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Lei 6766/79 — a origem do parcelamento do solo urbano por Rafael de Oliveira Lage | 14, abril, 2021 eT geen eur aed Visualizagées: 2.892 Planta humanizada de empreendimento do nosso cliente Ao lado da Lei das Incorporacées |mobilidrias e do Estatuto da Cidade, a compée a base do Direito Imobiliario brasileiro. Nascida em um momento de acentuada urbanizagao do pais e com os declarados objetivos de organizar a expansao das cidades, impedir loteamentos clandestinos e proteger os compradores de lotes, ela é conhecida por “Lei do Parcelamento do Solo”. Mas 0 que significa, exatamente, “parcelamento do solo"? Quais sao as modalidades possiveis? Como é 0 processo de aprovagao e registro de um parcelamento? Como deve ser elaborado 0 contrato de compra e venda de lote? Abordaremos essas e varias outras questées neste artigo e, ao final, disponibilizaremos gratuitamente uma base para elaboracao do quadro-resumo que 6, hoje, obrigatério em qualquer contrato de compra e venda de lote. Aintengao é que a leitura completa deste artigo te faca entender, a fundo, todo o proceso de criagao de um empreendimento urbano, do projeto a venda dos lotes, sem que seja necessario. sequer 0 acesso a lei Se 0 objetivo for aleangado, por favor nao deixe de comentar ao final! indice (Ocuttar] 10 que é parcelamento do solo urbano 1.1 Definigéo de areas urbanas 1.2 Loteamento e Desmembramento 1.3 Desdobro ou Fracionamento 2ALei 6766/79 2.1 Origem 2.2 Visdo geral — capitulos da Lei 3 Quando se pode lotear: os requisitos urbanisticos 3.1 Apolémica obrigagao de doagao de areas ao Municipio 3.2 E possivel parcelar gleba localizada em zona rural? 3.3 Situagdes em que o parcelamento nao é permitido 4.0 que os projetos de loteamento ou desmembramento devem prever? 4.1 Como é 0 processo de aprovagao? 4.2 Garantia de execugao das obras de infraestrutura 4.3 Grandes projetos e empreendimentos situados em mais de uma circunscrigao ou em areas de interesse especial 5 O registro dos projetos de parcelamento aprovados — 0 temido artigo 18 da Lei 6766/79 5.1 Responsabilidade do Registrador Imobilidrio 5.2 Publicagdo de edital, prazo para impugnacdo e registro do loteamento 5.3 Cancelamento do registro de loteamento 5.4 Alteragdes no registro de lotleamento 6 O contrato de compra e venda de lote e suas principais caracteristicas, 6.1 O distrato ao contrato de compra e venda de lote 7 Concluséo © que é parcelamento do solo urbano Parcelar o solo nada mais é do que dividi-lo em unidades auténomas menores, cada qual com sua prépria matricula imobiliari Em sentido mais amplo, qualquer operagdo de divisdo de um imével, inclusive por meio, por ‘exemplo, da implantacao de um condominio horizontal (nos moldes da Lei 4591/64) ou da divisao de um imével rural para venda de uma parte, pode ser considerada uma espécie de parcelamento. Neste artigo, entretanto, focaremos no parcelamento do solo urbano. Embora a Lei 6766/79 nao defina, expressamente, o que 6 esse parcelamento, ela estabelece, ja em seu artigo 2°, que ele “poderé ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposig6es desta Lei e as das legislagdes estaduais e municipais pertinentes”, Logo, no sentido técnicojuridico, o parcelamento do solo urbano, em regra, devera se dar por loteamento ou desmembramento Aessas duas espécies podemos somar a figura do desdobro ou fracionamento, que, ainda que nao prevista na Lei 6766/79, pode ser encontrada em varias leis municipais, como em Nova Lima/MG, Jundiai/SP e Porto Alegre/RS. O plano diretor de Porto Alegre, alids, cuidou de conceituar expressamente o que é parcelamento do solo urbano em seu artigo 134: Art. 134. Parcelamento do solo urbano é a diviséo da terra em unidades juridicamente independentes, com vistas 4 edificagao, podendo ser realizado na forma de loteamento, desmembramento e fracionamento, sempre mediante aprovacao municipal. A definigao acima transcrita traz dois pontos interessantes, também existentes na Lei 6766/79, que ajudam a diferenciar melhor o parcelamento do solo para fins urbanos das operagées de desmembramento do imével rural O primeiro deles é o critério de finalidade do parcelamento, que é a geragao de lotes para edificagao, uma atividade eminentemente urbana e de organizagao das cidades. Por isso, dividir um grande imével rural em glebas menores, seja para formagao de chacaras ou sitios de recreio, seja para a venda de fazendas menores a terceiros, nao configura parcelamento para fins urbanos (embora, tecnicamente, também seja uma divisao do imével) O segundo ponto importante do conceito trazido pelo plano diretor de Porto Alegre é a necessidade de aprovacao municipal para que um parcelamento do solo urbano seja valido e regular. Essa obrigagao também ¢ encontrada no artigo 12 da Lei 6766/79. Definigao de areas urbanas Nao podemos deixar de examinar, para entender o tema, o que se consideram areas urbanas; afinal, o parcelamento do solo nas modalidades aqui estudadas sé é permitido nessas areas, conforme determinado no artigo 3° da Lei 6766/79: Art. 3° Somente seré admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansao urbana ou de urbanizagao especifica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Mas, entdo, 0 Municipio pode, discricionariamente, definir qualquer drea como urbana? Definitivamente nao. A distingdo entre drea urbana e rural remonta, conforme interessante ensaio de Maria Helena Palmer Lima para o |BGE, a uma Convengao Nacional de Estatistica realizada em 1936. Segundo a mesma autora, os documentos oriundos dessa convengdo teriam sido encaminhados ao entao presidente Getulio Vargas, que, por meio do Decreto-Lei 311 de 1938, ainda vigente, trouxe os primeiros critérios de organizacao politico-administrativa dos municipios, estabelecendo, basicamente, que seriam consideradas urbanas as areas das sedes dos municipios, sedes estas compostas por cidades ou vilas, de acordo com o ntimero de moradias. Todo o resto, por exclusao, seria area rural. Hoje, a definigao de area urbana pode ser encontrada em varias leis federais, com pouca variagao, valendo destacar o artigo 32 do Codigo Tributario Nacional e o § 2° do artigo 16-C da Lei 9636/98, com redagao dada pela ainda recente Lei 13465/2017, que sera objeto futuro de estudo especifico: + Cédigo Tributério Nacional (Lei 5172/1966): Art. 32. O imposto, de competéncia dos Municipios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o dominio util ou a posse de bem imével por natureza ou por acessao fisica, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Municipio. § 1° Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito minimo da existéncia de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construidos ou mantidos pelo Poder Puiblico: 1 = meio-fio ou calgamento, com canalizagao de aguas pluviais; I1— abastecimento de agua; Il- sistema de esgotos sanitarios; IV- rede de iluminagao ptiblica, com ou sem posteamento para distribuig&o domiciliar; V— escola primaria ou posto de satide a uma distancia maxima de 3 (trés) quilémetros do imével considerado. § 2° A lei municipal pode considerar urbanas as éreas urbanizaveis, ou de expansao urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos érgaos competentes, destinados 4 habitagdo, 4 indlistria ou a comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do paragrafo anterior. + Lei Federal 9.636/98: Art. 16-C. O Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestao, permitida a delegagao, editaré portaria com a lista de areas ou imoveis sujeitos 4 alienagao nos termos do art. 16-A desta Lei. § 1° Os terrenos de marinha e acrescidos alienados na forma desta Lei: T= nao incluirao: a) areas de preservagao permanente, na forma do inciso II do caput do art. 3° da Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012; ou b) éreas em que seja vedado o parcelamento do solo, na forma do art. 3° e do inciso I do caput do art, 13 da Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979; Il deverdo estar situados em area urbana consolidada. § 2° Para os fins desta Lei, considera-se area urbana consolidada aquela: 1 incluida no perimetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal especifica; I1— com sistema vidrio implantado e vias de circulagao pavimentadas; I= organizada em quadras e lotes predominantemente edificados; IV- de uso predominantemente urbano, caracterizado pela existéncia de edificagées residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou voltadas a prestacao de servigos; e V- com a presenga de, no minimo, trés dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de aguas pluviais; b) esgotamento sanitario; ¢) abastecimento de agua potavel; d) distribuigdo de energia elétrica; e ¢) limpeza urbana, coleta e manejo de residuos sdlidos. ‘As motivagées e os contextos de aprovacao de cada uma das leis com dispositivos acima transcritos sdo diversos, mas pode-se deduzir, com facilidade, que sao os equipamentos de infraestrutura urbana que servem determinada rea que definirao se ela é — ou pode ser — classificada como urbana. Isso faz bastante sentido quando se limita, por exemplo, o poder de tributar do Municipio que, para aumentar a sua arrecadacao, poderia simplesmente instituir, por lei municipal, que todo 0 territério municipal se situa em zona urbana, atraindo a incidéncia do IPTU. A.Lei 6766/79 deixa a cargo dos Municipios a definicao das zonas urbanas, mas também nao descuida de definir a infraestrutura basica e minima para aprovacao de qualquer parcelamento do solo urbano: Art. 2° O parcelamento do solo urbano poderé ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposigGes desta Lei e as das legislagdes estaduais municipais pertinentes. ) § 5° A infra-estrutura bésica dos parcelamentos é constituida pelos equipamentos urbanos de escoamento das aguas pluviais, iluminagao publica, esgotamento sanitdrio, abastecimento de agua potavel, energia elétrica publica e domiciliar © vias de circulagao. Portanto, se vocé pretende transformar sua gleba em lotes urbanizados, saiba desde jé que serd de sua responsabilidade (e custeio) a implantacao de, no minimo, a infraestrutura definida no § 5° do artigo 2° da Lei 6766/79, sem prejuizo da possiblidade de a legislagao municipal estabelecer outras exigéncias. Deve-se levar em conta, nesse contexto, que a Lei 6766/79 se destina apenas a fixar regras gerais e parametros minimos, sendo os Municipios livres para prever adequagées e adaptagdes que melhor atendam ao interesse local. Essa regra decorre diretamente do artigo 24, inciso |, da Constituicao Federal do Brasil, que confere & Unido, aos Estados, ao Distrito Federal aos Municipios a competéncia concorrente para legislar sobre direito urbanistico. Isso significa, nos termos do § 1° do mesmo artigo 24, que a lei federal (como ¢ 0 caso da 6766/79) deve se limitar a estabelecer normas gerais. \Vejamos, agora, cada uma das espécies de parcelamento do solo urbano, Loteamento e Desmembramento Adiferenga fundamental entre loteamento e desmembramento ¢ a necessidade, ou ndo, de se abrir novas vias publicas de circulagdo para atendimento aos futuros lotes. Ao contrario do que se observa em desmembramentos de iméveis rurais, em que se é possivel estabelecer servidées de passagem e transito para que uma determinada area tenha acesso a via publica de circulagdo, nao se admite, no parcelamento do solo urbano, a existéncia de qualquer lote sem acesso direto a via piiblica, ou seja, com testada frontal voltada para a rua. O grifo anterior nao é sem motivo: podem existir, em determinada gleba, vias de circulagao particulares, como estradas de terra e as préprias serviddes de passagem e transito. Essas vias, no entanto, nao podem ser aproveitadas para efeito de definigao do tipo de parcelamento. Nos termos do § 1° do artigo 2° da Lei 6766/79, “considera-se loteamento a subdivisdo de gleba em lotes destinados a edificagdo, com abertura de novas vias de circulagao, de logradouros publics ou prolongamento, modificagao ou ampliagao das vias existentes’, Note que a simples necessidade de prolongamento de uma via publica ja existente demandara, inevitavelmente, a modalidade de loteamento. E por que esse critério foi eleito pelo legislador para diferenciar loteamento de desmembramento? Parece-nos que a via de circulagao é a primeira e mais basica estrutura para que uma area possa ser considerada urbanizada, porque integra em si outros beneficiamentos, como o meio-fio ou calgamento, bueiros e sarjetas para escoamento de aguas pluviais e passagem de tubulagao de agua e esgoto. A Lei 6766/79 nao exige, expressamente, que as vias de circulagao sejam pavimentadas, mas é incomum, nos dias atuais, que um parcelamento seja langado no mercado com previsao de vias sem pavimentagao. Além disso, presume-se que, se todos os novos lotes oriundos do parcelamento podem ter acesso direto a uma via piblica ja existente, o empreendimento nao ¢ de grande impacto e a regido, possivelmente, ja tera algum estagio de urbanizacao (provavelmente decorrente de um loteamento anterior), com os equipamentos urbanos nela existentes sendo suficientes para atender a demanda dos novos usuarios. Por exclusdo, conforme previsdo do § 2° do artigo 2° da Lei 6766/79, desmembramento sera todo parcelamento do solo urbano em que for possivel o aproveitamento do sistema viario publico existente,ndo sendo necessaria a abertura, prolongamento, modificagao ou ampliagao das vias ja existentes. cliente IMG Empreendimentos Desdobro ou Fracionamento Embora ndo seja previsto na Lei 6766/79, o desdobro, também conhecido por fracionamento, ¢ encontrado em varias legislages municipais como forma de viabilizar a subdivisao de um imével ja anteriormente parcelado principalmente, quando determinado lote tem area suficiente para, mesmo depois de ido, ainda atender aos parémetros urbanisticos minimos definidos na legislagao municipal Em outras palavras, se o plano diretor e/ou a lei de uso e ocupagao do solo de determinada cidade preveem que a metragem minima admitida em determinada regido é de 200m? e o desdobro é admitido, 0 proprietario de um lote de 400m? pode solicitar 0 desdobro do seu imével em dois outros lotes de 200m?, desde que cada novo imével tenha acesso a via publica e respeite os demais parametros previstos em Lei (como testada minima). O desdobro ¢ benéfico para o proprietério porque dispensa maiores formalidades e, principalmente, nao implica em perda de area em favor do municipio. ALei 6766/79 Entendido 0 conceito de parcelamento do solo urbano e vistas as suas espécies, é hora de voltar a atengao para a lei que regula, a nivel federal, essa importante atividade. Origem Como bem analisado pelo advogado Talden Farias em artigo sobre os 40 anos de vigéncia da Lei 6766/79, esta surgiu em um contexto de proliferagao de invasdes de imoveis @ de loteamentos clandestinos, motivados pelo déficit de moradia, por sua vez originada na rdpida concentracao populacional nas maiores cidades brasileiras. Até ento, o tratamento legal dado ao loteamento (ainda nao havia a figura do desmembramento) resumia-se ao Decreto-Lei 58/37, que tinha um carater eminentemente privado, tratando exclusivamente de questées de direito civil, contratual e registral Nao havia, como se percebe da simples leitura do referido Decreto-Lei, nenhuma preocupagao urbanistica ou definicao de infraestrutura minima para a implantagao do loteamento, embora ja se fosse exigida a elaboragao de um “memorial” com planta e plano do loteamento e o depésito destes e de outros documentos no caridrio de registro de imével como condigao para a venda de lotes. Sobreveio, entdo, a Lei 6766/79, que ainda hoje é um dos principais diplomas a definir o Direito Urbanistico Visdo geral — capitulos da Lei A Lei 6766/79 se divide em dez capitulos, a saber: + Capitulo | - Disposigées Preliminares: define os conceitos de loteamento e desmembramento, a infraestrutura basica dos parcelamentos, quem sera considerado 0 empreendedor responsavel pela implantagao, onde sera admitido e as proibicdes ao parcelamento do solo urbano. Capitulo Il - Dos Requisitos Urbanisticos para Loteamento: estabelece os parametros urbanisticos minimos, como diretriz a ser seguida pelas legislagdes municipais, e delega a estas tltimas a fungao de definir, para cada zoneamento urbano, os usos permitidos e os indices urbanisticos de parcelamento e ocupagao do solo, Também define o que sao equipamentos urbanos e comunitarios. Capitulo Ill - Do Projeto de Loteamento: estipula 0 contetido minimo dos projetos de loteamento, trazendo a figura das diretrizes urbanisticas, que devem ser solicitadas ao Municipio antes da elaboracao do projeto. Capitulo IV - Do Projeto de Desmembramento: determina o contetido minimo dos projetos de desmembramento Capitulo V — Da Aprovagao do Projeto de Loteamento e Desmembramento: traz (i) a obrigagao de aprovagao municipal do projeto de parcelamento, seja qual for a espécie, (ii) a obrigagao de execugao das obras de infraestrutura dentro do cronograma, sob pena de caducidade (ou seja, revogagao) da aprovagao, (iii) maior rigor na aprovagao de projetos em reas de risco geolégico ou hidrolégico, (iv) a competéncia dos Estados para aprovar determinados tipos de projeto de parcelamento, (v) a determinacdo para que a lei municipal delimite os prazos de analise dos projetos e aceitagdo de obras executadas e (vi) proibe a alteracao, depois da aprovagao do projeto, dos espagos livres de uso comum, vias, pragas e reas destinadas a edificios publicos e outros equipamentos urbanos. Capitulo VI - Do Registro do Loteamento e Desmembramento: prevé a obrigagao de registro, no Cartério de Registro de Iméveis competente, do projeto de parcelamento aprovado pelo Municipio, dentro do prazo de 180 dias, sob pena de caducidade da aprovacdo. Este capitulo é a fonte das maiores dificuldades dos empreendedores, pois enumera varios documentos, alguns de dificil obtengao, para que o registro do parcelamento seja aceito pelo oficial do Cartério, Pela sua importancia, 0 contetido deste capitulo sera analisado detidamente em topico proprio deste artigo. Capitulo VII - Dos Contratos: traz normas especificas de Direito Civil e Contratual para proteger, principalmente, os compradores. Igualmente, pela relevancia do tema na atividade, sera analisado em t6pico especifico. Capitulo Vill - Disposigées Gerais: reforga a obrigagao de aprovagdo e registro do projeto de parcelamento para a venda de lotes a terceiros, coloca a disposigéo dos compradores lesados do Municipio varias medidas destinadas regularizagao do empreendimento, a prejuizo do loteador, e traz regras processuais para agdes em que se discuta algum dos direitos ou obrigagées previstos na Lei 6766/79, + Capitulo IX - Disposigdes Penais: tipifica os crimes relacionados ao parcelamento irregular do solo urbano e a venda de lotes sem a observancia dos ditames da Lei 6766/79. + Capitulo X — Disposigées finais: determina a forma autorizada de alteragao de uso do solo (de rural para urbano), define parcelamentos de interesse puiblico e contém o fecho da Lei 6766/79, com previsao da entrada em vigor e revogagao de disposigées contrarias. Quando se pode lotear: os requisitos urbanisticos Ja vimos no tépico sobre a definigao de areas urbanas que somente é admitido o parcelamento do solo nos moldes da Lei 6766/79 em tais areas. Para além disso, qualquer loteamento estard sujeito as seguintes regras: + Uma parte consideravel da gleba original deve ser destinada as vias de circulagao e implantagao de equipamentos urbanos e comunitarios, cabendo a legislagdo municipal definir, de acordo com a densidade de ocupagao prevista para determinada zona urbana, qual sera a proporgdo da parte a ser doada ao Municipio; + Nenhum lote poderd ter area inferior a 125m? e nem testada frontal inferior a 5m, salvo em empreendimentos localizados em zonas de urbanizagao especifica (via de regra, sao dreas definidas em lei municipal que, ainda que nao sejam préximas a area urbana principal do Municipio, por alguma razo detém algum estagio de urbanizagao; em Minas Gerais, podemos citar 0 exemplo do Distrito de Sao Sebastio das Aguas Claras, popularmente conhecido como "Macacos", que faz parte do Municipio de Nova Lima) ou destinados edificagao de conjuntos habitacionais de interesse social; * Deve ser reservada uma faixa minima nao edificavel de 15 metros ao longo de faixas de dominio piiblico de rodovias, podendo tal faixa ser reduzida a até 5 metros por lei municipal; * Deve ser igualmente reservada uma faixa minima nao edificavel, com medida a ser definida pela legislagao municipal, de cada lado ao longo de aguas correntes (rios e cérregos), dormentes (lagos) e faixas de dominio piiblico de ferrovias; e * as vias de circulagao do loteamento devem ser projetadas de forma a articular-se com as vias piiblicas jd existentes ao redor da gleba, harmonizando-se com a topografia local. De todas essas restrigdes relacionadas ao loteamento, sem dtivida a mais polémica, a causar uma sensagdo de injustiga nos empreendedores menos experientes, é a obrigagao de doagao de reas ao Municipio, mas, como se vera a seguir, ela tem um fundamento valido. A polémica obrigagao de doagao de areas ao Municipio Para se aceitar a razo por trés da obrigagao de doar uma parte muito relevante da gleba “crua” a0 Municipio quando da aprovagao de um parcelamento, primeiro é necessario entender 0 processo de urbanizagao da propria cidade. E ébvio que ninguém fica feliz em perder uma parte grande de seu imével para o Municipio, pois menos area disponivel significaré menos lotes (ou lotes com area menor), impactando diretamente 0 resultado financeiro do empreendimento. Mas vocé ja parou para pensar como seriam os bairros da sua cidade se as tinicas construgdes. nele existentes fossem de propriedade privada, se nao existissem pracas, areas verdes, escolas, reas de lazer, hospitais publicos, dentre outros? Se toda a area de um parcelamento fosse destinada a lotes particulares, por onde passariam as redes de agua, esgoto, energia elétrica e comunicacées? Quando se decide realizar um parcelamento, para além do interesse particular dos compradores de lotes, existe um interesse publico geral de todos os cidadaos, uma vez que aquele parcelamento se tornara, na grande parte das vezes, um novo bairro da cidade Por isso, a Lei 6766/79 nao descuidou de estabelecer a obrigagao de reserva de uma vasta area da gleba para implantagao dos chamados equipamentos urbanos e comunitarios Originaimente, o § 1° do artigo 4° da Lei estabelecia o percentual minimo de 35% (trinta e cinco por cento) da gleba para esses equipamentos, abrindo excegao somente para loteamentos industriais. Nenhuma lei municipal poderia, portanto, exigir a doagao de um percentual inferior. Com o advento da Lei 9785/99, a redagao foi alterada de forma a dar maior liberdade ao Municipio, sendo hoje a seguinte: § 1° A legislagao municipal definiré, para cada zona em que se divida o territério do Municipio, os usos permitidos e os indices urbanisticos de parcelamento e ocupacao do solo, que incluirdo, obrigatoriamente, as reas minimas e maximas de lotes e os coeficientes méximos de aproveitamento. No hd mais, portanto, um percentual minimo de doagao, cabendo a cada Municipio decidir 0 que 6 melhor para a sua organizagao territorial. Em Belo Horizonte, por exemplo, 0 atual Plano Diretor prevé, em seu artigo 125, a transferéncia de uma area minima de 15% ao Municipio, nao se computando nesse percentual, todavia, unidades de preservacao e areas destinadas a equipamentos urbanos comunitarios e espagos livres de uso publico. Essa previsdo tem fundamento no artigo 5° da Lei 6766/79: Art. 5°. O Poder Publico competente podera complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos. Paragrafo tinico - Consideram-se urbanos os equipamentos publicos de abastecimento de agua, servigos de esgotos, energia elétrica, coletas de aguas pluviais, rede telefénica e gas canalizado. Na pratica, portanto, a area a ser “perdida” para o Municipio variaré de acordo com a legislagao local e com 0 projeto do empreendimento. Ainda sobre a doagao de areas ao Municipio, ¢ importante observar que, por forga do artigo 22 da Lei 6766/79, a transferéncia da propriedade é feita no ato do registro do projeto aprovado de parcelamento no Cartério de Registro de Iméveis. Dessa forma, ainda que o empreendedor deixe de executar as obras de infraestrutura do empreendimento (ressalvada a hipétese de cancelamento, que precisa de autorizagao do Municipio), as areas destinadas no projeto as vias de circulacgdo, equipamentos urbanos e comunitarios ou qualquer outro uso piblico serdo irreversivelmente perdidas para o Mu Operacionalmente, no ato de registro do parcelamento, o oficial do Cartério de Registro de Iméveis abriré matriculas individualizadas tanto para os lotes quanto para as estruturas e areas piiblicas — pode-se abrir uma matricula tinica para todo o sistema viario, por exemplo, ou varias matriculas para trechos distintos das vias de circulacao). Por isso, embora, para fins didaticos, estejamos usando 0 termo “doagao” neste artigo, ndo se trata, na pratica, de uma operagao sujeita 4 incidéncia do ITCD. O termo técnico correto é transferéncia de area ao Municipio e tampouco atrai a incidéncia de ITBI. E possivel parcelar gleba localizada em zona rural? Sob a forma de loteamento ou desmembramento (na acepgao urbana), nao, por expressa determinagao do artigo 3° da Lei 6766/79, ja estudado. Deve-se ter em vista que, na implantagdo de um projeto parcelamento, 0 Municipio tem 0 direito de receber uma vasta area para destinacao ao uso piiblico, mas a esse direito corresponde o dever de efetivamente instalar os equipamentos urbanos e prédios publicos e, em definitive, de prestar manutengao dessas areas depois de encerrado o prazo de garantia legal (que € de 5 anos, conforme previsto no paragrafo Unico do artigo 618 do Cédigo Civil) e de oferecer servigos piblicos variados (como iluminagao publica, coleta de lixo, seguranga etc.) Accriagao de um novo bairro em uma zona rural, na qual quase sempre seré escassa a disponibilidade de equipamentos e servigos puiblicos, resultaria em uma onerosidade excessiva ao Municipio, pois demandaria um enorme esforgo financeiro para o atendimento das necessidades mais basicas da potencial populagao desse bairro. Por isso, andou bem o legislador a nao permitir a implantagao de parcelamentos do solo urbano em zona rural Nao confunda, contudo, zona rural com imével rural. Como visto anteriormente, é a legisiagdo municipal que, ao definir 0 perimetro urbano e 0 zoneamento do Municipio, indicara a localizacao exata da zona urbana, zona de expansao urbana, eventual zona de urbanizagao especifica e zona rural Um imével ainda qualificado como rural (sujeito ao pagamento de ITR ¢ cadastrado no INCRA, portanto) pode passar a integrar, com a promulgagao de determinada lei municipal (normalmente © plano diretor ou a lei de uso e ocupacao do solo), uma zona de expansdo urbana ou uma zona de urbanizagao especifica Isso nao torna o imével, automaticamente, urbano, mas permite que o seu proprietario solicite a sua conversao, cadastrando-o no Municipio para fins de pagamento de IPTU e, consequentemente, descadastrando-o como imével rural junto ao INCRA. A partir dai, sera permitido 0 parcelamento do solo via loteamento ou desdobramento. Mas qual é, entao, a opgo para o proprietario de gleba localizada em zona rural que pretende dividir sua area para venda a terceiros? O desmembramento rural. Alei aplicavel no sera a 6766/79, mas 0 conhecido Estatuto da Terra (Lei 4504/64), seu regulamento (Decreto 62504/68) e a Lei 5868/72. Bem resumidamente, por nao ser o parcelamento rural objeto deste texto, o artigo 65 do Estatuto da Terra estabelece que 0 imével rural nao pode ser dividido em areas de dimensao inferior a do médulo minimo de propriedade rural (que varia de Estado para Estado). Logo, ele pode ser dividido em quantas areas quanto forem convenientes a seu proprietario desde que nenhuma delas seja inferior ao limite minimo previsto para o médulo rural 0 Decreto 62504/68, por sua vez, permite desmembramentos em dreas inferiores ao médulo rural desde que para destinacao a atividades especificas, como postos de combustivel, restaurantes, hotéis, oficinas mecdnicas, dentre outros. Ja a Lei 5868/72, em seu artigo 8°, cria uma “fragdo minima de parcelamento” que pode, a depender da localizagao do imével, ser inferior ao médulo rural minimo, prevalecendo, para fins de desmembramento, a menor area. Vale registrar que 0 “parcelamento rural" nao é incentivado nem desejado pelos municipios porque, ao contrario do parcelamento do solo urbane, ele nao esta suieito a varias obrigagdes de cunho urbanistico, sendo, muitas vezes, implantado sem condigées minimas de utilizacdo e habitabilidade das areas desmembradas A propésito, veja dois de nossos artigos que se aprofundam nestes temas: Parcelamento do solo tural e Condominio de lotes em area rural. Situagdes em que o parcelamento nao é permitido Como forma de proteger interesses coletivos (relacionado a um grupo identificado de pessoas) e difusos (relacionado a um grupo de pessoas indeterminadas, ligadas entre si por alguma cirounstancia de fato), a Lei 6766/79 proibe expressamente o parcelamento do solo (paragrafo Unico do art. 3°): 1 em terrenos alagadigos e sujeitos a inundagées, antes de tomadas as providéncias para assegurar 0 escoamento das aguas; Wem terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo a satide publica, sem que sejam previamente saneados; Il — em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigéncias especificas das autoridades competentes; IV— em terrenos onde as condigées geolégicas nao aconselham a edificagao; V- em areas de preservagao ecolégica ou naquelas onde a poluigao impega condigdes sanitérias suportaveis, até a sua corregao. A légica por tras da proibigao ¢ clara: impedir que a busca do proprietario da gleba por lucro coloque em risco a sauide e seguranga de terceiros (os potenciais compradores) ou afete algum bem ambiental protegido ‘Atmaior parte das hipéteses (incisos | a IV) se volta a prote¢ao humana, nao sendo admitida a implantagao de empreendimento em locais que possam sofrer inundagGes, conter materiais nocivos a satide (como, por exemplo, um aterro sanitario ou um antigo depésito de combustivel ou material radioativo), declividade muito acentuada (0 que facilitaria deslizamentos de terra) ou outras condigdes geoldgicas que nao aconselhem a edificagao. O cenérrio do inciso V, embora também invoque a satide humana ao falar de condigées sanitarias suportaveis, impede 0 parcelamento de dreas de preservagéo ecologica Como a Lei 6766/79 é anterior & Politica Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) a Constituicao Federal , parece existir uma certa imprecisao no termo “reas de preservacéo ecolégica’, mas, no atual cendrio legislative de protecao ao meio ambiente, nao ha diivida de que esse conceito sera, sempre, interpretado extensivamente, de forma a abarcar qualquer area com algum grau de protegdo ambiental Logo, nao se pode, por exemplo, lotear uma area de preservacao permanente ou uma reserva particular do patriménio natural (RPPN). ica a reserva legal devidamente averbada na matricula. Ela no podera, sob cativa, integrar a area lotedvel do empreendimento. HA, ainda, situagdes em que, com algum aprofundamento de andlise, o parcelamento pode vir a ser permitido. Trata-se da previsdo do § 2° do artigo 12 da Lei 6766/79 § 2° Nos Municipios inseridos no cadastro nacional de municipios com éreas suscetiveis 4 ocorréncia de deslizamentos de grande impacto, inundagdes bruscas ou processos geolégicos ou hidrolégicos correlatos, a aprovacao do projeto de que trata o caput ficaré vinculada ao atendimento dos requisitos constantes da carta geotécnica de aptidao a urbanizacao. Por outro lado, 0 § 3° do mesmo artigo veda expressamente o parcelamento nas areas definidas no Plano Diretor como areas de risco néo edificaveis. O motivo é claro: onde nao se pode edificar em fungao de algum risco geolégico, tampouco se pode parcelar. Afinal, de que serviria um lote sem potencial construtivo? Lembremos, nesse ponto, o conceito inicial de parcelamento, que é a subdivisdo de uma gleba em lotes para fins de futura edificagao. O que os projetos de loteamento ou desmembramento devem prever? Os projetos de loteamento e desmembramento se diferenciam pela complexidade, pois 0 segundo, como visto, néo demanda a abertura, prolongamento ou modificagao de vias de circulagao. Salvo em situagées especificas - municipios com menos de 50.0000 habitantes ou cujo plano diretor jd estipule diretrizes de urbanizagao para a zona em andlise —, um projeto de loteamento se inicia com a solicitagao, junto a Prefeitura Municipal (ou Distrito Federal), das diretrizes urbanisticas aplicdveis zona em que se localiza a gleba a lotear. Para apresentar tal solicitagao, o interessado devera anexar ao requerimento planta do imével contendo, pelo menos (artigo 6° da Lei 6766/79): 1 as divisas da gleba a ser loteada; I= as curvas de nivel 4 distancia adequada, quando exigidas por lei estadual ou municipal; Il — a localizagao dos cursos d'égua, bosques e construgées existentes; IV~ a indicagéo dos arruamentos contiguos a todo o perimetro, a localizagao das vias de comunicagao, das areas livres, dos equipamentos urbanos e comunitarios existentes no local ou em suas adjacéncias, com as respectivas disténcias da area a ser loteada; V- 0 tipo de uso predominante a que o loteamento se destina; Vi-as caracteristicas, dimensées e localizagao das zonas de uso contiguas. Em seguida, a Prefeitura indicaré, na prépria planta (artigo 7°): 1 as ruas ou estradas existentes ou projetada, que compéem o sistema vidrio da cidade e do municipio, relacionadas com 0 loteamento pretendido e a serem respeitada: 110 tragado basico do sistema vidrio principal; I= a localizagao aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitario @ das dreas livres de uso puiblico; IV ~ as faixas sanitérias do terreno necessérias ao escoamento das aguas pluviais e as faixas nao edificaveis; V- a zona ou zonas de uso predominante da area, com indicagao dos usos compativeis. Observe que, apesar da obtengao das diretrizes ser anterior ao projeto, é nessa fase que as principais caracteristicas do loteamento serdo definidas. Com efeito, uma vez emitidas as diretrizes - que sao validas por no maximo 4 anos, sendo esse prazo definido em lei municipal — 0 interessado tera em mos um roteiro para a elaboragao do projeto de loteamento. Naturalmente, esse roteiro ¢ obrigatério e, se o loteador apresentar um projeto com divergéncias em relagao as diretrizes fixadas, ele nao conseguird aprové-lo. Assequéncia do processo ocorre com a apresentagao do projeto de loteamento para aprovagao do Municipio, “contendo desenhos, memorial descritivo e cronograma de execucao das obras com duragdo maxima de quatro anos, (...) acompanhado de certidéo atualizada da matricula da gleba, expedida pelo Cart6rio de Registro de Iméveis competente, de certidao negativa de tributos municipais e do competente instrumento de garantia, ressalvado 0 disposto no § 4° do art. 18 (artigo 9°, caput’. Os desenhos, que nada mais sao do que as diversas plantas técnicas do empreendimento, deverao conter, no minimo (§ 1° do artigo 9°): 1 a subdivisdo das quadras em lotes, com as respectivas dimensdes e numeracao; 110 sistema de vias com a respectiva hierarquia; I as dimensées lineares e angulares do projeto, com raios, cordas, arcos, pontos de tangéncia e ngulos centrais das vias; IV= 0s perfis longitudinais e transversais de todas as vias de circulagao e pragas; V- a indicagao dos marcos de alinhamento e nivelamento localizados nos angulos de curvas e vias projetadas; VI—a indicagao em planta e perfis de todas as linhas de escoamento das aguas pluviais. J4 0 memorial descritive apresentara (§ 2° do artigo 9°): 1 a descri¢ao sucinta do loteamento, com as suas caracteristicas e a fixagéo da zona ou zonas de uso predominante; I~ as condig6es urbanisticas do loteamento e as limitagdes que incidem sobre os lotes e suas construgées, além daquelas constantes das diretrizes fixadas; Ill = a indicagao das éreas ptiblicas que passardo ao dominio do municipio no ato de registro do Joteamento; IV- a enumeragéo dos equipamentos urbanos, comunitérios e dos servigos puiblicos ou de utilidade publica, ja existentes no loteamento e adjacéncias. © conjunto dos documentos a serem apresentados para aprovagao do projeto de loteamento, como se vé, traga um panorama bastante compreensivo do que sera o futuro empreendimento, cabendo ao interessado demonstrar a viabilidade técnica e urbanistica dele. No desmembramento, conforme previsto no artigo 10 da Lei 6766/79, nao hd, a rigor, necessidade de obtencdo prévia de diretrizes (mas também nao se proibe que a legislagao municipal assim 0 exija), bastando a apresentagao de certidao atualizada da matricula da gleba e de planta do imével a ser desmembrado contendo: 1— a indicagéo das vias existentes e dos loteamentos préximos; Ia indicagao do tipo de uso predominante no local; Ill— a indicagao da divisdo de lotes pretendida na area Um erro comum é achar que no desmembramento nao hd perda de drea para o Municipio. Isso nao é necessariamente uma verdade, embora a lei municipal possa, sim, dispensar a doagao. Veja, a respeito, o que 0 artigo 11 da Lei 6766/79 deixa claro: Art. 11. Aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposigées urbanisticas vigentes para as regides em que se situem ou, na auséncia destas, as disposigdes urbanisticas para os loteamentos. Paragrafo unico - O Municipio, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixaré os requisitos exigiveis para a aprovagéo de desmembramento de lotes decorrentes de loteamento cuja destinacao da area ptiblica tenha sido inferior 4 minima prevista no § 1° do art. 4° desta Lei. Logo, a lei municipal podera estabelecer, mesmo para o desmembramento, um percentual minimo de transferéncia de area. Como é o processo de aprovagao? Cada Municipio definiré, em sua legislago, as etapas do processo administrative de aprovacaio do projeto de loteamento ou desmembramento. Geralmente, a lei municipal indicara quais serao os érgéos municipais internos responsdveis pela analise (por exemplo, secretarias municipais de obras, politica urbana e meio ambiente), as licengas e autorizagdes que devem ser obtidas pelo empreendedor antes de ser possivel a aprovacao do projeto, os prazos de analise e cumprimento de eventuais exigéncias e as taxas a serem pagas. Sobre os prazos, nao sendo ele previstos na lei municipal, eles serdo de 90 dias para aprovagao 0U rejeigao do projeto e de 60 dias para aceitagdo ou recusa fundamentada das obras de infraestrutura, conforme previsto no § 2° do artigo 16 da Lei 6766/79. Além disso, se decorridos quaisquer dos prazos previstos sem manifestagao da Prefeitura, o projeto sera considerado rejeitado e as obras, recusadas, resguardado 0 direito do empreendedor, nessas hipdteses, a indenizacao integral pelos prejuizos sofridos com a omissao do Poder Publico (§ 1° do artigo 16 da Lei 6766/79), A sequéncia normal para a aprovagao do projeto de loteamento (no desmembramento podera nao existir a primeira etapa) 6 Solicitagao de diretrizes urbanisticas — Elaboragao do projeto > Submissao do projeto para aprovacao da Prefeitura, juntamente com os demais documentos exigidos em L Solicitagao das licengas ambientais aplicaveis + Solicitacao de declaragées de viabilidade técnica de conexao do empreendimento as redes de abastecimento de agua, esgoto e energia elétrica — Anilise técnica pelos érgaos internos da Prefeitura e érgao(s) ambiental(is) > Possivel apresentagao de exigéncias para aprovagao — Adequacao do projeto pelo interessado e reapresentagao a Prefeitura — Aprovacao do Projeto e obtengao das licengas ambientais — Registro em Cartério — Execugao das obras de infraestrutura — Comunicagao de término de obra para liberagao de garantias pela Prefeitura. ‘Também néo se pode esquecer que, a depender do Estado e do projeto, pode ser necessaria a obtengao de licenga ambiental também junto ao érgdo estadual, Como ha significativas variagdes nas legislagdes municipais e estaduais, 6 essencial 0 acompanhamento, por advogado especialista em direito imobiliario, do processo de aprovagao do projeto de parcelamento. Com 0 auxilio desse profissional, muitos obstaculos comumente enfrentados pelos empreendedores serao resolvidos de forma bem mais assertiva e rapida Garantia de execugao das obras de infraestrutura No ato do protocolo do projeto de parcelamento para andlise do Municipio, o interessado devera apresentar, conjuntamente, o competente instrumento de garantia, segundo 0 artigo 9° da Lei 6766/79. Nao ha definicdo, entretanto, das espécies admitidas de garantia, cabendo a legislagao mu definir 0 que pode ser aceito ou nao. pal Aespécie mais comum de garantia é o caucionamento de uma determinada quantidade de lotes do proprio empreendimento em favor do Municipio, mas também se pode prever, por exemplo, caugao em dinheiro ou titulos da divida publica, fianga bancaria, seguro garantia e hipoteca de outro(s) imével(is) O numero de lotes a serem caucionados sera definido pelo proprio Municipio durante a andlise do projeto, com base no custo estimado das obras de infraestrutura do empreendimento (a proje¢ao desse custo normalmente ¢ feita por equipe de engenharia da prépria Prefeitura) O meio de formalizagao da garantia (hipoteca, alienago fiduciaria, dentre outros) também devera estar previsto em lei municipal. Uma vez definida a garantia que sera oferecida pelo interessado, isso normalmente se formaliza por meio de termo de compromisso assinado com a Prefeitura, servindo tal instrumento, em regra, como prova do ato para fins de registro do projeto aprovado no Cartério de Registro de Iméveis (inciso V do artigo 18 da Lei 6766/79). Isso porque, como a espécie mais comum de garantia é o caucionamento dos préprios lotes do empreendimento e eles s6 passam a existir no mundo juridico no ato do registro do projeto de parcelamento, nao é possivel a lavratura da escritura publica de hipoteca ou alienagao fiducidria antes de tal registro. Ainda sobre a garantia, a medida que as obras de infraestrutura forem sendo concluidas, 0 empreendedor pode solicitar a liberagao parcial de lotes caucionados, de acordo com as regras previstas na lei local O descaucionamento total sé ocorrera com a conclusao e aprovagao/recebimento das obras de infraestrutura pelo Municipio através do documento conhecido como Termo de Verificacao de Obra (TVO). Por razées ébvias, 0 loteador ndo poderé vender os lotes caucionados enquanto sobre eles estiver gravada a garantia, seja qual for o formato, a nao ser com anuéncia do Municipio e, no caso da hipoteca, expresso alerta ao comprador acerca do gravame e do risco de perda do bem. Grandes projetos e empreendimentos situados em mais de uma circunscrigaéo ou em areas de interesse especial Em algumas situagdes especiais, 0 processo de aprovagao do parcelamento pode ser ainda mais complexo porque demandaré a anuéncia do Estado. Essas hipéteses estao previstas no artigo 13 da Lei 6766/79: 1 = quando localizados em areas de interesse especial, tais como as de protegao aos mananciais ou ao patriménio cultural, histérico, paisagistico e arqueolégico, assim definidas por legislagao estadual ou federal; I= quando 0 loteamento ou desmembramento localizar-se em area limitrofe do municipio, ou que pertenca a mais de um municipio, nas regides metropolitanas ou em aglomeragées urbanas, definidas em lei estadual ou federal; I= quando o loteamento abranger area superior a 1.000.000 m?. Paragrafo tinico — No caso de loteamento ou desmembramento localizado em érea de municipio integrante de regiao metropolitana, o exame e a anuéncia prévia 4 aprovagao do projeto caberao 4 autoridade metropolitana. Cada Estado disciplinara, por meio de lei estadual, como serd o processo de avaliagao do projeto de parcelamento nas trés hipéteses acima transcritas. Note, todavia, que a competéncia para a aprovagao do projeto de parcelamento continuara sendo, sempre, do Municipio. Ao Estado cabera dar a anuéncia, mas nao aprovar o projeto. Naturalmente, se o Estado negar a anuéncia, o ente municipal nao poder aprovar o projeto. O registro dos projetos de parcelamento aprovados — o temido artigo 18 da Lei 6766/79 \Vencida a primeira fase do processo de viabilizagao do parcelamento, comega a etapa em que se enfrentam, talvez, as maiores dificuldades: o registro do projeto no Cartério de Registro de Iméveis. Com 0 projeto chancelado pela Prefeitura, 0 interessado deve, no prazo maximo de 180 dias, apresenta-lo para registro, junto com uma série de documentos, ao Cartério de Registro de Iméveis que possua circunsorigao sobre a area (em cidades do interior, é comum existir um Unico cartério de RI com circunscrigao sobre todo o territério).. Se a apresentagao ao Cartério nao for feita dentro do prazo, a aprovagao do projeto perde a validade (caducidade), como se nunca tivesse ocorrido, obrigando o interessado, se for 0 caso, a reiniciar 0 processo administrativo do zero. Os documentos que devem acompannar 0 projeto aprovado estao indicados no artigo 18 da Lei 6766/79. Para facilitar 0 entendimento, vamos transcrever o dispositivo completo, inclusive com seus paragrafos, para em seguida explicar um a um os documentos (se quiser ja pular para a explicagao, clique em cada um dos incisos transcritos) Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deveré submeté-lo ao registro imobilidrio dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovagéo, acompanhado dos seguintes documentos: |= titulo de propriedade do imével ou certidao da matricula, ressalvado o disposto nos §§ 4° 5 I= histérico dos titulos de propriedade do imével, abrangendo os ultimos 20 (vintes anos), acompanhados dos respectivos comprovantes; I= certidées negativas: a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imével; b) de agées reais referentes ao imével, pelo periodo de 10 (dez) anos; ¢) de agées penais com respeito ao crime contra o patriménio e contra a Administragao Publica. IV- cortidées: a) dos cartérios de protestos de titulos, em nome do loteador, pelo periodo de 10 (dez) anos; b) de agdes pessoais relativas ao loteador, pelo periodo de 10 (dez) anos; ¢) de Gnus reais relativos ao imével; d) de agdes penais contra o loteador, pelo periodo de 10 (dez) anos. V— copia do ato de aprovagdo do loteamento e comprovante do termo de verificagao, pelo Municipio ou pelo Distrito Federal, da execugao das obras exigidas pela legislacao municipal, que incluirao, no minimo, a execugao das vias de circulagao do loteamento, demarcacao dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das aguas pluviais ou da aprovagao de um cronograma, com a duragao maxima de 4 (quatro) anos, prorrogaveis por mais 4 (quatro) anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execucdo das obras; VI— exemplar do contrato padrao de promessa de venda, ou de cessao ou de promessa de cessao, do qual constarao obrigatoriamente as indicagdes previstas no art. 26 desta Lei; Vil - declaragao do cénjuge do requerente de que consente no registro do loteamento. § 1°— Os periodos referidos nos incisos lI, alinea b e IV, alineas a, e d, tomarao por base a data do pedido de registro do loteamento, devendo todas elas serem extraidas em nome daqueles que, nos mencionados periodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imével. § 2°— A existéncia de protestos, de agdes pessoais ou de agées penais, exceto as referentes a crime contra o patriménio e contra a administracao, nao impedird o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou agdes nao poderao prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Iméveis julgar insuficiente a comprovacao feita, suscitar a divida perante o juiz competente. § 3°— A declaragao a que se refere 0 inciso VII deste artigo nao dispensaré 0 consentimento do declarante para os atos de alienagao ou promessa de alienacao de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cénjuge. § 4°— 0 titulo de propriedade sera dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado as classes de menor renda, em imével declarado de utilidade publica, com processo de desapropriagao judicial em curso e imissao proviséria na posse, desde que promovido pela Unido, Estados, Distrito Federal, Municipios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitagao. § 5°— No caso de que trata o § 4°, 0 pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, sera instruido com cépias auténticas da decisdo que tenha concedido a imisséo proviséria na posse, do decreto de desapropriagao, do comprovante de sua publicagao na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criagao e de seus atos constitutivos. Na ordem em que sao apresentados na Lei, vamos agora entender cada um dos documentos: 1- No Direito Brasileiro, a propriedade imobilidria sé se transfere com o registro, no Cartério de Registro de Iméveis competentes, do chamado titulo translativo que confere aquele pretenso novo proprietario o direito. Quem nunca ouviu o famoso ditado “quem nao registra nao é dono"? Ele decorre diretamente do artigo 1.245 do Codigo Civil , que diz que transfere-se entre vivos a propriedade mediante © registro do titulo translativo no Registro de Iméveis e que enquanto nao se registrar 0 titulo translativo, o alienante continua a ser havido como o dono do imével (§ 1°) Embora existam formas de aquisigao originaria da propriedade, a saber, usucapido e acessao, que nao dependem de um ato voluntédrio e anterior de um terceiro, a forma mais comum de obtencao da propriedade é, mesmo, a transferéncia, que pode ser dar por compra e venda, permuta, doagao, desapropriacdo e sucessao (heranga ou legado), sendo as quatro primeiras entre vivos e a tiltima, causa mortis. Como visto, se a operagao que afeta a propriedade é uma transferéncia, o imével sé muda efetivamente de maos, para todos os efeitos, com o registro do titulo translativo. O inciso | do artigo 18 da Lei 6766/79 fala, todavia, em titulo de propriedade. Qual é a diferenca? O titulo de propriedade pode ser um titulo translativo - em regra, escritura publica, mas se admite 0 contrato particular para iméveis de valor até 30 salarios minimos, venda de lotes ou alienages fiducidrias feitas em favor de instituigdes integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliario (SFI). Mas também pode ser uma decisdo judicial transitada em julgado (desapropriagao, carta de arrematagao em leildo, usucapiao, dentre outros) ou um formal de partilha. Logo, 0 titulo de propriedade sera o documento que confere, com fundamento em qualquer previsdo legal, a propriedade de um imével a determinada pessoa. Portanto, o documento exigido pelo artigo | do artigo 18 da Lei 6766/79 variaré de acordo com a forma em que a propriedade da gleba foi adquirida pelo interessado. Em qualquer caso, a certidao atualizada da matricula, j4 estando 0 imével em nome do empreendedor, obviamente, suprira a necessidade de apresentacdo do titulo de propriedade, dado o conectivo “ou” na redagao do inciso I I1- E 0 chamado “histérico vintenario”. Trata-se de um documento que deve ser produzido pelo préprio interessado com uma andlise da cadeia dominial do imével nos titimos 20 anos, contados da data em que esta sendo Pleiteado o registro. Assim, se estou registrando um parcelamento em 2021, preciso analisar e explicar, no documento, todas as transmissdes da propriedade desde o ano de 2001. Como fazer isso? Contrate um advogado especializado em direito imobiliério! Se, ao contrario, quiser se dar ao trabalho, pega ao Cartério de RI uma certidao vintenaria, cujo custo variara de acordo com o nlimero de matriculas que ja descreveram aquele imével no periodo. Caso 0 imével seja do mesmo proprietario ha mais de 20 anos, sem desmembramentos ou unificagGes, 0 trabalho ser mais facil. Do contrario, deve-se descrever, no exemplo dado, cada um dos registros e averbagées constantes de todas as matriculas da certidao vintenaria desde 0 ano de 2004 que tenham gerado ou modificado algum direito real sobre o imével, como compra e venda, sucessao, usufruto, doagao etc E necessario qualificar os envolvidos em cada uma das operagées e expé-las em ordem cronolégica. Quer ter acesso a um exemplo de histérico vintendrio? Envie-nos uma mensagem pelo formulario de contato. Ill - Sao as certiddes negativas fiscais (alinea “a”), de agées reais (alinea “b”) e de agées criminais que envolvam especificamente crime contra o patriménio e contra a Administragao Publica (alinea “c”), As certidées fiscais, as famosas “CND’s’, devem ser das trés esferas de Poder (federal, estadual € municipal) e podem ser obtidas, respectivamente, nos sites da Receita Federal , governos estaduais (exemplo do link — Minas Gerais) e prefeituras municipais (exemplo do link — Belo Horizonte). Aagao real, por sua vez, ¢ aquela que envolve a discussao de algum direito real sobre o imével, como, por exemplo, as agdes de usucapiao, demarcatéria, reivindicatoria, desapropriagao, dentre outras. Como, pelo menos até hoje, os sistemas dos érgaos do Poder Judiciario nao disponibilizam certiddes especificas de agdes reais (que demandariam uma busca por imével), a certidao de agées reais acaba sendo substituida pelas certidées de agdes em nome dos proprietarios da gleba nos tiltimos 10 anos. Essas certidées sao facilmente obtidas nos sites dos préprios tribunais estaduais e federais. Em alguns casos, sendo a certidao positiva, pode nao ser possivel a emissao pela internet, sendo necessdrio o comparecimento pessoal. Caso se identifique alguma classe de ago que possa envolver a discussao de direito real, certamente 0 oficial do Cartério de Registro de Iméveis solicitara esclarecimentos ao interessado, que devera provar, documentalmente, que a referida ago nao envolve a gleba que se pretende lotear e, caso envolva, que nao ha isco direto ao empreendimento e/ou aos adquirentes de lotes. Acertidao criminal também podera ser requerida nos sites dos tribunais estaduais e federais. Sendo ela positiva, todavia, sera necessario o comparecimento pessoal do envolvido na certidéo ou procurador regularmente constituido, j4 que as agdes criminais, por expressa disposigao legal, tramitam em segredo de justica. Embora nao haja previsao expressa na Lei 6766/79 acerca da necessidade de se obter as certidées em nome dos sécios ou administradores do loteador pessoa juridica, é comum encontrar, nas regulamentagées estaduais dos servigos notariais e de registro, referdncias a respeito. Em Minas Gerais, por exemplo, 0 § 2° do artigo 1.002 do Provimento Conjunto n° 93/2020 (Cédigo de Normas da Corregedoria Geral de Justiga) exige a apresentagao da certidao criminal também em nome do representante legal do loteador pessoa juridica, Também é relevante ressaltar que, por forga do § 1° do artigo 18 da Lei 6766/79, a certidao de ages reais (na pratica, a certidao de distribuigao de agdes pessoais) deverd ser obtida em nome de toda e qualquer pessoa que tenha sido proprietaria do imével a ser parcelado nos iltimos 10 anos. E 0 que fazer quando qualquer das certidées obrigatérias for positiva? Isso impede, automaticamente, 0 registro do parcelamento? Aresposta se encontra no § 2° do artigo 18 da Lei 6766/79, ja transcrito acima. Se a certiddo positiva for a criminal ¢ o crime for contra o patriménio e contra a administracao publica, o registro do parcelamento serd inevitavelmente negado. Nao necessdria a condenagao criminal, mas a simples existéncia de ado que envolva algum crime de tal natureza Isso pode parecer injusto, j4 que 0 processado pode ser absolvide ao final da ago criminal, mas a clara intengdo do legisiador foi a de proteger os adquirentes dos lotes contra possiveis efeitos negativos que situagdes pessoais do loteador e/ou seus sécios ou representantes legais possam causar. Para as demais certidées (fiscais, reais e outras espécies de crimes), o simples apontamento de processo ativo nao impede, por si s6, 0 registro do parcelamento. Todavia, 0 interessado devera convencer 0 oficial do Cartério de RI (e, em ultimo caso, 0 juiz) que a existéncia daquele processo especifico nao é capaz de gerar qualquer impacto ‘a0 empreendimento e/ou risco aos adquirentes de lotes Como 0 oficial do Cartério tem responsabilidade pessoal em caso de negligéncia no ato do registro, é natural que haja um excessivo rigor na andlise dos processos de registro de loteamentos e desmembramentos. Mas de nada adianta “comprar briga” e se indispor com o oficial. Na esperada apresentagao de exigéncias para o registro, o loteador deverd se concentrar em resolver o que for possivel e justificar o que nao for. IV - Este inciso enumera outras 4 ce certidées previstas no inciso III. jes que, em grande parte, se misturam com as Aprimeira € a certidao de protestos de titulos, que assim como a de ages reais, tera de ser emitida em nome do loteador e de todos os proprietarios anteriores do imével nos tiltimos 10 anos. Pode ser obtida em cartérios distribuidores de protesto (nas cidades em que existam) ou em cada um dos cartérios de protesto da cidade de localizacao da gleba e da cidade de residéncia da pessoa certificada. A segunda é a certidao de ages pessoais em nome do loteador, também abrangendo os iltimos 10 anos. Na pratica, pelas limitagdes dos sistemas dos tribunais, esta certiddo seré a mesma prevista no inciso Ill, alinea “b" (agdes reais) e, por isso, acabara também tendo que ser emitida em nome de todos os proprietarios do imével no periodo. Aterceira 6 a certidao de 6nus reais, que indica se pesa sobre aquele imével algum énus ou gravame. E emitida pelo proprio cartério de registro de iméveis competente para o registro do parcelamento. Embora a Lei 6766/79 nao estabeleca prazo de validade das certidées, é comum encontrar essa previsdo nas regulamentagées estaduais e nas proprias certiddes. A certiddo de Snus reais normaimente vale por 30 dias e deve ser renovada a cada nova submissao dos documentos para apreciagao do Cartério. Por fim, a quarta certiddo é de ages penais, que sera a mesma prevista na alinea “c” do inciso Ill, j& que a certidao criminal, em regra, abrangera todo e qualquer crime possivelmente praticado pela pessoa pesquisada, independentemente de sua classificagao. V— Aqui se exige cépia o instrumento legal que tenha aprovado o loteamento — normalmente um decreto municipal - mais a verificagao de uma de duas situagées: i) se as obras do loteamento ja estiverem concluidas ou ao menos bastante avangadas (0 que é pouco comum, haja vista o prazo maximo de 180 dias para o registro e a irregularidade de se iniciar as obras antes da aprovacao do projeto), deve-se apresentar 0 Termo de Verificagdo de Obra (TVO), ja mencionado neste estudo, certificando, no minimo, a execugao das vias de circulagao, da demarcagao dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento de aguas pluviais; (ii) se as obras nao estiverem em estagio avangado, deve-se apresentar o cronograma de execugao de tais obras, devidamente aprovado pela Prefeitura, com previsdo de conclusdo nao superior a 4 anos, prorrogaveis por mais 4, acompanhado do instrumento de garantia, j4 analisado. Esta situagao 6 muito mais comum: VI- Ea minuta do contrato padrao de compra e venda dos lotes, que deverd observar todos os aspectos formais previstos na propria Lei 6766/79. O contrato, suas caracteristicas e requisitos serdo analisados em tépico proprio deste artigo . VII - Se a gleba a ser parcelada estiver em nome de pessoa fisica, a anuéncia do cénjuge & obrigatéria e deve se dar por meio de declaragao auténoma. O § 3° do artigo 18 reforga, ainda, que a anuéncia do cénjuge também sera obrigatéria em todos os atos de alienacao ou constituigao de direitos reais sobre os lotes do empreendimento. Responsabilidade do Registrador Imobiliario ALei 6766/79 dé ao oficial do Cartério de RI, ao mesmo tempo, um substancial poder e uma grande responsabilidade nos processos de viabilizacao de parcelamentos urbanos. Explico: embora nao detenha a palavra final sobre a possibilidade de se registrar, ou, nao, um projeto de parcelamento aprovado, o oficial faz as vezes de juiz na andlise nao sé formal, mas também técnica-subjetiva dos documentos apresentados pelo interessado. Como visto, na ocorréncia de certidées positivas ou situagdes no tao claras, 0 oficial deve exigir esclarecimentos e explicacdes do loteador, o que 0 toma 0 processo, muitas vezes, lento e oneroso. Afinal, se o imével tiver passado, nos tiltimos 10 anos, nas maos de 4 proprietdrios distintos, por exemplo, provavelmente nao existira nenhuma relagao ou mesmo meio de contato entre o loteador e 0(s) primeiro(s) proprietarios. Nao é incomum, também, que proprietario(s) anterior(es) ja tenha(m) falecido, dificultando sobremaneira a obtengao de documentos e informagées sobre eventuais processos em seu nome. Mas a dificuldade nao ameniza ou elimina a necessidade de se apresentar, de um jeito ou de outro, os documentos ¢ informagées. Sem eles, fatalmente o registro sera negado tanto pelo oficial quanto pelo juiz. E um trabalho arduo e que, por isso, deve ser delegado a profissionais especializados. Sera do oficial a primeira palavra a respeito da regularidade dos documentos. Se ele entender que ha algo que ndo esta em ordem ou que alguma informagao indica risco ao empreendimento e/ou aos adquirentes de lotes, a decisdo final caberd ao juiz, via procedimento de suscitagao de duvida. Por outro lado, a fungao também carrega uma grande responsabilidade, pois, além de estar sujeito a multa de 10 vezes o valor dos emolumentos previstos para o registro do parcelamento, 0 oficial ainda pode sofrer sangées administrativas e criminais se efetivar um registro em desacordo com as exigéncias legais. E 0 que diz o § 4° do artigo 19 da Lei 6766/79: § 4°— O Oficial do Registro de Iméveis que efetuar 0 registro em desacordo com as exigéncias desta Lei ficara sujeito a multa equivalente a 10 (dez) vezes os emolumentos regimentais fixados para o registro, na época em que for aplicada a penalidade pelo juiz corregedor do cartério, sem prejuizo das sangées penais e administrativas cabiveis. Por isso, reforgamos o conselho: nao entre em rota de coliséo com 0 Cartério e nao tente contornar as exigéncias, E mais facil e menos desgastante obter os documentos e informagdes solicitadas do que convencer alguém a se colocar em alto risco. Publicagao de edital, prazo para impugnagao e registro do loteamento Quando, finalmente (nao se iluda: é extremamente rara a aprovagao direta de um registro de loteamento sem a formulagao de exigéncias), o Oficial do Cartério de RI entender que a documentagao apresentada pelo loteador esta adequada, ele comunicard sua decisdo a Prefeitura e mandaré publicar, na imprensa, um edital com resumo do projeto e desenho de localizagao da rea (artigo 19 da Lei 6766/79). O edital dever ser publicado por 3 dias consecutivos — nas capitais, a publicagao deve ser dar No Diario Oficial do Estado e em algum jornal de circulagao didria; nas cidades do interior, apenas em jornal local, se houver, ou em jornal regional — e poder ser impugnado por qualquer interessado no prazo de 15 dias contados da data da ultima publicacao. Nao havendo impugnagao dentro do prazo, o registro sera feito imediatamente pelo oficial do Cartério de RI. Existindo impugnagao, a Prefeitura (ou Distrito Federal) sera intimada para manifestar-se em 5 dias. Em seguida, 0 “processo” sera enviado ao juiz competente para decisdo (nas maiores cidades, 0 juiz da Vara de Registros Publicos). O juiz dara, entao, vista ao Ministério Publico, para que este se manifeste também em 5 dias, e langara sua decisao em seguida, ou apés instrugao (coleta de provas) sumaria (§ 2° do artigo 19). Se a discussao demandar “maior indagago”, ou seja, uma prova mais complexa, 0 interessado sera remetido as vias ordinarias, o que significa que ele tera de passar por uma longa discussao judicial com 0 impugnante. Se a decisao judicial for favoravel ao empreendedor, o oficial do Cartério de RI registraré 0 loteamento. Com ou sem impugnacao, depois de registrado o loteamento a Prefeitura deverd ser formalmente comunicada pelo Cartério Pode ocorrer, ainda, de 0 empreendimento estar localizado em mais de uma circunscrigdo (que significa divisdo territorial para fins administrativos), ou seja, em areas de “competéncia’ de mais de um Cartério de RI, embora seja vedado que um lote se situe em mais de uma circunsorigao (§ 1° do artigo 21). Nesses casos, 0 arligo 21 da Lei 6766/79 determina que o registro seja feito por etapas, comegando na circunscrigao em que a maior parte do empreendimento esteja localizada. A cada registro aprovado, o processo deve ser reiniciado na préxima circunscrigéo, com comprovagao de que a anterior ja deferiu o registro. Se qualquer uma das circunscrig6es da cadeia negar o registro, 0 oficial responsavel comunicara aos demais para fins de cancelamento do(s) registro(s) anterior(es), a nao ser que 0 motivo do indeferimento diga respeito a uma questo exclusiva da area da circunscricéo que denegou 0 registro, hipdtese em que o loteador poder requerer a subsisténcia do(s) registro(s) anterior(es), reaprovando 0 projeto de loteamento com a area remanescente junto a Prefeitura (§ 4° do artigo 21). Além disso, é expressamente proibido processamento simultaneo dos registros em mais de uma circunscrigao, ou seja, 0 loteador s6 poderd protocolar o projeto para aprovagao da circunscrigéo seguinte quando ja tiver em maos o registro da anterior (§ 2° do artigo 21). Por fim, nessas hipéteses de circunscrigdes miltiplas, o loteamento s6 sera considerado efetivamente registrado, para todos os fins da Lei 6766/79, quando a ultima circunscrigdo deferir o registro (§ 3° do artigo 21). Cancelamento do registro de loteamento Uma vez registrado 0 loteamento, s6 ha 3 possiblidades de cancelamento do seu registro, todas indicadas no artigo 23 da Lei 6766/79: 1 por decisao judicial; I~ a requerimento do loteador, com anuéncia da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for 0 caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato; WI — a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuéncia da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for 0 caso, e do Estado. Observe, inicialmente, que ao contrario da incorporacao imobiliéria, no ha previsao de prazo de caréncia para desisténcia do loteamento Enquanto na incorporacao o empreendedor pode fixar o prazo de até 180 dias para desistir unilateralmente de executar o projeto, sem depender da anuéncia de qualquer érgao ou pessoa (ressalvada a obrigagao de restituigao de valores pagos por adquirentes que assinaram contratos no periodo), o loteamento, uma vez registrado, s6 pode ser cancelado ou por decisdo judicial (inciso | do artigo 23) ou por homologagao judicial (incisos I ¢ Ill). Ainda que no tenha sido vendido um Unico lote (inciso II), 0 cancelamento do registro pode nao ser possivel caso a Prefeitura jé tenha realizado algum melhoramento na area e suas adjacéncias e/ou entenda que o cancelamento pode gerar algum inconveniente comprovado para 0 desenvolvimento urbano (§ 1° do artigo 23). Isso ocorre porque, com a aprovagao e registro do projeto de loteamento, a Prefeitura de fato podera (e provavelmente ird) incluir aquela regido em suas politicas de desenvolvimento urbano, projetando o crescimento da cidade naquele vetor. Mesmo que ela nao tenha feito nenhum melhoramento, se ela conseguir provar, fundamentadamente, que aquele empreendimento é relevante para o desenvolvimento urbano, o cancelamento sera negado. Se ja tiver ocorrido venda de lote no momento do pedido de cancelamento (inciso III), todos os compradores precisa dar anuéncia, sem o que o requerimento sera sumariamente indeferido, e continuara sendo necessdria a anuéncia da Prefeitura. Quando 0 pedido de cancelamento se originar do loteador (incisos 1! ¢ III), 0 Oficial do Cartério de RI publicara edital para que quaisquer terceiros, no prazo de 30 dias, possam impugnar 0 pedido (§ 2°). Aqui nao se fala expressamente em 3 publicagées, como na etapa do registro, mas pode-se concluir pela mesma necessidade, haja vista a mengao contagem do prazo a partir da ultima publicagao. Transcorrido 0 prazo, com ou sem impugnagao, o “proceso” seré enviado ao juiz competente para homologagao, com oitiva do Ministério Publico. Antes de homologar, o juiz podera determinar a realizagao de vistoria na area projetada para o empreendimento, a fim de certificar a inexisténcia de adquirentes instalados no local. Alteragées no registro de loteamento Depois de registrado o projeto de loteamento, qualquer alteragao ou cancelamento parcial so serdo possiveis com a formalizagao de acordos com os adquirentes de lotes atingidos pela mudanga, bem como com a anuéncia da Prefeitura. O artigo 28 da Lei 6766/79 traz essa regra, mas nao determina como seré 0 processo, dando a entender nao serem necessérias maiores formalidades para a alteracao, o que deixa ao arbitrio do Oficial do Cartério de RI a andlise dos aspectos formais e materiais do pedido. Como a anuéncia da Prefeitura é necessdria, haverd de ser feita a reaprovagao do projeto, com apresentagao dos novos documentos ao Cartério de RI para averbacao na matricula original da gleba e nas matriculas dos lotes afetados pela mudanca O contrato de compra e venda de lote e suas principais caracteristicas, Dentro da complexa atividade de parcelamento do solo urbano, o contrato de compra e venda dos lotes assume especial importancia, contando com algumas caracteristicas bem peculiares que 0 diferenciam de outros contratos imobilidrios. Uma primeira peculiaridade 6 que, contrariando a regra geral de exigéncia de escritura piiblica para a validade do negécio (artigo 108 do Codigo Civil), 0 contrato particular de compra e venda de lote pode, independentemente do seu valor, ser registrado diretamente no Cartério de Registro de Iméveis. Diante dessa “facilidade’, a Lei 6766/79 ja determinava desde sua origem, com algum detalhamento, todas as cldusulas minimas e obrigatérias de qualquer contrato de compra e venda de lote, a saber: Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessdes ou promessas de cessdo poderao ser feitos por escritura publica ou por instrumento particular, de acordo com 0 modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterao, pelo menos, as seguintes indicagées: 1 nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residéncia dos contratantes; I= denominagao e situagao do loteamento, ntimero e data da inscrigao; I= descrigdo do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontagées, rea e outras caracteristicas; IV-- prego, prazo, forma e local de pagamento bem como a importancia do sinal; V- taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestagdes vencidas e nao pagas, bem como a clausula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e s6 exigivel nos casos de intervendo judicial ou de mora superior a 3 (trés) meses; VI = indicagao sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre 0 lote compromissado; Vil - declaragao das restrigdes urbanisticas convencionais do loteamento, supletivas da legislagao pertinente. § 1° O contrato deverd ser firmado em 3 (trés) vias ou extraidas em 3 (trés) traslados, sendo um para cada parte e o terceiro para arquivo no registro imobiliério, apés o registro e anotagdes devidas. § 2° Quando o contrato houver sido firmado por procurador de qualquer das partes, serd obrigatério o arquivamento da procuragao no registro imobiliério. (..) § 6° Os compromissos de compra e venda, as cessdes e as promessas de cessao valerao como titulo para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitagao. As exigéncias sao, de certa forma, autoexplicativas, demandando uma qualificagao completa dos contratantes, descrigao precisa do lote (inclusive com indicagdo da area e confrontagées), definicdo da responsabilidade pelo pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre 0 lote até a sua quitagao total, prego, prazo e forma de pagamento. Os requisitos que merecem ser comentados individualmente sao (i) a limitagao da clausula penal a 10% ¢ (ii) a possibilidade de se prever restrigao urbanistica convencional do loteamento. Como se observa do inciso V do artigo 26, acima transcrito, a Lei 6766/79 traz, desde a sua primeira versao, a limitacao da cldusula penal a 10% do valor do débito. Essa multa diz respeito as parcelas em atraso ¢ nao se relaciona com aquela que veio a ser incorporada no novo art. 26- A, que sera também analisada logo mais. No entanto, com a entrada em vigor do Cédigo de Defesa do Consumidor (CDC) em 1990, essa previsdo do inciso V do artigo 26 foi tacitamente revogada, uma vez que 0 § 1° do artigo 52 do CDC limita a multa de mora a 2% do valor da prestagao. Pode ocorrer uma venda originaria de lote sem o enquadramento da relagéo como sendo de consumo? Sim, caso o comprador esteja adquirindo os lotes declaradamente para revenda Mas isso é tao raro que, na pratica, dificilmente sera possivel prever multa de mora acima do limite do CDC. A outra previsao interessante é uma verdadeira limitagdo convencional ao direito de construir, mostrando que, ao contrario do que muitos ainda pensam, o direito de propriedade nao é absoluto.

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