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Copynaht 2011 © Evandra Grigoletto, Fablele Stockmans De Nardi e Carme Ragina Schons (orgs) Reservados to498 05 diteitos desta colegdo, Reproduco proibida, mesmo parcialmente, sem gutorizagds eypressa dos autores, CAPA, PROJETO GRAFICO E DIAGRAMACAO. ipa Comunicaso I Karta Vidal e Augusto Noronha wamenipxomunkacsanet REVISAO As organizadaras ACABAMENTO E IMPRESSAO. Ecitora Universitaria - EDUFPE Dubos internacionais de catalogasdo na publicasao. Catalogagio na fonte, Biblioteciria Gliucia Cindida da Silva, CRB4-1662 Den Discursos em rede: praticas de (re)produgo, movimentos de resisténcia € constituicéo de subjetividades no ciberespaco / Organizagao de Evandra Grigoletto, Fabiele Stockmans De Nardi, Carme Regina ‘Schons. - Recife: Ed. Universitéria - UFPE, 2011. 267p.:il. (Coleco Letras) ISBN 978.85.7315.895-3 1. Analise do discurso, 2. Ciberespaco. 3. Sujeito ~ subjetividade. 4, Midia digital. 5. Ensino de Linguas. |. Grigoletto, Evandra. I Nardi, Fabiele Stockmans De. Il Schons, Carme Regina, 10 CDD (22.ed.) UFPE (CAC2011-44) Gg. dhandm Gr NEPLEV Dopattamonto de Letras Met. SIAPE N° 1667608 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Reitor: Prof. Amaro Henrique Pessoa Lins; Vice-Reitor: Prof. Gilson Edmar Goncalves Silva; Diretora da Editora: Prof Maria José de Matos Luna Comissdo Editorial Presidente: Prof* Maria José de Matos Luna Titulares: André Luiz de Miranda Martins, Marlos de Barros Pessoa, Emanuel Souto da ‘Mota Silveira, Kétia Cavalcanti Porto, José Wellington Rocha Tabosa, Artur Stamford, Elba LiciaC. de Amorim, Marcos Gilson Gomes Feitosa, Livia Suassuna, Christine Paulette Yves Rufino, José Dias dos Santos, Sonia Souza Melo Cavalcanti de Albuquerque, ‘Suplentes: Ivandro da Costa Sales, Carlos Sandroni, Augusto César Pessoa Santiago, Vera Lucia Menezes Lima, Benicio de Barros Neto, Bruno César Machado Galindo, José Gildo de Lima, Luiz Carlos Miranda, Alexandre Simao de Freitas, Carlos Alberto Cunha Miranda, Zanoni Carvalho da Silva, Armaldo Manoel Pereira Carneiro, Editora associada a ABSY orc armies euttecrsetnconticen O discurso nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem: entre a interacao e a interlocucao Evandra Grigoletto' Partindo da discussio do espago virtual enquanto lugar onde se constituem miltiplas materialidades, em que © empirico ¢ o discursivo se entrelagam, tomo os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) como uma dessas materialidades que constituem o espago virtual. Assim, com o intuito de melhor compreender © funcionamento do discurso nesses ambientes, proponho-me a analisar, neste artigo, as nogdes de interagio ¢ interlocugio que perpassam o discurso de professores, alunos ¢ tutores na sala de aula virtual. A partir da observagio do uso recorrente da palavra interagdo nesse discurso, interessa-me discutir quais as implicacées tedricas que o uso dessa palavra produz, inclusive em termos de efeitos de sentido para o discurso em que ela aparece, uma vez que hi uma heterogeneidade de sentidos acerca do termo/conccito “interagao”. No entanto, tal heterogeneidade, sobretudo em termos teéricos, nem sempre é considerada nesses ambientes; ao contrario, 1. Professora Adjunta da Graduacdo e Pos-Graduagdo em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. Doutora ‘em teorlas do texto e do discurso pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005). Atua nas linhas de pes: quisa Linguagem, tecnologia eensinoe Linguagem, trabolhoe socledade.Lidera oNaclea de Estudos em Priticas de Linguagem e Espaco Virtual (NEPLEV) e participa como pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Anshise ddo Discurso (GEPAD = RS) Colegio Letras - 47 dawn UnberterVinut de Apreniage: entre ainteracio ea interlocucso hima tentativa de homogeneizagio que acarreta numa certa banalizagio do temo intracio" Produvindo um deslocamento dessa discussio para a Anilise «do Discurso, 20 pensar o funcionamento dos AVAs, entendo a interagdo como ‘movimento do homem com a méquina e a interlocugdo como o movimento dos/entre 0s sujeitos, Ocspago virtual: algumas consideragdcs Para dscutir o funcionamento do discurso dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem, como jd mencionci no resumo deste artigo, julgo importante pattr de uma discussio do espago virtual, lugar onde se materializa esse discurso. Tiere Lény 20 disctira questio da virtualizagio, em seu livro O que ésitwal), opde o virtual ao atual, mostrando que ha uma leitura equivocada, schrtudonaordemdosenso comum, queassocia o virtual &ilusio, a0 que nfo material. Diz le: “o virtual nio se ope ao real mas ao atual: virtualidadee atualidade io apenas duas manciras de ser diferentes” (LEVY, 1996, p. 15). Recorre a Deleuze trazendo a discussGo desse autor entre possivel? c ual, asacandoo possvel a0 rea’, Nas palavras de Léwy, Contrariamente ao possivel, estatico ¢ j4 constituido, o virtual é como ocomplexo problemitico, o né de tendéncias ou de forsas que acompanha uma situagdo, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, ¢ que chama um processo de resolugio: aatualizagio (1996, p. 16). Compreendemos eno, a partir das palavras de Lév » quc o virtual, por nioscresitico, constitui-se sempre num processo dialético, num complexo 2LOposhe! ested consul, sb he faltando, como o real, aexisténcla. |e aundedeve set confundido com o eal da Anslise do Discurso, que é 0 lugar do impossivel. Esté mals pina erase, 48-Colegdo Letras Erandra Glgoletto problemético que busca uma solugio na atualizagdo, Em outras palavras, por ser a atualizagao a solugao de um problema, sempre presente no virtual, 0 atual opée-se a0 virtual respondendo-lhe com uma criagdo, invengao. Interessa ainda pontuar que o virtual, para Lévy, nfo remete tao somente a0 que esta disponivel na rede, estando sempre acompanhado de uma entidade que, se por um lado, “carrega e produz suas virtualidades (...), por outro lado, o virtual constitui a entidade” (LEVY, 1996, p. 16). Ou seja, © virtual, para esse autor, nao se refere tio somente A internet c, por mais dindmico c instavel que scja, cle nao sé carrega como também produz tragos de concretude. A partir disso, Lévy discute a questo da virtualizagio como dindmica, definindo-a como “o movimento inverso da atualizagio ( . A virtualizagio nao é uma desrealizagao, mas uma mutagio de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontoldgico do objeto considerado (...).” (LEVY, 1996, p: 17-18) Constitui-se, portanto, no processo de passagem do atual ao virtual. nesse proccsso, criam-se novos nés problematicos, ha uma desterritorializacao das informagées, das pessoas etc. Segundo Lévy, “a atualizagio ia de um problema a uma solugio. A virtualizagio passa de uma solugio dada a um (outro) problema.” (op. cit, p. 18) A desterritorializagao — nao sd dos espacos, mas também do tempo — é uma caracteristica marcante no virtual, ou melhor, no/do proceso de virtualizagdo pensado por Lévy. Mas, nem por isso, diz o proprio autor, “o virtual é imaginario. Ele produz efeitos” (LEVY, 1996, p. 21). Efeitos, no meu entendimento, nao sé no virtual, mas também no atual ¢ até no real. Partindo dessa discussio apresentada por Lévy, bem como da reflexao que empreendi na minha tese de doutorado para pensar 0 espago empirico 0 espaco discursivo, a qual me ajudou a distinguir o lugar social do lugar discursivo, pretendo deslocar o meu olhar para o terreno da Anilise do Discurso para pensar a constituigao do espaco virtual. Retomando o quadro-resumo (abaixo) que apresentei na minha tese de. doutorado (GRIGOLETTO, 2005), obscrvamos que cstio ai representados dois espagos: 0 empirico ¢ o discursivo, os quais poderfamos aproximar,, daxeume AoberesVittais de Apeemiiagem: entre a interagioe a interlocucio gosomodo, do real e do atual, respectivamente, propostos por Lévy. Tais espagos, no entanto, njo sao opostos, nao sc constituem, necessariamente, que 0 empiric em tompos-espago diferentes, mas simultancamente, produrefitossobre odiscursivo.e vice-versa, Portanto, se pensarmos que orcal~no sentido pensado por Lévy, isto &, o aproximando do possivel—s6 gpnha cxisténcia no atual, nao se trata de processos opostos, c sim diferentes no scu funcionamento, As questdes que se impdem, entao, sio: Qual o lugar do virtual nesse quadro? Ele se ope ao empirico ¢ a0 discursivo? Quavno I oe eevee) Formacdes Ideoldgicas Forma-sujeito i i Y Y Relacbes de poder Espaco Lugar discursivo institucional Discursivo | Lugar social Posicdes-sujeito Podemos dizer, visualizando 0 quadro acima ¢ a partir das anilises do discurso de Divulgagio Cientifica que realizci no meu trabalho de doutorado (GRIGOLETTO, 2005), que, na passagem do espago empirico pan oespaco discursivo, hi um processo de discursivizago dos discursos, scjam cles quas forem, que nio se da sem a determinagio dos lugares, das relagies de poder sécio-historicamente constituidas ¢ sedimentadas. Ao se discursisizar, esses discursos, por sua vez, também ressoam para além damaterialdade linguistica, produzindo efeitos na formagio social, isto é, 50- Colegéo Letras Erandra Gelgoletto no modo como sc constituem, se configuram ¢ sc sedimentam os lugares sociais ¢ as relacdes de poder. Assim, voltando 4 questio do lugar do virtual, nio o entendo como desvinculado destes outros dois espacos — o empirico ¢ o discursive — uma vez que 0 virtual, representado sobretudo pelo surgimento da internet, emerge no scio de uma determinada formagio social, historicamente situada, produzindo efeitos imediatos nao sé nas praticas discursivas, mas também nas praticas sociais. No cntanto, também nao o entendo como um terceiro espaco, ou um novo que poderiamos acrescentar a esse quadro, mas como um espago que emerge no cntremeio do empirico ¢ do discursivo, j& que carrega tragos tanto do primciro, quanto do segundo. Isso porque o virtual configura-sc como um espago onde se materializam diferentes discursividades, desde uma sala de bate-papo até situagées mais formais onde ha uma individualizagao do sujeito pelo Estado através de servicos, como os bancarios, que hoje realizamos pela internet. Ha, como diz Souza (2001), no espago virtual, a posicio de inclufdos ou excluidos, conforme o espago cm que o internauta estiver navegando. Em alguns sites institucionais, por exemplo, ha solicitagao de senhas para navegagio, o que resulta numa forma de regulacio, de coergio social, afastando-nos da ideia de que na internet, no espago virtual, nao ha controle, que “pode tudo”. Eis 0 espago empirico, que controla, através das relagdes de poder institucionais, o que pode e deve ser dito do espago discursivo no espaco virtual. Por isso, 0 espaco virtual a0 mesmo tempo em que abriga diferentes discursividades, cle préprio se constitui num espago de discursividade, mas nio sem a determinagio da pratica social. O espago virtual, como nos mostra Silva Sobrinho (201 1) no artigo que abre essa coletines’, “nio é uma descoberta publicado, por Isso, ainda sem referéncia completa. dagen bce tun de Aenbnagem: ete a nteragin ea Interlocucdo Tratase, no entanto, de um espago de discursividade com caracteristicas paras, com especificidades que nio esto presentes em praticas discursivay gat arontewem fora da rede. E 0 caso, por exemplo, da pritica discursiva csoular, Podemas pensar, assim, a EAD como um processo de virtualizagag Mas esse processo, pensado no ambito da teoria da escola/da universidade. dodiscurs nfo esti restrito a uma passagem do atual ao virtual como propés Lévy, Ele constitui-se na passagem do cmpirico para o discursivo — que nio se opdem, mas se complementam — inscrevendo-se num espaco préprio: o virtual, O espago discursivo, no entanto, nio sera o espaco para solucio de problemas, assim como 0 é 0 atual em Lévy, nem estara desvinculado do virtual ¢ do empirico, nio se opondo, pois, a cles. No processo de virtualizag3o, do modo como aqui o estou tomando, a passagem do empirico ao discursivo no ocorre de forma neutra, ¢ std atravessada por um novo modo de discursivizar, de se inscrever : as determinagdes sdcio-histéricas ¢ ideoldgicas no discursivo, qual sej decorrentes da emersio da rede na nossa sociedade. Por isso, volto a afirmar que o virtual no se constitui num terceiro espago, mas num espago proprio que se inscreve no entremeio do discursivo ¢ do empirico de forma propria, Pensemos no discurso pedagégico, por exemplo. A forma como cursivizam os seus dizeres, prias da formasio 0s sujeitos que constituem esse discurso dis tem como a forma como sio afetados por questdes pré social, é diferente se estamos somente no espago discursivo 0 ertinente afirmarmos que todos os discursos que pago discursivo também podem se E, nesse caso, talvez nao fizesse uu no espaco vinual, Assim, parece p se inscrevem/se materializam no es inscrever/se materializar no espaco virtual. sentido pensarmos no conceito de espago virtual. A rsivo que, por sua vez, esta afetado p res que s6 sio materializados no virtual, mbém como um lugar empirico discursos que podem se m caracteristicas contece que o virtual esthafetado pelo discu elo empirico. Além disso, hi, por um lado, dize: co qual pode ser entendido, nesse caso, tal que abriga esses dizeres, Por outro lado, esse muterializar tanto no discursivo quanto No virtual possue! réprias quando inscritos no virtual. Proprias q1 52+ Colegdo Letras Evandra Grigoletto A internet, enquanto acontecimento discursivo, segundo Gallo (2009), torna possivel novas discursividades, a partir de Formagées Discursivas dominantes em vigéncia. Entio, se a internet pode ser tomada como um espaco de emersao de acontecimentos discursivos, como afirmou Gallo, se cla tem provocado mudangas nas estruturas sociais — sentido esse que parece ja ter se sedimentado na socicdade — 0 espago virtual tem provocado efeitos no sé nas praticas sociais presentes no espago empirico, mas também nas praticas discursivas que constituem 0 espago discursivo, nio podendo, portanto, ser tomado como simples sinénimo do espaco discursivo. Ele se caracteriza pelo entrelagamento das praticas sociais ¢ discursivas, inscrevendo-se no entremeio do espaco empirico c discursivo, formando uma teia discursiva ndo-linear, saturada de links, nds, lacunas que supostamente possibilitam a deriva de sentidos para qualquer diregio. Supostamente porque, embora links, imagens ¢ outras materialidades presentes nas discursividades que circulam na rede, apontem sim para a deriva de sentidos, para outras possibilidades de leituras, os percursos de leitura e, por sua vez, dos sentidos sio direcionados, controlados. O espao virtual constitui-se assim num espago simbélico, marcado por contradigdes, por silenciamentos, por miiltiplas vozes (algumas anénimas, outras nio) que se (con)fundem numa trama de sentidos. Por isso, reitero as palavras de Lévy de que “a virtualizagao é sempre heterogénese, devir outro, proceso de acolhimento da alteridade.” (1996, p. 25) A partir do exposto sobre o espago virtual, gostaria, entio, de apresentar uma nova estrutura para o quadro que pensci em 2005. '5.A autora fez tal afirmac3o no trabalho apresentado no IV SEAD (Seminsrto de Estudos em And ‘em 2009. 0 texto completo ndo se encontra publicado nos anais do evento, sdnasn ns bets wembgeete BEaGS9€ 2 Interlocusio. paswon Quanro 2 oy Formacbes 7) Diferentes Meolégicas a materialidades nN \ t Relagdesde | Heterogeneldade Lugar discursive poder 5 Silenciamentos na| h & Insthuclonal fr” Contradigbes I Simbélico \\ alteridade Espaco |’ Lacunas Discursivo Links \ Lugar socal f Detiva de sentidos PosicSes-sujetto A Desteritorializagso77 4 Qe ee Observamos, nesse novo quadro, a caracterizagao desse espaco outro, o virtual, que se constitui como um espago intervalar, cujas fronteiras, representadas pelas flechas que nunca se fecham e remetem 4 ideia de movimento, sio reguladas tanto pelas caracteristicas do espaco empirico quanto pelas do espaco discursivo. O virtual abriga, portanto, em seu interior, os elementos descritos no quadro que apontam para a deriva de sentidos, para a desterritorializagao dos espagos-tempo. Tais sentidos, no entanto, sé séo possiveis de serem analisados se considerarmos adeterminacio tanto do empirico quanto do discursivo, j4 que o virtual se constitui no entremeio desses dois espacos. 5S4-Colegdo Letras Evondra Grigoletto O conccito de interagao: um breve percurso teérico Explicitado o modo como estou tomando o espaco virtual nesse trabalho iderando que os AVAs se materializam nesse espago, proponho-me a cons discutir nesse item a questao da interagio, ja que essa ¢ a nogio norteadora das anilises no proximo tépico. O conceito de interagao é dotado de bastante complexidade, nio so pelo uso genérico que sc faz hoje dele no ambito social de um modo geral, mas também pelo uso, muitas vezes indistinto, no ambito de diferentes perspectivas tedricas, em campos também diversos. Nio é minha intengio aqui fazer uma discussio cxaustiva do modo como o conceito de interagao é tomado no interior de cada uma das perspectivas tedricas em que ele circula. Tampouco hi espago para fazé-lo. No cntanto, you procurar, de forma muito breve, resgatar o surgimento desse termo e cleger algumas perspectivas tedricas, sobretudo no Ambito dos estudos da linguagem, para entender qual o sentido dominante de interagio que se inscreve nessas teorias. Como nos explicam Charaudeau & Maingueneau (2008), a interagio um conceito “némade”, tendo surgido primeiro no dominio das ciéncias da natureza e das ciéncias da vida. A partir da metade do século XX, foi adotado pelas ciéncias humanas para tratar das interagdes comunicativas, que envolviam nao sé as trocas conversacionais, mas também de outra ordem social, como “as transagoes financeiras, os jogos amorosos ¢ as lutas de boxe” (VION, 1992, p- 17, apud CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008). Mais especificamente na sociologia, Goffman (1973) trata da interagio face a face, definindo-a como a influéncia reciproca que os participantes exercem sobre suas ages respectivas quando esto em presenga fisica imediata uns dos outros; por uma interagio entende-se o conjunto da interagao que se produz em uma ocasiio qualquer, quando os membros de uum conjunto dado encontram-se em presenca continua uns dos outros; 0 termo ‘encontro’ também poderia ser adequado, (api CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 281) Colegao (0 decors acy Anbctes Vetus de Aprrndaagem: entre ainteragio e a interlocugio Essa definigio, como comentam Charaudcau & Mainguencau (2008), recobre as dois principais usos desse termo: a interagdo como processo de inluéncias mituas¢ também como o lugar onde se exercem jogos de acy ce reagies. Complementando esse comentario dos autores, destaco o fato Ue que esse conceito de interagdo supde sempre uma ago consciente dos particpantesenvolvidosno processo comunicacional. Acrescento ainda que Goffman & hoje um autor bastante utilizado na linguistica, sobretudo no campo da sociolinguistica interacional, cujo enfoque estd no fendmeno da interasio das faces. No final dos anos 70, P. Brown e S. Levinson, inspirados em Goffman, propuseram a teoria das faces para a qual todo individuo possui duas faces: uma negativa (espago de cada um) ¢ uma positiva (fachada social) aque sio sempre colocadas em jogo no processo comunicacional. Também na lingufstica, surge a chamada Lingufstica Interacionista’, que se baseia sobretudo na Andlise da Conversagio, mas também abrange cutras perspectivas tedricas, como a Anilise do Discurso ¢ a Lingiifstica da Enunciagio’, onde 0 conceito de interago é¢ amplamente discutido. No entanto, como sabemos, os campos da Andlise do Discurso e da Linguistica da Enunciagio sio marcados pela heterogeneidade e, dependendo da petspectiva tedrica e dos autores adotados, o modo como a interacio & tomada no interior desses campos também é diversa, ja que tais campos receberam influéncia de diferentes correntes filosdficas, como a teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein, a teoria dos atos de fala de Austin e Searle, a teoria do agir comunicacional de Habermas etc. Os trabalhos de Bakhtin, para quem “a interacio verbal constitui a realidade fundamental da lingua" (BAKHTIN, 2002, p. 123), também estimularam a discussio no interior desses campos. Sepa Oarasdeau Mainguenenu (2008), aingulsticainteraconista se propée a analisar as diversas formas eedsnssedalogade 2. Ale dessascomentes, 0 conceit de Interagdo também aparece em outras teorlas lingisticas, como é © 2 2 Agus da Unguagem, que tabaha com 0 conceto de interacionismo social a partir das hipéteses ‘rccnisaserteraconinas de aquiskto da linguagem, baseadas nos estudos de Vygotsky e Piaget. Ndo vou. roeraria me ntera essa conente nese trabalho, ‘56 Colegdo Letras Erondra Grigoletto Mais espccificamente, na Andlise do Discurso, segundo Charaudeau & Mainguencau (2008, p. 283), “a abordagem interacionista enfatizou a necessidade de privilegiar 0 discurso dialogado oral, tal como ele se realiza nas diversas situagdes da vida cotidiana, E, de fato, o que oferece o mais forte grau de interatividade”. Por isso, os autores entendem que a comunicagio “face a face” é a mais representativa dos mecanismos prdprios de interagio. De forma mais genérica, afirmam os autores, “os discursos sio, nessa perspectiva, concebidos como construgées coletivas, sendo que todos os seus componentes podem prestar-se 4 negociagao entre os interactantes” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 284). Portanto, de forma pouco distinta de Goffmann, essa corrente da Anilise do Discurso — que nio é a perspectiva tedrica adotada para o presente trabalho se inscreve — privilegia o discurso oral, que acontece na comunicagio face a face, supondo sempre negociagio, logo, agdo entre os falantes. Desse breve resgate, podemos constatar que o conceito de interagao é utilizado por diferentes perspectivas tedricas, nio raras vezes de mancira indistinta, o que aponta para um sentido dominante sobre interagao: toda agao de linguagem que envolve troca, sobretudo verbal c entre usuarios da lingua, é nomcada interagio. Com o avango das novas tecnologias ¢ o surgimento dos primeiros Ambientes Virtuais de Aprendizagem, esse termo passaa circular também, de maneira exaustiva, no sé na rede (leia-se aqui internet) mas tamb+ sobretudo através da escrita e de modo assincrono, isto é, nao se trata interlocugao simultanea na maio devendo. a (darn tects Virtua de Apveniagem: entre ainteragio¢ a interlocugio Autores que se dedicam ao estudo da EaD, normalmente, atribuem interagio esse papel primordial no processo de ensino-aprendizagem, mas nj refltem teoricamente, em suas pesquisas, sobre esse conceito. Michael Moore (1936), por exemplo, para desenvolver 0 conceito de “distancia transaciona)y (rlabespedagdgicaepsicolgicas que se estabelecem em EaD), aborda trig Spsdeinteraio:auno/ profesor, aluno/aluno caluno//conteido, Import, portanto, o grau de interag3o entre professores ¢ alunos ¢ o modo como a distincia sca & superada pelo uso das novas tecnologias. Ainda, segundo o professor Moran, professor da USP e assessor do Ministério da Educagdo para avaliagio de cursos a distancia, as tecnologias interativas vem evidenciando, na educagio a distincia, “o que deveria ser © cee de qualquer processo de educagio: a interag3o ¢ a interlocugio entre todos os envolvidos nesse processo” (2002), j4 que as NTICs (novas teenologias de informagio e comunicagio) oferecem possibilidades inéditas de interagio mediatizada (professor/aluno; estudante/estudante) e de interatividade com materiais de boa qualidade e grande variedade. As técnicas deinteragio mediatizad criadaspelasredes telemiticas (e-mail, listase grupos de discussio, webs, sites, fOruns, chats etc) apresentam grandes vantagens, pois permitem combinar a flexibilidade da interagio humana (com relagio a fixidez dos programas informiticos, por mais interativos que sejam) coma independéncia no tempo e no espago, sem perder velocidade. Assim, hoje, gTaqas aos avangos dessas novas tecnologias, a interagio entre professor ¢ aluno pode se dar de forma nao s6 assincrona, mas também de forma sincrona, ccorrendo uma maior flexibilizagao do espaco-tempo. Observamos que Moran mencionaa interagio ea interlocugo, mas nao distingue esses conceitos, tomando-os, portanto, como similares. Aparece também o termo interatividade que se refere & relago homem-maquina (cf. BELLONI, 1999), apontando para um outro tipo de interago: do usuario com O texto e outros materiais disponiveis na rede, O foco, no entanto, continua sendo aquestio da distincia fisica/presencial que é superada devido as novas possbilidades de interacio, possiveis gracas 4s novas tecnologias, sobretudoa internet. Assim, 0 sentido dominante que circula na EaD é que a internet veio 58 Colegdo Letras ErandeaGogoletto para preencher o que vinha sendo, historicamente, apontado como limitagio do modelo de EaD; a possibilidade de interagao. Para refletir um pouco sobre 0 conccito de interatividade, recorro a Lévy (1999), que aborda esse conccito de maneira problemitica. Segundo ele, “o termo “interatividade” cm geral ressalta a participacio ativa do bencficidrio de uma transagio de informagao”, j4 que um receptor de informagio nunca é passivo, mesmo sentado na frente de uma tclevisio sem controle remoto (LEVY, 1999, p. 79). Lévy apresenta uma série de exemplos de interatividade do usuario com diferentes canais, como por exemplo, o telefone, 0 videogame, mostrando que ha diferentes graus de interatividade nessas midias, que dependem, entre outras coisas, das possibilidades de apropriagao ¢ de personalizagao da mensagem recebida, da reciprocidade da comunicagio, da virtualidade, da implicagao da imagem dos participantes nas mensagens ¢ da telepresenga (LEVY, 1999, p. 82). Portanto, para Lévy, a interatividade também esta relacionada ao processo de comunicagao através de uma maquina, mas que requer a participagao ativa de um ou mais usuarios. No ambito desse trabalho, no entanto, nao vou trabalhar com a nogio de interatividade, diferenciando-a da nogao de interagio. Deslocando o meu olhar do sentido dominante que circula sobre interagio e inscrevendo-me na teoria da Anilise do Discurso, de linha pecheutiana, procuro desconstruir esse sentido naturalizado, elegendo a palavra interag3o para pensar esse movimento do sujeito com a maquina, j4 que ele exige mesm uma agao, que j4 é pré-programada, e que permite determin: exclui outras, Tal movimento supée uma relaggo do homem a qual, nas palavras de Bakhtin, nao pode ser dialdgica, j4 que 0 maquina, 0 computador. Aproximo, assim, a nogio de interag de interatividade problematizada acima. (0 dew os Artic Virts de Apernnager: ene a interagioe a interlocugion entre interlocutores", Assim, se o discurso & efeito de sentido entre os incrloutores, o movimento da linguagem enquanto trabalho (cf. Orlandi, produzido por esses sujcitos, ¢ 0 de interlocugao, E nesse movimento sim. hi dali, teora lngusticas que pensam a interago como um proceso consciente, que exige do sujeito determinadas ages, previamente planejadas, em fungio que joga com a producio de sentidos. Afasto-me, assim, de do seu interlocutor. Entendo a interlocugio como 0 movimento dos/entre os sujeitos (nio apenas dois) que se da na ordem do intersubjetivo. Intersubjetivo nio no sentido benvenistiano, que considera intersubjetividade como tinica condicio para a comunicacio humana, ou “como condigio humana inerente 4 Tinguagem” (FLORES ct al, 2009, p. 146). Mas intersubjetividade como 0 movimento que marca a relagio entre os sujitos do discurso, que nio esti representada pela relagio eu-tu, mas marcada por uma subjetividade da linguagem que assujeita 0 sujcito a determinadas coergdes e, por sua vez, a ocupar determinadas posigdes. Portanto, a subjetividade nio esti centrada no eu, como propunha Benveniste, mas ¢ constitutiva da linguagem. Considerando entio a subjetividade enquanto tal, incrente a todo e qualquer discurso, aintersubjtividade marca o modo como na relagGo com 0 outro (outro discurso, outro sujeito, outra voz, outro sentido), os interlocutores se subjetivam, Por isso, estou tomando aqui a interlocug0 como sendo um movimento da ordem do intersubjetivo, Indursky (1997), a0 analisar 0 discurso dos presidentes militares, propae a nogio de interlocugio discursiva, que apresenta dois nivel interlocugio enunciativa ea interlocugio discursiva, No nivel da interlocugio ‘enunciativa, estéo em jogo as relagdes de cardter interpessoal enquanto, no nivel da interlocugio discursiva, 0 que esté representado € 0 sujeito do discurso, “o que nio implica. presenga do interlocutor, nem sua representacio clara € objetiva’ (INDURSKY, 1997, p. 132). Assim, o que interessa A interlocuga0 discursiva ¢ 20 movimento de interlocugao da ordem do intersubjetivo, que teferi acima, nio sio os sujeitos empiticos, isto ¢, os locutores situados em determinados espacos-tempo, ocupando lugares sociais bem definidos, mas 60- Colegio Letras Erandra Gegoleto 0 modo como esses sujcitos se projetam/se representam discursivamente, © que nem sempre coincide com o lugar que eles ocupam na sociedade, embora sempre sofram determinagées desses lugares ao se identificarem com determinada Formagao Discursiva e sc inscreverem no fio do discurso. Indursky (op. cit, p. 134) explicita que os discursos que ela analisa (dos cinco presidentes militares) “nao correspondem a conversagics face-a- face de natureza interpessoal”, j4 que os presidentes, na maioria das vezes, ao proferirem seus discursos, nao se dirigem a um interlocutor especifico, mas a um interlocutor coletivo, que pode ser representado por diferentes grupos sociais: estudantes, militares, parlamentarcs da arena c muitos outros. Dada a caracteristica autoritaria do discurso presidencial, “no ha lugar para revezamento entre interlocutores” (INDURSKY, 1997, p. 136), mesmo no nivel da interlocugao enunciativa, na qual os interlocutores mantém-se fixados no mesmo lugar ao longo da alocucao presidencial. J, na interlocugio discursiva, essa representacao nao ocorre com tanta clareza, podendo o sujeito do discurso ¢ 0 outro se representarem de modo indcterminado, Trata-se, nas palavras de Indursky (1997, p. 137), de uma interlocuyao opacificada. Nesse nivel de interlocugio, “o sujcito do discurso, ao interpelar o outro, pouco definido e até ausente, instaura a cena discursiva que nao ¢ espacialmente determinada pelo espaso fisico’ em que a alocugao est ocorrendo nem pela presenga fisica do interlocutor” (op. cit, p. 137). Em outras palaras, na passagem da cena instaurada pela interlocugio discursiva, os locutores, né presidentes militares, passam a ser sujeitos do discurso, ocupa lugar pessoal, bem definido na estrutura social, mas um luga Nacena enunciativa, amudanga de locutor det no tempo daquele que esté habilitado a dizer: 8.05 grfos s40 da autora. angeanonc hens de pene: ene interan¢ainterlorugSo diccursiva o revezamento do locutor nao implica a mudanga de sujeito; quando muito, pode sinalizar transformagdes no modo com aque esteserelaciona com a forma-sujcito, o que no é um ato de vontade individual, mas é determinado pela conjuntura histérica «em que odiscurso se institu. Cabe ainda destacar queainterlocugio discursiva, embora nao mantenha tio hem definidos os interlocutores, 0 espago fisico ca situagao da alocugio comonainterlocusiocnunciatva, cla nfo ¢independente dessa, uma vez que eas caracteritcas da interlocugdo enunciativa determinam a inscrigio do sujeito do discurso na interlocugio discursiva. Estamos diante, portanto, de tum processo de dupla interlocugio, que ocorre de forma simultdnea. (modo como Indursky trabalhou esse processo de dupla interlocugio no funcionamento do discurso dos presidentes militares ajuda-nos a entender também o funcionamento da interlocugio nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem, Vejamos. Demancirageral, podemos dizer que também no discurso pedagégico que Grcula nos AVAs ocorre essa dupla interlocug3o, no entanto, de um modo um pouco diverso do discurso dos presidentes militares. No nivel da interlocugio enunciativa, ha revezamento entre os interlocutores, embora a conversgio nfo ocorraface-a-ace, jf que a interlocugao & mediada pelo computador. Em outras palavas,o locutor (seja 0 professor, 0 aluno ou 0 tutor), a0 produzir o seu discurso, dirige-se a um interlocutor previamente determinado, que pode ser qualquer um dlesses trés, ou os trés ao mesmo tempo, que representam lugares sdcio-historicamente construidos ¢ bem determinados no Ambito da cena cnunciativa. Importa destacar, ainda, que esses lugares socais podem ser ocupados por diferentes sujeitos empiricos (Ana, Pedro, Valéria, oto etc) que falam do lugar de aluno, de professor e/ cou de tutor. Considerando, entio, as intmeras possibilidades de diferentes individuos ocuparem esses lugares sociais, poderfamos pensar que 0 locutor dirige-se aum interlocutor coletivo como &.0 caso do discurso dos presidentes militares. No entanto, nio se trata de um interlocutor coletivo porque, nO 62- Coleco Letras Erandra Grigoletto Ambito de uma sala de aula virtual, o aluno sabe exatamente a qual professor, a qual tutor ¢ a qual colega, ou colegas, esta se dirigindo, e vice-versa. Retomando a discussio que empreendi no primeiro tépico desse artigo, poderiamos incluir no quadro do espago empirico a cena cnunciativa, instaurada pela interlocugao enunciativa. Se considcrarmos, no entanto, o espaco-tempo em que ocorre essa interlocugio, observamos que o proceso se complexifica, ja que o espago fisico nao esta marcado ¢ a interlocugio no ocorre, na maioria das vezes, de forma simultanca. Ou seja, essa interlocugao se inscreve no espago virtual, do modo como 0 caracterizei, mas sofrendo as determinagdes do espago empirico. Nao sc desvincula, portanto, do espago empirico, j& que ¢ nesse espago que os lugares sociais de professor ¢ aluno foram construidos ¢ sedimentados. E a interlocugao discursiva? Retomando uma definigio de Indursky (1997, p. 139) de que a interlocugao discursiva consiste “na interlocugio entre sujeitos de discursos dispersos cm espagos discursivos diferentes, afetados possivelmente por FD igualmente diversas”, poderiamos inscrevé-la no quadro do espago discursivo. Ou seja, ao se inscrever, num determinado discurso, afetado pelo 0 que pode e deve ser dito na FD com a qual sc identifica, 0 sujeito do discurso produz movimentos de (des)identificagio, de contra-identificagio com outros discursos, que circulam em outras FDs, em outros discursos, estabelecendo relagdes de intersubjetividade. Esse é o funcionamento que se dé no espago discursivo, que nio é independente do cmpirico, mas que, no caso dos AVAs, se inscreve num espaco préprio: o virtual. Diria, entio, dado o modo como caracterizei o espaco virtual, situando-o no entremcio do empirico e do discursivo, ¢ sendo afctado virtual, sendoa interlocuggo enunciativa mais afetada pelo ay empirico a interlocugio discursiva mais afetada pelo espago discursivo. Vale lembra ainda, que, entre o nivel da interlocugio enunciativa ¢ a discursiva, hd, no funcionamento desse discurso, a interagao do sujeito com a maquina, o que. ogee comp! centgo, como fiat Espago Empitico ce anbents tas Nexifica ainda mi ais oP ia o quad Quanro 3 bes 9) Diferentes vets ( - rateriadades 4 A poy 4 ‘ y felacbesde | Heterogeneidade poder fa Silenciamentos p.| | Contradigoes Simbélico VA Alteridade | Lacunas Links 3 Lugar socal Wy Cena enunciativa (9, | Deriva de sentidos } ‘\Desteritortalizagao Intetlocugéo enunciativa Interlocusao discursiva Apne: ce 3 tr30 iter rocesso de interlocucao nesse co, a dro ji apresentado, considerando esses a f ¥ {R\ Espaco Discursivo A * Vejam 04 Aspect. ‘tos, eee Posigdes-sujeito Cena discursiva L~ 4 Colesio Letras Evandra Grigoletto: Observando, entao, a nova configuragao do quadro, temos 0 acréscimo da cena enunciativa, tal como proposta por Indursky (1997), no espago empirico ¢ da cena discursiva, também tal como proposta por Indursky (1997), no espago discursive. No espago virtual, situamos as interlocugdes cnunciativa ¢ discursiva, sendo a primeira mais fortemente afetada pela cena enunciativa, situada no espago empirico, ¢ a segunda mais fortemente afetada pela cena discursiva, situada no espago discursivo, 0 que esta representado pelas flechas remetendo a ambas as diregdes. Cabe ressaltar que a op¢ao em situar o duplo movimento de interlocugao no espago virtual deve-se, nesse caso especifico, ao corpus que me propus a analisar neste trabalho. O funcionamento desse complexo processo de interlocugao estaré melhor explicitado no préximo item, nas andlises. Vamos a ele. Entre a interagao ea interlocugao: algumas anilises Elegi, para analisar o funcionamento do processo de interagio nos AVAs, o forum de uma atividade da disciplina de Leitura e Produgio de Textos Académicos, que compée a grade curricular do 2° perjodo do Curso de Licenciatura em Letras a distincia da UFPE (o E-Letras). Aatividade sugeria a leitura de um tépico do material conteudistico, mais um artigo do prof. Marcuschi, intitulado “Géneros textuais: definigdo e funcionalidade”. A partir dessas leituras, solicitava que os alunos fizessem uma lista com todos os textos lidos ¢/ou produzidos durante um dia de suas atividades rotinciras ¢, a seguir, apresentassem essa lista, classificand géneros ¢ tipos textuais desses textos, num férum de discussio, propunha-se, entdo, a nao ser apenas o espago para interlo alunos, professores ¢ o tutor da disciplina, mas também um espa postagem da atividade propriamente dita. 9.0 referido artigo ests publicado no livro DIONISIO, A: MACHADO. A. R: BEZERRA, MAA. (orgs). &ensino, Rilo de Janeiro: Lucerna, 2002 (2* Ed). Odes ne Anerze Vitra deApeendizagem: entre a interagio © a interlocugs0 Antes de passar, no entanto, 4 andlise propriamente dita, julgo importante apresentar a estrutura da sala de aula virtual para melhor nos stuarmos em relagio 3s condigées de produgio do corpus ora cm anilise, Abuivo, visulizamosa tela de entrada na sala de aula virtual, para a qual s6 possuem acesso, através de senha, os alunos da disciplina, 0 professor ¢ 0 no espago virtual, tutor, Trata-se, entio, de um discurso que se material masquenio éde dominio piblico e sofre determinagdes do espaco empirico, Os suetos que ai ocupam o lugar de alunos sio indlividuos empiricos, que estio matriculados na Universidade Federal de Pernambuco, em um Curso de Licenciatura em Letras a distancia, devidamente identificados com suas matriculas e CPFs, Assim, esse espago virtual nao esta livre das relagdes de poder institucionais ~ ¢ porque nao dizer da luta de classes — que se situam no espago empirico, mas também se constitui também no espago discursivo, ‘spaco que o discurso ¢ materializado. Por isso, retomando 0 jiqueé nesse que jiafirmamos no primeiro item deste artigo, o espago virtual materializa- se no entremeio dos espacos empirico e discursivo. E na passagem do empirico para o discursivo, inscrevendo-se no sirtual, que o individuo-aluno é interpelado ideologicamente, passando a sujeito do discurso, sem que se dé conta do seu assujeitamento. O mesmo ocorre com os individuos professor ¢ aluno. No entanto, ao trabalharmos com 0 discurso por cles produzidos, passaremos a trata-los como sujeitos do discurso, que ocupam determinadas posigdcs-sujeito, as quais nao estio lies das determinagdes desses lugares sociais a que acabamos de nos referi Passemos a observar, depois dessa breve explanagao, mais detalhadamente os elementos que compéem essa sala de aula virtual. 66- Colegdo Letras Temos, conforme nos mostra a tela acima, no menu 4 esquerda, um ink que dé acesso A lista de participantes do curso, por categorias (professor, tutor a distancia, tutor presencial, estudantes). Abaixo desse menu, alguns outros recursos utilizados para as atividades dos estudantes. Tais recursos, no entanto, so disponibilizados, efetivamente, como podemos visualizar, no centro da sala, logo abaixo do contetido da disciplina. O material didatico elaborado pelo professor é disponibilizado, na integra, logo no inicio da disciplina, em formato de hipertexto ¢ também cm PDF. As atividades que aparecem logo abaixo do contetido remetem, normalmente, a itens. especificos desse conteudo, As atividades sio disponibilizadas, basicam de duas formas: em féruns, ou base de dados, O forum é uma ferrams aberta que prevé a possibilidade de participagao de todos (alunos, tuto professor). J4, a base de dados é uma ferramenta utilizada para que cada mande o seu arquivo de forma individual, o qual sé poder ser visual pelos demais colegas apés a aprovagio do professor. Logo, nio prevé, no forum, a possibilidade de discussao entre os participantes. 0 dae Arbre Vetaan de Apeeaksagem:entze a interagio € a interlocugio Ainda na parte central da tela, acima do contetido c das atividades expecificas da disciplina, encontra-se, entre outros recursos, um cspaco especitico ‘chamado forum de interac entre o professor c o estudante, no qual poderio ser abertos quantos t6picos © professor ¢ o tutor julgarem nevessirios. Importante ressaltar que somente o professor ¢ 0 tutor possuem 6 perfil que permite a abertura de novos topicos de discussio, 0 que nos sjudaarelletr sobre ofuncionamento do discurso pedagégico nesse espago, bem como sobre a direcio dada aos sentidos. No menu i direita, hi o forum de noticias, no qual também sé professor ¢ tutor podem fazer postagens, normalmente, com informes ¢ orientagies sobre o andamento da disciplina. A partir dessa descrigio das caracteristicas da sala de aula virtual, chama-nos ji a atengio a questio dos espacos previstos para a “interagao” ¢ a autorizagio dos perfis para a execugio ou nio de determinadas ages. Em outraspalavras, as relages de forca institucionais intervém no processo de adminstragio do que pode e deve ser dito na sala de aula, mesmo no espaco virtual, corroborando a construgio de uma imagem, jé sedimentada socialmente, do lugar de professor ¢ aluno, em que o professor é quem tem o controle sobre o discurso, é quem sabe, ¢ o aluno é quem esta ali na condicio de aprendiz, devendo responder, agir conforme as determinagées do professor. Produz-se, assim, no espaco da sala de aula virtual, a posiga0 de incluidos ¢ excluidos, Ao entrarmos no férum da atividade 1 — nosso objeto de andlise — sisualizamos, conforme a tela abaixo, de imediato, as orientagdes da professora da tutora aos alunos para a realizacao da atividade, j4 que clas sio 0s sujeitos autorizados socialmente a produzir tal discurso. Nao poderia, nem os alunés esperariam, portanto, que fosse diferente. Observamos que, tanto na postagem da professora quanto da tutora, aparece a palavra intera¢io, Vejamos: 1) “... nao esquecendo de interagir 68 - Colegio Letras Erandra Grigoletts conosco (M'¢ cu) ¢ também com seus colegas” (postagem da professora abrindo a atividade); 2)“fiz as primciras orientagdes sobre esta atividade em meu forum (INTERACAO COM A PROF. M.)” (postagem da tutora, fazendo mengio a um outro espaco, o tépico INTERAGAO COM A PROF. M), disponivel no férum de interasao entre o professor eo estudante. Sn rire eee ese | Nesses dois usos, assim como no férum especifico que se intitula interagéio entre o professor e 0 estudante, 0 termo interagio nao produz o efcito de sentido de uma agao, exigindo uma resposta imediata do interlocutor, nessc caso o aluno, como poderia ocorrer numa conversagio face-a-face. No entanto, por mais que também designada de professora, Esclareco ainda que todas as falas (postagens) utiizadas neste. devidamente autorizadas pelos seus autores, apés aprovacso do comité de ética da UFPE do pi escrita, sujlto: Interfaces nos/dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem’ Qaeuw nee AnbentVirtst de Aprendizagem: entre a interasio € a interlocugo doempirico, ou scja, da interlocuczo no nivel enunciativo. Temos, portanto, duas alocugses tutora - dirigindo-se aos mesmos interlocutores — os alunos da ja referida dis um inico sujeito do discurso, ocupando uma mesma posigao-sujeito: a de professor. Afetado pelo inconsciente ¢ assujeitado/determinado pelo lugar social de professor, materializa o scu discurso no espago virtual, repctindo, » produzidas por dois locutores diferentes — a professora ca iplina, Mas, ao passarmos para o nivel da interlocugdo discursiva, temos sem se dar conta, a palavra interagdo, como se 0 seu sentido fosse dbvio, qual scjp: interagir ¢ discutir, problematizar, debater, dialogar, comentar, postar dividas, construir colctivamente 0 conhecimento. Ou seja, assumindo a posigio de professor, o sujito do discurso no se identifica como uma nogio deinteragio que se di no didlogo face-a-face, nem que é produzida somente por dois interlocutores. Afetado pelo inconsciente, cle possui a ilusio de controle do sentido, supondo que é esse o efcito de sentido produzido quando sevuiliza da palavrainteraydo, A comprovacio de que esse ¢ 0 efeito de sentido produzido pelo discurso do professor é que, ao debrugamo-nos sobre o corpus ora em andlise, abservamos que é recorrente 0 uso de termos que formam uma familia parafristica ¢ remetem a uma mesma matriz de sentido sobre interagao. Termos como reflerdo, debater/debate, pensar, participar, didlogo, discussao, comentarios estio presentes ao longo dessa atividade ¢ sao recorrentes nas postagens da tutora e da professora. Tal familia parafrdstica aponta para um efcito de sentido como sendo o dominante quando o assunto ¢ interac resposta, no processo de interlocugao, nao ¢ imediata nem automatica. Exige do interlocutor a inscri¢io num movimento da ordem do intersubjetivo. No entanto, embora emirja do discurso da professora e da tutora esse efeito de sentido em relacio dinteracSo, ao analisarmos o funcionamento dos processos discursivos, observamos que esse movimento projetado pela posigao-sujeito professor zo sujeito-aluno néo é, na verdade, o de interagao (pelo menos nio do modo como estou tomando nessc trabalho), mas sim o de interlocugao. Observamos entio que 0 sujeito do discurso, nesse caso o professor, ¢ “traido” pela propria lingua, pela evidéncia de sentido, j4 que designa esse 70- Colegdo Letras Evandra Grigoletto movimento como intera¢ao c nao como interlocugio. Isso se explica, no meu entendimento, pclo funcionamento ideolégico, que sedimenta determinados sentidos em dctrimentos de outros, assujcitando os sujeitos do discurso a fazer determinados usos de palavras, sem que sc déem conta dos efeitos de sentido produzidos por esse uso. Hi, como jé mencionei no item 2 deste artigo, um processo de naturalizagao de sentido da palavra interagio na EaD, que remete a uma certa banalizagio do termo, sendo utilizado para designar qualquer coisa que suponha troca, sem uma preocupagio maior das implicagées tedricas de tal banalizagio. Vou tomar a interacio, no ambito dessa anilise, como jé referi, para designar 0 movimento do sujeito com a maquina. Assim, no forum dessa atividade, a interagdo esta presente a cada vez que o aluno, o professor, ou 0 tutor clicam em um dos botdes disponiveis: editar, apagar, responder. Essa é uma ago automitica do sujeito, previamente programada pela miiquina, que ndo da margem para outros sentidos, que nao abre para o dialogismo; o sentido é uno, ja esta dado. No entanto, no caso do discurso em anilisc, esse clique ¢ imprescindivel para que haja produgio de discurso, antecipando © processo de interlocugao, que & 0 espaco onde efetivamente 0 sujcito se subjetiva. Entio, no discurso em anilise, a interagio é sempre prévia A interlocugao. Trata-se de dois processos distintos mas que se complementam, que se interpenctram. Em relacio ao processo de interlocugio, ele ocorre nos dois niv cnunciativo ¢ o discursivo. No nivel enunciativo, tanto o professor, quanto 0 tutor c os alunos podem assumir o papel de locutores, havendo, portanto, de modo diferente do discurso presidencial analisado por Indursky, revezamento entre os interlocutores, Podemos, dizer, entdo, que temos muitos locutores no Boy a distancia, pelo viés de uma maquina, Portanto, esse nivel de! conforme explicitei no quadro 3 do item anterior, se situa no ¢s Odewer ne Aner Vitti de Apeendagem: ene a interac e a Interlocugio estando fortemente determinado pela cena enunciativa que sc situa no espaco anpirio, No nivel discursivo, nfo temos mais o papel dos locutores bem murcados ¢ nomeados, mas duas posigScs-sujcito distintas em funcionamento ~ posigio-sujeito professor e a posi sujeito aluno — sendo que a primeira 9 pode ser ocupada pela professora ou tutora ¢ a segunda pelos alunos da dixiplina. Como no nivel enunciativo, esse nivel também se inscreve no espaco virtual, mas estando mais fortemente marcado pelo espago discursivo. Para concluir essa andlise, vou me deter um pouco mais no proceso da interlocugio discursiva, procurando verificar como se da o grau de reversibilidade, ou melhor, de intersubjetividade entre o sujeito do discurso ¢ 0. outro, O outro, no caso do discurso cm anilisc, nao ¢ indeterminado, ausente como no dliscurso dos presidentes militares, analisado por Indursky (1997), O outro, mesmo no processo de interlocugio discursiva, nao é, na maioria das vezes opacificado, mas presente, determinado sempre pelo seu interlocutor, que é, ou professor ou o aluno, dependendo de quem produz aalocugio, Evidentemente, a alocugdo produzida nao é homogénea, ja que outros dizeres, outros discursos esto sempre atravessando o discurso do profesor ¢/ou do aluno, No entanto, no hé um mascaramento, como no casodo discurso dos presidentes militares, de a quem se dirige a interlocugao. Vejamos alguns exemplos da professora e/ou tutora, enunciando da posicio sujeito-professor: Carefo)scluno(s, 014, cursin@s! Prezados alunos, (4 ocorréncias) Peseal (2 ecorténcias) Além dessesvocativos, com os quais, ocupando a posigao de professor, 6 sujito do discurso, determinado/identificado com a FD académico- peda, dirgescaosalunos, aparecem, também muitos verbos, pronomes ¢ questonamentos que produzem um movimento de interpelagao do aluno, ma tenuativa de indlut-o, aproximé-lo do discurso do professor, de modo que o discurso do auno também se inscreva na FD académico-pedagégica. 72. Colegdo Letras Evandra Grigoletto Vejamos outros exemplos: Anotem numa lista...; Entenderam? Poste aqui as suas duvidas. Nao se esquegam...; Comecemos nossa discussio...; Aguardo as respostas 4s perguntas que fiz a J.!!!; Aguardem!!! Lembro-lhes de que... ...entrem frequentemente neste ambiente ¢ Jeiam os comentarios feitos para todos os alunos, Chama-nos a atengao, no uso dos vocativos para se referir aos alunos, a oscilagao entre escolhas lexicais mais formais ¢ mais coloquiais, predominando o uso de Prezados alunos, utilizado sobretudo para anunciar as orientagdes ¢ corregées da atividade. Por outro lado, 0 uso da expressio pessoal ocorre quando a professora dirige-se aos alunos numa tentativa de aproximagio maior, chamando-os para o debate, lembrando-lhes sobre prazos etc. Trata- se de movimentos que, por um lado, buscam superar a distincia produzida pela interferéncia da maquina e, por outro, apontam para um cfeito ainda maior desse distanciamento (prezados alunos). Esses modos do sujeito-professor relacionar-se com os sujeitos-aluno é determinado pela prépria FD em que se inscreve o seu discurso, a qual é regulada no/pclo espago virtual, que, por sua vez, carrega tragos tanto do espaco empirico como do discursivo. No segundo grupo de exemplos, observamos que ¢ dominante o uso de verbos no imperativo, o que aponta para o cardter autoritario, trago incrente ao discurso pedagégico. No entanto, ainda que autoritarias, cssas marcas linguisticas apontam para a abertura, ou melhor, para a possibilidade de reversibilidade no discurso pedagégico. O aluno é chamado, instigado, incentivado a participar. E a condigio para que ele ocupe a posicao de aluno € que ele responda a esse chamado, o que cle faz, na grande maioria das vezes, postando a resposta da atividade. Ao fazer tal movimento, produz © seu discurso para o professor, imaginando que a resposta dada é a que © professor espera dele. Prova disso é que 90% das postagens no forum , em todo o forum, somente 2 (duas) postagens em que os alunos dirigem-se diretamente: 4 professora para fazer questionamentos, ¢ 4(quatro) com comentérios de alunos sobre a disciplina, sendo um desses comentirios dirigido diretamente analisado é composto de respostas dos alunos a atividade. Ha as professoras, e os outros trés, sem um interlocutor definido, dirigem-se Colecao Letras ~

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