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iil Nin a i NEE Introdugao A filosofia grega nao foi obra de um tinico individuo, € nem 36 de grandes sébios. Também nfo foi construfda de modo uniforme, ¢ nem veio a se constituir num sistema, mas num extenso universo de questées. Ela também nunca esteve submetida a um interesse especifico, seja a um credo ou 2 qualquer poder politico constitufdo. Fla teve, sim, um enraizamento e uma marca especifica — € grega —, mas ndo meramen- te local, apesar de restrita 2 certas circunstancias hist6ricas ¢ culturai A sua caracterfstica fundamental foi a(iniversaliza¢ao} uma tentativa de construir uma comunidade humana de entendimento, (questoes essenciais dadas a demanda ou discussio racional. Mesmo néo sendo univoca, ela, no entanto, aspirava a umn principio de unidade: que os homens fossem capazes de racionalmente consentir e de se por de acordo no que fosse para todos o essencial. O desenvolvimento hist6rico da filosofia grega coincide com 0 esplen- dor da propria Grécia. Foram, com efeito, 0s fildsofos, e nao os politicos, que fizeram da Grécia uma nagao. Aqueles contribufram para a expan- sao da cultura, para a universalizagao e 0 aprimoramento da lingua ul ‘Questoes fundamentals ds filesofiagrege grega e das instituigoes democraticas. Ao mito, eles sobrepuseram 0 logos, & titania, 0 governo das leis, aos antigos costumes, um novo éthos aglutinador e pacificador da vida civica, se bem que nunca houve paz no mundo grego, ¢ tampouco na filosofia. Nos dois casos, 0 conflito sempre foi a regra. Na medida em que 0 pensamento racional despertou, ele se espa- Thou feito ingo peto territ6rio grego, sobretudo entre os jovens. Os cha- mados sofistas foram os grandes mestres desse feito, porém coube aos fil6sofos erigir as bases do entendimento humano e viabilizar entre 0s ‘gregos uma comunidade de convivéncia e de compreenséo. Eis af a azo pela qual eles adicionaram a0 mythos o l6gos e fizeram com que a Ifngua grega renascesse de dentro de si mesma, com um novo signifi- caclo: como instrument do éthos intercormunicativo e racional, sobretu- do da justificagio ou explicitagao das intengées, porque logo descobri- ram que, das intengGes, a agao é como se fosse a sombra. Por isso também ‘casaram o l6gos (pensamento) ao légos (palavra), porque observaram que um carece do outro, que o pensamento sem simbolo néo pensa, sequer € capaz de comunicar-se satisfatoriamente consigo mesmo. nero € Hesfodo, dessa tarefa, foram os primeiros meitres. Com eles, os filésofos, em particular Xendfanes, Herdclito e Parménides, al naram uma profunda relagao: reconheceram no /égos da epopéid, mais do que um mero exemplo, uma formula do discurso comunicativo e da verbalizacao teérica. Grande parte dos filésofos, em particular dos que foram tidos como grandes sdbios, se mantiveram restritos 2 um certo tertit6tio, ¢ a maioria agrupou em tomo de si varios outros nomes que também vieram a ser grandes mestres: individuos capazes de reconhecer seus acer, de buscar sohugdes para os proprios erros e sobretudo de universalizar o seu saber. Localizados em uma certa cidade-Estado, os sabios-filésofos acaba. vam sendo responséveis, quer por iniciativa prépria, quer por deliberagao das Assembléias, como foi o caso de Pitagoras, pela educagao publica dos cidadaos. O Liceu de Aristoteles; porexemplo, comegou a funcionar num gymndsion: um lugar piiblico onde os atletas e os populares praticavam livremente a gindstica, 0 cultivo do corpo. Na medida em que os sAbios_ reuniam em tomo de si individuos dispostos.a se dedicar integralmente. 2 Intiedugio a0 cultivo do saber (sem uum propésito meramente social ou de aquisiczio de status politico), juntos, vinham a constituir uma “escola”, mais precisa- mente uma linhagem ou éthnos filos6fico. Es nesse sentido, por exemplo, que a Tales vém associados os nomes de Anaximandro ¢ de Anaximenes; a Pitigoras, entre outros, 0 de Alemefo ¢ de Filolau; a Hericlito, 0 de Crétilo; a Parménides, 0 de Zenfo (e, um pouco mais distante, os de Melisso e de Empédocles); a Anaxdgoras, Arquelau e Sécrates, Plato tem o seu nome vinculado ao de varios mestres:é ido como um disespulo de Filolau, e, por interferéncia dele, de Pitsgoras. Platao também é tido como um discfpulo de Critilo, por cujo intermédio veio a se vinoular a Hericlito. Sécrates, de todos, foi 0 seu maior mesize, ¢, segundo Plato, “am grande admirador de Parménides”, do qual Platdo, por sua vez, foi dise{pulo. Aristételes foi no s6 0 amigo, mas o discfpulo predileto de Platio e o maior expoente da Academi ‘A Academia nasceu em conseqiiéncia do movimento filos6fico pro- movido em Atenas por Anaxgoras de Clazomena, fruto portanto de uma experiéneia jé consolidada, A Academia no era uma corporacio, 1mas um forum de debates. O Liceu adveio em conseqiiéncia dela, com um. propésito bem especifico: investigar questdes relacionadas as ciéncias. do discurso ¢ A Hist6ria Natural. A partir desses dois centros, a filosofia se ‘expandiu para outros, a comegar por Alexandria, no século Ill a.C., para onde convergiram nomes como os de Arquimedes, Euclides, Aristarco ¢ Ptolomeu. Outros grandes centros se edificaram em Antioquia, Constanti- nopla, Cartago e Roma. Foi em Roma, mas j no século IIL d.C., que Plotino, tido ainda como um dos tiltimos mestres da filosofia classica disefpulo de Platio, fandou a sua Escola, na qual estudou (0 aristotélico) Porfirio, que, entre outras coisas, fez. da Légica de Arist6teles um instnu- mento eficiente para o estudo da filosofia de Platdo. Também é desse perfo- do Boécio, que tomou para sio propésito de Cicero de sistemnatizar Plato € Arist6teles, e velo a se tornar a maior fonte da escolatidade medieval. Foi num perfodo de pelo.menos trezentos anos (digamos, de Tales a_ Aistét povo grego d a sua propria destinagdo, € qu pr caso de Tales,.temnos uma data segura quanto 2 sua vida; 0 eclipse total do sol, previsto por ele, o qual ocorreu en 28 de maio de 585a.C.Com B ‘Questdes fundamentais da flosofia greg relagdo a Arist6teles, cle nasceu em 384, quando Platao contava por volta de 44 anos, e morreu em 322 a.C., 26 anos apés a morte de Platio. De'Tales a Arist6teles, o desenvolvimento hist6rico da filosofia grega correspondeu ao da ciéncia, € isso quer dizer: a um extenso saber posto em marcha. Antes de qualquer outro significado, filosofia era um nome— que, a partir de Pitdgoras, veio a designar todo 0 conjunta da atividade. intelectual exercida em_ varias setores: no das citnnias matemiticas, ‘que compreen “mnédicas: a lerapia, a historia natural, a alquimia e, inclusive, a astrologia. Namedida em que essas disciplinas foram se tomando auténomas, desde Aogoa tendéncia da filosofia foi voltar-se civico ou das relagdes humanas, tanto para a educacdo politica (para-a arte do bem viver) como para a edificagao da epistémé e da téchné, das. -regras do bet pensar e do fazer bem feito. Enfim, foi uma mistura de povos e de culturas que edificou a Grécia © a filosofia grega. Hé todavia uma grande razdo que fez dos gregos um ovo extraordindrio, distinto dos demais: por um lado, eles descobriram que o cérebro humano era capaz de pensar a si mesmo; por outzo, levaram a sério essa descoberta. Instituiram como maxima de todas as maximas que o homem jamais poderia aspirar a ser um deus, mas ter coragem de ser homem: de edificar por si mesmo e por seus pr6prios meios a sua humanidade. Imbufdos desse objetivo, logo chegaram a conclusdo de que, antes de tudo, era preciso que cada um se dedicasse ao conhecimento__ slesi mesmo, de seus limites ¢ de suas possibilidades, que despertasse — dentro de si o soberano adormecido — o préprio cérebro —, e que, por Suposto,.o exercitassem. Foi pensando assim_que inventaram 0 maior de__ todos os impasses;-qual seja,0 de que a exigéncia do exercfcio de pensar orcional a neces je de educar o pensamento, Sem a prética _ do exercfeio racional nao haveria prosperidade humana ou do hnmano:— nem discernimento.¢ nem. soberania. Estarfamos fadados a ser escravos dos deuses, de nossos medos e de nossas impulsdes, assim serfamos levados a cultuar os enigmas e os mistérios. Foi no intuito de resolver cesses impasses, pois, que a filosofia se fez, ou melhor, que alguns indive- 4 Introdugto duos se dispuseram ao exercicio racional e, assim, safram em busca de ‘outros modos de se relacionar e de entender (verbalizar) a si mesmos & ‘208 outros, ou seja, 0s conflitos inevitaveis da polis, e 0 késrios, 0 eaos das manifestagoes fenomenicas. Depois dos gregos, as relacdes humanas que se estabeleceramn nos mais diferenciados aspectos do viver ou da vida nunca mais foram as mesmas. Todc :mpenho da filosofia ocidental tern consistido em analisar esse universo dle relagbes € de intelecgGes. Assim como 0 povo grego se envolveu e se aproveitou das mais diferentes culturas, harmonizando-as, todas as outras culturas, em particular as ocidentais, igvalmente se ser- viram e harmonizaram para si a cultura dos gregos. Para todos, a filo- sofia veio a ser, além de estimulo, um legado historico de sabedoria pratica e tedrica. Ela s6 retomou 0 seu 4nimo origindrio na medida em que restituiu a si mesma o lugar do pensamento critico e do exercicio racional, e, por conseqtiéncia, da crise. ‘Sob esse aspecto, cabe ainda destacar que os que desde cedo filoso- faram logo descobriram que niio ha como se apropriar do novo, tornar gosto pelo desconhecido, ser se aventurar para além do rotineiro ou do estabelecido. Eis por que a filosofia, desde os seus primérdios, teve como status a insatisfacdo, porque o pensamento critico ou o exercicio do pensar resulta inevitavelmente provocativo e tranformador. Dele, todavia, decor- rem certas conseqiiéncias, por exemplo a de tranformar o intelecto hu- mano em um grande vilo: ou porque faz “vet” o que os outros no vem. (da consciéncia, promove a incompatibilidade), ou porque pée em risco, toma inseguras, as estruturas existentes, sejam elas credos ou ordena- mentos subjetivos, institucionais ou publicos. Sécrates, nesse Ultimo caso, que o diga: 0 empenho racional o destruiu. Mas 0 dilema € o seguinte: se queremos nos qualificar como humanos, temos necessidade de fazer bom uso de nossa razio, mas no s6 um uso técnico ou estratégico, a servigo de algum oficio ou da administragao de nossas impulsdes, ou de nossas tiquezas, ou (como € 0 caso de muitos) da pobreza. Se queremos fazer bom uso de nosso intelecto devemos aplicé-lo no que mais importa, na busca do maior de todos os bens, a sabedoria: educacao da razdo e qualificagdo do humano. Di-se que, 20 fazer isso, corremos 0 risco de nos tornar distintos dos demais, perigosos, incompativeis com a ordem estabe- 15 ‘Questoesfondamentais da filosofiaeregn lecida, fermento sere da levedura, Por mais nobres e edificantes que sejarn os objetivos da razao, ela sempre correrd esse risco, pois néo ha como educara razslo — promovera qualificagio e a mudanga — sem provoca- gio € crise, e obviamente mo ha educagao filoséfica se 0 logos nada edifica, se é inféstil. Nio 6 possfvel que, na tarefa do pensar, os que se exercitam racional mente permanecam sempre os mesmos, que tanto 08 que proferem como os que ouvern 0 logos racional se mantenham sempre ‘os mestnos, inmutveis, ser renascer no prOprio estigio de saber e de jgno- rancia. Também nfo é razodvel que a compreensio do humano, questo que em tiltima instancia define o filosofar, seja dissimulada: que se dé como sabidlo 56 0 que se admite, ¢ do que nao se admite se faca finta de que nada se sabe Dedicada ao estudo das prinefpais questées que deram forma ao filo- sofar, esta obra parte sempre da génese das questdes estudadas, ou scja, toma como ponto de partida o momento em que elas foram postas no contexto da discussdo filos6fica. Dado que na maioria das vezes tais ques- toes foram trazidas i reflexiio a partir dos chamados filésofos pré-socrditicos, 6 quase sempre neles que 0 estudo se inicia, Plato (junto dele, Sécrates) c Aristételes s20 0s autores preferencialmente estudados, porque as obras que Ihes sao atribuidas se constituem como que em sintese das questdes fundamentais da filosofia grega. Sécrates comparece de modo intenso nos capftulos Il, Ile IV em que se estudam os conceitos de filosofia e de dialética. O capftilo III foi dedicado quase que exclusivamente a0 daiménion de Sécrates: uma questo pouco estudada e muito requisitada pelos alunos, sempre interessados em saber 0 que tal conecito realmente significa. O capitulo I trata de questées referentes & cosmologia; 0 cap tulo V, 20 conhecimento; 0 VI, a metafisica. 16 \\ CAPITULO | Conceitos da cosmologia grega: késmos, arché e physis Valor hist6rico-filos6fico da questio Arist6teles se referiu a Tales como o archégds philosophias, “o ini- ciador de tal filosofia”. Mas qual foi mesmo a filosofia que’Tales, segundo Atistételes, iniciou? A filosofia da arché, expressa no conceito dgud, ou umidade. O que isso significa? Equal o alcance de sua invenca0? De ‘qualquer modo, seré que deverfamas levar essa questio arcaiea a séxio? Entre outros, além de Arist6teles, também Nietzsche acreditava que sim. Vejamos 0 que eles dizem; primeiro, Nietzsche: ‘A filosofia grega parcce comegar com uma idéia absurda, com a pro- posigdo de que a dgua &2 origem eo seio matemno de todas as coisas. Seré realmente necessério parar aqui ¢ levar esta idéia a sério? Sim, por trés razdes: primeiro, porque a proposigao assere algo acerca da origem das coisas; em segundo lugar, porque faz isso sem imagens € fabulas; e, finalmente, porque contém, embora em estado de crisélida, a idéia de que “tudo é um”, A primeira destas trés razdes ainda deixa ‘Tales na comunidade dos homens religiosos ¢ supersticiosos, asegunda 7 ~ Questses fandamentais da flosofia rege separa-o dessa sociedade e mostra-o como investigador da natureza, a terceira faz de Tales o primeiro filésofo grego’. Quanto a Aristételes, ele nao s6 levou a sério a questo posta por ‘Tales, como também foi o primeiro a se empenhar tanto em compreende- la como em explicé-la. Ele diz o seguinte (dizer que deve orientar esta nossa exposica0): *Pois bem (diz ele), a maioria dos primeirosfilésofos acreditara que os Gnicos princfpios de todas as coisas s4o os de indole material. Pois ~aquilo do qual sao constituidos todos os%éntes} o termo primeiro de Y sua gcragao ¢ o termo final de sua deterioragdo — enquanto a subs- tancia permanece, mudando-se somente as afecgdes —, € isso que ‘cles consideram como o elemento e o principio dos entes. E por isso ‘ acreditaram que nada se gera ¢ nem se destréi, porque tal natureza se conserva sempre. [...] Porém, quanto ao ntimero ¢ a forma de tal principio, nem todos dizem 0 mesmo, Tales, entretanto, 0 iniciador de tal filosofia, afirma que € a 4gua’. Por esse texto, sobretudo pelo modo como Aristételes se refere aos primeiros filésofos, fica saliente que a nogdo de arché, atribufda a esses fil6sofos, esta intimamente arraigada & sua doutrina, Aliés, foi devido sobretudo a Arist6teles que se conservou, em referéncia aos chamados \pré-socriticos, no s6 0 conceito de arché, como varios outros a ele associados (tais como os de kismos, physis, diké etc.). Mas serd que foram de fato 0s filésofos pré-socréticos que inventaram todos esses termos, ¢ que, inclusive, Ihes atribufram uma nogao precisa? Nesse nosso caso aqui, no que diz respeito ao termo arché, John Bumet, em sua Karly greek philosophy, diz 0 seguinte: termo arché, freqiientemente utilizado em nossas fontes autori- zadas, é [...] puramente aristotélico. (...] Teofrasto ¢ autores subse- qiientes [...] partiram todos da conhecida passagem da Fisica na TF NIETZSCHE, A filosoia na Idade Trigica dos greg, trad. de Maria Inés Madsira de Andrade, Lisbos, Edigoes 70, 1987, 27 3: ARISTOTELES, Metafscg, I, 3, 983b, 621 (serimo-nos da edigotrilingse de Valentin Garcia Yebra, Madrid, Gredos, 1982, bem como dade Jean Tricot, Pats, Vein, 1970). 18 CConceitos da cormologia grege:Rdsmos, arché « pfs qual Aristteles classifica 0s seus antecessores segundo 0 modo como postularn uma ou mais archa’’. Nao hé dtivida de que a questio da arché, referendada aos pré-socré- ticos, tem uma conotacdo francamente aristotélica. Também € verdade aque, entre 0s fragmentos tidos como genus, nflo osorre uma s6 vez 0 termo arché. Mesmo assim, é a Tales que, em geral, se atribui o problema Grorigem, ea Anaximnandro 0 termo técnico arché capaz de designélo. ‘Mas sec que foi mesmo “Anaximandro [quer] chamou arehé& substancia origindria?”, pergunta-se M. Schofield, que responde: ‘A maioria dos eriticos modemos (incluindo Kahn‘) pensa que Teo- frasto designou Anaximandro como o primeiro a usar arche (...] como termo especial para a substancia originéria. Bumet, contudo (EGP 54 n. 2), defendeu a opinigo de que Teofrasto disse simplesmente que Anaximandro foi o primeiro a chamar o prinefpio material (...] pelo nome de # épeiron, sem outra qualificagao* Ou seja, John Burnet estd de acordo que Anaximandro introduziu ‘otermo apeiron a fim de designar a arché, mas defende a tese de que 6 termo arché ndo € de Anaximandro. Segundo o seu ponto de vista, 0 termo foi introduzido por Teofrasto, a fim de tornar compreensfvel a questo da arcke (do prinefpio). Com efeito, a0 afirmar que foi introdu- zido por Teofrasto, na verdade ele quer dizer (como vimos) que o ter mo € originalmente aristotélico®. Werner Jaeger, por sua vez, discorda 3, “The term arché, which is often used in our authorities, is in this sense purely “Aristotelian. It is very natural that it should have been adopted by Theophrastos and later writes, for they all start from the well-known passage of the Pics in which _Aiisiotleclasifies his predecessors according as they postulated one or more épxai”. In J, BURNET, Early greek philosophy, London, Adam & Charles Black, 1948, § VIL, 11. [Edigio brasileira: O despertar da filosofia grega, Sto Paulo, Siciliano, 1994] ‘4 KAHIN, Anaximander and the origins of greek cosmology, New York, 1960, 29-32 5. "Tiram eles esta conclusto de prétos tadto totinoma tés arches [ele foi o primeico ‘ iniroduzir este nome para prinefpio material] em 101A, do seu equivalente em 101B Ge um oul cantexin de Simplicio (in Phys, 150, 23),ne qual Anaximandro éreferido como prétos autds archén onomdsas 1) hupoketmenon [consta ter sido o primeio a de- ‘nominar o substrato de prinefpio)". CEG. S. KIRK, J. E. RAVEN, M. SCHOFIELD, (0s ilosofos pré-socrdticos. Histéria critica com selec de textos, trad. de Carlos Alberto Louro Fonseca, Lisboa, Gulbenkian, 1994, 107-108. 6. BURNET, Early greek philosophy... §14, 54, inclusive a nota 2 19 ‘Questbesfondamentas da flosoiagregs desse seu ponto de vista, ndo acreditando que o termo seja exclusiva- mente aristotélico, mas manifestando a opinido de que o termo, pelo que esté dito em Teofrasto, foi de fato empregado por Anaximandro’ A questiio da patemidade dos termos € muito dificil de resolver. O fato de Aristételes ser a principal fonte da doxografia posterior contribuit sem diivida para impor sobre determinadas nogées, especialmente as de arché e physis, 0 ponto de vista de sua doutrina, Ao conservar entretanto. as opinides dos antigos, Aristételes nao demonstra em suas obras nenhu- ma preocupacao explicita de reconstruir (de um ponto de vista da heurfstica hist6rico-critica) a doutrina de seus antecessores. Ele no faz esse tipo de reconstrugdo ¢ também nio se interessa em determinar exa- tamente 0 que eles pensaram! Procede, digamos, ao modo de Platio. ‘Uma vez admitido que o homem é um animal raeional, a questdo que bem provavelmente se imp6s a Platio foi a seguinte: se o homem é um animal racional, s6 hé um meio de qualificar 0 humano, qual seja, edu- cando-lhe a razdo. Posta a questo nesses termos, Platio assumiu a se- giiinte estratégia como meio para efetivar essa educagio: promover 0 coflito de opinises. Os seus didlogos sfio o exemplo dessa sua estratégia provocadora dle conflitos. Além disso, foi por esse meio que ele constrtitt a sua propria doutrina: em forma de didlogo, ou seja, formulando um conflito de opinides a fim de demonstrara forga (ow resisténcia) e, sobre- tudo, a veracidade de suas teses (em confronto as de seus opositores). Arist6teles, por sua vez, procedeu de modo semelhiante. Em vez de formular ou de criar conflitos no interior de sua propria argumentacdo, chamou em seu auxilio as opinides dos antigos (inclusive as de Sé- crates ¢ de seu mestre, Plato). Assim o fezscom os seguintes objetivos: ora para estabelecer um contradit6rio, ora, simplesmente, para realgar uma confirmagao para as suas teses. Por isso, o que lhe interessava acima de tudo nao era propriamente reconstruir nogdes ou conceitos em particular, mas sim demonstrar (em referéncia & opinido dos antigos) 0 seu préprio ponto de vista. Exam, enfim, as suas teorias que estavam cent questo. 7. Werner JAEGER, La teologia de los primeroefilesofo griogos, tad, de Jose Gros, Menico, Fondo de Cultura Econémica, 1978, 32-34, especialmente a nota 27 20 vce rn ananisaReseMll Coneeitos da cosmologia grega: késmos, arch e pss ‘Seja como for, o fato de Aristételes ter denominado Tales archégés filosoffas (e mesmo de reconhecer que 0 set pensamento deixou de ser ‘uma alegoria ou um mito), nio se den porque ele disse simplesmente que “a agua € 0 prinefpio gerador de todas as coisas”. Aristoteles Ihe atribuiu esse titulo porque identificou nessa tese (aparentemente trivi- al) um significado grandioso. Ele compreendeu que nela estava conti- daa idéia de que hé um princfpio nico, e que s6 um principio tinico poderia explicar o mével do fazer-se da geracio como um todo. Ora, foi por causa dessas idéias (inevitavelmente carregadas com o sentido da sua teoria da physis e dos archai da geracto) que ele concedeu a Tales 6 titulo de iniciador da filosofia da arché. E, mais ainda, ele também concedeu a Tales 0 mérito de ter sido o iniciador da filosofia da physis. ‘Mesmo submetendo a tese de Tales a sua linguagem, Aristételes reconheceu nela um filosofar, e viu no dizer de Tales a expresso (mesmo que primitiva) de seu préprio pensamento. Ao denominé-lo archégos philosophtas, bem provavelmente quis dizer que o seu modo de pensar (ou 0 seu filosofar) encontrava ressonancia no de Tales (ele que fora considerado o primeiro sabio da Grécia). Por forga dessa aproximagao, ‘Arist6teles encontrou nessa tese um certo ponto de vista comurn. Vit nela confirmada a arché constitutiva das coisas, quer nos termos de uma substdncia permanente, ou como se fosse uma natureza (physis) que se conserva sempre. Constatou que Tales, sob termo dgua, inferiu, tal como ele, a ciéncia de que as coisas que existe t¢m um prinefpio (uma arché) constitutivo da sua existéncia, ¢ que esse principio é a sua, Hatureza (archén tés ph¥seds), ou. seja, € aquila que, no_processo da getacao, se conserva inalterdvel (“é 0 termo_primeiro de sna geragao. ‘OTeimo final de sua deteriorag4o”)- Em sintese, Aristételes viu na tese de Tales os fundamentos de sua pr6pria teoria da substdncia, aquela que afirma que as coisas mudam em suas afecgBes, que elasse.transfor- mam quanto aos modos acidentais de ser mas que so dotadas, entre- tanto, de uma subst@ncia ou natureza permanente. ~ Enfim, nao foi s6 em Tales que Aristoteles encontrou fundamentos para a sua teoria, No postulado de Parmenides, por exemplo, naquele 8. CE acima citagto correspondente 8 nota 2. a *

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