tratava de lutar contra um guardião, por outro lado, ouvi que havia casos que
não era possível fugir. Aparentemente, poderia até mesmo se encontrar preso em um
local parecido com uma arena, incapaz de sair até derrotar a criatura.

O círculo vermelho em nossa frente parecia um círculo de mão dupla. Mas podia ser
que, na verdade, fosse de uma só mão. Nesse caso, precisaríamos de alguma forma de
recuperar nossa mana uma vez que entrássemos.

— Certo, estão todos prontos?

Nos reunimos de pé ao som da voz de Paul. Olhei para os rostos de todos e percebi que
suas expressões estavam tensas. Eu também precisava fazer uma cara séria.

— Rudy. — Paul se virou para mim.

— O que foi?
— Me sinto mal por te falar isso em um momento como esse, mas…

Ali estava. Uma death flag.

— Então, por favor, não diga. — Eu o interrompi.

— Ah, tá. — Paul parecia desanimado. Talvez aquilo tivesse afetado um pouco o seu
moral. Mas eu não podia deixar ele dizer algo importante antes de nossa batalha final.
Tudo que tivesse para dizer, poderia me dizer depois que voltássemos para casa.

— Certo, então vamos!

Trocamos olhares uns com os outros e pulamos para dentro do círculo ao mesmo tempo.

A área para que fomos teletransportados era vasta. Parecia com um salão de recepção de
um palácio, modelado em uma forma oblonga do tamanho de um campo de beisebol.
Havia pilares grossos nos cantos da sala e o teto era tão alto que tinha que dobrar o
pescoço para trás para vê-lo. O chão abaixo de nossos pés estava coberto com azulejos,
cada um tinha seu próprio padrão complexo gravado nele, formando um relevo. Se eu
tivesse que escolher uma única palavra para descrever o local, “majestoso” serviria.

— Uou…!

Tinha um monstro localizado nas profundezas desta estrutura cinza semelhante a um


palácio. Um enorme, aproximadamente com o dobro do tamanho de um wyrm
vermelho. Mesmo de longe, pude ver o brilho de suas escamas verde-esmeralda, bem
como seu corpo curto e robusto, e as várias cabeças que saíam dele.

— Uma hidra? Sério? Nunca vi uma dessas antes — murmurou Geese, suas palavras
sacudiram minha memória.

Verdade, esse tipo de criatura era chamado de hidra. Era um enorme dragão com nove
cabeças.

— Lá está ela!

Isso, no entanto, não foi onde os olhos de Paul, ou até mesmo os meus, focaram.

Lá, um pouco além da hidra, dentro da sala que ela estava protegendo, havia um único
cristal imbuído magicamente. Um com um tamanho magnífico, verde e com espinhos
que se espalhavam para fora. Nunca vi nenhum desse tamanho. Era completamente
diferente dos de tamanho de bolinha de gude que Elinalise carregava consigo.

Não que isso importasse. Não, o tamanho era irrelevante. Mais importante era o que
estava preso lá dentro: minha mãe.

Lá estava ela, envolvida pelo cristal.

— Zenith! — gritou Paul.


Eu estava completamente confuso. Por quê? Como isso aconteceu? Como ela ficou
presa dentro daquele cristal? Antes que pudesse expressar minhas dúvidas, Paul já
estava com uma espada em cada mão e avançando.

A hidra gentilmente ergueu seus pescoços com formato de foice.

— Seu imbecil! Não corra para lá! — vociferou Geese.

— Tsk…! — Elinalise estalou a língua e correu atrás dele. Talhand saiu cambaleando
atrás dela.

Ela não conseguia alcançá-lo.

— Irei dar cobertura! — gritou Roxy.

Finalmente voltei aos meus sentidos e estendi meu cajado em direção à hidra. Primeiro
tínhamos que derrotar nosso oponente.

Vou derrubar esse monstro em um só golpe!

Carreguei meu Canhão de Pedra com a mesma potência que deixou até mesmo um Rei
Demônio em pedaços.

— Punho silencioso do gigante de gelo, Estrondo de Gelo! — Roxy recitou um


encantamento de nível intermediário e entrou na batalha. Um bloco de gelo maciço foi
lançado em direção à criatura, passando perto de Paul antes de…

Piiing!

Um som de rangido, como unhas em vidro, cortou o vento.

Roxy, surpresa, arregalou os olhos.

— O quê?!

A hidra estava completamente ilesa.

Era resistente ao gelo? A possibilidade cruzou minha mente por uma fração de segundo,
mas Paul já estava quase chegando na localização da criatura.

— Canhão de Pedra! — Lancei meu feitiço. O projétil de pedra perfeitamente polido


assobiou pelo ar. Passou um pouco acima da cabeça de Paul, enquanto ele estava a
poucos passos da enorme serpente.

Piiing!

De novo, o barulho ensurdecedor.

— Foi refletido?! — Fiquei sem ar, incrédulo.


A criatura não conseguiria ter desviado. Meu canhão com certeza deveria ter atingido. O
tiro foi certeiro, sabia que foi, estava certo disso.

Mas lá estava a hidra, imponentemente de pé, como se não tivesse sentido nada. Com
sequer um arranhão.

— Gruoaaaaah! — O grito de guerra do Paul foi tão feroz que chegou até mesmo aos
meus ouvidos.

A hidra moveu a cabeça como uma cobra, atacando Paul conforme ele se aproximava.
Ele foi perspicaz e preciso para desviar, movendo-se somente o necessário. No próximo
momento, a cabeça da serpente estava dançando no ar. A espada na mão esquerda de
Paul a transpassando. Sua velocidade era impressionante.

Então, por um momento, o corpo de Paul ficou turvo. Foi tão rápido que nem mesmo
meu Olho da Previsão conseguiu acompanhar. Sangue jorrou de um dos pescoços da
hidra. Novamente, a espada na mão esquerda dele cortou a carne dela, ainda que sua
espada não tivesse o tamanho necessário para decapitar totalmente a criatura.

Ele virou seu corpo, aproveitando a força centrífuga para cortar de novo. Um dos
pescoços da serpente, que estava murchando, caiu no chão.

— Shaaaa!

Em um instante, ela perdeu duas cabeças.

Infelizmente, hidras tinham várias cabeças. Então as outras apareceram chicoteando


pelo ar, cercando Paul por todas as direções. Ele recuou um passo para tentar conseguir
alguma distância, mas o tamanho de seu passo não foi suficiente para escapar do
alcance da hidra.

— Paul! — Elinalise finalmente o alcançou. Ela levantou seu escudo e estocou para
frente com sua arma. Uma onda de choque repercutiu pelo ar.

Piiiing!

De novo. Aquele som.

A hidra continuou perseguindo Paul, como se não tivesse notado o ataque.

— Velozes correntezas lamacentas, jorrem adiante! Dilúvio Instantâneo! — O


encantamento de Roxy conjurou água diante de Paul, empurrando-o para um lugar
seguro e fora do alcance da hidra.

Conforme ele girava, cambalhotando pela água, Elinalise imediatamente avançou para
cobri-lo. Atrás deles, Talhand derrapou até parar e começou seu próprio encantamento.

Apesar de um pouco irregular, nossa formação agora tinha sua vanguarda, seu meio e
sua retaguarda de sempre. Ainda assim, o que o resto de nós deveríamos fazer? Os
ataques de Paul estavam acertando, mas meu Canhão de Pedra foi desviado. A magia de
Roxy também. Deveria tentar fogo na próxima vez? Ou vento? Mas não havia garantia
de que Paul e os outros não seriam pegos no impacto.

O que eu deveria fazer?

— Coluna de Terra! — Talhand finalmente completou seu encantamento, Ele estava


usando magia de terra.

Uma rocha apareceu acima da hidra e despencou em sua direção.

Piiiing!

De novo, o mesmo som.

Pouco antes do impacto, a enorme rocha se despedaçou em pó e desapareceu. E teve


aquele som de novo. Aquele som penetrante e agudo que anulava magia quando ecoava
pelo ar.

— Magia não funciona contra essa coisa?! — gritou Talhand.

Merda, o que deveríamos fazer? Continuar tentando? Ou deveríamos recuar por


enquanto?

O que eu deveria fazer?

Roxy de repente ergueu sua voz ao meu lado, aflita:

— Rudy, olhe! Está se curando!

Olhei a tempo de ver um dos tocos, onde Paul cortou a cabeça, começando a se
expandir, carne e músculo se unindo novamente. O outro pescoço fez o mesmo logo
depois.

Estava se regenerando.

Isso significava que apenas cortar seus pescoços fora não seria o suficiente para causar
um dano considerável nela.

— Vamos recuar! — gritou Roxy, mas sua voz não alcançou Paul.

Ele estava soltando ferozes gritos de guerra enquanto obstinadamente cortava a hidra
com sua espada. Seu estilo estava tão descuidado que estava colocando Elinalise, a qual
estava agindo como seu suporte, em perigo.

— Geese! — gritou Talhand.

Geese avançou, passou correndo por Talhand e se apressou atrás de Paul. Ele agarrou
algo em sua mão e lançou-o na hidra.

Po-pow!
Uma explosão soou. Uma fumaça densa se propagou, tendo a hidra como seu centro.
Uma bomba de fumaça?

Geese gritou algo enquanto enlaçava seus braços por baixo dos de Paul, o segurando por
trás. No entanto, só ele não era o suficiente para segurar Paul. Em segundos, o último
estava próximo de se soltar até Elinalise bater em sua cabeça com seu escudo.

— Ah…!

Geese o soltou, falou algumas palavras que não consegui entender e Paul começou a se
apressar de volta para nós.

— Rudeus! — chamou Elinalise, e então meu corpo se moveu.

Foquei toda a mana que pude em minhas mãos, conjurando uma névoa branca densa no
espaço vazio entre Paul e a hidra. Uma cortina de fumaça. Através dela, conseguíamos
ouvir os estrondos da criatura se aproximando, mas, felizmente, não era tão rápida. Paul
e os outros puderam voltar até nós.

— Rudy, vamos recuar. De volta para o círculo mágico! — disse Roxy.

— Sim, Mestra!

Conduzi o caminho e pulei para o círculo de teletransporte.

Todos voltaram em segurança para o outro lado: Roxy, Talhand e Geese, assim como
Paul, o qual estava bufando. E então, finalmente, a Elinalise que estava ferida apareceu
atrás dele. Sangue estava escorrendo de um ferimento sofrido em seu ombro.

— Está bem? — perguntei.

— É só um arranhão.

Um pedaço considerável foi cortado fora dela. Estranho, já que não me lembrava de ela
levar algum ataque.

Ela explicou:

— As escamas me cortaram. — Aparentemente, a camada exterior era bem afiada.

Nível básico de magia de cura foi suficiente para fechar o ferimento sem deixar nem
mesmo um arranhão para trás. O mesmo ferimento iria necessitar de vários pontos no
meu mundo anterior. A magia deste mundo com certeza era conveniente.
— Obrigada — disse Elinalise.

Agora vinha o problema de como lidar com a origem de seu ferimento: a hidra.

Paul se sentou em frente ao círculo mágico. Ele fixou seu olhar nele, intenção assassina
estava vazando de seu corpo como uma nuvem venenosa.

Eu o chamei:

— Pai?

— Aquela era Zenith. Tenho certeza disso — ele disse. Seus olhos nem mesmo
perceberam o ferimento de Elinalise. Contudo, ela era nossa tanque, então poderia dizer
que ser ferida era apenas parte de sua função. Ainda assim…

— Por favor, acalme-se um pouco — pedi.

— Sim, aquilo foi minha culpa. Já estou bem. — A voz de Paul estava baixa. Ele estava
calmo, mas não estava racional. A frase “calmaria antes da tempestade” me surgiu à
mente.

Não havia muito que eu pudesse fazer. Ele estava certo; aquela era Zenith. Mesmo de
longe, consegui instantaneamente dizer que era ela. Tinha certeza que Paul também não
se enganaria sobre algo assim. A pessoa presa dentro daquele cristal imbuído em magia
era Zenith, certeza.

Mas por que raios que ela estava presa lá?

Não, a razão não importava. Havia diversas possíveis explicações. Talvez quando o
Incidente de Teletransporte aconteceu, ela foi enviada para dentro do cristal. Era raro
que tal coisa ocorresse, mas raro significa improvável, não impossível.

Mas, espera, Geese não nos contou que ela tinha sido encontrada por aventureiros? A
palavra que ele usou foi “capturada.” Espera um pouco. Isso significava que Geese
sabia em que tipo de condição ela estava…?

Não, impossível. Não podia ser.

Não ajudaria em nada o interrogar sobre o embasamento de sua informação. Poderia o


pressionar por respostas depois, após isso acabar. Esse não era o problema iminente.

— Me pergunto se ela continua viva lá dentro… — suspirei, falando minhas


preocupações.

— O que é isso?! — Paul saltou para ficar de pé e me segurou pelo colarinho. — Não
importa se está viva ou não!

— Tem razão. — Ele tinha um ponto. Foi inapropriado de minha parte dizer isso.
As chances de sobrevivência da Zenith sempre foram quase nulas, para começo de
conversa. Até mesmo considerei a possibilidade de não acharmos nem o corpo, talvez
nada além de uma lembrança, algo que deixou para trás. Poderíamos pelo menos nos
agarrar àquilo em nosso luto, se ela realmente estivesse morta.

Pode-se dizer que encontrá-la desta forma, com seu corpo inteiro, era bem melhor do
que poderíamos esperar.

— Chega de briga! — Geese perdeu a paciência.


Mas Paul só aproximou seu rosto do meu, como se estivesse me intimidando.

— Rudy. Ela está lá. Zenith está lá, sua mãe! Como consegue ficar tão calmo?

— Preferiria que eu entrasse em pânico? Como perder minha compostura resolveria


algo?

— Não é disso que estou falando! — vociferou ele em resposta.

Eu sabia o que queria dizer. Verdade, talvez eu estivesse sendo um pouco


racional demais. Minha atitude certamente não era apropriada para uma criança que
encontrou sua mãe que estava desaparecida há seis anos.

Mas, bem, não tive muito contato com Zenith desde que era uma criança. Não tinha uma
sensação tão grande de ela ser minha mãe. Na verdade, era mais como se fosse uma
pessoa que por acaso tinha vivido conosco. Afinal de contas, deixei a casa deles quando
tinha sete anos e não a via há quase dez.

Então, talvez a culpa não fosse inteiramente minha por ter uma reação morna.

— Por enquanto, vamos tentar entender a nossa atual situação — falei.

— Hã?!

Ignorei o resmungo de Paul e comecei a falar naturalmente:

— Nossa magia não funcionou naquele guardião. Ele tem habilidades regenerativas
incríveis e sua força ofensiva é tão avassaladora que conseguiu quebrar as defesas da
Senhorita Elinalise apenas raspando nela. Então tem minha mãe, a qual está presa
dentro de um cristal. Falando francamente, não sabemos se está viva ou não.

— Vai se ferrar! Eu já sei disso! Estou dizendo que essa não é a atitude que se deve ter
quando finalmente a encontramos! — disse Paul.

Geese interrompeu novamente:

— Já te falei, para com isso! Vocês podem brigar quando voltarmos para a pousada! —
Nessa hora ele afastou Paul de mim à força.

Paul resmungou baixo conforme se sentava no chão:

— Droga, cansei disso.

Ele já entendia a situação, não precisava que eu falasse para ele. Era só que não
suportava a minha atitude. Até eu mesmo concordava que estava sendo muito
insensível, mas não conseguia controlar isso. O que ele queria que eu fizesse?

Elinalise bateu palmas.

— Tudo bem, chega de briga. Agora vamos discutir!


Paul e eu tomamos nosso precioso tempo juntando-nos a eles em seu círculo no chão.
Roxy parecia um pouco agitada enquanto olhava para nós dois. Parecia que eu a
preocupava.

— Estou bem. — Assegurei.

— Tem certeza…?

Não era a primeira vez que algo assim acontecia entre nós. Uma vez que as coisas
fossem resolvidas, Paul iria recuperar o juízo. Tinha certeza de que também sentiria
algo, uma vez que Zenith estivesse segura e eu pudesse ouvir sua voz novamente.

Isso. Tinha que ser isso. As coisas só saíram um pouco fora dos eixos; era somente isso.

— Ahem. — Roxy pigarreou. — Bem, sobre Zenith estar cristalizada, acho que há algo
que podemos fazer sobre isso — disse ela, parecendo um pouco mais animada que o
normal.

— Sério?! — Paul pareceu aliviado.

— Sim. Ocasionalmente ouvi sobre lendas de poderosos itens mágicos presos em


cristais mágicos. Assim que derrotarmos o guardião, o cristal vai se liquefazer e
conseguiremos retirá-la de lá. Ou ao menos é o que dizem as histórias.

Isso não era algo que eu tinha ouvido antes. Ainda assim, foi dito pela Roxy. Tinha
certeza que ela não inventaria coisas.

— Sim, eu sei do que está falando. — Elinalise entrou na conversa. — Conheço uma
pessoa que já esteve como Zenith está e continua viva.

—…

Isso só podia ser mentira. Elinalise era o tipo de pessoa que tranquilamente inventa uma
história nesses momentos. Não podia culpá-la por dar o seu melhor para aliviar a tensão,
mas um precedente não significava que Zenith ficaria bem.

Não que eu precisasse dizer isso. Todos já sabiam.

— Nosso problema é aquele guardião. — Ela continuou, a primeira a caminhar para o


real problema. — Honestamente, nunca vi um monstro daqueles antes.

Geese continuou:

— Nem brinque. Posso dizer só de olhar que é uma hidra, mas nunca ouvi falar de uma
com escamas verdes.

— Não só isso, a coisa também consegue se regenerar. — Talhand tinha um olhar


preocupado em seu rosto e estava com as mãos cruzadas em sua frente.
A hidra era um tipo de dragão. Um lobo solitário com várias cabeças, sua força
incomparável. Até onde eu sabia, elas deviam habitar em uma parte do Continente
Demonio. Havia três espécies atualmente confirmadas, separadas pelas cores de suas
escamas: brancas, cinzas e douradas. Não havia nenhuma hidra com escamas verdes.

— Provavelmente é uma Hidra de Mana — disse Roxy. — Li sobre ela em um livro. É


um dragão infernal cujo corpo inteiro é coberto de escamas de pedra mágica que
absorvem mana. Foi descoberta durante a segunda Grande Guerra Humano-Demônio e,
de acordo com o livro, foram aniquiladas quando o continente foi dividido. Eu tinha
certeza de que não era nada além de conto de fada, mas… parece ser real.

Absorção de mana… Isso significava que toda mágica era inútil contra ela?

Apenas para ter certeza, perguntei:

— Está dizendo que nós não seremos capazes de causar nenhum dano?

— Se o que li for verdade, deve conseguir atingi-la com seus feitiços desde que os lance
à queima-roupa — respondeu Roxy.

— A queima-roupa…

Aquela coisa era enorme. Sem mencionar que iria fatiar qualquer um igual um ralador
de queijo caso entrasse em contato com seu corpo. Ela estava me dizendo para colocar
minha mão diretamente contra aquilo e tentar lançar meus feitiços? Poderia perder todos
os meus dedos.

— Ainda vai se reviver mesmo se conseguirmos dar dano — murmurou Talhand. — O


que deveríamos fazer sobre isso?

Elinalise concordou.

— Sua capacidade de se regenerar realmente é um incômodo.

— Mas a maldita não deve ser invencível — insistiu o anão.

A hidra podia se regenerar, o que não era nada surpreendente para mim. Até onde sabia,
isso era senso comum.

— Cortamos suas cabeças fora e ela as regenerou. Como podemos derrotar algo assim?

Roxy também queria saber.

Eu, entretanto, não conseguia considerar aquilo um adversário invencível, ainda que
soubesse que conseguia se regenerar. Por quê, me pergunta? Por causa do meu
conhecimento da minha vida anterior.

— Ouvi falar que se queimar o toco de onde a cabeça foi cortada, ela não será capaz de
se regenerar — contei o conto mítico de Hércules. Ele lutou contra a hidra. De acordo
com as histórias, usou uma tocha para cauterizar as feridas abertas depois de decapitá-
la, para impedir sua recuperação.

Honestamente, era só um mito, uma história. Não tinha muita credibilidade.

Entretanto, isso não importava para os membros do meu grupo. A reação deles foi
positiva.

— Então é isso. Só queimar as feridas abertas!

— Não trouxemos tochas, mas ela não será capaz de refletir magia se atingirmos onde
está ferido. — Elinalise entrou na conversa.

— Acho que vale a pena tentar.

Eu não tinha ideia do quão similar a hidra deste mundo era com a do meu mundo
anterior. A hidra dos mitos aparentemente tinha uma cabeça imortal, mas, talvez, por
mais improvável que pareça, poderíamos derrotar esta simplesmente queimando todas
as suas cabeças. Eu não queria ser muito otimista, mas era uma criatura viva. Coisas
vivas podem ser mortas.

— Certo, então vamos tentar isso. — Geese concordou e, com isso, nossa estratégia
estava definida.

Minha proposta não garantia o sucesso, então, de qualquer forma, não havia qualquer
garantia de vitória.

Francamente, senti que nossa melhor opção era voltar para a cidade. Embora seja
verdade que praticamente não usamos nossos suprimentos, tínhamos um inimigo
complicado pela frente. Talvez fosse conveniente nos prepararmos para lutar contra esse
chefe. Poderíamos até mesmo contratar alguém especialmente para lutar contra a hidra.
Eu não fazia ideia de quantos espadachins por aí conseguiriam fazer um corte limpo no
pescoço de uma hidra, mas com o número de aventureiros em Rapan, tinha certeza de
que conseguiríamos encontrar pelo menos um.

—…

Mas eu sabia que Paul não permitiria isso. Em seu estado atual, se eu sugerisse
voltarmos, ele poderia insistir em desafiar a besta sozinho. Além disso, mesmo se
voltássemos, eu não conseguia nos ver sendo sortudos o suficiente para encontrar itens
especificamente para derrotar uma hidra ou mercenários para contratar.

Tínhamos uma contramedida. Tínhamos o número necessário de pessoas. Portanto,


tínhamos que seguir para a batalha.

— Ei, Paul. Está de acordo com isso? — perguntou Geese.

— Sim…
— Essa não é uma boa resposta. Está ouvindo? Você é o único que consegue cortar a
cabeça daquela coisa fora.

Era possível que Elinalise e Talhand conseguissem danificar as escamas da criatura,


mas não conseguiriam atravessá-la. Paul tinha que decepar e, como o único que
conseguia usar magia sem cântico, eu tinha que ser a pessoa que cauterizaria a ferida
aberta. A divisão de tarefas era crucial.

Dependendo da situação, eu teria até mesmo que diminuir a distância e fazer isso à
queima-roupa. Mesmo que estivesse mirando no toco restante do pescoço, havia uma
grande chance de que as escamas que o cercam anulassem minha magia. Se isso
acontecesse, os outros teriam que agir como iscas para desviar os ataques direcionados a
mim. Roxy iria curá-los se levassem algum dano.

Essa foi a forma como dividimos nossas tarefas. Era dessa forma que deveria ser.

Claro, ataques inevitavelmente ainda viriam em minha direção. Eu estava em uma


posição muito perigosa.

— Fuu… — Paul expirou e olhou para todos nós. — Elinalise, Talhand, Geese e
Roxy… — Conforme chamava seus nomes, todos se viraram para olhar para ele. —
Todos vocês me ajudaram muito até agora. Anos se passaram desde o Incidente de
Deslocamento. Vocês cruzaram o Continente Demônio por mim, procuraram Rudy nos
Territórios Nortenhos por mim, foram mais longe do que eu jamais imaginei.

Todos os quatro o observavam em silêncio, de uma forma que pareciam dizer: Se


apresse e fale logo.

— Mas agora isso acabou. Nós vamos salvá-la… ou, assumindo que não esteja viva,
pelo menos será esclarecido para toda a minha família. Esse é o fim. Por favor, me
emprestem suas forças pela última vez.

Todos os quatro sorriram e concordaram.

— Não é do seu feitio agir tão humilde — disse Elinalise. — Mas entendo. Vou dar
tudo de mim.

— Hunf, não há um idiota aqui que diria não depois de chegar tão longe — disse
Talhand.

Geese se juntou na conversa:

— Você com certeza se acalmou com o passar dos anos. Bem, não é como se eu fosse
ser de muita ajuda, mas ainda farei o que der.

— Vamos vencer — disse Roxy com um punho levantado. — Seremos recompensados


por nossos esforços após clamarmos a vitória.

Comovido por suas palavras, Paul parecia sufocar as lágrimas enquanto fungava. Mas
ele não nos deixou vê-lo chorando. Ao invés disso, se virou para mim.
— Rudy. — Ele gaguejou, mas pude ver a determinação em seus olhos. — Você…
Você realmente se tornou um filho confiável.

— Pode me bajular após derrotarmos a hidra.

— Não é bajulação. Estou falando sério — disse Paul, deixando uma risada
autodepreciativa escapar. — Não consigo ser calmo como você. Também não consigo
ter boas ideias. Sou só um idiota que se joga de cabeça sem pensar. — Ele continuou,
seus lábios estavam torcidos como se fosse ranger os dentes. — Sou um pai terrível.
Não consigo nem mesmo ser um bom exemplo para meu filho.

Sua voz pesava com convicção. Ele me encarou com força, seus olhos tão focados que
senti como se estivesse me perfurando com o olhar.

Determinação; essa era a palavra. Paul estava cheio de determinação.

— Com isso em mente, irei te dizer isso. Sei que não é algo que um pai deva dizer, mas
vou dizer mesmo assim.

— Tudo bem — falei, retribuindo seu olhar. Eu sabia o que ele queria dizer, mais ou
menos.

— Salve sua mãe, mesmo que isso te mate — ele falou.

Isso era um pai falando com seu filho.

Mesmo que isso te mate.

Isso com certeza não era algo que um pai deveria dizer. Teria sido melhor se, na pior
das hipóteses, tivesse me dito: “Irei salvá-la mesmo que isso me mate.”

Mesmo assim, não achei que foi um pai cruel por dizer isso. Esta era a convicção dele,
sua confiança em mim. Paul pretendia fazer o que disse: iria salvá-la mesmo que
custasse sua vida. E ele pensou em mim como um igual. Acreditou em mim. Me viu
como um adulto. Foi por isso que disse o que disse.

Tudo que restava era a minha resposta.

Nós vamos salvar Zenith. Para esse propósito, Paul e eu compartilharíamos da mesma
determinação.

— Sim…! — Eu assenti firmemente e Paul balançou sua cabeça. Não tive certeza, mas
achei que parecia feliz.

— Certo, então vamos! — disse ele, incitando todos a ficarem de pé.

Nossa revanche contra a hidra estava para começar.


Cap. 09 – Combate Mortal

A hidra fez uma pose imponente, nos esperando naquela sala espaçosa. Atrás dela havia
um cristal imbuído magicamente. Não tinha um pingo de dúvida em minha mente de
que quem estava selada lá dentro era, de fato, Zenith.

— Certo, vamos lá! — Paul avançou. Ele se abaixou até ficar perto do chão, parecendo
um cachorro, e se moveu como o vento, à uma velocidade que fez o resto de nós comer
poeira. Exceto que, desta vez, Elinalise estava bem atrás dele. Atrás dela estava o lento
Talhand. Nos igualamos ao seu ritmo conforme avançávamos.

Geese estava de prontidão atrás de nós. Ele seria inútil nesta batalha, considerando que
não conseguiria ferir o monstro. Mesmo assim, ele ficou. Seu dever era escapar e dizer
para os outros o que aconteceu caso nosso grupo falhasse e fosse dizimado.

— Haaaaaaa!

Paul alcançou a hidra. No mesmo instante, três das cabeças dela se moveram para
atacar. A besta era rápida para seu tamanho, ágil e hábil o suficiente para que cada uma
de suas cabeças parecesse uma cobra atacando.

Mas, então, Paul se tornou um borrão e, nesse momento, cortou um dos pescoços da
criatura.

Certo, agora!

— Bola de fogo! — Levantei meu cajado e coloquei toda mana possível nele,
preenchendo as chamas com calor antes de lançá-las na hidra.

Mas foi em vão.

Quanto mais próxima a bola de fogo chegava de seu alvo, mais diminuía. Ela
desapareceu no momento em que acertou. A única coisa deixada para trás foi o barulho
desagradável, como unhas arranhando algum vidro: Piiiing.

— Acho que vou ter que chegar mais perto e lançá-la diretamente, — suspirei. Eu tinha
que lançar minha magia de fogo à queima-roupa para cauterizar os tocos de seus
pescoços.

— Como planejado — disse Roxy. — Rudy, você consegue?

— Deixe comigo. Não é como se magia fosse a única coisa que estive praticando. —
Assegurei para ela, mesmo com meu coração martelando.

Eu não era bom no corpo-a-corpo. Todas as minhas memórias de combate a curta


distância estavam manchadas de derrota: começando por Paul, partindo para Ghislaine,
então Eris e, finalmente, Ruijierd. Nunca fui capaz de vencer nenhum deles a curta
distância. Claro, já ganhei batalhas antes: contra Linia, Pursena e Luke. Também houve
outros os quais derrotei com a ajuda do meu Olho da Previsão. Mas algum deles
conseguiria derrotar uma hidra?

Não, não consegui imaginar isso, principalmente quando Paul e Elinalise estavam tendo
dificuldades. Do mesmo modo, não faria sentido pensar que eu conseguiria ganhar dela.

Mas eu não estava lutando sozinho dessa vez. Tinha um time. Paul, Elinalise e Roxy
estavam comigo. Não sabia a extensão do poder de Talhand, mas se fosse semelhante ao
dos outros, ele também se provaria útil.

Me movi o mais rápido que pude, ficando próximo do Paul.

— Rudy, fique logo atrás de mim! — Ouvi ele gritando para mim.

À sua direita estava Elinalise e, à sua esquerda, Talhand. Atrás de nós, Roxy. Essa era a
exata formação Imperial Cross1.

— Shaaaaaa!

Três das cabeças vieram para nos morder, todas ao mesmo tempo. A hidra não movia
mais do que quatro delas a cada vez. Será que esse era o limite de sua habilidade para
atacar? Ou era que, simplesmente, mais cabeças atrapalhariam?

Eu não tinha certeza, mas era algo bom para nós.

— Ha!

— Hunf!

— Graaaa!

Elinalise parou uma cabeça enquanto Talhand desviou outra. Paul cortou a terceira, a
qual caiu no chão se contorcendo.

— Vai!

— Tá!

Paul gritou o comando para mim, então me aproximei do toco se contorcendo e lancei
minha magia nele. As chamas subiram rapidamente, iluminando o local conforme
queimavam a ferida aberta. A carne do pescoço soltou um chiado enquanto ficava preta.

— Deu certo? — Voltei à minha posição para analisar meu trabalho, mas ainda era cedo
demais para saber.

Antes que pudesse confirmar qualquer coisa, outras cabeças começaram a zumbir em
nossa direção. Paul bloqueou uma e Elinalise desviou a outra com seu escudo. No canto
da minha visão, vi sangue espirrando da direção de Talhand.
— Gah!

— Que esse poder divino seja de nutrição satisfatória, cura! — Roxy correu ao socorro
do anão no momento em que ele tomou o golpe e curou suas feridas.

Estavam todos tentando me proteger. Foi deixado para eu checar se minhas chamas
foram efetivas ou não.

Como estava a ferida no pescoço dela? O toco carbonizado regeneraria?

— Isso!

Não. A ferida estava do jeito que Paul deixou. A carne não voltou a crescer como antes.

— Foi efetivo! — Anunciei.

— Isso aí! — Paul comemorou antes de decapitar a próxima.

Também queimei o toco dessa. O calor vindo de lá era incrível, abafando o ar ao meu
redor. Até mesmo Paul tinha suor escorrendo pela testa. Mas se eu não colocasse a força
necessária nesses ataques, não seria capaz de cauterizar as feridas. Se não queimasse
bem, a criatura regeneraria. Mas se conseguíssemos manter este ritmo…

— Ah…! Me cubra! — pedi.

Meu Olho da Previsão previu os movimentos da hidra. Duas das cabeças que ainda não
se moveram virão direto em minha direção.

Eu conseguiria desviar de uma, mas a outra cabeça iria prever esse movimento e agir em
conformidade com isso.

— Deixa comigo! — disse Elinalise. Enquanto eu desviava da primeira, ela voou para
meu lado, desviou uma cabeça para longe enquanto se colocava desconfortavelmente
entre eu e o monstro, empurrando seu escudo para frente gerando um barulho de
rangido de metal, tudo para me proteger.

Um pingo de sangue pingou em minha bochecha.

— Roxy! — Chamei. — Magia de cura!

— Que esse poder divino seja de nutrição satisfatória, cura! — Ela imediatamente partiu
para a ação com sua magia restauradora.

E então as duas voltaram às suas posições originais, como se nada tivesse acontecido.

— Rudy, vou para a terceira! — Paul gritou para mim.

— Certo!

Sangue espirrou pelo ar conforme outra cabeça caía na minha frente.


Queime! Meu dever era queimar; queimar sua carne, nada além de queimar. Qualquer
outra coisa ficaria por conta dos outros. Agora, tinha apenas que me concentrar no que
estava na minha frente. Paul cortava e eu queimava. Elinalise e Talhand se certificariam
da minha proteção, e Roxy iria curá-los caso precisassem.

Queimamos a quarta cabeça.

Vamos conseguir!

De repente, os movimentos da hidra mudaram. As cinco cabeças restantes se moveram


simultaneamente, na direção de Talhand.

— Gah!

— Talhand!

Ele desviou da primeira. Já que não conseguiria fazer o mesmo com a segunda, se jogou
no chão e rolou para tentar escapar. Assim que o fez, as escamas o atingiram e sua
armadura pesada voou, fazendo barulho ao cair no chão. Sua bunda já estava no chão na
hora em que bloqueou a terceira com seu machado. Quanto à quarta cabeça, ele nem ao
menos conseguiu se defender. Ela foi em direção ao seu pé.

Em segundos, Talhand foi suspenso no ar.

— Wooooo!

A quinta avançou com suas mandíbulas à mostra, ameaçando dividir seu tronco em dois
enquanto ele estava indefeso. E então…

— Raaaaaa!

Um pequeno booom! ecoou após uma cabeça atingir o chão. O pedaço trágico e carnudo
do pescoço de um anão… não podia ser visto em lugar algum.

Foi a cabeça da hidra que caiu. Paul a decapitou.

— Desculpa por isso e obrigado pela ajuda! — disse Talhand.

— Vou queimá-la agora!

— Que esse poder divino seja de nutrição satisfatória, cura!

As vozes de Talhand, minha e Roxy, respectivamente. Os três podiam ser ouvidos


simultaneamente, mas todos tomaram ações diferentes.

Queimei dois tocos ao mesmo tempo. Restavam só três.

— Hm?
Foi nesse momento que os movimentos da hidra mudaram novamente. A criatura
começou a cambalear para trás, como se estivesse com medo de nós.

— Nós vamos conseguir! Vou partir para o ataque, Rudy! — Paul avançou, mas minhas
pernas congelaram.

Espera…

Isso não era uma armadilha?

Tive a sensação de que não deveríamos atacar quando não tínhamos ideia do que nosso
inimigo planejava. Esse mau pressentimento invadiu a minha cabeça dentro de
segundos. E, no próximo instante…

— O quê?

Era uma das cabeças da hidra. Inacreditável, ela estava arrancando os próprios tocos
queimados!

— Mas que diabos?!

Enquanto assistíamos, carne e osso se juntaram novamente.

— Merda!

As feridas cauterizadas não podiam ser curadas, mas elas voltariam ao normal se a hidra
conseguisse abri-las de novo.

— Não deixem ela se regenerar!

— Haaaaa!

Elinalise soltou um grito feroz e foi na direção dela. Ela diminuiu a distância e então
estocou seu gládio em uma das cabeças que estava começando a se curar.

— Coloco perante ti um berço de gelo como desejaste, agora pereça pelas correntezas
glaciais, Estrondo de Gelo! — Elinalise conjurou e esmagou o toco que estava
recrescendo à queima-roupa com sua magia. As escamas ainda não tinham crescido,
então o bloco de gelo perfurou a carne macia. Punhados de sangue da cor de uma
romãzeira jorraram enquanto a cabeça, ou o que restava do pescoço, se contorcia de dor.

— Roxy!

— Deixe essa chama flamejante queimar brilhantemente com tua bênção, Lança-
Chamas! — Roxy, a qual alcançou Elinalise em algum momento, desencadeou um
incêndio estrondoso. Mesmo que as escamas fossem capazes de absorver um pouco da
força de seu feitiço, ela ainda conseguiu queimar a carne, fazendo com que fumaça
saísse do ferimento.

— Conseguimos!
Paul se moveu para persegui-la, mas a hidra não recuou. Ela levantou seu enorme corpo,
estendeu seus pescoços, todos os três, até quase encostar no teto e nos encarou.

Ela estava mesmo assustada? Não, não parecia ser isso. Então o que era? Parecia
familiar, perigoso.

— Está planejando algo, tomem cuidado! — avisou Paul.

— Certo! — Meu corpo se moveu pelo instinto; não, experiência. Já tinha visto um
rugido de dragão desse tipo antes: indo para trás e puxando ar. — Ela vai cuspir algo!
Venham para trás de mim, por favor!

— Entendido!

Paul recuou com um passo, retornando para mim. Elinalise e Talhand vieram correndo,
quase caindo, para a base de meus pés. Roxy saltou em minha direção com seus braços
abertos, como se fosse se segurar.

Conjurei uma parede de água tão grossa quanto pude.

Praticamente ao mesmo tempo, a criatura cuspiu. Enormes chamas explodiram das três
bocas da hidra, despencando em nossa direção e colidindo com minha barreira de água.
Grandes nuvens de vapor se formaram, aquecendo toda a sala.

— Aaah…!

O rugido de um dragão era renomado pelo seu calor terrível. Conseguiria derreter ferro
facilmente ou evaporar um pequeno pântano em um instante. E, nesse momento, três
cabeças estavam expelindo esse mesmo rugido. Um mago comum não conseguiria se
defender contra isso. Se cinco, não, dez deles se juntassem para fazer uma barreira de
água, talvez… Não, ainda não seria o suficiente.

Felizmente minha mana não era comum.

— Pai!

— Certo!

Após a criatura abaixar suas cabeças, Paul saltou para frente.

O rugido da hidra tinha limites de uso. Se era criado por algum órgão em seu corpo ou
se tinha que juntar mana, não fazia ideia. Só sabia que não conseguia atirar um atrás do
outro.

Esse tinha que ser seu trunfo. Algo que conseguisse disparar com três cabeças ao
mesmo tempo, com pausas entre os disparos. Talvez se apenas uma cabeça tivesse
atirado, então uma das outras poderia ser capaz de usar a mesma habilidade em
sequência. Mas ela não fez isso, provavelmente para evitar atingir as outras cabeças
com o ataque.
De toda forma, essa era nossa chance.

— Haaaaa! — Paul brandiu sua espada para baixo, atravessando outro pescoço.

Eu o queimei de imediato.

Apenas mais duas, um pescoço grosso e outro fino. O visivelmente robusto era sua
cabeça principal? Se sim, deveríamos deixá-lo por último.

— Pai, vamos atrás do mais fino primeiro!

— Eu sei! — Paul se apressou.

Elinalise e Talhand lidariam com o mais grosso. As coisas estavam muito mais fáceis
agora que havia apenas duas das cabeças restando.

— Graaaaaaaa!

Sua espada dançou e a cabeça caiu. Minhas chamas imediatamente cauterizaram a carne
crua.

Nós conseguiremos, afirmei para mim mesmo.

Restava apenas uma. Ganhamos. Após chegarmos tão longe, não daremos chance para
ela se recuperar. Mesmo se sua última cabeça fosse imortal, conseguiríamos lidar
facilmente, uma vez que as outras se foram.

Foi então que, no exato momento que usava minha magia para cauterizar o penúltimo
toco, o corpo da hidra estremeceu. Eu não sabia o que esse movimento significava.
Conseguia ver ele com meu Olho da Previsão, mas não o entendia. A criatura era muito
grande.

— Seu idiota!

— Espera…!

Antes que eu percebesse o que estava acontecendo, Paul me chutou para fora do
caminho. Algo enorme caiu bem em frente aos meus olhos.

Mas… não tinha mais nenhuma cabeça?

Não, não havia mais cabeças, mas ainda tinha pescoços.

A hidra estava balançando seus pescoços sem cabeça como chicotes com espinhos,
todos as oito! Cada um deles estava revestido com escamas que conseguiriam triturar
carne como um ralador de queijo. Ela chicoteava com todos seus pescoços de uma vez,
cortando tudo ao seu redor.

— Ruuuudyyyyyy! — gritou Paul antes de levar seu pé até mim, para me chutar para
fora do caminho.
Quase instantaneamente, um tuum ecoou após algo esmagar o chão exatamente onde eu
estava um segundo antes, no espaço vazio que havia entre eu e Paul.

— U-Uou!

Chifres se projetaram da testa da criatura. Um olho me encarou: um desesperado e


encurralado. Um que parecia estar desesperadamente tentando sobreviver se prendendo
ao pequeno fio de vida que restou. Esse era o olhar da hidra.

— Graaaaaaaa!

Instintivamente, enfiei minha mão esquerda em seu olho. Pude ouvir um barulho de
esmagamento, como uma uva estourando, enquanto um calor intenso consumia meu
braço.

A hidra piscou de dor, sua pálpebra coberta por escamas desceu como uma guilhotina.

No próximo instante, disparei meu Canhão de Pedra. A parte superior da cabeça da


hidra foi explodida quando sua pálpebra se fechou. A força da colisão jogou meu braço
para cima. Um rasgo e então um rompimento, dois sons que penetraram tão fundo em
meus ouvidos que pareciam rasgar caminho até meu cérebro.

— R-Roxyyyyyy! — Sufoquei a dor e gritei seu nome, o nome de minha confiável


mestra.

— Deixe essa chama flamejante queimar brilhantemente com tua bênção, Lança-
Chamas! — Sua voz, ainda que fraca, me alcançou.

A última cabeça caiu, carbonizada pelo fogo. E então seu enorme corpo lentamente
começou a colapsar. Um boom ressoou ao nosso redor conforme ela caía. Eu podia
sentir a vida gradualmente se esvair dela.

Não haveria mais regeneração. A última cabeça não era imortal.

— Haaa… Haaa…

Nós a derrotamos. Nós conseguimos a derrotar. Ganhamos!

— Nós conseguimos… Ugh! — No momento em que percebi que tinha acabado, uma
dor aguda veio da minha mão esquerda. Quando olhei para baixo, fiquei chocado. —
Ah…

Minha mão esquerda não estava lá.

As escamas da pálpebra da hidra cortaram facilmente a pele e o músculo, seus músculos


ferozmente fortes repartiram meus ossos. Então, quando ela levantou sua cabeça no
final, cortou todo o resto. Sangue estava sendo cuspido da minha artéria aberta.

— Minha mão… minha mão esquerda…


No olho. Minha mão… estava no olho do monstro, percebi.

Olhei para a cabeça. O puro poder da magia de fogo da Roxy fez ela virar um monte de
carvão. No momento em que vi, soube.

Não recuperaria minha mão esquerda.

Poderia procurar por ela, mas não a encontraria. Mesmo se quisesse procurá-la, a
hemorragia continuaria.

Droga. Preciso me curar. Rápido.

— Anjo dos milagres, conceda vosso sopro sagrado para o coração que pulsa diante de
ti. Ó céus abençoados com luz, servos os quais desprezam carmesim, desçam ao oceano
de luz com o puro branco de vossas asas abertas. Expulsem o sangue derramado perante
vós! Cura Resplandecente!

Recitei um encantamento de nível avançado. Somente avançado não seria capaz de


restaurar o que foi perdido. Sabia disso, mas ainda assim o usei.

Carne rosa cresceu ao redor do toco amputado, cessando o vazamento de sangue.


Desaparecendo junto com o arranhão em meu rosto e o hematoma de onde Paul me
chutou.

— Fuuu… Ha…

Minha respiração estava irregular.

Se acalme, falei para mim. Se acalme.

Tinha perdido minha mão, mas a hidra tinha sido um adversário incrivelmente
complicado. Consegui sobreviver a isso ileso, perdendo apenas minha mão esquerda.
Colocando dessa forma, talvez fosse um preço pequeno a pagar. Se Paul não tivesse
conseguido deslizar para lá para me salvar, haveria uma alta chance de que eu estivesse
morto.

— Me salvou de verdade lá, Pai. — Olhei por cima de meu ombro, procurando por ele.

Não houve resposta.

Todos estavam quietos. Elinalise ficou parada. Talhand ficou em silêncio. Roxy franziu
seus lábios. E, atrás deles, Geese estava pálido como uma folha de papel.

Paul não respondeu.

— Pai…?

Estavam todos olhando para algo, então segui seus olhares para onde Paul estava, caído
no chão. Sim, caído. Lá, de costas.
Mas… ele não estava apenas caído. Estava inconsciente. Seus olhos estavam vazios.

E… não tinha mais a sua parte inferior.

— Hã…? — Meu cérebro não conseguiu processar. — O quê?

Ah, não. Eu sabia o que tinha acontecido.

Verdade. Eu mesmo vi. Paul me chutou para fora do caminho porque o lugar onde eu
estava era exatamente onde a última cabeça desabou com força. Ele teve que me chutar
o mais forte que podia para conseguir me mover. Eu não era mais criança, então ele teve
que, sabe, jogar sua parte de baixo para frente para que o chute tivesse força o
suficiente. Normalmente esse tipo de chute faria a pessoa rolar para trás pela recuo, mas
Paul era um espadachim. Um dos habilidosos, um que conseguia se revestir em aura de
batalha, uma com força física. Então quando me chutou, seu corpo não se moveu.

Isso significava… Isso significava que o lugar onde eu estava… Quero dizer, o lugar…

Eu não… queria entender.

Eu só…

— Mas… por quê?

No momento em que estrangulei essas palavras, os olhos de Paul se moveram, focando


em mim. Eu o olhei de volta.

—…

Paul não disse nada. Sua boca apenas relaxou, como se estivesse aliviado, como se
estivesse soltando um suspiro de alívio, e sangue jorrou de seus lábios.

E então a luz se esvaiu de seus olhos.

Paul estava morto.


Cap. 10 – Pais

No momento exato do último suspiro da hidra, o cristal imbuído magicamente se


liquefez e Zenith caiu no chão. Ela estava viva. Mesmo inconsciente, não havia dúvidas
de que estava respirando.

Havia vários cristais imbuídos magicamente enormes na área, então o chão estava
coberto de pedras mágicas que fizeram parte das escamas da hidra. Mais para o fundo
do local havia uma infinidade de itens mágicos caídos. Valeriam um bom dinheiro. Mas
nenhum de nós estávamos com vontade de começar a coletá-los.

Me senti leve, instável, como se estivesse sonhando. Se alguém me chamasse, eu


responderia, mas minha mente estava vazia. Era quase como se outra pessoa estivesse
usando minha boca para responder em meu lugar. Ainda assim, para minha surpresa, fui
capaz de terminar rapidamente as tarefas que restavam.

Cremamos o corpo de Paul naquela mesma sala.

Meus sentimentos sobre isso eram complicados. Parte de mim queria levá-lo para casa,
para que Zenith ao menos visse seu rosto, mesmo que estivesse morto, mas acabei
seguindo as recomendações de todos para seu funeral.

Minha magia de fogo foi o suficiente para em questão de minutos queimar tudo, até
restarem só os ossos. Quando Elinalise me avisou que enterrá-lo assim poderia resultar
nele revivendo como um esqueleto, fiz como ela propôs. Quebrei seus ossos, conjurei
uma urna com minha magia de terra e os coloquei lá.

Ele deixou somente três itens pessoais para trás: o peitoral de metal que protegia seu
tronco, a espada mágica que ficava mais afiada com oponentes mais resistentes e,
finalmente, sua arma favorita que manteve por perto desde antes do meu nascimento.

—…

Me sentia estranho. Não sabia dizer que emoção era, mas parecia que algo pesado
estava esmagando meu peito.

— Vamos embora.

Não fui muito útil no caminho de volta. Derrotamos nossos inimigos e eu fui capaz de
usar magia, mas meus pés estavam instáveis. Era como se eu não estivesse andando,
mas flutuando. Se não fosse por Roxy, que ficou o tempo todo ao meu lado, eu poderia
ter pisado em uma armadilha de teletransporte.

Independentemente de quantos erros eu cometesse, ninguém falava nada. Nem


Elinalise, nem Roxy, nem Talhand e nem Geese. Sem reclamações, sem consolos.
Ninguém sabia o que dizer.
Zenith foi carregada nas costas de alguém por todo o caminho de volta. Apareceram
algumas batalhas intensas conforme subíamos para a superfície, mas ela não acordou.
Isso me deixou preocupado, mas o fato de que ainda respirava indicava que continuava
viva. Ou, ao menos, era o que eu tentava me convencer.

Levamos três dias para conseguir sair do labirinto.

Não consegui me lembrar do que as três que nos receberam de volta na cidade disseram
quando chegamos, mas Elinalise e Geese explicaram tudo para elas. Shierra desabou em
prantos e Vierra caiu de joelhos com um olhar chocado. Mesmo vendo aquilo, não pude
dizer nada.

Nem mesmo uma palavra.

Lilia foi diferente. Em seu rosto havia uma máscara, a qual não deixou revelar nada
enquanto me olhava e passava seus braços ao meu redor. E então, ela disse:

— Deve ter sido difícil. Você se esforçou. Tente descansar um pouco e deixe o resto
comigo.

Me sentindo completamente vazio, somente assenti.

Retirei meu robe quando retornamos para a pousada. Havia um buraco no ombro, um
que eu sabia que precisava costurar. Mas, por hora, apenas o joguei no canto do quarto,
junto com meu cajado e minha bolsa de equipamentos. Deixei tudo jogado. E então
colapsei em minha cama.

Naquela noite, tive um sonho. Nele, estava de volta ao meu antigo corpo, tinha voltado
a ser o recluso lerdo e autodepreciativo. Mas, dessa vez, o Deus-Homem não estava em
lugar algum. Tampouco na sala branca em que sempre aparecia.

Essa era uma memória da minha vida anterior. Sim, um sonho do que já fui um dia. Não
tinha certeza de quando começou, mas o cenário era familiar. Era a sala de estar da casa
dos meus pais. Eles estavam lá, conversando sobre mim. Eu não conseguia ouvir suas
vozes, provavelmente porque era somente um sonho. Ainda assim, estranhamente soube
que era sobre mim que estavam falando. Naquela época estavam preocupados comigo?

Deixei aquele mundo sem nem mesmo saber a razão de suas mortes. Considerando que
ambos morreram ao mesmo tempo, assumi que fosse por uma doença. Talvez um
acidente, ou suicídio.

Imaginei o que pensaram sobre mim antes de morrer. Eles me consideravam nada além
de um recluso sem vergonha? Ficaram irritados pelo o que tinha me tornado?
Envergonhados? Eu não fazia ideia do que sentiram. Minha mãe ainda aparecia de vez
em quando para me ver, mas em algum momento meu pai parou de falar comigo.

Eu ao menos apareci em suas mentes quando morreram? — Perguntei a mim mesmo.

E eu? Quando eles morreram, nem ao menos fui para o funeral. O que estava fazendo?
Não retirei seus ossos das cinzas após a cremação, como um filho deveria ter feito. O
que diabos eu estava fazendo? Por que nem fui ao funeral?

Eu estava com medo da maneira como as pessoas me olhariam quando vissem que nem
tentei ficar triste. Da maneira como olhariam para um lixo como eu, um recluso. Da
hostilidade, do desprezo de todos. Mas isso não era tudo, claro. Eu não era um ser
humano honrável. Na época, não me senti nem um pouco triste pela morte de meus pais.
Não os amei o suficiente para lamentar sua ausência. Me importava menos em perdê-los
do que me importava em pensar: Droga, e agora, o que eu faço? Não conseguia sequer
olhar diretamente para meu próprio futuro.

Não justificando meus atos, claro, mas não pude evitar aquilo. Imagine ser encurralado,
perdendo o último fio de salvação que tem. Ser repentinamente jogado em um vasto
oceano antes mesmo de ter a chance de encher seus pulmões com ar. Qualquer pessoa
em tal situação procuraria uma forma de escapar da realidade. Sim, me arrependi de não
agir melhor, mas só poderia me culpar por isso.

Ainda assim, eu não deveria, no mínimo, ter comparecido ao funeral? Naquela época eu
não fazia ideia de em que estava pensando, mas não deveria ao menos ter olhado para
seus rostos após falecerem? Não deveria pelo menos ter pegado seus ossos?

Como Paul ficou quando faleceu? Não tinha satisfação estampada em seu rosto, mas vi
os cantos de seus lábios se curvarem em um sorriso de alívio. O que ele tentou dizer nos
seus últimos momentos?

Que expressão meus pais da minha vida anterior colocaram em seus rostos quando
faleceram?

Por que não os vi?

Queria poder voltar no tempo e ver.

No dia seguinte, quando acordei, eu estava horrível. Um desejo imenso de fazer


absolutamente nada pesou em meu corpo todo. Para escapar desse sentimento, me forcei
a sair da cama e me movi para o quarto ao lado, onde estavam Lilia e Zenith.

Quando me viu, Lilia me encarou surpresa.

— Senhor Rudeus, já se recuperou?

— Sim, por enquanto… Não posso ficar fazendo corpo mole, certo?

— Tenho certeza de que ninguém reclamaria se descansasse mais um pouco.


Honestamente, eu queria rastejar de volta para a cama, como ela sugeriu, mas a
sensação de que eu tinha que fazer algo, tinha que me mover, era ainda mais forte.

— Por favor, deixe-me ficar aqui.

— Tudo bem — ela disse. — Entendo. Sinta-se à vontade para se sentar.

No final das contas, fiquei lá e observamos Zenith juntos. Àquela altura, já fazia dias
que ela estava dormindo. Levamos três dias para sair do labirinto, um dia para voltar
para a cidade e, até então, ela não acordou. Sua aparência externa não mostrava nada
incomum. Parecia estar apenas dormindo. E, apesar de estar de cama por dias, não
mostrava sinal de que estava perdendo peso. Parecia perfeitamente saudável.

Achei que ela pareceria um pouco mais velha, mas não era o caso. Suas mãos e
bochechas estavam quentes e, se colocasse o ouvido próximo aos seus lábios,
conseguiria ouvir sua respiração. Era só seus olhos que não abriam.

Talvez ficasse assim para sempre. Seu corpo poderia deteriorar e ela morreria. Esse
pensamento passou pela minha mente, mas não o mencionei. Palavras desnecessárias
eram melhores quando não ditas.

Lilia e eu a observamos em silêncio. Ocasionalmente, Vierra e Shierra apareceriam,


conversando sobre isso ou aquilo. Independentemente sobre o que a conversa era, não
ficava na minha cabeça.

Nós dois comemos juntos, apesar de eu nem mesmo sentir fome direito. Não engolia
quase nada. Tentei socar qualquer coisa para dentro com a ajuda da água, mas a comida
ficava presa em minha garganta e eu me engasgava.

Foi somente durante o começo da tarde que Zenith mostrou algum sinal de mudança.

Lá, bem na nossa frente, soltou um pequeno gemido e lentamente abriu os olhos.

— Mm…

As pessoas presentes eram Lilia, Vierra e eu. Vierra imediatamente correu para fora do
quarto para informar os outros. Lilia e eu permanecemos assistindo Zenith tentando se
levantar. Devia ser difícil depois de ficar de cama por dias, mas com um pouco de ajuda
da Lilia, Zenith conseguiu levantar sua parte superior praticamente sozinha.

— Bom dia, minha senhora. — Lilia sorriu ao cumprimentar minha mãe.

Zenith a encarou com uma cara de sono.

— Mm…

Sua voz… eu a reconheci. Pensando bem, foi a mesma que ouvi nos primeiros
momentos após meu nascimento neste mundo. Uma relaxante.
O alívio tomou conta de mim. Paul morreu, mas pelo menos a pessoa que ele tentou
salvar estava segura. Segura e viva. Suas esperanças tinham se realizado.

Eu tinha certeza de que ela ficaria triste quando soubesse de sua morte. Ela poderia até
mesmo chorar. Desse modo, pelo menos nós três, contando com Lilia, poderíamos
enfrentar essa perda juntos.

— Mãe…

Eu ainda não precisava contar isso para ela. Poderia esperar até as coisas se acalmarem
um pouco e ela entendesse o que estava acontecendo. Poderíamos trabalhar nas coisas
com calma, um passo de cada vez. Não seria sábio forçar toda a dureza da realidade de
uma vez sobre ela. Primeiro, precisávamos nos alegrar por ela estar viva e por
finalmente termos nos reunido. Poderíamos ficar tristes depois disso.

— Hm…? — Zenith inclinou um pouco a sua cabeça.

Tentei acalmar meu coração.

Ela me esqueceu.

Não podia culpá-la. Aconteceu o mesmo com a Roxy. Do mesmo modo que dias e
meses viraram anos, meu rosto mudou. Ela talvez estivesse em choque agora, mas tenho
certeza que nós iríamos rir disso nos próximos anos.

— Minha senhora — Lilia disse. — Este é o Lorde Rudeus. Passaram dez anos desde
que o viu pela última vez.

—…

Zenith me encarou vagamente. Então olhou de volta para Lilia, seus olhos pareciam um
espelho; vazios, refletindo apenas o que estava em sua frente.

— Hm…?

Ela inclinou a cabeça de novo, o que fez Lilia arregalar os olhos.

Havia algo errado. Estranho. Ela não estava falando. Tudo que fez foram sons. Além
disso, a maneira como se movia; era como se também tivesse esquecido de Lilia. Me
esquecer era uma coisa, mas ela realmente não conseguia reconhecer Lilia? A criada
tinha envelhecido, evidentemente, mas não tinha mudado tanto assim. Seu cabelo e até
mesmo suas roupas eram as mesmas de antes.

— Ooooh… Aaaah…

Sua voz estava atrapalhada, seus olhos vazios e ela não conseguia formar palavras.
Tudo que fez foi nos encarar.

— Minha senhora… será que…? — Lilia também parecia ter percebido.


Eu sabia quais palavras não foram ditas, presas no fim de sua frase incompleta, mas
meu coração se apressou a rejeitá-las.

Nós dois tentamos falar com ela várias vezes.

—…

A conclusão rapidamente se revelou. Zenith reagia às nossas vozes, mas não falava
nenhuma palavra. Também não mostrava nenhum sinal de compreender o que dizíamos.

— Lorde Rudeus… Temo que acabou para ela.

De fato, Zenith tinha perdido tudo. Sua memória, seu conhecimento, sua inteligência;
todos os componentes necessários para formar uma pessoa.

Ela era uma casca vazia.

Não tinha como se lembrar de Paul. Nem mesmo se lembrou de Lilia ou de mim. Quem,
o quê, quando, como; não lembrava de nada disso. Isso significava que não conseguiria
nem ficar triste pela morte dele. Não poderíamos compartilhar da mesma perda.

Essa realidade me perfurou como uma faca.

— Aaah… — Um suspiro escapou de minha garganta.

E meu coração foi despedaçado.

Quantos dias passaram após aquilo? Eu tinha apenas uma vaga noção do tempo. Eu
acordava, dormia. Acordava, dormia. Repeti esse processo diversas vezes.

Quando dormia, meus sonhos reprisavam o momento da morte de Paul. Eu o via cortar
a hidra, via ela chicotear com seu pescoço. Sentia ele me empurrar para o lado, me
tirando do caminho. E então assistia ele se mover de novo, observei a hidra se mover de
novo, mas eu não conseguia me mover. Paul me chutava para fora do caminho e eu via
a cabeça da hidra despencando na minha frente.

E então eu acordava assustado, checava para ter certeza de que tinha sido somente um
sonho e me encolhia de novo na cama. Eu não tinha força de vontade para me levantar.
Tudo que conseguia fazer era pensar em Paul.

O Paul era… Ele…

Claro, com certeza não era uma pessoa digna de elogios. Ele era terrível com mulheres e
um exibido. Ele era fraco contra as adversidades e procurava o álcool como rota de
fuga. Nem se preocupou em dizer nada que um pai diria antes de irmos à batalha. Na
maioria dos critérios, era uma completa falha como um pai.

Mas, mesmo assim, eu o amava.

Não era o mesmo amor de pai e filho que Paul sentia por mim. Para mim, ele estava
mais para um parceiro de crime. Estritamente falando, eu era mentalmente mais velho,
mas ele era fisicamente mais velho que eu. Mesmo referente a experiência de vida, ele
provavelmente estava bem à minha frente, levando em conta as décadas que passei
como um recluso.

Nada disso importava. Idade não tinha nada a ver. Quando conversava com Paul, sentia
como se estivéssemos no mesmo patamar. Eu não conseguia o ver como um pai e
provavelmente nunca me vi como seu filho.

Mas Paul era diferente. Ele me viu como seu filho desde o início. Eu, que já fui um
recluso de merda com trinta e poucos anos. Eu, cujas ações que até aquele momento
provavelmente tinham sido estranhas para qualquer um. Ainda assim, ele me
considerava parte da família, sem nunca me deixar de lado. Havia áreas em que falhava
como um pai, mas jamais falhou em pensar em mim como parte da família. Ele nunca,
nem mesmo uma vez, me tratou como um estranho. Eu sempre, sempre fui seu filho.
Independentemente das minhas habilidades anormais, ele ainda me via como seu filho.
Me olhava com seriedade.

Ele foi um pai. Sempre foi. Mesmo carregando fardos pesados demais para ele, sempre
agiu como um pai e continuou fazendo coisas pelo bem da nossa família. No fim, até
mesmo me protegeu, usando seu corpo, como um pai faria, para me proteger: seu filho.

Ele bravamente colocou sua vida em risco, como se fosse a coisa mais natural do
mundo. E morreu.

Que estranho.

Mesmo que eu não fosse seu filho, Paul continuava sendo meu pai.

Paul tinha duas filhas de verdade. Não falsas como eu; filhas verdadeiras, genuínas
e reais. Duas filhas doces e genuínas. Norn e Aisha. Se fosse para proteger alguém,
deveria ter sido elas.

Além disso, ele tinha duas esposas, certo? Passou anos em uma procura desesperada por
uma delas: Zenith. A outra, Lilia, esteve ao seu lado para o apoiar até então. Duas
esposas e duas filhas. Um total de quatro pessoas.

O que diabos está fazendo, as deixando para trás, hein, Paul? — Pensei, irritado.
— Elas eram importantes para você, não eram?

Mas eu talvez tivesse a mesma importância para ele. Duas esposas, duas filhas e um
filho. Talvez fossem todos igualmente importantes para ele.
Nunca o vi como pai, mas ele pensava em mim como umas das pessoas mais
importantes de sua vida.

Ah, porra. Por quê, Paul? Dá um tempo. Você falou tantas vezes… “Rudy, eu agora te
vejo como um adulto. Te vejo como um homem.”

Eu me casei, comprei uma casa, peguei a guarda das minhas irmãs; claro que parecia
um adulto. Apareci para ajudar, me esforcei no labirinto. Eu me vi como um adulto.
Você também, não? Foi por isso que disse o que disse no final, certo? “Salve ela,
mesmo que isso te mate.”

Então me explique: Por quê? Por quê…? Se sou um adulto, por que me protegeu?

O que devo dizer a Norn e Aisha quando voltar para casa? Como vou explicar o que
aconteceu? O que devo fazer com Zenith, do jeito que ela está? O que deveria fazer a
partir desse momento?

Diga, Paul. Era você quem deveria decidir isso, não era?

Droga. Por que você tinha que morrer? Ah, porra.

Se pelo menos tivesse sido eu, ele que estaria angustiado a respeito do que fazer. Ou,
melhor ainda, se nenhum de nós tivesse morrido, ninguém teria que sofrer.

Ah, não consigo.

Tristeza borbulhava dentro de mim. Eu não conseguia parar as lágrimas que escorriam
para fora.

Em minha vida, na anterior, eu nem mesmo chorei quando minha mãe e meu pai
morreram. Nem mesmo me senti triste. Agora que Paul estava morto, as lágrimas
surgiam naturalmente. Eu estava triste. Não conseguia acreditar. A única pessoa
que tinha que estar presente, que deveria estar presente, já não estava mais viva.

Paul foi um pai. Paul foi o meu pai. Nunca vi ele como um e, mesmo assim, ele foi um
pai para mim, assim como os da minha vida passada.

Pensei e pensei, chorei e chorei, até ficar exausto.

Não quero fazer nada.

Vadiei preguiçosamente no meu quarto. Havia coisas que precisava fazer, sabia disso,
mas não conseguia encontrar ânimo para fazê-las. Nem mesmo tinha forças para deixar
o quarto. Dormi, acordei, me sentei, ajustei minha postura e deixei o tempo correr.

Elinalise e Lilia vieram me visitar no meio disso tudo. Me disseram algo, mas eu não
tinha certeza do quê. Era quase como se estivessem falando em uma língua
desconhecida, pois meu cérebro não conseguia entender as palavras. Não que isso
importasse. Eu não conseguiria responder, mesmo que tivesse entendido.
Eu não tinha nada, nenhuma palavra para dizer a elas.

Se, apenas uma possibilidade, se eu fosse capaz de empunhar uma espada de um jeito
melhor, então poderia ter cortado a cabeça da hidra. Talvez, nesse caso, Paul não teria
morrido. Nós dois poderíamos ter focado em decapitar enquanto Roxy queimaria as
feridas abertas. Dessa forma a derrotaríamos sem problemas, não é?

Se eu fosse capaz de me cobrir com a aura de batalha. Se eu fosse capaz de me mover


um pouco mais rápido. Então Paul não teria que me proteger. Eu conseguiria desviar do
ataque completamente sozinho.

Mas não consegui, e por isso as coisas acabaram assim.

Não era como se eu não tivesse tentado.

Talvez deveríamos ter voltado para a cidade, mesmo que significasse que eu tivesse que
dar um soco na cara dele e o arrastar. Teríamos voltado, teríamos feito uma reunião
estratégica calma e, então, prepararíamos um bom plano. Um inteligente, não o plano
mal feito e imprudente que usamos. Se tivéssemos feito qualquer coisa minimamente
diferente, o resultado talvez também fosse diferente.

Mas era tarde demais. Paul estava morto. Eu jamais o veria de novo, assim como os
meus pais da minha vida passada. Não importa o que eu dissesse, já era tarde demais.
Cap. 11 – Seguindo em Frente

Quatro pessoas, homens e mulheres, se juntaram ao redor de uma mesa em um certo


bar. A escuridão pairava sobre eles em meio ao tumulto do local.

— Paul está morto — murmurou Elinalise, a elfa com cabelo loiro e lustroso.

— É, está mesmo — concordou Geese, o demônio com cara de macaco, que olhava para
o conteúdo do copo em sua mão.

— Ele protegeu o garoto. Seria assim que gostaria de ter partido. — Talhand, o anão
robusto e barbado, disse francamente. Sua voz revelava pouca energia. A essa hora
deveria estar se afogando em seu amado álcool, mas não parecia nem um pouco bêbado.

— Não acho que ele estaria feliz, não com Zenith dessa forma — disse Geese.

O anão somente virou sua caneca.

Foi um choque e tanto para todos eles quando descobriram que Zenith tinha se tornado
uma casca vazia. Um choque especialmente cruel, considerando que conheciam a
pessoa alegre e energética que era antes do acidente. Mesmo assim, eles eram
aventureiros. A morte estava sempre à espreita. Seriam capazes de aceitar mesmo que
ela estivesse morta.

— Ela está viva, certo? Talvez possa ser curada, quem sabe — disse Talhand, mesmo
que estivesse claro que não tivesse muita esperança disso.
Surgiam rumores, de vez em quando, de pessoas que ficaram inválidas por causa de um
veneno de algum monstro. Sequer uma das pessoas dessas histórias se recuperou. A
partir do momento que a mente era perdida, nada conseguiria curar, nem mesmo magia
de cura de nível Deus. Se algo saísse errado com a mente de alguém, seria impossível
curá-la.

— Mesmo que ela consiga caminhar e andar novamente, suas memórias não voltarão —
falou Elinalise.

— Como assim? Está falando como se soubesse bem sobre isso, Elinalise. — Talhand
olhou para ela com suspeita.

— Estou apenas falando as coisas como elas são. — Elinalise não explicou mais a
fundo. Ela viveu uma vida longa, mais longa do que a de Talhand ou Geese. Ela havia
dito que tinha visto um caso parecido antes. Era quase como se soubesse de algo, mas o
que quer que fosse, não iria dar esperança para eles de que Zenith iria se recuperar,
então Talhand não insistiu no assunto.

— O problema real é o garoto — disse o anão.

— É… — concordou Geese, falando como se estivesse suspirando.

Rudeus, filho de Paul, passou praticamente uma semana confinado em seu quarto.

— Não é só desânimo — continuou Geese. — É pior que isso.

— É quase como se ele também fosse uma casca — disse Elinalise.

Rudeus nem mesmo respondia quando tentavam falar com ele. Apenas assentia com um
olhar vazio em seus olhos e dizia: “É…”

— O Rudy era bem apegado ao Senhor Paul — disse a jovem demônia de cabelo azul.
Roxy Migurdia ficou relativamente em silêncio até o tópico mudar para Rudeus.

No fundo de sua mente, ela visualizava um jovem Rudeus tendo aulas de esgrima com
Paul. Não importava o quanto Paul o batesse, Rudeus se levantava de novo e continuava
praticando com um olhar indignado em seu rosto. Ele era a personificação do talento.
Para Roxy, parecia que estava verdadeiramente gostando de aprender esgrima com seu
pai. Uma fonte ofuscante de inveja para ela, já que nunca passou por tais momentos
com os próprios pais.

— Bom, entendo como o chefe se sente — disse Geese. — Mas vai ser ruim se
continuar assim.

— Devo concordar — falou Elinalise enquanto assentia.

Rudeus não tinha comido nada desde o dia em que aquilo aconteceu. Mesmo quando as
pessoas ao seu redor o pediam para tentar, ele apenas dizia “Claro”, mas não dava
nenhum sinal de que faria qualquer coisa. Parecia estar fazendo o mínimo ao, pelo
menos, beber água, mas estava ficando cada vez mais magro. Seus olhos estavam
fundos e suas bochechas, murchas. Parecia que havia uma sombra da morte em seu
rosto. Se fosse deixado de lado, não seria surpreendente caso se juntasse a Paul. Todos
que estavam presentes pensaram isso.

Após uma pausa, Roxy prosseguiu:

— Gostaria de fazer algo para tentar animar ele.

O olhar de Geese viajou até Elinalise.

— Você não falava sempre que era importante “ter sorte” nesses momentos?

— Não posso ajudar ele a “ter sorte” — respondeu ela instantaneamente.

Roxy foi a única que não entendeu sobre o que estavam falando.

— Como assim?

—…

Geese e Talhand se olharam e fecharam suas bocas.

Roxy franziu a testa, desconfiada.

— Senhorita Elinalise, você tem algum plano?

Uma pausa.

— Não, não tenho. — A elfa manteve seu rosto sem expressão.

— Bem, como devo dizer? — Geese coçou a bochecha enquanto Talhand tomava sua
bebida de forma desinteressada. — Hm, é… Bem, em momentos assim, o melhor a se
fazer é se divertir ao máximo e tentar esquecer de tudo.

— Se divertir? — disse Roxy em resposta, confusa.

— Homens são simples. Dê a eles um pouco de álcool, uma mulher para deitar junto e
sentirão um pico de alegria por estarem vivos. Isso dá um pouco de energia de volta.
Quero dizer, sim, não vai deixar eles como estavam antes, mas ainda assim.

— Ah…! Hm, tudo bem, entendi. — Roxy finalmente entendeu o que ele queria dizer.
E, mais importante, o que ele queria que Elinalise fizesse. — B-Bem, creio que esteja
certo, é assim que homens são! Sim! É… — Suas bochechas ficaram coradas e seu
olhar flutuou para seu colo.

Homens gostam de se deitar com mulheres quando estão deprimidos. Ela tinha certeza
de que já havia escutado isso antes. Isso era verdade principalmente para os
mercenários, os quais gostavam de pagar por serviços noturnos antes e depois de uma
batalha, para se esquecerem do próprio medo. Após terminarem uma missão em que
suas vidas corriam risco, muitos homens visitavam bordéis.
Mas quando Roxy imaginou Rudeus e Elinalise juntos, uma nuvem negra se formou em
seu coração.

— Elinalise. — Gesse se virou para ela. — Você sempre dizia, até onde minha memória
vai, que é boa em consolar homens com o coração partido.

— Eu dizia.

Roxy começou a pensar. Era verdade que Elinalise tinha talento para aquele tipo de
coisa. Ela tinha relações diárias com um número indeterminado de homens, e Roxy já
tinha escutado que ela era incrível no que fazia. Com certeza era possível para uma
mulher com aquele tanto de experiência fazer Rudeus se recuperar. Esse pensamento a
fazia ficar triste, mas o que mais poderia fazer?

— Que incomum. Normalmente você estaria grudada em alguém que estivesse no


mesmo estado que o Chefe está.

Roxy não aguentava ver Rudeus do jeito que ele estava. Elinalise sentia o mesmo; ela
queria ajudá-lo, consolá-lo. Mas também sabia o que aconteceria quando voltassem para
casa se ela sucumbisse e usasse seu coração quebrado como uma desculpa para dormir
com ele. Ela estaria traindo Cliff, traindo Sylphie. Rudeus também não seria capaz de
lidar com isso.

Por esse motivo, Elinalise disse apenas:

— Até mesmo eu tenho pessoas que não consigo levar para a cama.

— Por que o Rudy não? — Os lábios de Roxy endureceram. Ela encarou a outra mulher
fixamente. — Sabe o quanto ele está sofrendo.

— Porque… — Elinalise começou a falar, mas então se lembrou. Roxy ainda não sabia.
— Porque a pessoa com quem ele casou, a esposa dele, é minha neta.

— Hã?! — O copo de Roxy deslizou por sua mão e seu conteúdo voou por todo o lugar
antes de rolar pela mesa e atingir o chão com um barulho seco. — O quê? Rudy é
casado?

— Sim, ele é. E seu filho irá nascer em breve.

— A-Ah, então é assim… B-Bem, quero dizer, claro que é. Rudy já está nessa idade…
— Roxy não conseguiu esconder o quão abalada ficou enquanto se abaixava para pegar
o copo caído. Levou ele aos seus lábios sem pensar, antes de lembrar que tinha
derramado tudo, e então pediu outro. — Hm, quero o álcool mais forte daqui.

Seus olhos giravam conforme ela cruzava seus braços na região do peito. Casamento.
Verdade, até mesmo Rudeus se casaria. Sim. Era normal. Ou era o que ela tentava dizer
a si mesma.

E então Roxy se lembrou de como agiu no labirinto e cerrou os dentes. Ela tinha dado
em cima dele, pensando que estava solteiro. Rudeus foi mais receptivo do que ela
jamais tinha experienciado antes, mas talvez a única razão para não a rejeitar na hora era
por ser uma conhecida. De outros pontos de vista, devia ter sido hilário; a palhaçada
mais interessante de todas.

Roxy queria gritar para eles: “Por que ninguém me contou?!” Mas a reclamação
permaneceu presa em sua garganta.

De qualquer forma, no momento, não eram seus sentimentos que importavam.

— A-Ainda assim, mesmo que ele seja casado, é uma emergência. Não poderiam ser
perdoados por fazer apenas dessa vez? — Nem mesmo Roxy entendia as palavras que
estavam saindo de sua boca. Ela apenas sentiu intensamente que tinham que fazer algo
para que Rudeus se recuperasse.

— Talvez, mas não posso ser eu quem fará isso — disse Elinalise angustiadamente.
Roxy não conseguia entender a emoção na voz da elfa ou a frustração visível em seu
rosto.

— Perdão pela demora. — Um garçom interrompeu.

— Ah, obrigada.

Convenientemente, sua bebida havia chegado. Roxy a levou à boca e engoliu tudo de
uma só vez. A bebida queimou, descendo por sua garganta seca e se espalhando por seu
corpo como um incêndio. Provavelmente parecia deliciosa para ela naquele momento, já
que seu corpo desejava algum álcool.

— Além disso, Rudeus e eu já… — Elinalise parou bem nessa hora, fechando a boca.
— Bem, mesmo que eu não consiga ajudar, Geese pode arrastar ele até um bordel,
certo?

— Não confio muito nisso — disse Geese, incerto. — Realmente acha que Rudeus vai
se animar transando com alguma garota que não conhece?

— Bem, o que ele precisa agora é da capacidade de se apoiar em alguém em quem


confie — disse Elinalise.

— Então a Lilia?

Ela encarou Geese.

— É exatamente isso que…

— Tá, tá, entendi! — Ele levantou as mãos para se render. — Não fique tão irritada.

Os sentimentos de Elinalise sobre essa questão eram complicados. Ela não queria
atrapalhar o casamento dele com Sylphie, mas queria ajudar Rudeus. Se ela se deitasse
com ele, conseguiria ajudá-lo. Elinalise tinha certeza disso, essa não era a primeira ou a
segunda vez que estava nesse tipo de situação, na qual ajudaria um homem a curar as
feridas de seu coração. Mas também não conseguia parar de pensar que fazer isso seria
uma escolha desastrosa da qual jamais conseguiria esquecer.

Ela não sabia o que fazer.

Normalmente não se importaria em sujar as próprias mãos. Elinalise havia feito isso
diversas vezes. Mas, dessa vez, seu desejo de não trair Cliff ficou no meio do caminho.
Ela simplesmente não conseguia.

—…

Ficaram todos em silêncio. Apenas os sons baixos de pessoas tomando suas bebidas
permaneceram no local. Ninguém do grupo ousou falar algo. O ar estava estagnado
como em um funeral.

— De qualquer forma, também temos a Zenith do jeito que ela está agora. Quero que o
chefe se recupere o mais rápido possível para sair logo dessa cidade.

Com as palavras de Geese, os três restantes suspiraram.

— É, não discordo — disse Talhand grosseiramente. Afinal de contas, foram seis anos
(seis!) desde o Incidente de Deslocamento. Um longo período de tempo na visão de
todos, no qual viajaram do Continente Central para o Continente Demônio, do
Continente Demônio para o Continente de Begaritt, e então começaram a se aventurar
no Labirinto de Teletransportação. Havia sido intenso, frequentemente difícil de
prosseguir, mas conseguiram passar por tudo, tanto pelos bons quanto pelos maus
momentos, com a esperança de se despedirem rindo quando tudo acabasse.

O Incidente de Deslocamento foi uma ocorrência desagradável, mas o tempo que


passaram juntos não foi completamente horrível. O grupo acabado e separado
lentamente se juntou de novo. Elinalise e Talhand trabalharam juntos, enquanto Geese
entrou em ação por Paul. Paul e Talhand se reconciliaram. Paul e Elinalise até mesmo
voltaram a lutar lado-a-lado nos momentos finais.

Nenhum deles tinha imaginado que iriam se juntar novamente assim, mas então lá
estavam eles, com Paul no centro. Tudo que tinham que fazer era resgatar Zenith e
localizar Ghislaine, onde quer que ela estivesse, para que todos pudessem voltar a beber
juntos. Era isso que tinham imaginado.

Mas o Paul caiu.

Isso foi o suficiente para que uma sensação indescritível de exaustão os esmagasse,
como se tivessem feito tudo por nada. Era o tipo de exaustão que se sentia após passar
horas construindo algo, apenas para que tudo caísse bem no final.

Rudeus não era o único abatido.

— Não fiquem tão tristes — disse Talhand. — Rudeus é o garoto do Paul. Pode estar
deprimido por agora, mas eventualmente vai se reerguer, sem dúvidas.
Elinalise hesitou antes de dizer:

— Espero mesmo que você esteja certo.

—…

Ela e Geese assentiram vagamente às palavras do anão. Eles sabiam da fraqueza do


garoto, mas ele já tinha dezesseis anos. Não era mais uma criança. A situação podia ser
desagradável, mas ele era um adulto incrível em seu coração. A morte chegava para
todos. E estava sempre especialmente próxima para os aventureiros. Os pais de todos
em algum momento morreriam, todos teriam que lidar com isso em algum ponto de suas
vidas. Foi por isso que assumiram que Rudeus eventualmente conseguiria fazer o
mesmo.

—…

Apenas uma pessoa entre eles não assentiu com a cabeça. Foi Roxy, seus pensamentos
estavam preenchidos por memórias de muito tempo atrás.

Rudeus

Percebi que era noite quando olhei pela janela. Estava sentado em minha cama,
pensando em nada. Quantos dias tinham passado? Isso ao menos importava?

Enquanto pensava nisso, alguém bateu à minha porta.

— Rudy, podemos conversar um pouco?

Quando segui o som da voz, vislumbrei Roxy na entrada. Eu tinha deixado a porta
aberta por esse tempo todo?

— Mestra — falei após uma longa pausa. Parecia que eu não tinha falado por anos.
Minha voz estava tão rouca que não tive certeza sobre ela ter me ouvido ou não.

Roxy rapidamente se aproximou de mim.

Algo parecia diferente do normal. Me perguntei o que era… Ah, era aquilo! Ela não
estava usando seu robe. Sua camisa e calça eram peças de tecido fino. Essa era uma
visão e tanto.

— Com licença — disse ela, rigidamente, ao se sentar ao meu lado na cama. Vários
segundos se passaram em silêncio. Roxy falou devagar, como se estivesse escolhendo
as palavras cuidadosamente: — Quer ir a algum lugar comigo para tomar um ar?
— Hã…?

— B-Bem… — gaguejou ela. — Existem vários itens mágicos nesta cidade, alguns que
você não seria capaz de encontrar em outros continentes. Talvez seja interessante dar
uma olhada neles, não acha?

— Não… Não estou no clima para isso.

— A-Ah, não está?

— Sinto muito.

Ela estava me chamando para sair. Eu sabia que era porque queria me animar.
Normalmente, eu teria ido atrás dela feito um cachorrinho, mas simplesmente não me
sentia animado para isso no momento.

O silêncio pairou entre nós.

Roxy, novamente, pareceu escolher suas palavras conforme falava:

— É lamentável o que aconteceu com o Senhor Paul e a Senhorita Zenith.

Lamentável? Lamentável… Isso realmente era algo que podia ser resumido em uma
palavra? Bom, essa não era a família dela.

— Ainda consigo lembrar detalhadamente de nós cinco vivendo juntos em Buena


Village. Aquela deve ter sido a época mais feliz da minha vida — disse Roxy baixinho
enquanto segurava minha mão. A dela estava quente.

—…

— Sendo um aventureiro, não é incomum que pessoas próximas a você morram. Eu


entendo essa dor. Já passei por ela.

— Por favor, não minta para mim — falei. Eu já conhecia os pais da Roxy. Eles
estavam vivos e saudáveis. Ela podia não ter os visto por um tempo, mas isso com
certeza não tinha mudado. — Sua mãe e seu pai estão vivos e bem, não estão?

— Isso é verdade — disse ela, pensativa. — Faz alguns anos desde que os vi, mas
pareciam bem. Tenho certeza de que eles ainda têm algumas centenas de anos para
viver.

— Então você não entende! — Uma onda de emoções inundou meu peito e afastei a
mão dela de mim. — Não diga essas palavras tão casualmente! — Senti o último pingo
de força se esvair de mim conforme eu gritava.

Roxy, embora estivesse surpresa, parecia estar seriamente pensando em suas próximas
palavras.
— A pessoa que morreu era alguém que tinha formado um grupo comigo e tinha me
ensinado o básico logo após eu me tornar uma aventureira. Eu não iria tão longe ao
ponto de falar que o considerava um pai, mas o via como um irmão.

—…

— Ele morreu me protegendo.

—…

— Assim como você, também fiquei angustiada com a morte dele.

—…

— Claro, não acho que foi tão ruim quanto está sendo para você, ao perder seu pai e
finalmente encontrar sua mãe e ela estar… doente. Mas me deixou extremamente
deprimida.

—…

— É por isso que acho que consigo entender um pouco, mesmo que seja apenas um
pequeno fragmento, do que está sentindo agora.

Então não entende nada.

Ela não entendia como eu me sentia, tendo reencarnado e ficado preso entre o passado e
o presente. Eu não estava apenas triste pela morte de Paul. Também não estava
simplesmente lamentando por Zenith ter se tornado uma casca vazia.

Eu tinha percebido algo.

Desde que reencarnei e decidi me esforçar, pensei que estava fazendo um bom trabalho.
Mas, no final, ignorei algo importante. Virei as costas para a discórdia entre eu e minha
família da minha vida passada. Continuei desviando o olhar mesmo após renascer. E,
como resultado, cometi o mesmo erro pela segunda vez, agora neste mundo.

Fui incapaz de fazer algo para meus pais antes que Paul morresse e Zenith se tornasse
uma casca vazia. Fiz exatamente a mesma coisa de novo; repetindo o erro, um que não
poderia ser consertado.

Minha vida passada de trinta e quatro anos, minha vida atual de dezesseis anos.
Cinquenta anos vividos, no total, e ainda assim fiz de novo.

Em minha vida passada, eu era incurável. Mas, quando reencarnei neste mundo, pensei
que tinha mudado. Então, fui confrontado pela realidade de que nada mudou. Por fora
parecia tudo bem, mas a verdade era que eu sequer tinha dado o primeiro passo.

Me recuperar parecia impossível, honestamente. Saber que Roxy passou por algo
parecido e conseguiu superar o acontecimento me tranquilizou um pouco.
— Eu fui verdadeiramente feliz durante meus dias em Buena Village — continuou ela.
— Originalmente pretendia ir para o Reino Asura para trabalhar por lá, mas não
consegui encontrar nenhum emprego. Então decidi pegar um emprego temporário no
interior como tutora particular. Mas lá estava você, transbordando talento, e Paul e
Zenith me trataram tão bem. Creio que foram eles que me ensinaram como a gentileza,
a verdadeira gentileza, de uma família é — disse Roxy enquanto olhava para mim. Seus
olhos pareciam gentis e calorosos. — Eles eram como minha segunda família.

Ela se levantou da minha cama, foi para trás de mim e se ajoelhou conforme passava
seus braços ao redor da minha cabeça, como se estivesse me acalmando.

— Rudy, acho que consigo compartilhar da sua tristeza.

Senti algo macio ser pressionado contra a parte de trás da minha cabeça. Tu-tum, tu-
tum. Consegui sentir as batidas gentis de seu coração. Um som relaxante. Por que
escutar ele me confortou? Por que isso me fez sentir que tudo ficaria bem?
O mesmo podia ser dito de seu cheiro. O cheiro da Roxy também era relaxante. Até
então, sempre que eu passava por dificuldades, lembrar desse cheiro e do que ela me
ensinou tinha sido estranhamente reconfortante. Quando estava nas garras de minha DE,
só pensar em Roxy era o suficiente para me ajudar a suportar.

Por quê? A resposta estava presa em minha garganta, mas se recusava a sair.

— Sou sua mestra — disse ela. — E mesmo que eu seja pequena e inadequada, já vivi
mais do que você, além de que sou forte. Não me importo caso se apoie em mim.

Segurei uma das mãos que estavam em volta do meu pescoço. Era tão pequena e,
mesmo assim, parecia tão grande. Somente olhar para suas mãos já me dava conforto.
Imaginei se aquele senso de alívio aumentaria caso chegasse mais perto.

— Tenho certeza de que, mesmo quando as coisas estiverem difíceis, você pode aliviar
o fardo ao dividi-lo com alguém — disse Roxy enquanto se afastava.

Instintivamente puxei sua mão de volta.

— U-Uou! — Seu corpo pequeno facilmente caiu em meu colo. Nossos rostos se
aproximaram, os olhos se encontraram; os de Roxy pareciam sonolentos, úmidos pelas
lágrimas. Seu rosto estava vermelho e seus lábios fechados. Coloquei uma mão em suas
costas, puxando-a para mais perto. Seu coração estava batendo furiosamente e ela estava
quente.

— E-Está tudo bem se fizermos isso — gaguejou Roxy.

Fizermos o quê? — pensei.

— Q-Quero dizer, me disseram que o coração de um homem fica mais leve após ele se
deitar com uma mulher.

Quem diabos falou isso para ela? Ah… Elinalise? Mas o que é que aquela elfa estava
falando para a Roxy em um momento desses?

— É o mesmo para as mulheres. Quando as coisas estão difíceis, querem algo que faça
elas esquecerem. Também estou devastada com a morte do Senhor Paul, então se for o
que você quer fazer, não me importo se dormirmos juntos. — Ela falou tão rápido que
suas palavras se misturaram, o que a fez começar a tagarelar. — Isso, quero que me
ajude a esquecer. Mas meu corpo é um pouco simplório… Se não estiver interessado,
pode ir para um bordel, ao invés de…

Eu tinha um respeito imenso por ela do jeito que ela era. Como seria se eu fizesse como
tinha sugerido e dormíssemos juntos?

— D-De toda forma, posso não parecer, mas tenho um pouco de experiência! Tenho
certeza de que posso ser melhor do que qualquer garota que achar pelas ruas. Veja isso
somente como algo casual, uma forma de se livrar de tudo de ruim, como uma forma de
experimentar, somente uma vez…

Suas explicações incoerentes me deixaram perdido, mas eu ainda me sentia envolvido


por ela. Se tinha achado os batimentos do coração dela tão relaxantes, então quanto
alívio mais sentiria se nossos corpos fossem pressionados juntos? Minha mente hesitou
com aquela desculpa conforme ela falava.

— Uh, bem, se realmente está interessado em fazer com uma pessoa habilidosa, talvez
possa implorar para a Senhorita Elinalise e… ah!

A joguei na cama; de qualquer jeito, violentamente. Talvez estivesse frustrado demais.

Quando abri meus olhos na manhã seguinte, a primeira coisa a me cumprimentar foi o
rosto sonolento de Roxy. Ela parecia tão inocente com aquele cabelo solto.

Ao mesmo tempo, o pensamento de que ferrei com tudo correu pela minha mente.

— Haaa… — Um suspiro escapou. Como explicaria isso para Sylphie? Era mais uma
coisa para eu me preocupar no momento.

Mas, por alguma razão, minha visão parecia estar mais nítida, como se tudo que havia
me angustiado não passasse de um sonho. Ainda havia um peso, uma tristeza presa a
mim, mas eu não me sentia mais no fundo do poço. Não chegava nem perto do que
sentia no dia anterior.

Por que foi tão efetivo? Era por ter feito um ato relacionado com gerar uma nova vida?
Isso tinha aliviado minha tristeza pela perda de Paul? Talvez não. Por ter feito sexo,
deixei o problema de lado por um tempo.

— Hmm…

De repente, Roxy abriu os olhos. Ela me encarou sem piscar por alguns segundos antes
de pegar a coberta, segurando-a para cobrir seu corpo.

— Bom dia, Rudy… — murmurou ela, desviando o olhar. — Hm, e então?

Eu não podia mentir. Fui terrivelmente bruto com ela. Soube quase de imediato que o
que ela disse sobre ter experiência não foi nada além de uma mentira descarada, mas
não deixei isso me incomodar. Roxy aceitou tudo de braços abertos, até mesmo a dor.
Eu me sentia grato e culpado ao mesmo tempo.

Elogiá-la parecia ser errado, dado que eu amava Sylphie. Falando honestamente, seu
corpo era um pouco pequeno e não combinava muito com o meu. Claro, estaria
mentindo se falasse que não me senti bem. Era verdade que, até esse momento, eu me
sentia relaxado. Caso isso fosse acabar magoando, não havia razão para mentir.

— Foi incrível — falei por fim.

O rosto de Roxy se aqueceu gradualmente.

— Obrigada… mas não foi isso que eu quis dizer. Por “e então”, queria perguntar como
sua mente está. Está um pouco melhor?

Ah, era isso que ela queria dizer? Ops…

— Está sim.

— Então, como agradecimento, eu ficaria feliz se me envolvesse com seus braços.

— Claro. — Como solicitado, coloquei meus braços ao seu redor. Sua pele era macia e
estava úmida pelo suor. Foi através dessa pele suave que pude sentir os batimentos de
seu coração. Um som tranquilizante.

— Seus braços são fortes — disse ela. — Não parecem com os de um mago.

— Estive treinando.

Seus dedos passaram levemente por meu peito e por meu antebraço. Esse movimento
foi tão amável que meu amor por Sylphie ameaçou oscilar.

Lentamente, me afastei de seu corpo e me levantei.

— Mestra, posso te perguntar algo? Algo estranho.

Uma pausa, e então:

— O que seria?

Ela devia ter percebido a seriedade. A expressão de Roxy ficou séria conforme se
sentava na cama e colocava suas pernas para baixo. E, enquanto se sentava
cuidadosamente, estava completamente nua. Foi tão sensual e estimulante que tive que
desviar meu olhar e usar o lençol para esconder minha parte de baixo conforme
continuava a conversa.

— Essa história é apenas uma ficção, algo que inventei — falei antes de começar. E
então contei para ela a história de um homem; um faz-de-conta, claro.

Quando era jovem, coisas terríveis aconteceram com ele, o que o fez se isolar. Ele viveu
puramente do apoio financeiro de seus pais por décadas. Mas, um dia, seus pais
morreram de repente. O homem nem mesmo foi ao funeral deles; não, fez a pior coisa
que uma pessoa possivelmente poderia fazer. Os outros membros de sua família viram
isso, o espancaram e o expulsaram de casa.
Ainda que o homem não tivesse nada, foi sortudo o suficiente para renascer em um
novo mundo. Ele decidiu mudar e começou a tentar trilhar um novo caminho. A vida
estava indo bem e ele pensou que poderia ser feliz caso as coisas continuassem do
mesmo jeito. Mas então cometeu um erro terrível e deixou alguém importante para ele
morrer. Foi nessa hora que o homem se lembrou da morte de seus pais. Mesmo que
fosse tarde, finalmente lamentou sua perda.

Foi essa a história.

Quanto mais eu contava, mais o que estava reprimido e apodrecendo em meu coração
parecia ser jogado para fora. Talvez tudo que eu quisesse fosse alguém para escutar
minha história. Talvez fosse algo simples assim.

Roxy me escutou em silêncio. Ela comentou algo aqui e ali, mas na maior parte do
tempo ficou em silêncio.

— O que acha que esse homem deveria fazer? — perguntei após terminar.

—…

Ela permaneceu em silêncio por um tempo. A história surgiu do nada. Talvez estivesse
com dificuldades para encontrar uma forma de responder. Eu tinha certeza de que ela
não achava que a pessoa da história fosse eu, mas ela era inteligente, talvez tivesse
adivinhado que havia algo por trás disso.

— Se fosse eu — disse ela —, visitaria os túmulos de meus pais. Mesmo agora, não é
tarde demais. Também iria falar com outros membros da família.

— Mas os túmulos e esses membros da família estão tão longe que o homem não pode
vê-los tão facilmente. Se fizer isso, pode ser que nunca mais seja capaz de voltar. O
homem agora tem uma nova vida. Ele tem sua própria família nesse novo mundo e quer
cuidar dela.

— Então ele não pode voltar?

— Não — respondi. — Há uma grande chance de que não conseguiria voltar mesmo se
quisesse.

Roxy voltou a ficar em silêncio. Dessa vez foi por menos tempo que da outra.

— Nesse caso, não há nada a ser feito. Tudo que pode fazer é valorizar a família que
agora possui.

Suas palavras foram inacreditavelmente clichês. Qualquer pessoa teria dito o mesmo;
qualquer pessoa teria pensado a mesma coisa. As palavras não foram nada especiais.

— Até mesmo Paul iria querer que fizesse o mesmo, Rudy — disse Roxy abertamente,
afirmando o óbvio. Suas palavras eram coisas banais, palavras que eu já havia escutado
em algum outro lugar. — Por favor, olhe para o futuro. Todos estão esperando por você.
E, ainda assim, ouvir essas palavras fez eu sentir como se um peso tivesse sido tirado de
meu coração.

Não eram apenas as palavras dela que eram comuns. A morte de meus pais no meu
mundo anterior ou até mesmo a morte de Paul eram eventos inevitáveis. Tudo que eu
podia fazer era enfrentar isso tudo e aceitar. Afinal, ali estava eu, vivo e nesse mundo.
Um mundo no qual continuaria vivendo.

Me senti ansioso em saber que teria que contar sobre a morte de Paul e a invalidez da
Zenith para a família que nos esperava nos Territórios Nortenhos. Me senti ansioso
sobre o que deveria fazer a partir dali. Eu estava sendo sufocado pela ansiedade por um
futuro cheio de incertezas. Mas não podia fugir. A única coisa que poderia fazer era
resolver os problemas pela frente. Eu não fazia ideia do que deveria fazer, mas tudo
que poderia fazer era resolver cada questão, uma de cada vez.

Isso era o que eu decidi fazer desde que cheguei neste mundo, não era? Que iria me
esforçar ao máximo. Por isso, não poderia desviar do meu caminho. Não importando
quantas provações aparecessem, iria superá-las. Eu tinha que superá-las, mesmo que
isso não fizesse a dor desaparecer por completo. Mesmo que resultasse em apenas um
pouco de alívio.

Senti como se tivesse me libertado das correntes que me puxavam para baixo.

— Mestra — falei.

— Sim?

— Obrigado.

Roxy me salvou de novo. Não existia gratidão suficiente para recompensá-la por isso.
Cap. 12 – Vamos Para Casa

Decidi consultar alguém sobre Zenith. Agora que estava pensando na situação com
calma, não era um problema que eu poderia resolver sozinho. Precisava obter a opinião
de outra pessoa e, além disso, havia outro membro da família presente comigo.

— Mestra, estou pensando em conversar com a Senhorita Lilia a respeito do que fazer a
partir de agora.

— Acho que seria uma boa ideia.

Assim que nos vestimos e nos arrumamos, saímos porta afora. Elinalise escapuliu de
seu quarto exatamente ao mesmo tempo, nossos olhos acabaram se encontrando. O dela
ficou largo de surpresa depois de um olhar rápido entre Roxy e eu.

— Roxy, você… — Ela começou a falar.

— Rudy, sinto muito, mas também tenho algo que preciso conversar com a Senhorita
Elinalise. Vá em frente e se encontre com a Senhorita Lilia.

Sobre o que ela tinha que falar com Elinalise? Eu tinha uma vaga ideia, mas se fosse o
que estava pensando, provavelmente seria melhor não estar presente.

— Entendido. — A deixei para trás e fui para um dos quartos mais adiante, aquele onde
Zenith estava dormindo. Pouco antes de entrar, lancei um breve olhar para trás, o
suficiente para ver Elinalise e Roxy correndo para dentro de um quarto.

Fui em frente e passei pela porta. Zenith estava sentada na cama com Lilia ao seu lado
em uma cadeira. A visão me lembrou de um quarto de hospital, e meus lábios se
pressionaram de forma tensa.

— Senhorita Lilia?
— Sim, pois não, Lorde Rudeus? — Ela estava cuidando de Zenith, seu rosto revelando
exaustão.

Antes de fazer qualquer outra coisa, precisava consultá-la.

— Sinto muito por te forçar a cuidar da minha mãe — falei.

— De forma alguma. É o meu trabalho.

— Ah, certo.

Um trabalho – ela realmente poderia chamar disso? Não era como se estivesse sendo
paga por isso.

— Como ela está? — Olhei para minha mãe, que apenas retribuiu o olhar. Ela não
tentou falar comigo ou me examinar. Tudo que ela fez foi ficar olhando fixamente.

— Bem, embora ela não pareça ter memórias, seu corpo está estranhamente saudável.
Ela também tem um pouco de vigor. Não parece ter qualquer outra deficiência. Pode
completar certas tarefas sozinha, uma vez que eu a instrua, como comer e trocar de
roupa.

— Sério? — Então isso significava que ela não era uma completa inválida. Ela apenas
perdeu a memória.

Lilia continuou:

— A opinião de Shierra é de que provavelmente seja um efeito colateral da mana presa


naquele cristal.

— Ela vai se recuperar?

Ela hesitou.

— De acordo com o que a Senhorita Elinalise me disse, não há esperança de que isso
aconteça.

Elinalise disse isso? Ela sabia sobre esse tipo de coisa? De qualquer forma, senti que
ainda era cedo demais para desistir. Não havia nem mesmo médicos decentes que
poderiam ser levados em conta.

— A senhora me tratou bem. Agora que o mestre faleceu, cuidarei dela.

— Também quero fazer o que puder.

Assim que eu disse isso, Lilia disse secamente:

— Isso não é necessário. — Suas palavras foram frias e isolantes.


— Hã…? — Engasguei de surpresa, embora sentisse que não tinha o direito de discutir.
Logo depois que meu pai morreu, quando minha mãe mais precisava dos meus
cuidados, não fiz nada por ela. Se Lilia estava farta de mim, era por minha culpa.

Mas então ela continuou:

— Sei que estou sendo impertinente, mas me permite falar francamente por um
momento?

— Claro, fale.

— Você deve se concentrar em si mesmo.

Eu hesitei.

— Em… mim mesmo?

— Tenho certeza de que é isso que o mestre diria — acrescentou ela.

Eu não conseguia concordar. Ele era – bem, todo mundo sabe – mais egoísta do que
isso.

— Sou eu quem deve cuidar da senhora. É por isso que estou aqui.

Lilia estava exausta. Tinha que estar. E, ainda assim, continuava tão forte. Ela já tinha
aceitado a morte de Paul e estava seguindo em frente. Eu precisava aprender com seu
exemplo.

— Senhorita Lilia, você pode ficar chateada se eu perguntar…

— Não vou — ela interrompeu.

— Mas o que devo fazer? — Eu sabia que era algo que eu deveria descobrir sozinho,
mas, ainda assim, perguntei.

Lilia me olhou surpresa. Poderia dizer que eu já sabia a resposta, mas queria ouvir outra
pessoa dizendo isso.

— Primeiro, deve voltar para a Senhora Norn e os outros e informar sobre a morte do
mestre.

Verdade. Precisava ir para casa.

No dia seguinte, reuni todos e informei que estávamos saindo da cidade. Era quase
como se eu estivesse assumindo a posição de líder. Todo mundo obedeceu. Talvez
tenham me visto como o substituto de Paul. Se isso fosse verdade, eu precisava ser
digno da posição.

Só por garantia, fui em frente e expliquei o caminho que seguiríamos. Evitei mencionar
os círculos de teletransporte, dizendo apenas que estávamos usando um método único
para retornar. Também fiz uma advertência estrita para que não mencionassem esse
método a qualquer outra pessoa.

— Mas Geese é do tipo que bebe um pouco e já começa a dar com a língua nos dentes
— disse Elinalise.

— Hm, bem, não mencionarei o nome do Chefe, mesmo se isso acontecer, então não
precisa se preocupar.

Não se pode selar a boca das pessoas. Eu não daria a localização exata para eles. Na
verdade, preferia vendá-los antes de entrar nas ruínas, se possível.

Espera, isso, essa era uma boa ideia. Usaria vendas. Cobrir os olhos para que não
vissem os círculos mágicos seria uma forma eficaz de impedir que a informação se
espalhasse.

— Esta viagem vai ser boa e tal, mas, Chefe, você já está melhor? — Geese parecia
estar preocupado. Sua cara de macaco estava franzida enquanto ele olhava para mim.

— Eu pareço estar bem?

Ele contraiu os lábios.

— Não, na verdade não… Mas, bem, parece estar melhor do que antes.

— Bom, então estou bem.

Para ser sincero, eu ainda não estava bem. Graças a Roxy, consegui ao menos sair do
fundo do poço. Mas eu tinha dúvidas se poderíamos mesmo fazer a jornada de volta
para casa.

Virei para Lilia.

— Como minha mãe está? Vamos viajar por um deserto por meio mês. Acha que ela
consegue aguentar?

— Não tenho certeza, mas assumirei a responsabilidade de cuidar dela ao longo do


caminho.

— Fico agradecido.

Lilia parecia séria ao declarar suas intenções. Eu tinha certeza de que também poderia
ajudá-la em sua tarefa. Se houvesse algum problema com a resistência de Zenith,
poderíamos diminuir um pouco o ritmo.

Geese disse:

— Se você está preocupado, vamos comprar uma carruagem.


— Você sabe que em algum momento precisaremos nos livrar disso, né? — apontou
Elinalise.

— Ah, quem se importa? Agora estamos nadando em grana.

Enquanto eu mergulhava em tristeza, Geese e os outros contrataram algumas pessoas


para entrar no labirinto e coletar os itens mágicos localizados na câmara do tesouro além
da sala da hidra. O labirinto de teletransporte era um lugar antigo, incontáveis
aventureiros perderam suas vidas lá, então era abundante em itens mágicos. Também
despojaram a criatura de suas escamas – ou melhor, das pedras mágicas grudadas em
sua pele. Aquelas eram pedras capazes de absorver mana. Vender tudo nos rendeu uma
fortuna colossal.

— Estamos levando tudo que podemos para vender em Asura — disse ele, mostrando
uma bolsa com as costuras estourando por causa do número de pedras mágicas e
acessórios como anéis e pingentes.

Paul morreu e eu estava de luto, mas Geese estava preocupado com como ganhar mais
dinheiro. Só de pensar nisso já me irritava um pouco. Mas, pelo bem do nosso futuro,
pelo menos, seria tolice não recuperar tudo o que pudéssemos. Dinheiro era essencial e,
ao menos assim, todos seriam recompensados pela ajuda. O julgamento de Geese estava
correto.

Além disso, considerando que acabei depressivo e não fiz nada, não era como se
estivesse em uma boa posição para dizer alguma coisa. Eu tinha certeza de que ele teria
obedecido, mesmo que relutante, se eu ordenasse um retorno para casa no dia seguinte.

— Entreguei a sua parte para Lilia — ele informou.

Os outros se encontraram e decidiram como dividir o dinheiro sem mim. Me entregaram


uma porção enorme, em parte porque também recebia porcentagem de Paul, mas
também porque Talhand dividiu a metade dele comigo, dizendo: “Eh, não fui muito útil
desta vez, então toma.” Vierra e Shierra, também reconhecendo o quão difícil seria para
nós, sem Paul, dividiram suas partes com Lilia. Ela pretendia dar todo esse dinheiro
para mim.

Na minha opinião, todo mundo fez o melhor que pôde, então achei que deveriam ficar
com suas partes. Mas, bem, de cavalo dado não se olha os dentes. Era verdade que as
coisas sem dúvida ficariam mais difíceis desse ponto em diante.

— Também fizemos uma varredura completa da área final, mas não encontramos
nenhuma pista do motivo pelo qual Zenith foi parar lá. — Geese deu de ombros.

— Nada, hm? Bem, obrigado por conferir — falei.

— Nah, não foi nada.

Não fazíamos ideia do que fez com que Zenith ficasse presa naquele cristal. Mesmo se
descobríssemos o motivo, não havia garantia de que isso levaria à sua recuperação. De
qualquer forma, o tratamento teria que esperar até que voltássemos para casa.
— Geese, posso confiar os preparativos para nossa partida a você e à Senhorita
Elinalise?

— Aham — disse Geese.

— Muito bem — disse Elinalise.

Eu tinha certeza de que podia confiar neles para isso.

Planejamos todos os detalhes da nossa viagem. Eu conhecia a rota e todos eles eram
viajantes experientes, mas eu não queria perder mais ninguém, então procedi com
cautela. Traçamos uma rota que nos permitia evitar os bandidos que encontramos ao
longo do caminho. Graças a isso, criamos um pequeno desvio, mas isso não seria
problema.

Fiquei preocupado com Zenith, mas esse problema logo foi resolvido. Gesse comprou
uma carruagem para uma pessoa que seria puxada por um animal parecido com um tatu.
Parecia ter sido projetada especialmente para viagens pelo deserto. Gesse se saiu bem.

O “tatu” parecia ser uma fera domesticada que vivia na parte oriental do Continente de
Begaritt. Comprar um e simplesmente descartá-lo depois parecia puro desperdício, mas
como diz o ditado, não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos.

Ainda assim, se íamos tão longe, poderíamos muito bem levar a fera pelo círculo de
teletransporte e levá-la para casa conosco. Contanto que pudéssemos passar pelas
escadas, estaria tudo bem. Mas se acabasse morrendo devido às condições climáticas
quando chegássemos ao outro lado… Nah, se o deixássemos no deserto com certeza
acabaria morto. Poderíamos também depois vendê-lo a alguém com afinidade por esses
animais.

Assim, nossos preparativos foram concluídos e partimos.

A viagem correu bem. Facilmente desviamos dos bandidos. Encontramos alguns


monstros ao longo do caminho, mas com nossos números, não representaram perigo
algum. Tínhamos dois guerreiros, dois magos, um mago guerreiro e uma curandeira.
Havia uma diferença distinta de poder entre cada pessoa, mas éramos um grupo bem
equilibrado. Embora estivéssemos sentindo falta de um espadachim que deveria estar
fazendo essa jornada conosco…

Viajar sem a mão esquerda se provou mais inconveniente do que eu imaginava. Não
doía, mas muitas vezes eu tentava usá-la sem pensar, apenas para ver meu braço
varrendo o vazio. Muitas coisas se provaram difíceis sem ambas as mãos. Felizmente,
Roxy estava sempre lá para ajudar. Desde aquela noite, ela ficou grudada em mim, me
apoiando. E adquiriu o hábito de caminhar à minha esquerda. Então, sempre que algo
acontecia, estava lá para ajudar. Quase como um amante.

—…

Eu era estúpido. Disse a mim mesmo que não seria, mas era. Porém, mesmo eu não
pude deixar de perceber isso: Roxy tinha sentimentos por mim.
— Hm, Mestra? — Uma noite, quando estávamos a sós de guarda, a chamei.

Havia uma fogueira crepitante diante de nós, e ela se sentou ao meu lado. Todos os
outros estavam dentro do abrigo, dormindo. Ele era robusto o suficiente, mas ainda
mantivemos a vigia para duas pessoas em turnos, apenas por segurança.

— Bem, o que foi, Rudy?

Roxy estava sentada perto. Bem ao meu lado, na verdade, com seu corpo pressionado
contra o meu. Eu podia sentir a suavidade e o calor de seus pequenos ombros através do
tecido de seu robe. Era quase como se fôssemos amantes.

Digo, tínhamos feito algo que amantes fazem. A noite que passei com ela, apoiado nela,
cedendo à sua bondade – poderia ter levado ao mal-entendido de que éramos amantes.
Ou, pelo menos, poderia ser o que ela queria.

Imaginei se Roxy sabia que eu era casado. Talvez não soubesse. Não achei que ela seria
tão ousada assim caso soubesse.

Não, o problema não era Roxy. Era eu. O que eu estava fazendo neste momento era
traição. Jurei fidelidade a Sylphie e, ainda assim, ali estava eu, quebrando esse voto.
Talvez seja melhor para mim deixar as coisas claras para ela, algo como: “Obrigado,
mas já estou bem. Vamos parar com isso por aqui, já que seria desrespeitoso com minha
esposa.”

Desde que conheci Roxy após chegar a este mundo, confiei muito nela. Ela me ensinou
magia e linguagem. De certa forma, só fui capaz de fazer amizade com Zanoba graças a
ela. Foi Sylphie quem curou minha disfunção erétil, mas, nos três anos de sofrimento,
Roxy foi uma fonte de apoio mental para mim. Eu devia muito a ela.

Além disso, ela chegou ao ponto de usar seu corpo para me confortar em um dos piores
momentos. Mesmo sendo a sua primeira vez, ela se ofereceu para me ajudar, para me
tirar da escuridão em que mergulhei. Quando eu estava fragilizado, de joelhos, ela
estendeu a mão para mim. Mesmo agora, estava mantendo seus verdadeiros sentimentos
para si mesma só para me ajudar.

Então, como pareceria – sentiria – ao deixá-la de lado depois que tudo acabasse? Não
era terrivelmente desrespeitoso?

Não. Chega. Chega de desculpas. Falar sobre bons modos ou como ela me salvou –
eram apenas desculpas. Eu amo a Roxy. Isso mesmo, a amo. Se me perguntassem quem
eu amo mais entre ela e Sylphie, não seria capaz de responder. Meu amor por cada uma
delas era diferente, mas igual.

É por isso que eu estava vacilando neste momento. Um momento em que amava
Sylphie, mas também Roxy. Mas foi a Sylphie que jurei minha fidelidade. Embora
tivesse quebrado aquele juramento, promessas continuavam sendo promessas, mesmo
após serem quebradas uma vez.
Sim, tudo bem, Sylphie disse: “Não me importo se você trouxer uma segunda mulher
para casa.” Mas fui eu quem rejeitou a ideia, jurando que só ficaria com ela. Ela ficou
tão feliz quando eu disse aquilo, não tinha dúvidas. Eu não poderia traí-la.

— Hm, sabe… a verdade é que sou casado e em breve terei uma criança. Então, me
sinto mal por dizer isso, mas poderia parar de fazer as coisas por mim como se fosse
minha amante?

Ela deu um pulo. Então murmurou:

— Eu já sabia que você é casado. A Senhorita Elinalise me contou.

— Ah, você sabia?

Então ela já sabia e mesmo assim estava agindo desse jeito. Então isso devia
significar… Espera, exatamente o que deveria significar?

— Tudo bem, eu entendo. Não há motivos para se preocupar. Fui eu quem tirou
vantagem de você em um momento de fraqueza — disse ela, seu tom completamente
monótono. — Além disso, sei que em circunstâncias normais, você nunca se envolveria
com alguém tão pequena e desagradável quanto eu.

— Pequena e desagradável? Isso é um absurdo — protestei.

— Não precisa me confortar, estou perfeitamente ciente de como sou.

Verdade, o corpo dela podia ser pequeno. Ela não tinha curvas e era magrinha. No
departamento feminino, seria derrotada até por Sylphie. Mas também poderia
simplesmente dizer que ela tinha um corpo de loli, e eu era do tipo que gostava disso.

— Não se preocupe. Não pretendo invadir sua vida. Serei apenas a sua mão esquerda
durante esta viagem. Quando tudo acabar, apenas me ignore e vá cuidar da sua esposa
— disse Roxy olhando hesitante para mim.

— Certo.

—…

Mesmo assim, ela realmente me salvou. Não fazer nada em troca não seria correto.

— Me permitiria ao menos recompensá-la?

— Me recompensar? — Roxy pareceu surpresa.

— Sim, se houver algo que eu possa fazer, é só dizer. Qualquer coisa.

Seus olhos vacilaram.

Ah, merda. Eu talvez tenha dito a coisa errada. Não era bem “qualquer coisa”. Qualquer
coisa era exatamente o que ela fez para me ajudar.
— Hm, bem, então… — resmungou ela.

— Sim?

— Então poderia ouvir minha desculpa? Só precisa escutar…

Uma desculpa? Uma desculpa pelo quê?

— Claro, tudo bem — falei. — Vá em frente.

Roxy ficou em silêncio por um curto período de tempo, mas as palavras finalmente
saíram, uma após a outra.

— Eu… me apaixonei à primeira vista.

— Por quem?

— Huh? — Roxy ficou bem confusa com a minha pergunta.

— Vai me dizer que se apaixonou pelo meu pai?

— Não, de forma alguma! Por você, Rudy, quando você me salvou naquele labirinto.

Quando nos reencontramos? Naquela hora, ela me tratou como um completo estranho,
foi tanto que nem consegui controlar minha náusea. Eu a abracei, do nada, e então
vomitei. Não vi nada pelo que valesse a pena se apaixonar nisso. Achava que seus
sentimentos se desenvolveram depois daquilo.

— Você não pode me culpar — disse ela. — Eu estava às portas da morte, prestes a
abandonar toda esperança, e esse jovem bonito e arrojado apareceu e me salvou.
Qualquer uma ficaria abalada com isso.

— Eu sou bonito?

Roxy balançou a cabeça.

— A perfeita imagem do meu parceiro ideal.

Sério? Seu parceiro ideal? Tive que me conter para não sorrir.

— Durante todo o tempo que estivemos explorando aquele labirinto, fiquei olhando
para o seu rosto — disse ela.

— Pensando bem, nossos olhos se encontraram várias vezes. Mas você sempre se virava
na mesma hora.

— Isso é porque, bem… — Roxy hesitou. — Vamos lá, olhar alguém tão bonito quanto
você bem nos olhos é constrangedor.

Então ela ficou envergonhada?


— Pensei que isso era impossível — disse ela. — A Senhorita Elinalise e os outros
estavam conversando no bar. “O que o Rudy vai fazer depois do que aconteceu com o
Paul?”… Esse tipo de coisa. A Senhorita Elinalise e o Senhor Geese disseram que você
ficaria bem, que poderia se virar sozinho. Mas lembrei do nosso tempo juntos em Buena
Village.

As palavras dela continuaram saindo.

— Lembrei de ver você e o Senhor Paul desfrutando de seu treino com espada juntos.
Vocês dois se davam tão bem naquela época. E então, de repente, lembrei de outra
coisa: a primeira vez que você montou um cavalo. Naquela época, estava tão apavorado.
Seu corpo estava tão tenso, e você não conseguia se mover. Pensei comigo mesma:
Ahh, essa criança é tão madura e cheia de talento, mas na verdade é bem fraca.

“Então lembrei de todas as suas interações com Paul. Desde quando treinaram juntos no
passado, até suas brincadeiras no labirinto. Vi como você estava deprimido, como
estava apático, e lembrei que você é muito mais fraco do que aparenta. Parecia que Paul
significava muito mais para você do que qualquer um poderia imaginar. Agora que você
o perdeu, temi que acabasse mergulhando na depressão e que não conseguiria se
recuperar por conta própria.

“Claro, não pensei que seria eu a te ajudar a se erguer. Ouvi dizer que você já amava
alguém. Eu tinha certeza de que essa pessoa poderia te colocar de volta nos eixos, caso
estivesse quebrado. Mas, naquele momento, você precisava dela, mais do que nunca, e
ela não estava aqui. Senti como se alguém precisasse te salvar. Mas a Senhorita
Elinalise e o Senhor Geese planejavam deixá-lo em paz, e a Senhorita Lilia estava
ocupada demais cuidando da Senhorita Zenith. Então pensei: Sou a única que pode
fazer isso.

“Tenho certeza de que isso deve soar como uma desculpa, mas no começo eu não
pretendia ir tão longe. Eu tinha a sensação de que você me respeitava, mas eu sou
pequena e pouco atraente. Não faço ideia de quem é a sua parceira, mas tenho certeza de
que deve ser uma beldade, já que é parente da Senhorita Elinalise. Nunca pensei que
existiria uma chance de você olhar para mim da mesma forma, mas ignorei isso,
pensando que estaria tudo bem, contanto que fizesse algo que pudesse ajudar.

“Mas então, quando você de repente me agarrou e eu vi seu rosto bem de perto… Bem,
não pude deixar de pensar, sabe, que talvez tivesse uma chance. A Senhorita Elinalise e
os outros tinham acabado de falar sobre como o sexo pode animar os homens quando
estão deprimidos. Então, pensei, talvez até eu consiga fazer isso. Não pude evitar. Eu te
amo.“

As lágrimas de Roxy começaram a descer, uma atrás da outra. No momento em que as


vi, a dor atingiu meu peito, como se meu coração estivesse sendo arrancado.

— Isso foi cruel — ela engasgou. — Meus sentimentos por você eram óbvios, mas
ninguém me contou que você era casado, não até bem depois de tudo. Isso não foi justo.

Imaginei a quem essas palavras foram dirigidas. Não a mim, pensei, então a Elinalise?
Mas é verdade que eu não tinha contado a ela sobre o meu casamento. Não havia
nenhuma razão especial para isso – simplesmente não mencionei. Se ela ia culpar
alguém, então eu era igualmente responsável.

Ainda assim, se nossos papéis estivessem invertidos… se eu tivesse me encontrado com


Sylphie, ela me salvado e eu me apaixonado por ela, então começaria a fazer investidas
amorosas apenas para descobrir que ela já tinha outro parceiro… Bem, eu
provavelmente ficaria abalado. Não, não existia qualquer dúvida quanto a isso. Eu
definitivamente ficaria.

— Hm, Mestra?

Eu queria que Roxy fosse recompensada pelo que fez. Ela devia ser recompensada.

— Oi? — ela perguntou.

Mas o que eu deveria fazer? O que poderia fazer para recompensá-la? Como poderia
fazê-la se sentir realizada sem trair Sylphie?

— Hm, então, por agora, por que não concedemos seu desejo enquanto fazemos esta
viagem? Serei seu amante até voltar para casa, e então…

E então o quê? Isso não resolveria nada. Eu sabia disso. Isso não ajudaria nenhum de
nós. Eu estaria apenas traindo Sylphie. Seria apenas temporário, foi a pior proposta que
eu poderia ter feito.

Após uma longa pausa:

— Essa é… uma ideia incrivelmente atrativa. — Roxy apertou meu braço com força.
Então, levemente, tocou a mão em minha bochecha. — Mas, por favor, não faça isso.
Você não precisa fazer nada.

— Tá bom…

Eu não tinha que fazer nada. Se Roxy estava bem com isso, eu faria o que ela pedisse.
Fiz tudo que ela me disse para fazer até então, e continuaria fazendo.

É isso que você quer, certo, Mestra?

Chegamos a Bazaar dentro de pouco mais de um mês.

Uma vez lá, compramos algumas lembranças, como vidros, para Sylphie e os outros.
Uma dessas peças era uma garrafa de vidro com um formato interessante e um acessório
de cabelo feito de vidro vermelho com um brasão tribal marcado nele. Rezei para que
nada quebrasse ao longo da jornada para casa.
Depois disso, compramos um pouco de arroz. Sementes de arroz, claro. Eu não tinha
certeza de que isso cresceria em casa, mas queria tentar. Se isso falhasse, eu poderia
comer como estava.

Naquela noite, Elinalise levou as mulheres do grupo para beber. Uma daquelas festas só
para garotas, acho. Não que alguma delas fosse jovem o suficiente para ser considerada
uma garota. Lilia foi a única que recusou o convite, já que precisava cuidar de Zenith. O
resto, incluindo Roxy, foi com ela. Geese e Talhand não participaram, é claro, mas
deram suas próprias desculpas para sair.

Fiquei para ajudar Lilia a cuidar de Zenith. Minha mãe podia andar, comer e ir ao
banheiro, mas não falava ou fazia nada proativamente. Era quase como uma máquina,
executando os comandos que recebia. De vez em quando, olhava na minha direção –
não dizia nada, apenas olhava. Será que sentia alguma conexão comigo por sermos
parentes de sangue? As chances de algo acionar sua memória e fazê-la voltar eram…
bem, quase nulas.

Imaginei o que Paul faria se estivesse presente. É sério, imaginei mesmo. Ele com
certeza faria um bom trabalho. Ou talvez não. Talvez falhasse.

No meio da noite, Roxy veio me ver, completamente bêbada. Pelo visto, contou tudo
para Elinalise, deixando todo o seu ressentimento reprimido escapar. Da parte dela,
Elinalise devia se sentir em conflito. Ela disse que Roxy era sua amiga mais querida.
Ela devia querer apoiar a vida amorosa de Roxy, mas não às custas do casamento da sua
neta. Imaginei que isso a colocaria em uma posição difícil.

Roxy bateu com seus punhos minúsculos no meu peito e voltou para seus aposentos.

No dia seguinte, chegamos à saliência dos Grifos. Normalmente, uma carruagem não
conseguiria subir, mas usei minha magia para forçá-la a subir na borda.

No primeiro dia, o tatu se encolheu com o cheiro dos grifos e ficou empacando pelo
caminho. Imaginei se teríamos que voltar para deixá-lo em Bazaar, mas assim que
derrotamos o monstro que nos atacava e ele viu Geese devorando a carne do inimigo
bem na sua frente, o tatu pareceu sentir que estava seguro e continuou alegremente se
arrastando.

De acordo com Geese, este era um dos truques que aprendeu com um de seus amigos
demônios. Ao derrotar e comer o predador natural de um monstro bem na frente dele, se
instila na sua cabeça a ideia de que seu próprio grupo é superior em força ao grupo do
predador. Quando perguntei se o homem que ensinou isso tinha cara de lagarto, Gesse
apenas riu e disse:

— Então você conhece ele? Eu devia ter imaginado, Chefe.

Viajamos por um dia inteiro até chegarmos ao deserto. A partir daí, foram mais três dias
para atravessar a tempestade de areia. Quando usei minha magia para interrompê-la,
Roxy disse com a voz repleta de inveja:

— Então sua magia de terra também é de nível Santo. Incrível.


Depois disso os monstros estavam por todos os cantos, então procedemos com extrema
cautela, mesmo tendo muitas pessoas durante o tempo todo, incluindo vários veteranos.
Mesmo que um ou dois de nós acabasse em apuros, outra pessoa poderia ajudar na
mesma hora. Até mesmo esmagamos um Garuda de Areia, com o qual evitamos nos
envolver ao longo do caminho. Depois disso, apareceu um lagarto gigante parecido a
um T-rex, que também derrotamos.

Eu temia que os Vermes de Areia ao longo do caminho pudessem apresentar uma


ameaça real, mas Geese foi capaz de farejar todos eles. Parecia existir um truque para
isso. Segundo ele, havia uma crista fina em forma de rosquinha no terreno onde estavam
localizados. Contanto que examinasse o terreno com cuidado ao procurar por aquela
crista, poderia identificar seus esconderijos sem problemas. Dito isso, o deserto não era
exatamente plano. Em muitas ocasiões não consegui identificar corretamente as cristas,
provavelmente graças à minha falta de experiência.

Súcubos também nos atacaram, mas nos livramos delas facilmente, já que nosso grupo
era composto principalmente por mulheres. Geese e eu fomos seduzidos por seus
feromônios, mas ao menos tínhamos magia de Desintoxicação para cuidar disso. Em um
momento os meus verdadeiros sentimentos escaparam, fazendo-me tentar ir atrás de
Roxy… mas, fora isso, tudo tranquilo.

O que mais me chocou foi que Talhand não era afetado por elas. Ele bufou e disse: “É
claro que isso não funciona comigo.”

Acho que, no final, corpo são, mente sã. Incrível!

Chegamos às ruínas. Assim como planejado, todos, fora Elinalise, tiveram os olhos
vendados do lado de fora. Shierra se preocupou um pouco com isso, mas Vierra a
convenceu e pudemos prosseguir sem problemas. As vendas eram mais para fornecer
um pouco de paz de espírito, mas enquanto não vissem os círculos, não saberiam o que
tinha acontecido.

Quanto à carruagem, a deixamos para trás. Não conseguiria passar pela entrada. Zenith
poderia passar a próxima semana a pé. Já tínhamos chegado tão longe, eu nem me
importava se a última etapa da nossa jornada demorasse um pouco mais.

O tatu conseguiu passar pela entrada, então o levamos conosco. Eu não fazia ideia se o
clima de casa seria bom para ele, mas isso devia ser melhor do que deixá-lo aqui para
que os outros monstros se banqueteassem.

Geese e os outros ficaram surpresos quando removeram as vendas e descobriram que o


cenário ao redor estava completamente diferente. Deixamos de estar cercados por um
deserto e passamos a ficar bem no meio de uma floresta. O choque era compreensível.
Avisei para nunca falarem sobre como havíamos feito a viagem, mesmo que
conseguissem adivinhar como tínhamos feito isso.

Foi assim que deixamos o Continente Begaritt. Só um pouco mais e eu estaria em casa.
Cap. 13 – Retorno

A neve estava caindo tranquilamente nos Territórios Nortenhos.

Passaram aproximadamente quatro meses desde que parti. O outono e o período de


acasalamento do povo-fera já haviam passado, levando a um longo inverno. A neve
batia nos meus tornozelos, mesmo no meio da floresta. Se tivéssemos chegado um mês
depois, a neve teria chegado ao meu peito, tornando a viagem pelo resto do caminho
para Sharia bem difícil.

— Senhorita Elinalise e eu vamos mostrar o caminho — falei.

Se algum monstro aparecesse, nós o derrotaríamos. Mana não seria problema. Zenith
caminhava sem qualquer queixa de cansaço. O tatu estava tremendo, mas ficaria bem,
desde que ocasionalmente o aquecesse com minha magia.

Está tudo bem, pensei comigo mesmo enquanto caminhávamos.

Certa noite, Elinalise e eu estávamos de vigia juntos.

— Rudeus, há algo que quero conversar com você — disse ela de repente. Eu já podia
imaginar qual seria o conteúdo da conversa. Roxy, sem dúvidas.

Sentei-me de frente para ela, as pernas dobradas sob meu corpo – a postura perfeita para
me prostrar diante dela no caso de Elinalise começar a me condenar. Ela sentou de um
jeito mais confortável no chão.

Imaginei como expressaria a sua raiva. Iria me ofender por ter desrespeitado Sylphie?
Ou iria me repreender por ter dormido com Roxy?

Ela não fez nada disso.

— Rudeus, você não é um seguidor de Millis, é?

— Hã…?

Não entendi o que ela quis dizer, mas sabia que só havia uma pessoa que eu poderia
tratar como divindade. Isso não mudou nada desde que eu era pequeno.

— Não sou — falei depois de algum tempo.

— Acho que não. Sylphie também não, ou é?

— Não, ela não deve ser.


Sylphie não era religiosa. Na verdade, o único devoto e seguidor de Millis que eu
conhecia era Cliff. Ele tinha um amuleto da igreja pendurado no pescoço e, uma vez por
semana, assistia algo parecido com uma missa. Sylphie não usava nenhum símbolo de
Millis, e também não frequentava a igreja. Talvez Cliff não fosse uma boa comparação
– era possível que ela tivesse fé, mas nunca a ouvi mencionar qualquer coisa do tipo.

— Meu Cliff é um crente devoto — disse ela.

— Ele com certeza é — concordei no mesmo instante, já que também estava pensando
nele.

— Você sabia que as regras da crença Millis ditam que um homem só pode ter uma
esposa?

— Acho que sim.

Elinalise continuou:

— É um tipo de dogma antiquado, diz que um homem deve amar sua esposa para o
resto da sua vida. Ainda assim, receber esse afeto todo é muito bom.

Isso soava correto. Eu não tinha dúvidas de que amar alguém como todo o seu ser e, em
troca, ser amado da mesma forma, era bom. Meu coração vacilante e traidor, por outro
lado, vagou para o lado de Roxy.

Eu a amava. Quanto a isso, não restavam dúvidas. Mas também lembrava de como
fiquei infeliz quando tive DE. Foi Sylphie quem me curou e devolveu a felicidade para a
minha vida, então eu queria retribuir com um amor que a preenchesse. E esses
sentimentos eram fortes.

— Mas, Rudeus… — disse Elinalise.

— Sim?

— Eu sou diferente. Não acho que amar vários parceiros ao mesmo tempo seja errado.

— Não fico surpreso em ouvir que você se sente assim, mas isso não é falta de
sinceridade? — perguntei.

Elinalise apenas balançou a cabeça.

— Se você deixasse Sylphie de lado, seria uma coisa. Mas, contanto que a ame como
deveria, não é falta de sinceridade.

— Se você tem duas pessoas para amar, significa que o tempo que pode dar a cada uma
delas será reduzido pela metade, certo?

— Não é como se ficassem o tempo todo juntos, certo? Isso não será reduzido pela
metade. Pode ser menos do que antes, mas isso é tudo.
Então, ter uma segunda parceira não seria um problema, mesmo que o carinho que eu
dedicasse à minha primeira parceira fosse reduzido por causa disso? Humanos podem
não perceber os aumentos emocionais, mas podem ser bem sensíveis mesmo às
diminuições mínimas. Seria terrível se Sylphie começasse a pensar que meu amor por
ela estava diminuindo.

— Tente pensar no passado. Depois que Paul casou com a Lilia, a Zenith ficou infeliz?

Feliz ou infeliz – senti que o problema não era esse. Embora ao ouvi-la mencionar isso,
era verdade que Zenith não tinha ficado particularmente infeliz. As coisas continuaram
como antes. Na verdade, ela ficou ainda mais próxima de Lilia do que antes, e parecia
ainda mais feliz por isso. Paul podia ter ficado infeliz, visto que de repente começou a
ser atacado por ambas as esposas, mas… talvez isso, por si só, também fosse um tipo de
felicidade. Uma que jamais retornaria.

— Exatamente o que você quer dizer? — perguntei. Lembrar de Paul fez a dor voltar a
aparecer. Se continuássemos falando sobre ele, as coisas só ficariam piores. Eu só
queria escutar qual era o ponto de Elinalise.

— Tome Roxy como sua esposa. Você a ama, não é?

Eu congelei.

— Está falando sério?

— Sim, claro que estou.

— Senhorita Elinalise, você pode mesmo dizer isso? Você é a avó da Sylphie. Não
deveria se importar com a felicidade dela?

Não que eu tivesse o direito de culpá-la. Fui eu quem teve um caso; aquele que quebrou
o juramento a Sylphie e dormiu com Roxy. Esse fato continuava inalterado,
independentemente das circunstâncias. E, ainda assim, me peguei adotando um tom
acusatório.

— Sim, posso dizer isso. Ninguém mais poderia dizer isso, exceto eu — disse ela com
altivez enquanto olhava para mim. — Sei que não deveria dizer isso assim, mas antes de
ser avó da Sylphie, eu já era uma amiga próxima da Roxy.

Por um momento, não entendi o que ela queria dizer. Então percebi que estava falando
sobre a ordem em que se conheceram. Elinalise conheceu Roxy primeiro, e só depois
encontrou Sylphie.

— Sinceramente, não suporto olhar para Roxy do jeito que ela está agora. Ela anseia por
se lançar em um relacionamento e se apoiar em você, mas está se obrigando a não fazer
isso, só porque aconteceu de te encontrar tarde demais.

Me senti mal por Roxy quando ela apresentou as coisas dessa forma… mas também me
senti mal por Sylphie ao encarar as coisas pela perspectiva dela.
— Se vocês se separarem nessas condições, não tenho dúvidas de que ela levará uma
vida miserável. É possível que algum cretino acabe se aproveitando dela, a trate
terrivelmente mal e depois a venda como garantia por seus empréstimos não pagos,
fazendo com que ela acabe tendo a criança de um homem que ela nem conhece.

— Isso não está indo um pouco longe demais? — perguntei desconfortavelmente.

— Conheço uma mulher que levou uma vida assim.

Ela falou com tanta franqueza que por um momento imaginei se não estava falando de
alguma experiência pessoal.

Elinalise continuou:

— Quero que Roxy seja feliz, mesmo que essa felicidade venha com condições.

— Bem, também quero isso.

— Rudeus, eu sei que você pode fazer isso. Você pode amar a Sylphie e a Roxy da
mesma forma. Afinal, você é filho do Paul. Deve ser capaz de fazer isso.

Eu seria mesmo? Possivelmente. Não, definitivamente. Eu as amava igualmente.


Amava e podia fazer isso. Mas estava mesmo bem? Estava mesmo bem
ser… tão egoísta assim?

Não. Eram apenas sussurros do diabo. Eu não podia escutá-los.

— Não, Sylphie é minha única…

— Eu não planejava dizer isso — interrompeu Elinalise levantando a voz. Seu tom
voltou a ficar abafado enquanto ela continuava: — Mas quando bebemos juntos em
Bazaar, Roxy me disse que a visita mensal dela ainda não tinha chegado.

—Huh? — Visita mensal…? Ah, espera! Eu sabia o que era isso. Uh, mas… isso…?

— Bem, ainda não é certeza — ela acrescentou.

Tínhamos feito, claro. Era possível. Além disso, na noite em que beberam,
ela apareceu e bateu no meu peito (mesmo sendo fraco). Será que aquilo não tinha sido
um sinal?

Elinalise olhou para o meu rosto e disse:

— Rudeus, se Roxy realmente estiver grávida de sua criança, o que você vai fazer?

Sua pergunta conjurou uma imagem de Paul em minha cabeça… nos tempos em que
Lilia estava grávida. Ele parecia tão lamentável. Fui eu quem o salvou daquela vez,
quando estava indefeso. Neste momento, pensei que ele era um homem que merecia
respeito. Mas isso não significava que eu queria cometer os mesmos erros.
— Farei o que deve ser feito…

— Que é? — perguntou ela.

— Vou casar com ela.

Casar! No momento em que a palavra saiu da minha boca, meu coração parecia ter
descido estômago abaixo.

Eu amava Sylphie, mas também queria me casar com Roxy e queria que ela fizesse
parte da minha família. Não queria que nenhuma outra pessoa a levasse. Queria torná-la
minha. Era egoísmo da minha parte. Eu disse a mesma coisa para Sylphie, a engravidei
de meu descendente e agora também desejava outra mulher. Isso era imperdoável.
Apenas um pedaço de lixo poderia pensar da forma que eu estava pensando.

Disse várias vezes a mesma coisa sobre Paul – também o chamei de pedaço de lixo –
mas eu também era um homem. Agora que tinha duas mulheres que amava e queria, não
poderia dar o meu melhor para ter as duas, assim como Paul tinha feito? Sylphie talvez
ficasse com nojo de mim e Roxy poderia me abandonar. Mas será que valia a pena
tentar, mesmo se fosse perder as duas?

Ah, é mesmo. Isso não dependia apenas de mim.

— Se Roxy e Sylphie concordarem com isso… — falei.

— De fato. Bem, vou buscar a Roxy.

— Huh?

Me deixando com essas palavras, Elinalise entrou em uma das tendas próximas na
mesma hora.

Alguns momentos depois, Roxy saiu desacompanhada. Ela não parecia nada sonolenta.
Em vez disso, olhava para mim com um nervosismo em seu rosto. Talvez Elinalise
tivesse dito algo.

— Sobre o que você queria conversar comigo, Rudy? — Ela sentou na minha frente, as
pernas dobradas sob seu corpo. Segui seu exemplo arrumei minha postura.

O que eu deveria dizer? Estava acontecendo tudo tão rápido. Eu ainda não tinha
pensado nas palavras. Não, não precisava pensar. Meus sentimentos por Roxy não eram
algo em que eu precisava pensar antes de falar.

— Hm, já faz algum tempo que eu queria dizer isso, na verdade há muito tempo —
falei.

— Sim?

— Eu te amo, Mestra. Sempre amei, desde muito, muito tempo atrás. E não só te amo,
como também te respeito. Você parece pensar muito no fato de que não pode usar magia
tão bem quanto eu, mas isso não me importa. Seus ensinamentos me ajudaram inúmeras
vezes. São a única razão pela qual fui capaz de chegar tão longe.

O rosto de Roxy foi gradualmente ficando mais quente. O meu provavelmente também
estava todo corado. Falar essas coisas cara a cara era constrangedor.

— Bem, obrigada.

— Mas, hm — acrescentei, gaguejando —, uh, sabe, eu também tenho uma esposa.

— Sim, fiquei sabendo.

Era realmente apropriado dizer algo como “Então, por favor, seja minha segunda
esposa”? Não era uma forma muito egoísta de expressar as coisas? Mas eu não
conseguia pensar em uma forma melhor de abordar o assunto.

O que deveria fazer?

Eu só tinha que falar. Não importa como falasse, meu pedido continuaria sendo o
mesmo. Eu não estava sugerindo terminar com Sylhpie e, em vez disso, levar Roxy para
a família, sem nem pedir a opinião da minha esposa. Teria que obter sua aprovação após
o fato. Esse era exatamente o tipo de coisa que um lixo de ser humano faria.

Ainda assim, eu tinha que dizer. Roxy poderia acabar mal se eu não fizesse isso. Ela era
o tipo de pessoa que partia logo após terminar seu trabalho. Se eu não a impedisse,
depois poderia ser tarde demais.

Chega… Se depois fosse me arrepender por não dizer isso, então deveria colocar logo
para fora. Mesmo que isso me tornasse um pedaço de merda.

— O nome da minha esposa agora é Sylphiette Greyrat, mas ela não tinha outro
sobrenome. Era apenas Sylphiette.

Roxy balançou a cabeça.

— Sim, fiquei sabendo.

— Se importaria em a partir de agora se chamar Roxy Greyrat?

Ela pareceu desconfiada por um momento, mas devia ter percebido o que eu quis dizer
no instante seguinte, já que levou as mãos à boca. Roxy recuperou a compostura quase
com a mesma rapidez.

— Realmente aprecio que você diga isso. Mas tem certeza de que não deve obter a
aprovação da sua esposa primeiro?

Claro. Estávamos falando sobre uma completa estranha se tornando parte da nossa
família – eu definitivamente precisava consultar Sylphie. Eu também precisaria explicar
isso às minhas irmãzinhas. E para Lilia também.
— Preciso da aprovação dela — admiti.

— Nesse caso…

Ela ia me recusar. Parecia que Roxy queria que eu a escolhesse, ela e apenas ela. Assim
que esse pensamento passou pela minha cabeça…

— Nesse caso, por favor, pergunte isso de novo depois de receber a aprovação dela —
disse Roxy com um olhar sério no rosto, a neve caindo ao nosso redor.

Por favor, pergunte isso de novo. As palavras ecoaram em minha mente. Senti meu
corpo esquentando ao registrar o fato de que ela não me rejeitou.

Nos aproximamos da Cidade Mágica de Sharia.

Também conversei com Lilia a respeito de Roxy. Com a mesma cara de sempre, ela
apenas disse: “Entendo. Tudo bem.” Não parecia que estava me julgando por isso,
provavelmente porque já tinha ficado na mesma posição que Roxy.

Não, não era isso. Era porque a noção de casamento monogâmico só existia em Millis.
De qualquer forma, ter feito minha promessa com Roxy e conseguir a compreensão de
Lilia tirou um peso dos meus ombros. Só faltava voltar para casa, explicar as
circunstâncias da viagem para Sylphie e curvar minha cabeça diante dela enquanto
implorava pela inclusão de Roxy na família.

Eu ainda sentia o peso da responsabilidade de ter que informar a situação de Paul e


Zenith para Aisha e Norn. Mas elas teriam que aceitar isso, igual eu. Eu tinha certeza de
que Norn iria reagir com raiva e me culpar, mas, ainda assim, eu faria isso. Não fugiria.
Não importa o que acontecesse, eu não teria arrependimentos.

— Arrependimentos…?

Só então, a ansiedade mostrou sua cara feia.

Isso foi dito pelo Deus-Homem. Ele disse que eu “me arrependeria” de algo.

É verdade que Paul morreu, Zenith se tornou uma casca vazia e que perdi minha mão
esquerda. Eu perdi muito. Entretanto, estranhamente, não senti qualquer
arrependimento. Poderia agradecer a Roxy por isso.

Sim, parte de mim pensava: Se eu ao menos fosse mais forte, se tivesse aprendido a
usar a espada melhor, se ao menos tivesse sido forte o suficiente para derrotar aquela
hidra. Mas outra parte de mim sentia que, mesmo assim, teria sido impossível. Minha
aptidão para a batalha não era a melhor. Eu não podia envolver meu corpo com aura de
batalha, não importa o quanto tentasse. A pessoa precisava ser capaz de manipular sua
aura de batalha para progredir como espadachim. Além disso, a hidra era imune à
magia. Mesmo se eu tivesse trabalhado diligentemente aprendendo feitiços de nível Rei,
acabariam sendo inúteis. Podia existir alguma outra maneira, mas passado é passado.
Era por isso que eu não me arrependeria. A morte de Paul me permitiu refletir sobre
meu passado. Preocupei as pessoas e causei problemas para elas, mas, no final das
contas, coisas boas surgiram disso tudo. O que eu sentia não era arrependimento – era
tristeza. Apenas tristeza. Tristeza era tudo que carreguei comigo do Continente Begaritt.

Mas era por isso que também me sentia ansioso agora. Talvez o que realmente
lamentaria ainda estivesse por vir. Podia, por exemplo, ter acontecido algo às
irmãzinhas que deixei para trás.

Lembre-se do que ele disse.

Ele mencionou uma e outra coisa sobre Linia e Pursena. Isso significava que tinha
acontecido algo com uma delas? Eu devia ter pedido a ajuda delas para resolver alguma
coisa?

Ou – não diga – aconteceu algo com minha esposa grávida…?

Essas eram as únicas coisas que poderiam me deixar com algum arrependimento.

Apesar da minha apreensão, não podíamos nos mover mais rápido. O clima piorou e a
neve começou a aumentar rapidamente. Os outros pareciam serenos, mas Zenith estava
sofrendo. Usei magia de terra para criar um assento que pudesse carregá-la nas minhas
costas e a carreguei. O tatu parecia meio congelado. Talvez devêssemos tê-lo deixado
para trás, mas já era tarde demais para isso.

Acho que deveria ao menos lhe dar um nome para que não morra sem um.

Tu. Tu era um bom nome. Dê o seu melhor, Tu!

Levamos apenas cinco dias para chegar às ruínas quando estávamos a caminho de
Begaritt, e mais de dez na viagem de volta. Se comparado com minhas outras aventuras
até o momento, não demorou muito. E, ainda, de alguma forma, essa parecia ser a parte
mais longa da viagem.

Chegamos à Cidade Mágica de Sharia.

Imediatamente me dirigi para minha casa, sentindo meu ritmo acelerar.

— Ei, Chefe, o que foi? Parece que você viu um fantasma. Não deveria lançar alguns
daqueles negócios de Desintoxicação em você mesmo? — perguntou Geese,
preocupado.

O ignorei e apenas continuei com meu avanço apressado.


— Ah, então este é o centro da cidade? Devemos ir na frente e encontrar uma pousada
por enquanto? Não tem como ficarmos todos na casa do Chefe, não com esse tanto de
gente.

Alguém estava falando pelas minhas costas, mas suas palavras não chegaram aos meus
ouvidos.

— Ei, Chefe, tá ouvindo? Chefe? Ei, Rudeus!

Em algum ponto, comecei a correr. Deixei todos para trás e corri em direção de casa –
pelas ruas familiares em que andei antes, em uma cidade que morei por mais de um ano.
Aqueles por quem passei me olharam confusos, imaginando qual era o motivo para a
minha pressa, mas corri o mais rápido que pude, tropeçando, sem equilíbrio algum. A
falta da mão esquerda talvez estivesse atrapalhando a minha habilidade de correr direito.

Quando eu estava prestes a cair, alguém me agarrou e me segurou em pé.

— Para que é toda essa pressa?

Era Elinalise.

— É só que… — Comecei a falar, tentando encontrar algumas palavras.

Ela esperou um pouco antes de perguntar:

— O que é? Já faz um tempo que você está em pânico. Aconteceu alguma coisa?

— Ah, não, hm, só tenho a sensação de que Sylphie está com problemas.

— Com problemas? Baseado em quê?

— Na verdade, em nada.

A afastei e comecei a andar com pressa de novo. Queria aliviar essa ansiedade o quanto
antes. Minha casa estava logo à frente. Se as coisas estivessem como deveriam, a
barriga de Sylhpie estaria recheada com um bebê, e ela deveria estar em casa. Ou será
que já tinha dado à luz? Se tivesse, seria prematuro. Se isso tivesse acontecido, então
será…?

Não, sem chances. Qualquer outra coisa. Não queria que ainda mais coisas ruins
acontecessem.

Cheguei em casa. A neve estava acumulada, mas o lugar não parecia muito diferente de
quando eu parti. O número de árvores e vasos de plantas no jardim aumentaram
ligeiramente; um produto do hobby de Aisha, imaginei. O lugar parecia mais bonito do
que antes.

Peguei minha chave entre meus pertences, enfiei no buraco da porta e me esforcei para
girá-la. O metal estava frio e minha mão tremia. A porta não abria; a chave não girava.
— Tch.

Peguei a aldrava. Parecia gelo contra minha pele, mas, ainda assim, a bati várias vezes.

— Tem certeza de que já não está aberta? — perguntou Elinalise atrás de mim.

Como sugerido por ela, tentei a maçaneta, virei e puxei, e a porta abriu.

Quanto descuido, pensei quando comecei a entrar.

Meus olhos logo encontraram os de alguém do outro lado da sala, tentando abrir uma
porta.

— Ah, irmão?!

— Aisha… está todo mundo bem?

— O que você está falando? — Perplexa, o olhar dela vagou entre mim e Elinalise, de
pé ao meu lado, depois para trás de nós. Quando segui seu olhar e virei para trás, vi
Roxy se esforçando para recuperar o fôlego.

Então, agarrei Aisha pelos ombros. Ela devia ter percebido que havia algo de errado, já
que olhou para meu ombro direito e arregalou os olhos. Visivelmente chocada, ela
olhou entre meu rosto e minha mão.

— Hein? O que é isso? O que aconteceu com a sua…?

— Vejo que você está bem. E quanto a Sylphie?

— Hein? Ah, um… ela está bem aqui…?

Com suas palavras, percebi que logo atrás de Aisha, parecendo igualmente intrigada…
estava Sylphie. Sua barriga dobrou ou o triplicou de tamanho. Até seus seios ficaram
um pouco maiores. Ela estava com cerca de sete ou oito meses, provavelmente já
produzindo leite materno… não, isso não importava no momento.

— Rudy, o-o que foi? — ela perguntou.

— Sylphie, você está bem? Não aconteceu nada?

— Hein? Não, todo mundo tem sido realmente maravilhoso comigo, e Aisha também
está fazendo de tudo para ajudar.

Então Sylphie estava bem? Sim, pude notar isso.

— E quanto aos demais? — perguntei. — Norn? Linia, Zanoba e os outros estão bem?

— Hein? Bem? Não aconteceu nada por aqui — disse ela, confusa.

— Ninguém adoeceu ou se feriu?


— N-Não, nada que valha a pena mencionar… — Sylphie parecia completamente
pasma, como se não fizesse ideia do que eu estava falando.

Vendo aquela expressão, eu percebi… realmente não havia nada de errado.

— Hm, Irmão?

No momento em que percebi, o rosto de Aisha estava se elevando sobre mim. Cara, ela
com certeza tinha crescido. Não, espera – eu tinha afundado no chão.

— Certo… — Expirei.

A tensão deixou o meu corpo.

No final, o arrependimento de que o Deus-Homem falou foi o arrependimento acerca da


morte de Paul e das mortes de meus pais na minha vida passada. O resto da minha
ansiedade tinha sido uma preocupação desnecessária.

— Haah… — Enquanto isso acontecia, deixei um enorme suspiro de alívio escapar. —


Ainda bem.

Sylphie se aproximou aos poucos e pousou a mão no meu ombro. Eu podia sentir seu
calor se espalhando pelo tecido do meu robe. Ela logo se ajoelhou e gentilmente
colocou os braços em volta de mim. Deslizei o meu ao seu redor também – embora
desajeitado, com minha mão esquerda faltando – e a apertei. Seu cheiro familiar encheu
meu nariz.

— Bem-vindo ao lar, Rudy.

Havia tanta coisa que eu precisava contar – sobre Paul, sobre Zenith, sobre Roxy. Eu
também precisava dar as boas-vindas àqueles que deixei para trás. Afinal, cheguei em
minha casa sozinho. Acho que fiquei em pânico um pouco demais. Nada aconteceu. Eu
devia ter apenas passado meu tempo com os outros.

Mas havia algo que precisava dizer logo, antes de fazer qualquer outra coisa.

— Eu voltei.

Estava em casa.
Cap. 14 – Relatório

As coisas aconteceram em frenesi depois que voltei. Primeiro, Aisha correu para buscar
Norn na escola. Roxy, por consideração ou porque parecia muito estranho ficar aqui,
saiu para buscar Geese e os outros. Elinalise parecia ansiosa para correr para o lado de
seu amado Cliff, mas resistiu à tentação.

Enquanto esperávamos que todos se reunissem, passei o tempo perguntando a Sylphie o


que aconteceu desde a minha partida. Eu tinha certeza de que ela não queria nada mais
do que ouvir como minha aventura foi, mas não reclamou enquanto contava os
acontecimentos durante minha ausência.

Sua gravidez estava seguindo sem problemas. Segundo o médico, a criança


provavelmente nasceria na hora certa. Quanto aos outros, pareciam estar indo bem.
Houve um pequeno incidente na escola alguns dias atrás, mas Nanahoshi cuidou de
tudo. Algo devia ter mudado nela, já que estava saindo de seu caminho para ajudar as
pessoas deste mundo.

Nem Aisha nem Norn ficaram doentes ou se machucaram; as duas estavam bem. O
hobby de jardinagem de Aisha decolou, e ela estava cuidando de algumas plantas até no
seu quarto. Eu teria que conferir pessoalmente assim que tivesse a oportunidade. Norn
estava gradualmente se tornando algo parecido a uma idol na escola, tendo conquistado
algo semelhante a um fã-clube. Fazia sentido, considerando o quão fofa ela era.
Zanoba, Cliff, Linia e Pursena apareciam de vez em quando em casa para conferir as
coisas. Ariel parecia ter reclamado por eu não ter contado que iria sair. Pensando bem,
ela estava certa. Eu precisaria me desculpar na próxima vez que a visse.

Mesmo assim, tudo que ouvi sugeria que estavam todos bem. Quando tivesse tempo,
teria que informar a todos que tinha retornado.

Pelo visto, a única exceção ao nosso grupo de amigos era Badigadi, que continuou
desaparecido. Bem, ele era imortal, então eu duvidava que algo de ruim tivesse lhe
acontecido.

Sylphie parecia adorável como sempre, com um dedo pressionado no queixo enquanto
tentava se lembrar dos últimos seis meses.

— Portanto, nada aconteceu a ninguém — comentei.

— Não. Pelo menos nada que eu ache que iria preocupá-lo.

— Certo.

Sylphie mudou de assunto.

— De qualquer forma, então me diga. O que aconteceu com você?

— Ah, eu vou contar — prometi. — Espere até que todos estejam reunidos. Aconteceu
muita coisa.

— Certo… Ah, parece que já chegaram.

Enquanto conversávamos, Roxy voltou, junto com Geese, Talhand, Lilia, Vierra,
Shierra, Elinalise e Zenith. Com Sylphie e eu incluídos, éramos dez. Nossa sala de estar
era espaçosa o suficiente para acomodá-los, e inclusive sobrava espaço.

— Ah, você deve ser a esposa do chefe — percebeu Geese. — Heh heh heh, você é
mesmo fofa. Chefe, você é um sortudo e tanto.

— Essa é a minha neta — informou Elinalise.

— Sim, e se não fosse por sua avó vadia, ela seria perfeita.

— Como é?!

O resto do grupo ignorou seus dois companheiros briguentos, movendo-se um a um


para cumprimentar Sylphie. Ela os recebeu humildemente, retribuindo suas saudações
com gentileza.

— Prazer. Sou Roxy… Migurdia.

— Roxy? Igual a mestra de que Rudy está sempre se gabando? — perguntou Sylphie.
— Sim, eu mesma — disse Roxy, então fez uma pausa antes de continuar — Embora eu
não seja especial o suficiente para justificar tudo que ele diz.

— Bem, prazer em conhecê-la. O Rudeus já me contou muito sobre você. Me chamo


Sylphiette. É uma honra.

— S-Sim, para mim também… — disse Roxy, parecendo um pouco estranha. Acho que
fazia sentido que estivesse assim. Não passou muito tempo desde aquela nossa conversa
sobre ela se juntar à nossa família. Mas essa conversa teria que ficar para outra hora.

— Já faz um tempo, Senhora Sylphiette — disse Lilia cumprimentando com uma


reverência de cabeça.

— Faz sim, Senhorita Lilia! — Sylphie parecia encantada com o reencontro, seus lábios
ameaçando revelar um sorriso genuíno, apenas para se tornarem amargos com a mesma
rapidez. — Hm, não precisa me chamar de “Senhora Sylphiette”. Não pode me chamar
só de Sylphie, igual sempre fez?

— Não. — Lilia balançou a cabeça. — Não posso tratá-la como antes, não agora que se
casou com Lorde Rudeus.

— A-Ah, certo… — Sylphie parecia envergonhada.

Lilia ensinou-lhe tudo que sabia sobre serviços domésticos. De certa forma, ela era a
“mestra” de Sylphie, assim como Roxy era a minha. Claro que Sylphie a respeitava.

— Já faz algum tempo, Senhorita Zenith — disse Sylphie, finalmente se virando para
cumprimentar minha mãe. — Hm… Senhorita Zenith?

—…

Zenith ficou apenas olhando fixamente para a frente, mesmo com Sylphie a chamando.

— Hm…? — Perturbada, Sylphie olhou para mim. A expressão em seu rosto dizia que
estava preocupada com a possibilidade de Zenith não estar satisfeita com nosso
casamento.

— Sylphie — falei —, vou explicar sobre minha mãe e meu pai assim que Norn chegar.

— Ah, sim, não vejo o Senhor Paul por aqui… — disse ela, seus olhos procurando pela
sala. Não demorou muito para inferir o que tinha acontecido depois que todos ficaram
em silêncio com ela vislumbrando seus rostos. Sylphie franziu os lábios e ficou quieta.

O silêncio reinou enquanto esperávamos a chegada de Norn. Foi tacitamente entendido


que não poderíamos começar sem a sua presença.

Passado algum tempo, Aisha e Norn chegaram, ambas sem fôlego por terem corrido
demais.
— I-Irmão, bem-vindo de volta de sua longa viagem! — Norn bufava e ofegava
enquanto falava, baixando a cabeça. Ela teve um vislumbre da minha mão e deu um
pulo. — Sua mão está bem?

— Está tudo bem. É inconveniente, mas não dói — falei. Comparado ao que estávamos
prestes a discutir, minha mão esquerda não merecia qualquer consideração.

— A-Ah, certo. — Norn ainda estava lutando para recuperar o fôlego enquanto olhava
pela sala. — Huh? — ela murmurou, confusa, incapaz de encontrar quem procurava
quando se sentou.

Aisha se aproximou de mim e perguntou:

— Antes de prosseguirmos, não seria apropriado servir chá aos convidados?

— Sim, tem razão — concordei. — Vai demorar um pouco, então, por favor, faça isso.

— Ah, sinto muito — disse Sylphie. — Eu devia cuidar disso. Deixe-me ajudar.

— De forma alguma, Senhora, fique aqui.

Tomando a tarefa para si, Aisha começou a trabalhar na mesma hora. Ela preparou chá
suficiente para todos, juntou as malas em um só lugar e pendurou os casacos molhados
de neve. Então ofereceu chinelos para que todos usassem, pegando os sapatos úmidos e
os colocando para secar perto da lareira.

Fiquei sentado imóvel enquanto a observava fazer tudo isso. E não era só eu quem
observava. Lilia também estava observando sua filha com atenção. Pensando bem, em
Rapan, era sempre Lilia quem fazia esse tipo de trabalho. Mas agora, meio ao silêncio
mortal, ela ficou parada, sem erguer um dedo. Essa era uma visão rara.

— Aisha. — Assim que o trabalho da filha estava quase concluído, Lilia a chamou.

— Sim, o que deseja, Mãe?

— Parece que você está cumprindo suas obrigações de maneira adequada e não está
causando problemas para o seu irmão.

— Sim. — Aisha acenou com a cabeça.

— Você pode ser parente de sangue de Lorde Rudeus, mas foi ele quem salvou sua
vida. Tenha isso em mente enquanto cumpre seus deveres como sua criada.

— Sim, Mãe — respondeu Aisha, soando tão formal quanto Lilia.

Não parecia certo ouvir uma mãe e sua filha conversando assim. Era a primeira vez que
se viam em um bom tempo. Senti que deveriam ser… bem, sabe, mais afetuosas uma
com a outra. Mas, bom, Lilia talvez estivesse se contendo. Afinal, a conversa que viria a
seguir seria dolorosa.
— Já que estão todos reunidos, por que não começamos? — Meu coração estava
pesado, mas era meu dever falar. Paul não estava presente para fazer isso por mim.

— Mas o Papai ainda não chegou — disse Norn ansiosamente em protesto.

Será que ela ficaria com raiva quando soubesse? Antes de eu partir, ela se agarrou a
mim, chorando para que eu o ajudasse. Eu falei que podia deixar tudo comigo. Ela
provavelmente me culparia quando descobrisse que ele estava morto.

Estava tudo bem se fizesse isso. Fui eu quem falhou em realizar o seu desejo.

Olhei para todos e disse:

— Nosso pai está… Paul Greyrat está morto.

— Hã…? — Norn ergueu a voz, confusa.

Sylphie abaixou a cabeça, a tristeza evidente em seu rosto.

Aisha arregalou os olhos, cerrando os punhos com força.

— Foi isso que ele deixou para trás — falei, colocando cada uma das peças de seu
equipamento na mesa. Sua espada, sua espada curta, sua armadura e seus restos mortais.
Apenas essas quatro coisas.

— P-Por quê?! — Norn se levantou e se aproximou. — Mas você foi! Por que ele
morreu?!

— Sinto muito… Não fui forte o suficiente.

— Mas você é…! — Norn se aproximou, como se tivesse a intenção de me agarrar pelo
colarinho. Mas sua fúria de repente perdeu a força. Eu pude ver minha mão esquerda –
ou melhor, a falta dela – refletida em seus olhos. Seu olhar vagou entre ela, os pertences
de Paul e meu rosto, e as lágrimas começaram a lentamente brotar em seus olhos.

Cobri meu pulso esquerdo com a mão direita e continuei:

— Agora vou explicar com mais detalhes.

Ela fungou e murmurou:

— Tá…

Aisha caminhou por trás dela, agarrando-a pelos ombros.

— Por agora…

— Chega, eu sei! — Norn deu um tapa na mão dela e voltou ao seu assento.

Aisha ficou parada por um momento antes de retornar à sua posição atrás de Sylphie.
— Tudo bem, vou explicar desde o começo…

Resumi tudo o que havia acontecido. Como Elinalise e eu partimos para Rapan e lá nos
reunimos com Paul e os outros. Como, com base nas informações que tínhamos sobre o
paradeiro de Zenith, mergulhamos no Labirinto de Teleportação juntos e começamos a
mapear. Eu contei como as coisas correram bem até que topamos com o guardião.
Como a luta que se seguiu foi tão dura que perdi a mão e Paul a vida. Embora
tivéssemos resgatado Zenith, ela se tornou uma casca. Geese interferiu uma vez ou outra
para fornecer informações adicionais enquanto eu lentamente traçava um caminho
através de tudo.

Então, no fim, Norn perguntou:

— Então isso significa que você não conseguiu salvar a Mamãe nem o Papai?

— Isso mesmo…

Senti como se pudesse ver sua raiva aumentando no momento em que concordei. Mas
ela não explodiu. Em vez disso, mordeu o lábio inferior e olhou para minha mão
esquerda.

— Você fez tudo que podia?

— Sim. Dei tudo de mim.

— Se você tentou tanto e ainda assim falhou, então não teria importado se… — Ela
falou com calma, mas sua voz sumiu. Pude ver as lágrimas começando a encher seus
olhos de novo. — Tenho certeza que não importa se… O Papai se… foi… Waah…
wah… waaaaah! — Ela começou a soluçar, enormes lágrimas corriam por suas
bochechas.

Norn estava chorando. Bem alto. Em um tom que me atingiu bem no coração. Todos os
presentes exibiam expressões graves enquanto ouviam, e o corpo dela tremia enquanto
soluçava. E soluçava. E soluçava. E soluçava. Ela chorou todas as lágrimas que o resto
de nós não chorou, e apenas escutamos enquanto ela fazia isso.

— Hic… waah…

Depois de um tempo, ela parou. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, alguns
ruídos estrangulados continuavam escapando de sua garganta. Mas ela se virou para
mim, seus olhos cheios de determinação.

— Irmão?

— Sim? — perguntei.

— Esta espada, posso… hic… posso ficar com ela…? — Norn apontou para a arma
favorita de Paul. A que ele tinha consigo desde antes de eu nascer. Aquela que sempre
manteve consigo, aquela que nunca saiu do seu lado.
— Sim, claro. Você devia ficar com ela. Só não use de forma imprudente.

— Hã…?

— Não confunda ter a espada como um sinal de que você de repente ficou mais forte.

Foi no meu quinto aniversário que Paul me entregou uma espada e disse a mesma coisa
para mim.

— Eu… entendo — disse Norn, abraçando-a perto do peito.

Ela era forte. Não seria incomum que uma criança da sua idade se trancasse no quarto e
ficasse chorando, mas ela estava enfrentando a morte de Paul de frente. Completamente
diferente de mim, que não conseguia nem voltar a se levantar sem a ajuda da Roxy.

Sério, ela era forte.

Decidimos dividir suas outras lembranças entre nossa família. Aisha escolheu a espada
curta e eu a sua armadura. Quanto aos seus restos mortais, faríamos um túmulo
adequado para ele e o enterraríamos lá. Esse era o plano, até que Zenith avançou e
pegou a armadura dele em suas mãos.

— Mãe?

—…

Chamei por ela, mas ela não respondeu. Como de costume, ficou apenas olhando
fixamente para a frente, igual uma casca. E, ainda assim, ela se moveu como se
entendesse o que estava acontecendo. Ou foi só coincidência? Não… talvez o núcleo
dela continuasse sendo o mesmo de antes.

Independentemente disso, isso significava que fiquei sem nenhuma lembrança dele.
Mas fiquei satisfeito com isso. Eu já tinha recebido muito.

— Bem, então agora vamos falar sobre a Mãe. — Mais uma vez, expliquei a condição
de Zenith para todos – que ela tinha perdido suas memórias e parecia quase
completamente vazia por dentro.

— Ela não vai melhorar? — perguntou Sylphie.

Balancei a cabeça.

— Não sei.

Eu pretendia pedir para que médicos e curandeiros a examinassem só para ter certeza,
mas nunca tinha ouvido falar de magia de cura que pudesse restaurar memórias
perdidas. Sinceramente, nem sabíamos a causa para a sua condição. Sabíamos que ela
ficou envolvida por um cristal mágico e perdeu as memórias, mas isso era tudo. Podia
muito bem ser algo semelhante à deficiência de oxigênio.
Eu não tinha certeza de nada, é claro. Mas eu achava que as chances de curar sua
condição eram mínimas. Se houve dano cerebral, a tecnologia médica deste mundo não
seria suficiente para ajudá-la. Mesmo a magia de cura de nível Avançado não serviria de
nada. Li um ou dois mangás nos quais infligir o mesmo nível de choque que fez a
pessoa perder as memórias as trouxe de volta ao normal, mas não poderíamos testar isso
em Zenith.

Além disso, eu não tinha certeza se ela ficaria feliz, mesmo que a curássemos. Paul
morreu tentando salvá-la. Eu tinha certeza de que ela se culparia, dizendo: “Se ele ao
menos não tivesse tentado me ajudar.” Talvez fosse melhor que não se lembrasse.

Não, isso não estava certo. Devíamos nos esforçar para restaurar suas memórias.

— De qualquer forma, ela vai precisar de tratamento e cuidados — falei. — Planejo que
ela more aqui conosco.

Se meus pais da minha vida anterior continuassem vivendo, envelhecessem e acabassem


acamados, eu teria cuidado deles da mesma forma?

Lilia tinha inicialmente dito que planejava alugar aposentos para que não atrapalhassem
a minha vida. Ela ganhou o suficiente com o Labirinto de Teletransporte, poderia viver
por mais de uma década nesta cidade. Eu rejeitei essa ideia. Não permitiria algo
assim. Paul não permitiria tal coisa. Era nosso dever, como a família restante, cuidar
dela.

— Pretendo confiar seus cuidados à Senhorita Lilia — continuei —, mas tenho certeza
de que todos acabarão precisando ajudar.

— Pois bem. Também farei o meu melhor para ajudar — disse Sylphie de bom grado.

Ninguém parecia discordar – não que eu fosse permitir. Paul me disse para salvar
Zenith, mesmo que isso me matasse. Mesmo agora, eu ainda não sabia o que ele quis
dizer com aquilo. Mas como ele se foi, a proteção dela cabia a mim.

Além disso, embora eu tenha dito que ela precisava de tratamento, não era como se
tivesse Alzheimer. Ela estava mais para uma casca vazia. Com Lilia o tempo todo ao
seu lado, eu tinha certeza de que ficaria tudo bem, embora eu precisasse reunir os
suprimentos necessários para seus cuidados.

— Então isso significa que a Mamãe também vai morar aqui? — Aisha deixou escapar,
a voz cheia de confusão e ansiedade.

— Sim, Aisha. Estarei a serviço de Lorde Rudeus.

Será que Aisha via Lilia como um problema para ela? Lilia foi uma disciplinadora
severa enquanto ela estava crescendo, e percebi que Aisha gostava de morar longe da
mãe. Mesmo assim, não achei apropriado que ela expressasse seu descontentamento. Se
ela expressasse tais queixas em voz alta, eu teria que castigá-la da devida forma.

— Também vamos dividir o trabalho? — continuou Aisha.


— Podemos discutir isso depois — disse Lilia. — Pretendo tornar os cuidados da
Senhora o meu foco principal, deixando a maior parte do serviço doméstico para você,
Aisha.

— Tá bom… — Aisha não protestou, mas parecia se sentir incomodada com a presença
de sua mãe. Sua voz estava rígida, sua expressão sombria.

Tendo notado isso, Norn interrompeu.

— Ei, Aisha. — Ela colocou a mão no ombro da irmã e sussurrou: — Não precisa se
conter por nossa causa, tá?

Aisha olhou para Norn, depois para Lilia e depois para mim. Então, novamente para
Lilia e de volta para mim. Eu não tinha certeza do porquê ela estava procurando a minha
aprovação – ou para o que estava procurando aprovação – mas, mesmo assim, assenti.

Aisha levantou- se com um pulo e abraçou Lilia.

— M-Mãe…! Mãe, estou tão feliz por você estar bem! — gritou ela, enterrando o rosto
na barriga de Lilia.

— Agora estou em casa, Aisha. — A expressão de Lilia ficou gentil enquanto ela
acariciava o cabelo da filha.

Ah, sim. Agora sim fazia sentido.

Aisha devia ter se sentido em conflito. Afinal, Lilia era sua mãe. Eu tinha certeza de que
ela também orou pelo bem-estar de Paul e Zenith, mas foi pela segurança de Lilia que
pediu, acima de qualquer coisa. E agora que ela tinha voltado para casa, as
circunstâncias estavam complicadas demais para Aisha expressar sua alegria com
sinceridade.

Perdoe-me por duvidar de você, Aisha.

Depois disso conversamos sobre várias outras coisas, concluindo nosso anúncio de
retorno. A conversa incluiu o relatório financeiro de Geese, provando que tínhamos
partido sem nada, mas que nossos bolsos estavam cheios o suficiente para iluminar a
expressão de todos.

— Bem, então acho que podemos sair e procurar por uma pousada. — Assim que
terminamos, Geese se levantou. Talhand, Vierra e Shierra seguiram seu exemplo.

Corri para detê-los.

— Não me importo se vocês ficarem conosco hoje.

— Hein, Chefe? Não seja ridículo. Temos cérebro o suficiente para saber que se
ficássemos aqui só iríamos atrapalhar a sua família — rebateu Geese.
Os outros três pareceram concordar, movendo-se para recuperar suas bagagens,
calçando os sapatos e colocando os casacos ainda úmidos.

—…

No final, decidi me despedir deles na entrada da frente e, enquanto observava os quatro


partirem, gritei:

— Pessoal, obrigado por toda a ajuda que vocês deram ao meu pai por esse tempo todo.

Vierra e Shierra, em particular, curvaram suas cabeças profundamente. Elas ajudaram


Paul desde seu tempo em Millishion. Eu não tinha conversado muito com elas, mas nos
apoiaram de inúmeras maneiras enquanto entrávamos e saíamos do Labirinto de
Teletransporte. Foram como heróis nos bastidores.

— Não, devemos nos desculpar por não termos sido mais úteis.

— Agradeceríamos se você nos informasse onde ficará o túmulo do capitão assim que
estiver pronto.

Suas respostas foram curtas. O que será que Paul foi para elas? Elas o seguiram até o
Continente Begaritt, mesmo depois que o Esquadrão de Busca e Resgate de Fittoa se
desfez. Será que tinham sentimentos especiais por ele? Mas, mesmo que o amassem,
agora estava tudo acabado.

— O que vocês vão fazer agora? — perguntei.

— Assim que o inverno acabar, voltaremos ao Reino Asura. Existem outras pessoas do
Esquadrão de Busca e Resgate com quem temos dívidas.

— Entendo — falei. — Bem, tomem cuidado.

— Você também, Lorde Rudeus. Sei que você terá muita coisa sobre os ombros daqui
em diante, mas se cuide. — Elas se curvaram uma última vez antes de desaparecerem na
cortina de neve que caía.

O Esquadrão de Busca e Resgate… Ah, sim, alguém não disse algo sobre a família de
Zenith ter dado apoio financeiro para ajudar com as atividades de Paul? Zenith não
estava exatamente sã e salva, mas ainda assim deveríamos informar que ela foi
encontrada. Eu poderia ao menos escrever uma carta para eles.

Enquanto eu me ocupava com esses pensamentos, Geese chegou por trás e deu um tapa
no meu ombro.

— Bem, até mais, Chefe.

— Senhor Geese, Senhor Talhand. — Olhei para cada um deles.

— O quê? Tire esse olhar sombrio do rosto — resmungou Geese.


— O que vocês dois farão agora?

Geese coçou a cabeça.

— Planejamos ir para Asura. Queremos trocar nossa moeda de Begaritt e vender esses
itens mágicos que conseguimos.

— Você vai vender tudo? — perguntei.

— Planejamos ficar com algumas coisas, mas vamos vender a maior parte.

Geese ainda estava com a mão em meu ombro. Me disseram o que os itens faziam
quando os avaliaram, mas a maioria não era nada de especial – só coisas aleatórias,
como espadas curtas que poderiam ser usadas no lugar de um fósforo. Achei que em
algum momento poderia achar um uso para tudo, então joguei na área de
armazenamento no porão. Não importa o quão ridículos fossem os efeitos, ainda nos
trariam algum dinheiro se ficássemos em apuros.

As pedras mágicas que absorviam mana eram outro assunto. Queria estudá-las assim
que tivesse tempo. Se eu enfrentasse um oponente semelhante no futuro, não queria uma
repetição do que aconteceu no Labirinto. Eu não queria ficar impotente. Podia não ser
habilidoso o suficiente para conseguir alguma coisa pesquisando as pedras, mas preferia
tentar do que apenas desistir.

— Se quiser, podemos levar seus itens conosco e vender em Asura. O seu investimento
vai dar muito mais retorno lá do que aqui, sabe?

Asura pagava bem por commodities, e sua moeda corrente era amplamente aceita em
todo o Continente Central. Se fosse vender algo, Asura era o lugar ideal para isso.

— E deixe-me adivinhar — falei com conhecimento de causa —, no caminho de volta


para cá, você vai apostar tudo e dar no pé?

— Ah, ei, sem essa, eu não colocaria as mãos no seu dinheiro, Chefe. — Seus olhos
correram para um lado e para o outro, sem olhar para mim. Talvez realmente estivesse
planejando usar o dinheiro para apostar.

Ah, bem. Se não fosse por Geese, nunca teríamos concluído aquele labirinto. Eu tinha
uma dívida enorme com ele. Isso, em comparação, era algo trivial.

— Estou brincando — falei no final.

— Bem, eu planejava apostar um pouco — ele confessou, as bordas de seus lábios se


curvando para formar um sorriso.

— E depois disso?

— Vou continuar como um aventureiro. — Geese deu de ombros. — Essas são nossas
únicas habilidades.
— Certo.

— Bem, ficaremos aqui até a primavera, então apareça para beber conosco quando
puder. Você disse que me apresentaria a uma bela macaca, certo? Ah, acho que já que
você tem esposa e um filho a caminho, provavelmente não frequenta esses lugares. Heh
heh.

Verdade, ainda não era nossa última vez nos vendo. Mesmo assim, Geese era o tipo de
homem que simplesmente se levantaria e partiria em sua próxima aventura sem dizer
uma palavra que fosse antes de sumir. Queria ao menos me despedir enquanto tinha a
oportunidade.

— Senhor Geese — comecei a falar.

— Chefe. Você está falando de um jeito bem engraçado, sabe? Fale comigo como você
sempre faz, tipo, “Ei, Novato!”

Curioso, perguntei:

— Por que você quer tanto ser chamado de “Novato”?

— Isso é um azar.

Um azar. Esse termo por si só deveria ter sido uma explicação inadequada, mas me
atingiu direto no coração. Se fosse um de seus azares, eu não poderia reclamar.

— Bem, de qualquer forma, obrigado aos dois por tudo que fizeram por mim.

— Eu te disse, não precisa. De qualquer forma, tome cuidado, Chefe.

Assim que baixei a cabeça, Geese acenou com a mão e começou a se afastar.

— Ele está certo, você não nos deve nada. Se alguém deve, é o Paul. O que quero dizer
é que não precisamos de agradecimentos — disse Talhand enquanto movia seu corpo
robusto para seguir Geese.

Observei até eles desaparecerem.

— Os homens sempre querem se exibir assim — disse uma voz.

Olhei e vi Elinalise parada ao meu lado. Pelo visto, ela estava conversando com Sylphie
enquanto eu me despedia deles. Será que era sobre Roxy? Eu disse a ela que o dever de
contar tudo para Sylphie era meu, mas sendo a intrometida que era, Elinalise poderia ter
dito algumas palavras por mim. Sinceramente, eu não estava tão ansioso para essa
conversa, então fiquei um pouco grato por sua consideração.

— Bem, eu devia ir ver o Cliff. Não tenho muito mais tempo. — Elinalise acariciou a
parte inferior do abdômen enquanto falava. Eu também a fiz passar por muita coisa. Em
nosso caminho de ida e volta, ela dormiu com um total de três desconhecidos. Isso era
normal para ela, é claro, e ela até riu disso, mas eu não poderia ser petulante.
— Senhorita Elinalise, você realmente me ajudou — falei.

Ela estava com uma expressão amarga no rosto.

— Sinto muito pelo Paul…

— Não, aquilo foi minha…

Minha culpa, meu erro. Tentei dizer isso, mas ela me interrompeu.

— Meu dever naquele grupo era garantir que essas coisas não acontecessem. Paul
morreu por causa das minhas falhas.

Não tinha como isso ser verdade. Estávamos lutando por nossas vidas, nenhum de nós
poderia saber o que estava à espera depois de termos esquivado do ataque final da hidra
e ficarmos a uma única cabeça da vitória. Havia apenas duas pessoas que poderiam
culpá-la: a própria Elinalise e o falecido Paul.

— Não posso te culpar — falei. — Nem ninguém.

— Então também não se culpe.

— Tá bom…

— Certo, hora de ir! — disse Elinalise antes de correr para a neve. Havia alguém
importante ainda esperando para saber que ela tinha retornado.

— Uff. — Soltei um longo suspiro, minha respiração formando uma nuvem visível que
se elevou e se dissipou em meio à neve.

Finalmente, o Incidente de Deslocamento acabou. Pelo menos pra mim. Todos os meus
familiares desaparecidos foram encontrados. Provavelmente existiam outras vítimas
desaparecidas por aí, mas eu não tinha a obrigação de procurá-las.

Estava acabado. Foi a conclusão de uma longa, frustrante e amarga jornada. Agora a
vida poderia passar para a próxima etapa. Sem olhar para trás. Eu tinha que viver e olhar
para frente. Ainda havia muito para fazer neste mundo. Tanta coisa que eu
ainda queria fazer.

Portanto, vamos olhar para o futuro.

— Rudy, já foi todo mundo embora? — A voz de uma garota chamou por trás. Olhei
por cima do ombro para ver Roxy parada ali. — Também queria falar um pouco com
eles…

— Parece que vão ficar na cidade por enquanto, então você pode vê-los quando tiver
algum tempo — assegurei.

— Verdade.
Roxy não saiu para a neve. Ela permaneceu dentro da casa, a única pessoa do grupo que
fez isso. Se ela continuaria ou sairia para procurar um quarto em uma pousada, dependia
de como acabaria a discussão iminente.

— Bem, Roxy…

— Sim?

— Vamos.

Voltei para dentro, a forma delicada de Roxy seguindo ao meu lado.


Cap.15 – Massacre

Cinco pessoas permaneceram na sala de estar: Sylphie, Norn, Aisha, Roxy e eu.
Também havia o tatu (que nomeei de Tu) deitado perto da lareira com um olhar de
felicidade em seu rosto, mas ele não contava.

Lilia estava ajudando Zenith a tomar banho. Antes de ir, ela tinha me perguntado se
ficaria tudo bem e eu assenti. Queria ter essa conversa sem depender de sua ajuda.

Ao invés de voltar ao seu quarto, Norn ficou. Ela estava mal, ainda fungando. Ela era
muito apegada ao Paul, então estava sofrendo muito com a perda.

— Bom, tem uma última coisa que tenho que falar.

Quando falei isso, as três se sentaram novamente. Olhei para Roxy e ela caminhou para
o meu lado em silêncio.

—…

Ver o quanto a barriga da Sylphie estava grande me fez hesitar, mas eu tinha uma
responsabilidade. Roxy, eventualmente, chegaria na mesma fase da gravidez. Se Sylphie
se recusasse a aceitá-la, Roxy iria dar à luz completamente sozinha? Isso é o que foi
combinado, mas se realmente acontecesse, eu planejava ajudá-la de alguma forma, seja
financeiramente ou de outra maneira.

— Eu gostaria de tomar a Roxy como minha segunda esposa — falei.

— Hã…?

Quem expressou sua confusão não foi Sylphie, mas sim Norn. Shylphie apenas tinha um
olhar surpreso em seu rosto.

— O-O que está falando?! — inquiriu Norn.

— Deixe-me explicar desde o começo.

Comecei recontando o que havia acontecido no Continente Begaritt, que quando Paul
morreu eu entrei em uma depressão profunda. Contei que foi Roxy quem me salvou e
que eu desenvolvi sentimentos por ela como resultado. Contei que a respeitava
profundamente e queria que ela fizesse parte da nossa família a partir de então.
— Não tinha a intenção de te trair, Sylphie, mas, no final, quebrei minha promessa. Eu
sinto muito. — Me ajoelhei. Havia um carpete estendido no chão, mas o inverno nos
Territórios Nortenhos era muito frio, então obviamente o carpete também estava. Me
inclinei para frente e pressionei minha cabeça no chão.

— Hã? Espe… Rudy?! — Ouvi a voz assustada da Sylphie me chamar.

— Eu ainda amo a Sylphie, tanto quanto antes, mas, aparentemente, engravidei a Roxy.
Preciso me responsabilizar por isso. — Quanto mais eu falava, mais minhas palavras
soavam baratas, mesmo que fossem meus verdadeiros sentimentos.

Quando olhei para cima, Shylphie estava com um olhar perturbado em seu rosto. Talvez
estivesse confusa. Não podia culpá-la por isso. Eu disse que a amava, jurei que, com
certeza, voltaria. Agora voltei arruinando tudo, sem um membro da família e uma mão
faltando. Ela devia ter pensado que, ao menos, poderia se alegrar por eu estar seguro,
mas lá estava eu; dizendo que queria tomar outra mulher como minha segunda esposa.
Em seu lugar, eu teria chorado, gritado e insultado.

Mas assim, pedi o impossível:

— Sylphie, por favor, me perdoe.

— Mas é claro que não! — Quem gritou comigo foi Norn, não Sylphie. Ela pisou forte
no chão e me segurou pelo colarinho. — Como pode falar isso? Você sabe como ela se
sentiu esse tempo todo em que ficou te esperando?!

—…

— Todos os dias ela dizia: “Espero que o Rudy esteja bem” ou “Sinto falta do Rudy” ou
“Me pergunto se o Rudy está comendo direito.” Sabe o quão solitária ela pareceu e soou
esse tempo todo?!

Eu não sabia. Não fazia ideia, mas conseguia imaginar. A expressão em seu rosto
enquanto me esperava. O quão solitária soou. O que ela devia ter sentido ao se sentar
em uma cadeira sem nada para fazer além de ficar batendo o pé enquanto esperava?

— Entendo que não posso culpá-lo por não ser capaz de salvar o Papai. Se as coisas
estavam difíceis a ponto de você perder sua mão esquerda, então não havia nada que
pudesse ser feito. Então parecia errado te culpar por isso. Mas agora está me dizendo
que você estava bem o suficiente em meio a tudo isso para transar com outra mulher? E
agora quer fazer dela sua esposa?!

— Não! Eu não estava bem. Estava deprimido! Por isso que Roxy deixou seus próprios
sentimentos de lado para me salvar!

— A Senhorita Sylphie teria feito o mesmo por você se estivesse lá! — Norn retrucou.

Sylphie com certeza teria me salvado se estivesse lá. Afinal, ela tinha curado minha
impotência. Mas quem me salvou foi Roxy. Mesmo que tivesse sentimentos por mim;
mesmo que soubesse que eu já estava com alguém. Ela decidiu fazer aquilo, mesmo
sabendo que depois poderia ser deixada de lado.

— Norn, você deve entender como é se prender em seu quarto, sentir como se estivesse
em um buraco tão fundo que não consegue ver a luz no fim do túnel. Como é possível
deixar a pessoa que te salvou disso de lado? — argumentei.

— Eu sei! Sou grata a você por me ajudar com isso, mas este é um problema totalmente
diferente! Lorde Millis jamais permitiria alguém ter uma segunda esposa!

Ah, verdade. Norn era uma seguidora de Millis. Não, a religião dela não era o problema.
Talvez fosse eu. Talvez eu tivesse feito algo errado e tentado forçar a parecer que estava
certo.

— Além disso, por que com aquela garotinha? Ela é quase igual a mim! — Norn
encarou Roxy.

Roxy olhou para a garotinha com seu olhar neutro de sempre. Ela era mais alta que
Norn, mas por pouco, talvez nem tinha centímetros de diferença. Diante do olhar hostil
de minha irmã mais nova, Roxy permaneceu inabalável enquanto murmurava:

— Posso ser pequena, mas pelo menos sou uma adulta.

Eu estava imaginando o que ela diria. Sua voz estava trêmula, um indicativo claro do
que havia em seu coração, mas as palavras poderiam ser consideradas insolentes.

Norn estava enfurecida.

— Se é tão adulta assim, não acha que está sendo uma sem-vergonha?!

—…

— Não se sente mal por invadir o relacionamento deles?!

— Norn, isso está indo longe demais. Quem disse que gostaria de trazê-la para nossa
família fui eu. Roxy não fez nada de errado. Ela tentou não atrapalhar. — Me opus com
uma voz firme.

Norn nem mesmo me olhou, somente continuou seu ataque verbal a Roxy.

— Você fica quieto! — gritou para mim. — Além disso, se ela realmente tentou “não
atrapalhar”, então por que ainda está grudada em você? Ela só está se aproveitando da
sua oferta!

Pensei honestamente em dar uns tapas nela, mas não era necessário falar que eu não
tinha esse direito. Se batesse nela, sentiria que realmente me tornaria um completo lixo.

—…
Roxy ficou em silêncio enquanto Norn gritava com ela. Ela parecia indiferente como
sempre, seus olhos se voltaram para o chão. E então, finalmente levantou sua cabeça e
curvou-se para Norn.

— Está certa. Foi uma falta de vergonha da minha parte. Peço desculpas.

Então se levantou e foi para o canto da sala. Ela pegou sua bagagem, colocou seu
chapéu na cabeça e moveu-se rapidamente para a saída.

Eu nem ao menos consegui pará-la. Sabia que encontraríamos resistência, sabia que não
devia subestimar o quão difícil seria para todas aceitarem isso, mas pensei que poderia
convencê-las. Esse pensamento foi ingênuo. Agora, aqui estávamos nós, com Roxy
tendo sido repreendida. Ela provavelmente sentiu como se estivesse caminhando sobre
espinhos e que as coisas possivelmente continuariam sendo dolorosas se ficasse.

Com essa possibilidade em mente, ninguém escolheria ficar. Até mesmo eu sairia
correndo pela porta, incapaz de suportar.

Eu não poderia deixá-la ir com essa sensação desagradável. Não era como eu queria que
as coisas tivessem acontecido. Queria recompensá-la por tudo que fez, não queria levá-
la para minha casa só para que fosse humilhada. Ela estava ali para que eu pudesse fazê-
la feliz.

E, mesmo assim, não importa como me sentisse, não conseguia pará-la. Eu não poderia
segurá-la. Será que não seria capaz de fazê-la feliz?

Não, pense! Roxy sairia pela porta a qualquer momento. Precisava, pelo menos, pará-la!
Mesmo que precisasse bater em Norn, mesmo que isso significasse que faria minha
irmã me odiar, eu…

— Espera! — Uma voz a chamou por trás. — Senhorita Roxy, por favor, espera!

Foi Sylphie. Ela se levantou e foi rapidamente segurar Roxy pela mão. Roxy olhou para
trás, seus olhos transbordando de lágrimas.

— Por que está parando ela?! — Norn se surpreendeu. — Só deixe ela ir!

— Norn, poderia, por favor, ficar quieta?

Perplexa, Norn falou:

— Hã?

— Você foi rude demais. Nunca expressei qualquer objeção — disse Sylphie.

Norn congelou, sem saber o que dizer.

— Por favor, sente-se — disse Sylphie, virando suas costas para Norn para que
conseguisse guiar Roxy em direção a um assento no sofá. Roxy se sentou
voluntariamente, sem sinais de resistência. Então Sylphie se sentou ao seu lado. — Eu
estava um pouco confusa a princípio… mas então foi você quem salvou o Rudy,
Senhorita Roxy?

Roxy concordou timidamente:

— Sim… Mas eu tive segundas intenções e não pretendo dar nenhuma desculpa para
isso.

— Sim — concordou Sylphie. — Bem, Rudy realmente é bonito. Eu não teria


acreditado se dissesse que não tinha segundas intenções.

—…

— Acho que se eu estivesse no seu lugar, teria feito exatamente a mesma coisa. —
Sylphie sorriu para Roxy, com uma expressão gentil em seu rosto. Em contraste, Roxy
estava tensa. Sylphie permaneceu sorrindo conforme continuou: — Sendo honesta,
achei que era apenas uma questão de tempo.

— Hm, o que era uma questão de tempo? — Roxy perguntou, confusa.

— Rudy trazer outra mulher para casa.

Apenas uma questão de tempo antes que eu trouxesse outra garota? Hm…? Espera, isso
significava que ela não confiava em mim?

— Sabe, o Rudy é um pervertido, não é? Pensei que ele fosse fazer isso com outra
pessoa se eu não estivesse por perto. Mas ele é leal, então achei que se fizesse com outra
pessoa, iria querer trazê-la para nossa família, como fez comigo. Eu não pensei que
conseguiria mantê-lo só para mim para sempre.

Quis protestar, mas ela acertou em cheio. Eu não tinha o direito de falar algo.

— Honestamente, pensei que, se fosse para trazer alguém para casa, seria Linia, Pursena
ou a Senhorita Nanahoshi.

Roxy comentou:

— Não tinha ouvido esses nomes antes, exceto pela Senhorita Nanahoshi.

— São amigas dele no colégio. Todas são muito sexys, com peitos grandes.

Bem, Nanahoshi não é necessariamente tão sexy assim, protestei internamente. Espera,
isso não importa agora.

— Sinceramente, o que ouvi da sua viagem pareceu brutal, além de que também teve a
morte do Paul. Tinha esquecido completamente da possibilidade de ele ter encontrado
outra pessoa. Por isso fiquei tão surpresa quando ouvi… — Sylphie pausou. — Mas até
que faz sentido.

— O que faz? — Perguntou Roxy.


— Desde que chegou, você ficou o olhando com um olhar preocupado em seu rosto. Me
perguntei o porquê daquilo. De início pensei que estivesse apreensiva sobre ele anunciar
a morte de Paul, mas na verdade era por causa disso.

—…

Sylphie continuou:

— Você estava com o olhar de uma garota apaixonada, Senhorita Roxy.

O olhar de uma garota apaixonada. Quando Roxy ouviu isso, seu rosto esquentou.

— Sinto muito por fazer você ver algo tão desagradável. — Ela abaixou a cabeça, com
suas bochechas ainda vermelhas feito um tomate.

Do ponto de vista de uma esposa, não seria agradável ver outra mulher olhar
apaixonadamente para seu marido. Pude entender o porquê de Roxy ter pensado dessa
maneira.

Mas Sylphie apenas balançou a cabeça.

— Não foi desagradável.

— Mas… — Roxy começou a protestar.

— Como posso dizer isso…? — Sylphie inclinou sua cabeça pensativamente, e quase
instantaneamente assentiu. — Sabe, Rudy sempre me falava sobre você, Senhorita
Roxy.

— O que ele dizia?

— Coisas como: “Ela é a única maga que respeito.” Ele falou dessa forma sobre você
tanto antes quanto depois do Incidente de Deslocamento.

Roxy se arrumou em seu lugar, sem jeito.

— Não tenho certeza do que dizer, mas me sinto mal por você ter que escutar isso.

— Bem, foi por isso que também senti um pouco de ciúmes — confessou Sylphie. —
Ele tinha tamanha admiração estampada em seus olhos toda vez que falava sobre você.

—…

— Eu pensava comigo mesma: “Essa Roxy Migurdia deve ser uma maga incrível, não
há como eu ficar lado a lado com ela.”

—…
— Mas agora que eu te vi de fato e sei que é apenas uma garota normal que ama o
Rudy, esse ciúme se foi. Isso significa que você é igual a mim — disse Sylphie
conforme tirava o chapéu de Roxy e acariciava seu rosto.

Roxy apenas olhou para a outra mulher e deixou isso acontecer.

E, enquanto continuava acariciando, Sylphie disse:

— Norn pode ter expressado sua oposição, mas eu te aceito.

O rosto de Roxy se preencheu de surpresa.

Eu também senti meu maxilar se soltar em choque. Jamais imaginei que Sylphie
aceitaria tão facilmente.

— Senhorita… Sylphiette — disse Roxy, hesitante.

— Pode chamar só de Sylphie. Espero que possamos nos dar bem. Hm, Rox?

— Hmm, na verdade eu fiz cinquenta anos nesse ano, então esse tipo de apelido parece
um pouco infantil…

— Ah, tudo bem. — Sylphie assentiu para si mesma. — Então você é mais velha do que
eu. Sinto muito. Parando para pensar, Rudy mencionou isso, mas não consegui assimilar
ao te ver.

— Bem, eu sou pequena — admitiu Roxy.

— Eu também não sou muito grande.

Uma olhou para a outra, segurando as mãos, e riram.

— Bem, Roxy, então vamos apoiar o Rudy juntas.

— Obrigada, Sylphie.
Após dizerem essas palavras, elas apertaram as mãos. A ação irradiou um tipo
interessante de solidariedade e, vendo isso, deixei um suspiro de alívio escapar. Uma
reação involuntária que fugiu de mim no momento em que vi que tudo ficaria bem.

Norn me olhou e franziu a testa.

— Se a Senhorita Sylphie está bem com isso, eu não tenho mais nada para dizer. —
Aparentemente, ela não tinha aceitado muito bem. Ela franziu um pouco a testa,
claramente ainda insatisfeita, enquanto nos olhava. Talvez eu tenha conquistado seu
desprezo de novo.

Foi Syphie quem a acalmou dizendo:

— Perdoe-o, Norn. Rudy não é um seguidor de Millis.

— Mas… — Norn começou a protestar.

— O Senhor Paul também tinha duas esposas, não?

Ela ficou quieta por um tempo antes de dizer:

— Verdade, ele tinha.

Sylphie continuou:

— Então você diria o mesmo tipo de coisa para a Senhorita Lilia?

Norn arregalou os olhos, surpresa. Ela se virou para Aisha, a qual estava sentada ao seu
lado.

Aisha ficou quieta o tempo todo, seu rosto era a definição de compostura.

— Ah… Desculpa, Aisha — disse Norn.

— Está tudo bem, de verdade. Já sei que você costuma falar sem pensar nas coisas.

— Por que você precisa falar assim…?


— Pense no que aconteceu — salientou Aisha. — Não era seu lugar de fala. Ficou
falando sobre a Senhorita Sylphie e seus sentimentos, mas, na verdade, estava apenas
forçando suas crenças nos outros.

— O quê?! — Norn saltou para ficar de pé.

Vi os punhos se formando em suas mãos e entrei no meio para repreender Aisha.

— Aisha, foi longe demais.

— Mas…

Eu a interrompi.

— Eu também entendo o que a Norn disse. Se a própria Sylphie tivesse dito as mesmas
coisas, seria compreensível. Sou igualmente culpado por não ter considerado como
todos se sentiriam. Não podemos culpar a Norn.

— Se você diz isso, tudo bem, eu acho.

—…

Norn tinha uma expressão conflituosa no rosto, como se não tivesse certeza do que
dizer. Ela devia estar se sentido desconfortável, já que suas próximas palavras foram:

— Vou para a cama.

Seus pés se moveram rapidamente para que ela saísse da sala de estar. Mas então ela
parou, como se tivesse se lembrado de algo, e olhou de volta para mim.

— Hm, Irmão…?

— Oi?

Ela iria soltar um último comentário severo? Esse era meu medo, mas o que saiu de sua
boca superou minhas expectativas.

— Poderia me ensinar esgrima? Quando tiver tempo.

— Hã…?

Foi tão repentino que, por um segundo, as palavras não fizeram sentido para mim.

Esgrima; ela tentaria usar a espada do Paul? Parte de mim sentiu que uma tentativa
meia-boca de se defender seria apenas autodestrutivo, mas esse mundo não era como o
meu anterior. Provavelmente seria bom que aprendesse um pouco de esgrima. Mesmo
um pouco de poder a mais já seria melhor do que nada. O maior problema era se eu
seria um bom professor ou não.

— Tem certeza de que quer que eu te ensine? — perguntei.


— Não posso aprovar o que fez, mas também não te odeio.

— Certo…

Na verdade, eu estava perguntando se ela tinha certeza de que queria que eu a ensinasse,
mesmo não sendo tão bom nisso, mas não podia recusá-la após ela admitir
indiretamente que ainda gostava de mim.

— Tudo bem — falei. — Vou reservar um tempo para te ensinar após a escola ou algo
assim.

— Por favor. — Após dizer isso, Norn foi para seu quarto no segundo andar.

No final das contas, fui completamente inútil. Sylphie tinha me ajudado com sua
generosidade.

— Irmãozão. — Aisha me chamou. — Você pareceu muito patético agora, sabia?

Incapaz de dizer algo em minha defesa, apenas assenti.

Depois disso, nós três (Sylphie, Roxy e eu) começamos a conversar sobre como
ficariam as coisas, como, por exemplo, a ordem em que passaríamos as noites juntos ou
como passaríamos um tempo de qualidade. A discussão foi sincera o suficiente para
fazer Aisha sair.

— Bem, então, Senhorita Roxy, conto com você daqui para frente — disse Aisha.

— Sim, digo o mesmo.

Aisha resmungava baixo enquanto saía, mas também sorria enquanto ia embora.

O que havia com ela? Bem, não importa. Sylphie, Roxy e eu tínhamos que conversar
sobre o futuro. Algumas pessoas poderiam ficar espantadas por conseguirmos discutir
tais coisas quando Paul tinha acabado de morrer, mas era precisamente por isso que eu
queria um tópico mais alegre para conversarmos.

— Por favor, faça da Sylphie sua maior prioridade, Rudy. Só um pouco de sua atenção
quando estiver livre já basta para mim — disse Roxy.

— Bobagem, devemos ser justas — insistiu Sylphie.

— Mas…

— Ele pode trazer ainda mais esposas, então não vamos ser acanhadas.

Mais? Só de ouvir essa palavra pude perceber o quanto ela confiava na minha parte
inferior.

— Honestamente, nesse momento eu só me sinto extremamente culpada por tudo isso.


Irei ficar de lado até seu bebê nascer — disse Roxy.
— Então é assim que se sente — disse Sylphie, pensativa. — Bem, falta um pouco mais
de um mês até o nascimento. Se importa se eu ficar com ele só para mim por esse
tempo?

— Tudo bem para mim. Então vamos esperar até o próximo mês para eu oficialmente
me tornar sua esposa, Rudy.

—…

Eu provavelmente era uma péssima pessoa por ficar desapontado em ter que viver uma
vida celibatária pelo próximo mês. Mas quando comecei a pensar que seria capaz de
fazer sexo com as duas, o quanto quisesse, após Sylphie dar à luz… Meu amigo lá de
baixo começou a ficar de pé.

—…

—…

Conforme essas fantasias se concretizavam na minha cabeça, as duas mulheres se


viraram para mim.

— Hm, Rudy? — Sylphie me chamou. — Se realmente não conseguir esperar, fale, tá


bom? Iremos fazer algo sobre isso.

— Ah, não, eu mesmo cuido disso.

Não importava o quão safado eu fosse, não iria trair mais do que já tinha traído. Queria
que ela confiasse que eu, Rudeus Greyrat, jamais fraquejaria novamente. O único
motivo de eu ter vacilado foi por causa da situação única em que estive e porque minha
parceira foi a Roxy. Desde que nunca entrasse em um ciclo depressivo e uma mulher do
calibre da Roxy nunca aparecesse em minha frente, de modo algum trairia
novamente. Jamais.

— Ah, mas você disse que Roxy também está grávida. Nesse caso, se esperarmos um
mês, também não será capaz de fazer sexo com ela. O que iremos fazer nesse caso? —
perguntou Sylphie, preocupada.

Roxy, parecendo envergonhada, disse:

— Hm, sobre o que o Rudy disse em relação a isso… Acho que ele estava mentindo.
Não tive a oportunidade para falar isso, mas não estou grávida.

— Hã? — Acabei deixando escapar.

Ela não estava? Então do que diabos Elinalise estava falando naquela hora?

— Ah…

Ela me enganou. Aquela cretina. Droga. E eu dancei na palma de sua mão.


— O que aconteceu, Rudy? — perguntou Roxy.

— Nada, mas deixe-me esclarecer que eu não estava mentindo. Foi somente um mal-
entendido meu.

— Ah, então tá bom. — Roxy coçou suas bochechas e seu rosto corou. — Mas espero
ansiosamente por isso.

— Ah, sim. Eu também — falei. A frase “planejamento familiar feliz” surgiu em minha
mente, o que fez um sorriso surgir em meu rosto. Ahh, eu realmente estava animado
para o que viria no futuro.

— Rudy é um pervertido, não é? — provocou Sylphie.

— Sim, realmente sou — concordei.

— Me pergunto o que nosso Rudy pervertido irá fazer comigo… — questionou Roxy
em voz alta.

Continuamos a falar e a rir juntos.

E foi assim que passei a ter uma segunda esposa.

Preparamos um quarto para Lilia e para minha mãe após terminarem o banho, e então
nos recolhemos para dormir. Assim como tinha sido discutido anteriormente, eu estava
passando a noite com a Sylphie. Fiz um travesseiro para ela com meu braço e nos
aconchegamos próximos um ao outro, com seu rosto virado para mim. Mas ainda não
tínhamos adormecido. Ambos estávamos olhando um para o outro em silêncio.

— Sobre nossa conversa de antes… — Ela começou, sendo a primeira a falar. — Algo
trágico tinha passado em minha mente quando você falou que tinha algo para falar com
Roxy de pé do seu lado.

— O que era? — perguntei.

— Pensei que fosse me dizer que não conseguia mais me amar e queria que eu fosse
embora.

— Eu nunca diria isso!

Que tipo de babaca diria algo assim?!

— Sim, eu sei. — Sylphie se mexeu um pouco. Pude sentir algo tocar onde já havia sido
minha mão esquerda. Os dedos da Sylphie; ela estava acariciando. — Mas ainda assim
fiquei com medo. Não sei por quê. Só tive uma sensação de que não iria voltar para
mim.

Um mau pressentimento? Bom, realmente foi por um triz. Não teria sido surpreendente
se eu tivesse morrido.
Olhei para Sylphie.

— Te preocupei?

— Sim.

— Agora está tudo bem. — Acariciei sua cabeça com minha mão direita. Ela fechou os
olhos conforme se apoiava ao meu toque. Seu cabelo com uma cor linda, pálida, cresceu
enquanto estive longe. — Seu cabelo está crescendo.

— Você disse que gosta de cabelo longo.

— Está fazendo isso por mim?

— É.

Ela esperou por mim esse tempo todo, e eu fui estúpido o suficiente para…

— Desculpa, Sylphie, por quebrar a promessa que fiz para você.

Ela balançou a cabeça.

— Está tudo bem. Eu te amo do jeito que você é.

— Mas se você tivesse feito o mesmo comigo, eu teria gritado, chorado como um bebê
e teria ficado revoltado por ter me traído. Tenho certeza.

Ela riu.

— Hee hee, mas eu não faria isso com você. Não tenho olhos para ninguém, além de
você, Rudy. — Sylphie aproximou seu rosto, beijando a minha bochecha.

Uma onda de afeto começou a borbulhar em meu peito. Eu iria amar Sylphie pelo resto
da minha vida. Ela provavelmente ficou preocupada, devia querer chorar e, mesmo
assim, aceitou tudo sem nenhuma queixa.

— Sylphie — sussurrei.

— Hee hee.

Como retribuição pelo seu beijo, também a beijei, colocando meus lábios em sua
bochecha macia e suave.

—…

Normalmente isso seria o prefácio para fazermos amor, mas nesse dia paramos por aí.
Não queria forçar seu corpo, não quando já estava suportando um bebê.

Mas, nesse momento, senti algo se contorcer na parte de baixo do meu abdômen.
— Vamos, Sylphie, não podemos fazer isso. Se começar a me tocar aí, não vou
conseguir me controlar. Quero dizer, estou interessado em sexo durante a gravidez,
mas…

— Não, não podemos, Rudy — disse ela, ao mesmo tempo. — Não seria bom para o
bebê.

— Hm?

— Hã?

Nesse momento, nós dois olhamos para baixo. Lá, logo ao lado da barriga inchada de
Sylphie, havia uma saliência densa e montanhosa. Levantamos o cobertor para
descobrir…

— Tu?!

O enorme tatu tinha deslizado sua cabeça a partir do pé da cama, entre Sylphie e eu.
Quando ele se enfiou aqui? Nem ao menos percebi ele entrar.

— Bichinho pervertido, colocando a cabeça nas virilhas das pessoas. — Eu ri.

— Igualzinho a você, Rudy.

— Não, eu… — Comecei a protestar, mas então pensei bem. — Ah, bem, acho que
pode dormir com a gente hoje.

— Sim, parece bom.

Deslizei para fora da cama, peguei um outro cobertor e criei um lugar no chão ao lado
da nossa cama para o Tu dormir. Ele se deitou sobre o local e fechou seus olhos.

A criatura parecia um tatu, mas era basicamente como um cachorro grande. Nós
teríamos que construir uma casinha para cachorro em breve. Mantê-lo dentro de casa era
bom, mas seria ruim se ele começasse a fazer cocô por todo canto. Espera… acho que
poderíamos apenas treiná-lo para que fosse domesticado, como um cachorro. Bom, essa
era uma conversa que teríamos depois, como uma família.

— Vamos dormir? — Comecei a deslizar para a cama no lado direito da Sylphie, mas
parei e retornei para sua esquerda ao invés disso, para que pudesse segurar sua mão com
a minha direita. Ela apertou minha mão firmemente. — Boa noite, Sylphie.

— Sim. Fico feliz que esteja de volta, Rudy.

E então apaguei igual uma lâmpada.


Cap 16 - Diante Do Túmulo Dele

Passaram alguns dias desde que tomei Roxy como minha esposa. Recentemente, meu
medo de que outro desastre fosse acontecer havia começado a desaparecer aos poucos.
O futuro parecia mais brilhante do que antes, mesmo que eu ainda tivesse muitas
preocupações a respeito de Zenith.

Ela se apossou de um dos outros quartos grandes da casa. Tinha falado para Lilia que eu
era contra isso, visto que o morador anterior da casa tinha sido morto lá, mas Zenith
tinha gostado de lá e se recusava a sair. Vendo isso, Lilia deixou minhas preocupações
de lado dizendo: “Tenho certeza de que não há nada para se preocupar.” Era verdade
que, caso ela fosse cuidar de Zenith, um quarto espaçoso seria preferível a um apertado.

Eu também levei Zenith ao médico; um dos praticantes mais notáveis do Reino de


Ranoa, apresentado a nós por Ariel. Infelizmente, o homem lavou suas mãos dizendo
que não tinha ideia de qual tipo de problema de saúde ela possuía e, portanto, também
não conhecia nenhum método para tratá-la. Com a atual tecnologia médica deste
mundo, realmente não havia nada que pudessem fazer para restaurar suas memórias.
Talvez fosse por causa da magia de cura que os tratamentos médicos deste mundo
estavam tão atrasados.

Apesar disso, providenciamos um plano de reabilitação formulado especificamente para


alguém com amnésia. Eu não sabia se iria ajudar, mas já era melhor do que não fazer
nada. Se tivesse a oportunidade, procurar por uma ferramenta mágica que pudesse
ajudar a recuperar memórias seria uma boa ideia. Mas eu não fazia ideia se tal coisa
pelo menos existia.

Provavelmente era melhor considerar seu tratamento uma coisa de longo prazo. Eu não
tinha ideia do que sua família no País Sagrado de Millis iria dizer. Permanecia tudo
incerto.
A gravidez da Sylphie estava prosseguindo de acordo com a agenda. Quando tentei
apalpar seus peitos inchados, ela se irritou. Aparentemente, doía se eu apertasse muito
forte. A maneira como ela me implorou para ser gentil me fez querer ir para cima dela.
Já havia caído nessas tentações diversas vezes antes e transado com ela, mas agora ela
estava grávida, então não podia deixar meus desejos livres. Eu ainda não conseguia
evitar de querer tocá-la, mas tocava com cautela, gentilmente, conforme a acariciava.

A gravidez trouxe mudanças em seu corpo: seus peitos não eram mais os mesmos que
eu estava acostumado a apalpar. E, quando me lembrei que fui eu quem gerou essas
mudanças, senti uma alegria indescritível. Isso provavelmente era o que as pessoas
queriam dizer quando falavam sobre “sensação de dominação.”

Ahh, a Sylphie é toda minha.

Mas, como já deve imaginar, não ter uma mão esquerda era horrível. Eu lembrava
saudosamente dos dias em que podia apalpar seus peitos com as duas mãos. Agora que
faltava uma, minha satisfação caiu pela metade.

Em breve seus peitos começarão a produzir leite. Suspeito que ela se zangaria comigo
caso eu pedisse por uma degustação. Talvez até mesmo me repreendesse. Mas valeria a
pena perguntar, mesmo que as chances não estivessem a meu favor. Provavelmente
seria melhor se mantivesse a pergunta para mim, mas só uma vez não iria machucar, né?

— Você ama mesmo os meus peitos — disse Sylphie.

— É, eu amo. Eles são pequenos, mas os melhores do mundo inteiro.

— Os melhores do mundo inteiro… — ela murmurou. — Realmente pode falar isso


após apalpar os da Roxy?

— Perdoe este pecador — falei dramaticamente.

— Hee hee, não estou brava!

Brincamos com algumas provocações, nosso relacionamento continua forte como


sempre. Se fosse no meu mundo anterior, especificamente no Japão, nosso
relacionamento provavelmente estaria bem tenso. Mas, neste mundo, Sylphie era
compreensível. Desde que eu as amasse igualmente, poderia ter duas ou três esposas.

Quanto à minha outra esposa, Roxy, ela escolheu um dos menores quartos do segundo
andar. O menor de todos, para ser exato. Sugeri que pegasse um mais espaçoso, mas ela
aparentemente gostava de lugares apertados, o que eu conseguia entender. Também não
me incomodava com eles.

Roxy tornou-se professora na universidade. Ao mesmo tempo, andei por aí a


apresentando para todos e anunciando meu retorno, mas vamos deixar essa história para
outro momento.
Outro mês passou e, finalmente, em um dia com neve pesada, Sylphie deu à luz. Foi um
parto normal sem nenhuma complicação grave. O bebê não era pélvico 1 nem prematuro.
O único problema era que a nevasca estava tão forte lá do lado de fora que o doutor que
chamamos não conseguiu chegar a tempo. No meu mundo anterior, isso teria gerado
pânico, mas, felizmente, tínhamos a Lilia.

Como alguém com experiência em partos, ela foi capaz de agir rapidamente, com Aisha
como sua assistente, sem me pedir nada. Ela executou cada etapa cuidadosamente,
dando ordens para Aisha durante o processo. Roxy e eu estávamos em espera, caso algo
acontecesse. Se surgisse alguma emergência, magia de cura seria a nossa carta na
manga.

Apesar de que, notavelmente, meus nervos estavam à flor da pele. Magia de cura nem
passava pela minha cabeça naquele ponto. Tudo que pude fazer foi segurar a mão da
Sylphie com a minha enquanto seu rosto se contorcia de dor.

— Te ver assim me faz lembrar de quando a senhora Zenith deu à luz a Norn. — disse
Lilia.

Aquilo também me despertou algumas lembranças. Norn tinha sido um bebê pélvico e
tanto a mãe quanto o bebê estavam em perigo durante o parto. Paul tinha sido inútil,
estava completamente abalado. Eu consegui manter a calma e ajudei durante o parto na
época, mas olhe para mim agora. Fui muito mais capaz no passado do que estava sendo
agora, nada muito diferente de como tinha sido no meu mundo anterior.

— Não se preocupe, a Senhorita Sylhpie ficará bem. Não há motivo para se estressar —
disse Lilia enquanto trabalhava vigorosamente, controlando a situação com tanta
experiência que eu fiquei chocado.

Mas não importava o quanto ela tentava me tranquilizar, minha mente não se acalmava.
A única coisa que pude fazer foi segurar a mão de Sylphie e dizer: “Inspira… expira.
Inspira… expira”, enquanto secava o suor de suas sobrancelhas.

A dor em seu rosto era visível, mesmo enquanto ela ria do meu pânico.

— Hm… Rudy, pode relaxar um pouco, sabe?

Aisha riu levemente, o que fez ela levar um tapa rápido de Lilia.

Sylphie assistiu às duas e voltou a rir.

— Ngh?!

No momento em que o ambiente pareceu relaxar, a primeira onda surgiu.


— Senhorita Sylphie, estamos prontas. Empurre!

— Nnnngh…

Observei em silêncio enquanto ela se esforçava. A única coisa que conseguia dizer era:
“Você consegue.” Senti como se houvesse algo que eu deveria estar fazendo, mas não
havia nada que eu pudesse fazer.

Sylphie correspondeu os pedidos de Lilia para empurrar, com seu rosto se contorcendo
toda vez que o fazia, até que…

O bebê nasceu.

Ela soltou um choro agudo enquanto saía para o nosso mundo. Uma pequena garota;
adorável e com a mesma cor de cabelo que eu. Lilia a levantou e a entregou para
Sylphie, que segurou firmemente a recém-nascida e suspirou aliviada.

— Estou tão feliz que… seu cabelo não seja verde — sussurrou.

Eu baguncei o cabelo da Sylphie; cabelo que já foi verde, mas agora era um branco
lindo.

— É.

Mesmo se nosso bebê tivesse nascido com o cabelo verde, eu não teria culpado Sylphie
por isso. Como poderia? Verde era minha cor favorita nesse mundo; a cor do cabelo da
Sylphie e do Ruijerd. Até mesmo Roxy, na iluminação certa, ficaria com seu cabelo
brilhando em esmeralda. Eu amava o verde. Se alguém quisesse discriminar o cabelo
verde, teria que passar por cima de mim primeiro. Eu os enfrentaria, mesmo se isso
significasse tornar o mundo inteiro em meu inimigo.

— Você foi incrível, Sylphie.

— Obrigada.

Mesmo que eu tivesse a determinação para amar o cabelo verde, o resto do mundo não
tinha, considerando-o um mau presságio. Dei graças a Deus pela sorte de minha filha ter
a mesma cor de cabelo que eu. Falando em divindade, ela estava no quarto ao lado
segurando seu cajado firmemente nas mãos, pálida feito uma folha.

— Aqui, Rudy. Segure ela — disse Sylphie.

— Certo.

A segurei em meus braços. Seu corpo estava quente, sua voz ficando mais alta conforme
chorava. Sua cabeça era pequena, do mesmo modo que sua boca e nariz; seu corpo
inteiro estava repleto de vida. Meu coração se encheu de emoções quando pensei que
essa criança era minha, meu bebê que Sylphie deu à luz.

—…
Lágrimas surgiram.

Paul havia partido, mas agora tínhamos um bebê. Ele salvou minha vida. Se não fosse
por ele, eu não estaria segurando minha filha. Mas, em troca, Paul nunca mais abraçaria
suas esposas, suas filhas ou sua neta.

Ele ficaria ressentido por não poder estar presente? Ou iria rir e se vangloriar dizendo
“Foi tudo graças a mim”?

Independentemente, eu tinha que seguir vivendo. Pelo bem da minha filha, eu não podia
morrer. Tinha que proteger Sylphie, minha família.

Sylphie e eu pegamos as primeiras sílabas de nossos nomes e as alteramos um pouco


para nomeá-la: Lucy2. Lucy Greyrat. Aisha riu, dizendo que era um nome óbvio demais,
e Lilia bateu em sua cabeça de novo. Eu apenas estava feliz de que era uma garota. Se
tivesse sido um garoto, talvez tivesse o nomeado de Paul.

Lilia me expulsou do quarto após aquilo. Havia muito a ser feito, aparentemente, então
ela me disse para esperar lá fora. Fui para a sala de estar e me sentei no sofá. Eu não
tinha feito nada de verdade, mas ainda assim estava exausto.

Roxy se sentou ao meu lado, parecendo cansada também, e suspirou. Ela tinha feito
ainda menos do que eu, então o dela devia ser cansaço mental.

— Foi a primeira vez que vi uma pessoa dando a luz — disse ela. — Foi incrível.

— Eu já… vi algumas vezes até agora. Umas três, eu acho. Mas desgasta ainda mais
quando a criança é sua.

Sylphie provavelmente estava ainda mais cansada. Depois eu realmente tinha que
mostrar a minha gratidão para ela.

— Creio que também deve ter sido assim que nasci — disse Roxy pensativamente.

— Bom, é como todos nascem, não é? — Eu não sabia muito sobre a reprodução dos
Migurd, mas considerando que eram extremamente parecidos com os humanos, não
devia haver muita diferença, né?

— Eu eventualmente irei dar à luz da mesma maneira, né…?

Quando olhei em sua direção, vi Roxy me espiando e seu rosto queimando de vermelho.
Retirei os meus sapatos e coloquei as minhas pernas abaixo de mim no sofá, sentando
com a maior firmeza possível.
— Sim, gostaria de pedir para que fizesse isso por mim.

Agora que a bebê da Sylphie havia nascido, significava que Roxy e eu começaríamos o
processo de fazer bebês em breve. Honestamente, eu estava ansioso para isso, mesmo
que a bebê da Sylphie tivesse acabado de nascer. Eu realmente não tinha jeito. Não que
eu me odiasse por isso; eu não conseguia, não quando imaginava que Paul
provavelmente se sentiu do mesmo jeito no passado.

Mal posso esperar, pensei enquanto ria, o que fez Roxy corar muito e envolver seus
braços pelo próprio corpo.

— Rudy, você está com um olhar muito safado no rosto.

— Nasci com ele.

Exatamente, nasci com isso. Era algo que eu tinha desde que vim a este mundo, ou
talvez até mesmo antes disso.

—…

Ah, é mesmo. Antes de começar essa rotina com Roxy, eu precisava anunciar o
nascimento da minha filha.

No dia seguinte, fui sozinho para os arredores da cidade, onde um cemitério para nobres
estava situado em uma colina baixa. Foi ali onde colocamos Paul para descansar. Ele
provavelmente reclamaria sobre ficar junto com outros nobres, mas esse lugar tinha um
cuidado melhor do que aquele para o público geral.

Fiquei de pé em meio à neve, em frente à lápide redonda ao estilo de Ranoa. Eu não


fazia ideia de qual religião Paul havia seguido. Não achava que acreditava em um Deus.
Ele parecia do tipo que não se preocupava com religião, então mesmo se cometêssemos
um erro nesse quesito, tinha certeza de que ele nos perdoaria. Talvez o ideal fosse fazer
uma lápide para ele no Reino Asura, onde Buena Village costumava ficar. Paul não
tinha conexões ou relações com as terras daqui. Mas, se o enterrássemos muito longe,
não poderíamos visitá-lo.

Eu já havia informado Geese e os outros sobre essa localização. Nós até mesmo já
havíamos o visitado como um grupo. Cada pessoa tinha levado consigo algo que
pensaram que Paul gostaria. Álcool, uma espada curta, esse tipo de coisa. Geese e
Talhand tinham sentado em frente ao seu túmulo e beberam bastante juntos, o que gerou
a ira do coveiro.

Comecei a limpar o túmulo de Paul, com uma garrafa de licor debaixo do meu braço
que eu tinha comprado no caminho. Tirei a neve que se acumulava em sua lápide,
polindo a pedra com um pano que eu trouxe. A estrada até o cemitério tinha sido
coberta por neve, mas o coveiro manteve as trilhas daqui limpas, então não foi difícil
limpar a área de Paul.

Eu limpei, então coloquei a garrafa em frente de seu túmulo e juntei minhas mãos.
Havia pensado em também comprar flores, mas não tinha nenhuma à venda. Durante o
inverno nos Territórios Nortenhos, era difícil ter flores. Não que Paul gostasse de flores,
de qualquer forma.

— Paul… Pai, minha filha nasceu ontem. Uma garotinha. Ela é da Sylphie, então tenho
certeza de que será linda quando crescer. — Sentei na frente de seu túmulo e contei as
notícias. — Gostaria que pudesse vê-la.

Se Paul a tivesse visto, tinha certeza de que ele teria a paparicado e tagarelado até
Zenith brigar com ele. Ele provavelmente teria me levado para beber em comemoração
e ambos teríamos ficado bêbados. E então ele teria dado em cima da Lilia, o que irritaria
Zenith.

Era tão a cara dele que eu conseguia imaginar claramente, esse era o futuro que teria
acontecido se Paul ainda estivesse vivo e minha mãe não tivesse perdido suas
memórias.

— Tornei Roxy em minha esposa. Agora tenho duas, igual você. Mas gostaria que
tivesse me ensinado como me preparar mentalmente para isso.

Agora que pensei sobre, era provavelmente isso que Paul estava tentando falar comigo
lá no labirinto. Ele sabia que Roxy tinha sentimentos por mim e que eu também tinha
por ela. Era bem provável que queria me ensinar a como me preparar para essa situação.

— Não é exatamente igual, não vou ter duas filhas de repente, mas Roxy eventualmente
ficará grávida e também terá uma criança minha. Tenho certeza de que ainda demorará
para acontecer, mas espero que cresçam saudáveis como Norn e Aisha.

Eu não tinha a intenção de desafiar a criação da Lilia, mas queria que meus filhos
crescessem como iguais, para que fossem fortes o suficiente para resistir quando alguém
os chamasse de meio-demônios.

— Aparentemente Sylphie acha que vou tomar outra esposa no futuro. Não planejo nada
do tipo, mas dizem que o que acontece uma vez pode acontecer mais duas ou três vezes.
Talvez ela esteja certa.

Me perguntei se Paul já havia considerado se casar com Ghislaine, Elinalise ou Vierra.


Parecia que ele tinha tido uma relação sexual com Ghislaine, então suspeitei de que ele
já havia considerado ao menos uma vez. Mas, pensando bem, ele era um pouco mais
mente aberta do que eu, então talvez não tivesse pensado em algo tão distante como o
casamento.

— Talvez eu não devesse pensar demais nisso, né? — Quando direcionei meu
questionamento para seu túmulo, tive a impressão de que conseguia ver ele sorrindo
maliciosamente para mim. Tudo que pude ver foi seu sorriso, não conseguia ouvir
nenhuma palavra.

Mas não era como se Paul nunca tivesse pensado nas coisas. Tinha certeza de que ele
havia quebrado a cabeça por anos sobre algumas coisas. Fazia sentido. Havia pouca
gente no mundo que vivia sem pensar em absolutamente nada.
— Pai, fui um péssimo filho; permaneci com as memórias da minha vida anterior. Eu
não te amei como deveria, como meu pai — falei enquanto me levantava. Peguei a
garrafa de álcool na mão e dei um gole. Era um licor forte, que queimava como fogo
enquanto descia. Assim que terminei minha parte, derramei um pouco em seu túmulo.
— Mas, agora, me vejo como seu filho.

Talvez álcool não fosse o melhor para alguém como Paul, o qual ferrava tudo após se
afogar nisso. Mas, com certeza, esse dia podia ser uma exceção. Estávamos celebrando
uma nova vida no mundo.

— Agora finalmente entendi. Sou apenas uma criança. Um pirralho que fingia ser um
adulto usando suas memórias anteriores.

Tomei outro gole, e então derramei um pouco para Paul. Outro gole, e então derramei.
Em poucos minutos a garrafa estava completamente vazia.

— Agora que eu tenho uma criança no mundo e sou pai, sei que tenho que crescer logo.
E, para fazer isso, terei que cometer diversos erros, lamentar sobre eles e mudar; lenta e
gradualmente. Tenho certeza de que foi assim que você também teve que fazer, então
irei dar o meu melhor.

Coloquei a tampa de volta na garrafa e a coloquei na frente do seu túmulo.

— Irei voltar novamente. Da próxima vez, também trarei todo mundo junto — falei
enquanto me virava para ir embora.

Muitas coisas foram para o seu devido lugar, com uma grande quantidade de dor e uma
grande quantidade de felicidade durante o processo. Eu repeti erros terríveis ao longo do
caminho, mas ainda não acabou. Não importava o quanto eu estragasse tudo ou fizesse
as coisas errado, não era o fim. Eu ainda tinha muita vida para viver neste mundo. E era
isso que iria fazer: viver ao máximo para que, independentemente de quando morresse,
não tivesse arrependimentos.

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