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: by 3 NASPEIRAS @ 2 COMMARIANA | So 2 MORTAGUA GUIA 3 DARENTREE ° MEMORIA CULTURAL g HISTORIAS 5 DOS CANDIDATOS (We 4 i A PRESIDENTE e © ENTREVISTA EXCLUSIVA CHRISTIAN LOUBO “E preciso manter a beleza e a integridade dos sitios sem ceder ao turismo” Oalerta do designer de moda francés, que escotheu Portugal para uma das suas moradas. Os projetos para proteger Melides, as criticas aos grandes empreendimentos turisticos e a defesa dos artesdos portugueses TUTORIAL APRENDA A TIRAR TODO O PARTIDO DA APP NI AS NOTICIAS DO DIA BIBLIOTECA DE REVISTAS Aceda a VISAO online Ao ser assinante da VISAO pode aceder através do ment inicial a todo o arquivo de edigées digitais da revista. e explore as tiltimas Em cima, a edigao mais recente, dispontvel histérias e opinides em primeira-méao a partir das 18h de quarta-feira (Gisioomne XJ Envie-nos os seus comentérios FAQ Termos e condighes Politica de Privacidade Definigdes Suplementos Edigdes Tansferidas AAs suas marcagées Pesquisa © DUAS OPGOES Arco DE LEITURA DA REVISTA Pode escolher como prefere ler ‘Aevluc forcada com primazia ara o grafismo, ou para uma leitura mais confortavel do texto CLIQUE PARA ABRIR FORMATO DE TEXTO Para leitura mais confortavel dos artigos ou caixas completos, basta carregar. 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Nioé. 8 Holofote Umerev,o novo senhor da guerra . 20 Ralo-X (Cidalesinvadlias pelo turismo, 21 Periscépio Entrada a pésjuntos...23, Préximos capitulos 0 faturo priximo a AntoeUTOPA on 24 Fotos com Histéria 1956: 0 ret EW ...-.28 Transigoes Ab-Fayed, o magnata smal-aado 30 Na primeira pessoa ‘Testemunhas de Jeors" 32 Imagens Nasasas do vento, ...34 FOCAR As contradigfes de Lula ae 80 A2regras de ‘comportamento online 86 Interdit areproduic, mesmo parcial de textos, {otogrfios ou itstracboe Inclusive comorciale ONLINE Uttimos: artigos no site da ‘visho VISAO 07 SETEMBRO 2023 — N° 1592 Hist6rias escondidas das candidaturas a Belém. 6 (Com wirios candidatos jt a posicionarem-se nas presidenciais le 2026, (0 que justifica tanta antecipagio? As manobras de bastidores, as estratégias€ of episddios ocultos de outras candidaturas no passado “O turismo tem de ser muito, muito bem equilibrado” se Cristian Loaboutis conheceu a Corsports nos anos 80 e, na ultima dlcada,descobria um paraiso chamado Metis, onde xe xox. Entrevista exclusiva ao flere designer francés Os trabathos de Costa “a Com o Pais a viver uma onda de protestos na Educacio, Satie e Jusica, © Governo, debaixo de otho do Presidente da Republica, tem tarefas lungentes a executar ~ desde o pacote Mais Habitacdo a0 Programa de Recuperacio ¢ Resiliéncia Os 100 dias de Mariana Mortagua oe © Bloco de Esquerda faz a rentrée politica numa altura em que a atual coordenadora acaba de completar 100 dias de mandato, © que mado? Elas querem reformar a Unido Europeia rn Entrevistasa Anna Lahrmann ea Laurence Boone, secretris de Estado paraa Europa ¢ Clima ede Assuntos Europeus, respetivamente Quatro décadas de VIH em Portugal ™ Do medo do desconhecido no passado a remissio do virus da sida possivel no presente, histérias de silencio e de esperanca www.visao.pt Sérgio Dias Luis Deigado ‘PINKO @ LUNHAS DRRETAS Exereicio fisico O sucesso do PR an re “a VISAO SETE Rentrée cultural (O que Vem af ann. 80 Exposigdes: Centendirio de Fernando Tivora, nna Casa dos 24... 102 Livros: Ensaios fem portugués..-.-.-108 Vinhos Seis brancos portugueses, or Julia Harding... 104 ‘TV: Mafakda, ‘odocumentitio......108 Gosto dos Outros: Maria Jodo de Akmeida..... 1 ‘OPINIAO Dulce Maria Cardoso Spexiste um problema filosifico verdadeiramente importante 0 Rul Tavares Guedes Bamba-rdégio 10 eR a 2 Pedro Marques Lopes OPSD e Pato Pedroso. wits Bernardo Pires de Lima Rigidez, integracio, ‘Trump, colisio 28 Joana Marques APME Lier sda Mae Kikas. m4 ‘Adio Carvalho BOLSA DE ESPECALISTAS. Desercio no Ministério ‘la Jstiga thako siaa'vue —— LINHA DIRETA Mexa esse cérebro! chi recoragies antigas que sio ativadas por um ‘odor ou um som, como por vezes acontece, tam. bem ha emogées mais ativadoras da memoria a ralva ou menos a tristeza). Mas, cwidado: “Quando as emogSes so muito ativadoras, recordamos os detalles ‘entraise esquecemos os periféricos. H como se passasse a.usarpalas processo apenas tuma parte ¢ o resto fica mais dliaido’,explica Pedro Albuquerque, professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho. ste & um excerto do artigo Como Nascem e Morrem as -Memerias, que conduz ao fascinante mundo das lembran- ‘as. Um trabalho que integra um grande dossier, com mais de 50 paginas, sobre o nosso oérebro e que faz a capa da ‘VISAO Satide de agosto-setembro, ji nas banca. Falamos das tltimas descobertas da neurociénca, para se ter um cérebmo digi e saudavel, com seis mandamentos ‘que dependem exclusivamente de nds ¢ do nosso estilo de vida. Exercitar a mente é um deles ¢, nesta edicio, encon ‘rari bons exercicios para comecar. Nesta viagem ao mais misterinso dos Grgios, explora ‘mos a questio da origem da inteligéncia (rerlada ou ad. «quirida?) e formas de deservolvé-la, damos conta dos avan {0s no tratamento das principais doengas, como emaqueca, AVC, Alzheimer ou Parkinson, Quisemos também saber ‘como funciona a quimica cerebral, que nos leva aestados dle paixio ¢ de adrenalina, Além do dossier sobre o cére ‘bro, hd ainda para explorar temas como as cirurgias para a ‘obesidade, pais cuidaclores de filhos com doencas crénicas ‘ou raras, €0 que de mais tecnologicamente avancado se faz «se usa no Hospital de So Jodo, no Porto, wasvamoe VISAO na lideranca ‘AVISAO marteve, no primeiro semestre, alideranga como ‘newsmagazine com maior circulago paga. segundo 08 Uitimos dados da Subscreva as nossas newsletters Amelhor informagto, gratultamente, na sua ‘calxa do correlo. www.visbo.pt ANTEVISAO VISAO SETE vISAO PLUS VISAO VERDE ESCRITORES Casas-museu de 15 autores portugueses VERDE ‘Aeneigia do futuro Courrier: 4 Média de circulacto total ‘paga (banca e digital), janciro ‘@junho de 2023 4 visney scrcwono 202: Associago Portuguesa para 0 Controle de Tiragem € Circulagiio (APCT). Muita, AGUA desta lideranca se deve {08 noss0s leltores mais fidis, 08 assinartes, a quem agradecemos a confienga. tecklar Preservar, economizar, ~ CORREIO DO LEITOR SAC OLA ay mt MPM Seas mdquinas nos tiram os empregos, entdo que paguem também os nossos impostos. Isso é que seria inteligente ~ Atvaro Siva Lisboa MONUMENTAL, Um menumento de informaco 4 V1590 ¢ para guardar! Desde ‘importante documento sobre a consciéncia, sofrimenta, defe- ‘sae “revolta’ animal ao infor- rmativo confronto entre o am- bientee a Natureza (sobreiros versus fotovoltaicas), passando pela situacao atual do resst ‘mento da narisma criminaso @ ainda do “anarcocapitalsta” xendfobo e poputsta “minarcat bbruxo. que pretende presidir a Argentina = Salustiano Fernandes Vio Rea! HABITAGKO Felizmente ja hd varios muni- cipios que deitaram mBos & ‘obra, no que se refere 8 rea biltagso de edificios piblicos degradados ou devolutos, vi ssando coloct-los no mercado 4 pregos compativeis com os rendimentos de quem prect- ssa de casa, Oxald outros (a ‘comegar por Lisboa e Porto) sigam 0 exemplo = Joub Maria Ferrera da Silva Enteoncamento ¥ Contactos Visso@vissopt ‘As cartas dever ter um maximo de 60 palavras e conter nome, morads e telefone.A revista roserva-se o direito 0 soleclonar 08 trechos que Considerar mals importantes. vy Morada CORREIO: Av. Jacques Delors, Edifcio Inovagao 31 Espago 1 BIV/512, 2740-122 Porto Sao ANEWSMAGAZINEMAISLIOADO PAIS a7 www.visAorT VISAQ, 3 § g ‘e i Imagine um mundo sem informacaéo Num mundo cada vez mais polarizado, a informagio independente, rigorosa e de conflanga é essencial para a defesa da democracia. Ao assinar, est a ajudar no combate pela verdade e pela construgio de uma sociedade aberta ¢ informada. ssine, ¢ apole o jornalismo de qualidade. Porque ¢ preciso ter VIS Precisamos de APROVEITE OS BENEFICIOS FISCAIS E RECUPERE PARTE DO IVA DA SUA ASSINATURA Aceda a loja.trustinnews.pt ou ligue 21870 50 50 Como melhorar Portugal? Nos 30 anos, a VISAO promove a rubrica multimédia “Ideias com VISAO”. Sao 30 semanas, 30 visiondrios, 30 ideias para fazer agora. Da Ciéncia a sade, das artes ao humor, das empresas ao ambiente, figuras de referéncia nas mais variadas dreas dao os seus contributos para pensar um Portugal melhor. Semanalmente em papel e também em video no nosso site, ao qual pode aceder atrav do QR Code ‘oR cove PARAO VIDEO Joao Maria Jonet Consultor politico “Proponho uma reforma do sistema politico, com voto aos 16 anos” ‘A minha ideia € 0 voto passar para os 16 anos, como parte de uma grande revolucio na participacio civica, O voto 20s 16 anos ¢ uma forma fundamental de trazer, o mais rapido possivel, os jovens para a politica. A democracia é um habito, que deve ganhar-se cedo e num ambiente de proximidade com instituicdes, como a escola ea familia, ¢ aos 18 anos muitas vezes isso no acontece £ uma proposta ja experimentada em virios paises europeus, aplicada na Escdcia com grande sucesso, no referendo da independéncia em 20M, na Austria, e que tem trazido mais participagio jovem € consolidada também no futuro. Por que razo isto € importante? Porque, tal como a reforma do funcio. namento interno dos partidos, que devia incluira sua abertura as prim rias, ea reforma do financiamento dos partidos, que devia tentar evitar a interferéncia excessiva de grandes grupos econdmicos no funcionamento interno dos partidos, bem como a reforma do sistema eleitoral, que de via deixar de deitar para o lixo os votos do Interior, com um sistema de circulo nacional de compensagio ¢ no circulos que acabem por forvar © voto util, o voto aos 16 ¢ uma maneira de as pessoas sentirem que 0 seu voto € desde cedo importante ¢ que nao € menorizado, Esta é uma idade em que os jovens ji tém consciéncia politica, tanta ou mais do que na outra ponta do espectro etirio, Num momento em que corremos 0 risco de ter regimes gerontocriticos, em que os mais velhos concentram emsi todo o poder eleitoral, porque vio ser a fatia mais sobrer tada do eleitorado, era bom ter este contrabalanco de popul jovens, para assim garantir decisdes menos centradas s6 no presente € mais no impacto futuro das politicas publicas. E facil de implementar se existir vontade politica e se no existir infantilizacdo destes eleitores. SKODA Let’s Explore AUTOBIOGRAFIA NAO AUTORIZADA Aqui em casa, todos adoramos a Lulu. Megre e veloz, dav saltos que desengon Meiga e inteligente, fazia quase tudo o que Ihe pediamos So existe um problema filosdfico verdadeiramente importante ‘ou, todos os dias, a casa nova regar as flores ¢as drvores que plantei, As obras ainda vio demorar, mas nao quis que 0 Jardim esperasse, Nao me inco- moda a meia hora de carro para cada lado. Muitas vezes, a minha mie vai comigo. Fica sentada porque ja ndo tem forgas para me ajudar, Aconteceu assim, também, no pri- meiro dia da historia que agora vos conto. Até hd pouco, a Albertina, a mie do Luis, estava num lar perto da casa nova, Apesar da degradacio da casa nova, o Luis impro: vvisara no primeiro andar um quarto ¢ um escritorio, para Ihe ser mais facil ir ter com a mie trés vezes ao dia e colocar-Ihe gotas no olho esquerdo que tarda em recuperar da operagio a uma catarata. Ninguém no lar conseguia asseguraro tratamento, mas © oftalmologista que operou a Albertina em fevereiro continuava a acreditar ~ continua a acreditar, ainda ~ que, apesar de ela estar quase cega, parte da visio pode ainda ser recuperada. [0 Luts no desiste. No tal dia, o Luis despediu-se de mim e da minha mie para ir colocar as gotas a AL bertina. Do jardim, pude vé-lo caminhar em direcio ao edificio grande do lar, Se tudo corresse como habitualmente, eu. jd me teria ido embora quando ele regressasse, Mas vendo que as minhocas andavam a comer as folhas tenras das roseiras, decidi prote- ‘gé-las pondo um circulo de cinza em redor de cada pé. Jd dentro do carro com a minha mie a0 meu lado, estranhei que 0 Luis no tivesse voltado e liguei-the, Estou mesmo a chegar, nio te vis embora, pediu-me. Anoitecia. Nos dois cones de luz criados pdos fardis do carro, o Luis aproximou-se, encaminhando um cio grande ¢ preto pela coleira Olar em que a Albertina estava tem um. patio amplo, Para sair do edificio, o Lui tinha de atravessar o paitio e tocar a uma campainha junto do portio. Ao final do dia, sem ninguem na recegio do lar, demora- ‘vam sempre a abri-lo, O desenho ea cor do sgraceamento alto nao conseguiam disfargar © ambiente prisional. O Luis estava preocu- pado. No dia seguinte, mudaria a mie para tum lar em Lisboa onde garantiam a colo- cagio das gotas, mas temia que ela reagisse ‘mal. Foi ainda do lado de dentro do porto que 0 Luis vito cdo sozinho e erratico. Assobiou, querendo que ee se aproximasse O cio hesitou, mas acabou por se afastar. Talvez pertencesse a uma familia dali e ¢s- tivesse a passear sozinho, No curto trajeto entre o lare a casa nova, o cio reaparecet, A lingua pendurada como se jd nao tives~ se lugar no corpo arfante, uma docilidade prudente, a suplicar, o pelo sujfssimo de quem anda hi varios dias por campos € estradas, 0 medo dos carros que passavam, a coleira sem qualquer identificagio, uma coleira robusta e grossa, feita para durar Niio havia dlivida de que estava perdido ou fora abandonado. Demos-Ihe dgua, Deixou que Ihe fizés- semos festas, abanou a cauda. Manteve-se de pé, sem se sentar nem deitar. Fui levar a minha mie a casa e voltei com racio. As estrelas reacendidas no seu brilho campestre, 0 Luis ¢ eu sentados no nés do chio da casa amachucada pelo tempo, um suspiro de engolir o mundo quando 0 cio finalmente se deitou, exaust, saciado, con- fiante. S6 ento nos apercebemos de que afinal era uma cadela Dalia dias, demos- the o nome de Lulu. ‘Na manha seguinte, o Luis levou a Lulu ao veterinario para que a familia a que ela pertencia fosse avisada de que a tinhamos encontrado, Nio foi detetado nenhum mi crochip e ela no pode ser idlentificada, Para alem disso, ninguém respondera as publi cages que descobrimos na pagina Animais perdidos em Sintra de ha trés e quatro dias fem que a Lulu fora vista e fotografada por duas pessoas, em locais diferentes, Pusemios outro antincio, perguntimos nas redon- dezas sea conheciam, Nada, Como o Luis precisava de mudar a mie de lar, combina ‘mos que eu trataria da Lulu, Quando, no final do ano passado, a Albertina se mudou para aquele lar per- to da casa nova, insistia, Nao posso ficar aqui, quanto € que isto vai custar? As boas instalaces ¢ a simpatia dos funciondrios faziam-na crer que estava num hotel. A ADSE paga tudo, mentia o Luis, tentando sossegi-la. Algum tempo depois, a Alber- tina convenceu-se de que estava na escola ¢ ficou tranquila, Foi professora do ensino usegoor emaNoMTERD rimdirio durante quarenta anos € gabava- se de nunca ter faltado um dia ao trabalho. Perdida entre passado e presente, reencon. trou-se, feliz, na escola ‘Aqui em casa, todos adorémos a Lulu, Alegre e veloz, dava saltos que a desengon- ‘cavam, Meiga e inteligente, fazia quase tudo ‘0 que the pediamos. Habituei-me rapida mente aos seus esfuziantes cumprimentos matinais, O Pedro levava-aao parque € relatava, orgulhoso, a sua sociabilidade com (08 outros cies ¢ pessoas. O Tomas pedit- =me para que eu ficasse com a Lulu, Os antincios continuaram sem resposta Passou uma semana, O Luis e eu levimos a Lulu novamente ao veterindrio para a vai nar e desparasitar, Enquanto estivamos na sala de espera, o Luis recebeu uma men- sagem do novo lara dizer que a Alberti- na ainda estava muito agitada e que seria melhor reforgar a medicacio. Entrimos no consult6rio, o veterinario voltowa pasar 0 detetor, Afinal tem chip. ‘A.Lulu chama-se Jersei e pertence a ‘uma familia ucraniana que esta a viver em Portugal ha sete anos. Encontrimo-nos ‘com o Yaroslav na Casa da Guia, Depois de aJersei ter corrido para 0 abrago agachado do Yaroslav, fomos os quatro, ele, a Jersei, 0 Lis ¢ ew até & sua carrinha, a Lulu num trote ‘mimado. Com um salto ginasticado, entrow na carrinha assim que o Yareslav lhe abrit porta. Ao aperceber-se de que 0 Luts € eu ficimos de fora, colow-se ao vidto traseiro, A carrinha afastou-se e a Lulu ficou a fixar-nos para sempre num olhar incompreensivel ‘Ontem, o Luis enviou-me um video da Albertina a dancar com duas risonhas funciondrias negras, elas novas e cheias de ritmo, a Albertina cambaleante ¢ aparen temente feliz, De quando em quando, em reunides de amigos ou de familiares, o Luis diz que precisamos de uma nova teligio, uma nova forma de nos religarmos. Acte~ dita que nio é pela razdo que o Bem nos ‘contagia, No inicio de um texto, intitulado Por termos razdo, onde vai rascunhando 0 ‘chamamento dessa nova religiio, escreveu, 6 existe um problema filosofico verdadei- ramente importante: a dependéncia, E cu, ‘que dele dependo, que sei que ele de mim depende, concordo, Mvswovsiest De quando de amigos ou de familiares, 0 Luis diz que precisamos de uma nova religia uma nov forma de nos religarmos Pacremono vez wise 12 EDITORIAL Rui Tavares Guedes A revalorizagao da carreira docente deveria ser uma prioridade curopeia, € Oassunto, pela sua enci merecia estar no topo dos debates das proximas eleigdes curopel 32 wade 7 scremono 2029 Bomba-relogio no ensino alarme soa com cada vez maior intensidade, de ano para ano, mas nio hia certeza de que alguém o esteja verdadeiramen. te aescutar. E, muito menos, a fazer 0 que é preciso para que ele deixe de tocar em cada regresso as aulas, um pouco por todo o mundo: ha falta de professores em intimeros paises, quase todos os gover- nos veem-se em enormes dificuldades para conseguir ter um docente em cada turma,em todos os horirios. AA situacio ¢ transversal, tanto a paises ri- cos como a paises pobres, a todos os conti- nentes, ¢ € ndependente até da cor politica de cada governo. F, tal como aconteceu com as alteragdes cimaiticas — que muitos achavam que seriam sempre para o dia de depois de amanha..-, também esta situacio alarman- te foi prevista pelos especialistas, tendo em. contaos sinais que comecavam a ser perceti- veis para quem quisesse olhar para eles com a devida atencao. Desde 2016, pelo menos, que nos seus sucessivos relatorios anuais 0 Consetho Na- ‘onal de Educacio tem chamado a atencio para o envelhecimento do corpo docente e, pior ainda, para a dificuldade de o substitur, tendo em contaa desvalorizagao social da profiso ~ ¢ jd sabemas que nos preximos anos vamos assistir a maior "fuga" de sempre de professores para a reforma, numa classe em que mais de metade dos seus elementos tem mais de 50 anos, Um inquéritoda OCDE, realizado em 48 paises (induindo Portugal), também ja tinha revelado, em 2018, que ape nas 26% dos professores consicleram que 0 seu trabalho ¢ valorizado pela sociedade — € somente 39% dos entrevistados se revelaram satisfeitos com o saldrio que auferiam., Por tudo isto, a UNESCO ji anunciou que, por ‘site caminho, o mundo teri, dentro de sete anos, um defice de 69 milhdes de professores antvel global, o que comprometerd a meta de aleangara educacdo basica universal até2030. [Em quase todos 0s paises hd agora, por es- tes dias, noticias sobre a falta de professores, [Em Franca, Emmanuel Macron ¢ confron- tado com o falhango da sua promessa de ter “um professor a frente de cada turma’,no arranque do ano escolar. Mas uma pesquisa rripida permite perceber quea situagdo repe- te-se também na Bélgica, em muitos estados da Alemanha, no Canad, nos EUA, em Israel, no Reino Unido, na Austria ¢ até na india, onde o problema se agiganta, 20s nossos ‘olhos, alcancando o niimero impressionante de um milhio de professores em falta Em muitos destes paises, anunciam-se também protestas de docentes, quase sempre plas mesmas razdes ¢ com reivindicagdes semelhantes: aumento de salérios, problemas coma evolucio nas carreiras, discordncia ‘como crescimento do trabalho burocratico « exigéncia de redugio da carga horsria. Na Coreia do Sul, ano letivo iniciou-se até com a manifestacio de mais de 200 mil docentes em Seul, a exigirem um maior reconheci- mento social da sua profissdo, na sequéncia do suicidio de uma professora primiria ale sgadamente vitima de bullying por parte dos familiares dos seus alunos. ‘Conver ter nogdo desta realidade trans versal a tantos paises e culturas, no momento ‘em que, entre nds, tudo indica que o now ano letivo vai iniciar-se ao mesmo ritmo com ‘que terminou o anterior: repleto de protes- tos de professores e sem docentes suficientes paraacudir a todos os horirios de todas as ‘turmas, Perante este censrio, podemos continuar a achar, como tem sucedido até aqui entre nds, que a falta de professores se deve ape nas a falhas de onganizacao do Ministerio da Educacio. O problema ¢,infelizmente, mais vasto, profiundo e global - e vai aumentar, de ano para ano, mesmo que sejam resolvidas todas as falhas nos processos de colocacio de docentes. O problema que aquela que ji foi a mais “nobre das profissGes” perdu atrati vidade e todos querem fugir de uma carreira ccuja imagem pablica ¢ cada vex mais marcada por queixumes ¢ lamentos, sem reconheci- mento social nem sakitios competitivos. Por isso, bomba-relogio instalada no sistema de ensino vai continuar a fazer tie-tac, a caminho da explosio inevitivel ~ aquela que ‘ocorrerd quando ja ndo existirem professores uallfcados para substituir todos aqueles que sereformarem ou abandonarem precoce- ‘mente a profisio. Para evitar adegradacio completa do sistema de ensino, entregue a professores de emergéncia ¢ sem qualificagdo, € preciso ‘comecar a dar passos certos, mas ambiciosos: arevalorizagio da carreira docente deveria ser ‘uma prioridade europeia, ¢ 0 assunto, pela sia ‘urgéncia, merecia estar no topo dos debates das proximas eleigdes europeias, ji que ¢ de isivo para o futuro do nosso espago comum, No plano interno, o que se pede sio doses suplementares de pragmatismo e de bom senso, tanto no Governo com nos sinclca- tos, Sioa inica forma para acabar com um conflito que se prolonga hi tempo demais € ‘que, no fundo, tem como consequéncia ime- data afastar ainda mais jovens de uma pro- fissdo que deveria ser um motivo de entrega cede orgulho. Alguém esta mesmo a ouvir 0 alarme a tocar? 1M masses ot or es Meine oe av ae aay AU Lit) PRe chet es tT ero Ce Con 134040 i i A'UMA LINHA DE APOIO DARA A SUAEMPRESA: PELA PROSPERIDADE ites TAC DPD alse ie CeeSLI LEE bancomontepio.pt/bei Peel Naa eee a designada por Banco Montepio, registado junto do Banco de Portugal Catherine DECUVer — comrsmaigin 66 Foi um erro dar tecnologia as criancgas em idades precoces e, mais tarde, deixd- -la entrar na sala de aula sem penguntar a industria se essas erramentas fazem sentido e se tém efeitos colaterais °° 6 TEXTO JOSE CARLOS CA Nasceu no Canada, vive em Barce- Jona, estudou Historia da Educagio ¢ Filosofia, doutorou-se em Psico- logia da Educagio e ¢ uma das prin cipais vores na drea da educagio infantil. A saida da palestra que dew na 31* conferéncia anual da Euro- pean Early Childhood Education Research Association, no Estoril, Catherine Ecuyer conversou com aVISAO sobre aquilo que € preciso mudar na forma como abordamosa educacio € 0 uso das tecnologias, se {queremos proporcionar aos adultos de amanhi um espaco para cresce- rem ¢ aprenderem a pensar. (Os temas e as investigagdes apresen- tadas nos seus livros (em Portugal, Educar na Curiosidade e Educar na Realidade, publicados pela Planeta) ‘esto na ordem do dia, a escala mun- dial, sobretudo agora que comecaa perceber-se que talve seja a hora de mudara diregdo do leme. L’Ecuyer defende que nao ha receitas para ‘educar, desmonta mitos e desta- ‘ca.aimportincia da qualidade da interacio pessoal com a crianga, que nenhuma tecnologia pode substituir. ‘© que é educar na curiosidade? Nas conferéncias e palestras, cos- tumo lancar a seguinte pergun- ta: “Quando acordam de manbat olham para quem esté ao lado, sentem um ‘Oh!’ de espanto?” Isto suscita o riso na plateia. As pessoas dio-se conta de que, a0 tornar-se rotina, a presenca de quem as rodeia deixa de suscitar espanto, Curiosi dade € ndo tomar nada por garanti- doe observar as coisas como se as ‘vissemos pela primeira, ou pela tt ma, vez. Esta definigdo, que envolve ‘0 desejo natural de conhecer € 0 sentido de agéncia, pressupde que 0 motor da descoberta esta na crianca Isso nio ¢ 6bvio para quem tem a funcio de educar? ‘Nem sempre. Ainda se encarao processo de aprendizagem com ativismo pedagégico, ou seja, tem de haver atividade, estimulos exterio- res as criancas. A abordagem que defendo alinha-se com a dos fil sofos gregos: Plato afirmava que o espanto era o principio da Filosofia, Aristoteles dizia que o desejo de conhecer faz parte da natureza hu. ‘mana ¢ Tomas de Aquino dizia que a admiragio ¢ esse desejo de conhe: cer. Estas ideias esto a ser resgata das e introduzidas na educagao. Diz-se que é preciso umaaldeia para educaruma crianea, mas na aldeia global parece nio haver consenso quanto a melhor manei- rade educar. O que se passa? Quando eserevi sobre a eduica~ io para a curiosidade, em 2014, sugeri prudéncia no uso das novas tecnologias, encontrei ma mentali- dade apocaliptica, em que nio estar rodeado de equipamentos digitais era visto como desastroso, Naal- ttura, recebi comentérios negativos, diziam que a minha visio era radical ¢ exagerada, Uma década depois, publicaram-se varios estudos que me deram razio, ‘A que se refere, em concreto? Cometemos alguns erros. Um de les foi introduzir a tecnologia aos filhos em idades precoces. O outro consistiu em deixar que as novas tecnologias entrassem na sala de aula sem antes colocar duas per- sguntas 2 indkistria, Estas ferramen. tas fazem sentido, do ponto de vista educative? E tém, ou no, efeitos colaterais? O duplo énus da prova foi deixado para os investigadores, Acontece que os estudos serios ¢ ‘com rigor sao dispendiosos e de- morados e $6 na titima década foi possivel estabelecer uma correlacio entre 0 constimo de redes sociais € daiinternet ¢ 0 impacto que tém na atencio e na satide mental. Daf que varios paises estejam a recuar neste campo e a nio permitir smartpho- nese tablets nas aula. Foi isso que motivou escolas pa- blicas americanas a processarem “big tech’, alegando que eram_ principais responsiveis pela crise de satide mental nos jovens? E bem possivel. O que posso dizer que o meu livro Eduear para a Curiosidade tem vindo a aumentar as vendas em varios patses, tal como © volume de convites para palestras, Muitos pais me escrevem a pergun- tar como podem reverter 0 cenirio atual, mas o mal estd feito. Costumo divulgar as recomendacdes da So- cciedade de Pediatria do Canada ¢ da Academia Americana de Pediatria até aos 2 anos, ndo expor as crian- {¢a8 a0s ecris; dos 2 aos 5, menos de ‘uma hora didriae ter contetidos de ‘qualidade, as outras faixas etarias, ainda esto a ser alvo de estudos, mas jé comega a haver dados sobre ‘tempo de permanéncia nas redes sodiais ea depressio nos jovens, Nio vejo qualquer problema em que ‘uma crianga use um telemovel nos transportes ou quando esta fora de ‘casa. J4 0 smartphone, pelo acesso a internet e as redes sociais, equivale a deixar os filhos num baitro perigoso A noite: € perigoso. ‘Tem quatro filhos. Como é que a familia gere esses dispositivos? Em casa existem dois telemoveis, de ‘uso comum, e $6 para fazer cha- madas. Quando a minha filha mais velha tinha 16 anos, a guerra foi com ‘0 WhatsApp, a via preferencial para ‘comunicar entre amigos. A solucio foi usar um telefone em casa, sem cartio SIM e com acesso a WiFi, para os mais crescidos (16 17 anos), ‘Armas velha fez 18 anos em janeiro ¢ teri um smartphone em setembro. Acredita que essa serda nova ten- déncia educativa? ‘Amelhor forma de prepararmos os nossos filhos para o online ¢ pelo offline, porque as criancas s6 desen volvem qualidades como a determi nagio, 0 autocontrolo € a nocio do {que é relevante quando tém expe riéncias na vida real, com pessoas de ccarne € 0380. ‘© que diferencia o seu metodo de outros, como 0 Montessori e 0 Waldorf, por exemplo? Defendo uma abordagem orienta- dda para o crescimento pessoal dos alunos e da comunidade educati- va, inspirada na filosofia clissico- -realista — que no é mecanicista nem construtivista ~ e centrada na curiosidade e na transmissio do conhecimento ¢ da cultura, Quais as reagdes as suas ideias, ‘empresas de tecnologia incluidas? Mais de 90% so positivas, mas 0 meu marido diz. que quem vai as minhas palestras concorda co: migo! Na drea da industria nunca me contactaram. No inicio recebi mensagens de ddio, embora nao me tenham apresentado evidéncias que confirmassem os seus argumentos. E, nos ultimos dois anos, essas ma- nifestagdes deixaram de ocorrer. scremen 2023 vieke 18 Na sociedade digital, o que se en- tende por “bons pais”? Se 0s pais cometem erros ¢ porque nijo sabem fazer melhor, mas esto atentos. Ultimamente, noto que es to mais interessados em conhecer novas formas de educar ¢ em explo rar outras solug6es. Prova disso so ‘08 400 pedidos anuais que recebo para fazer palestras em congressos, ‘universidades, escolas e autarquias Porque afirma que o uso de ecris na sala deaula éum fetiche, ja ‘que se pensa que contribuem para ‘uma educagio personalizada? Ha alguma confusao acerca do que é a educagao individualizada e a per sonalizada. Esta pressupde que seja “com uma pessoa” e essa decisio ‘compete 0s pais ¢ as escolas, no as ‘empresas que tendem a impor 0 seu modelo econémico no ensino E se os estabelecimentos de ensi- no adotarem a regra de usar com- putadores e afins? Pos o dedo na ferida! Nao imagina a ‘quantidade de pais que me colocam ‘essa questi, Geralmente, quando discordam da politica adotada pela escola, ¢ frequente ouvirem que so 0s tinicos a reclamar, Digo-lhes ‘que nio esto sozinhos, que podem ressionar a escola ou optar por ‘outra, mais alinhada com aquilo que acham melhor para os seus fillhos. E dificil, porque ha muitos estabelec mentos de ensino a seguir esse ca minho, mas temos de ser suficiente mente fortes para tracar uma linha vermelha que a industria tecnobigt cando pode ultrapassar, de forma a {que os interesses econdmicos nio se sobreponham aos das criancas e da finalidade da educacio. ‘Mas pode argumentar-se que quem nio adere fica para tras, a bracos coma iliteracia digital. # um tecnomito, Li um artigo que testava a veracidade do fosso [gap, ‘em inglés} digital, em que se partia do pressuposto de que a igualda de de acesso faria desaparecer esse fosso. Os resultados de um est: do publicado em 2015, Students, Computers and Leaming, deixaram claro que esta teoria nio € supor tada pela evidéncia cientifica. Além disso, hd investigacdes a demonstrar ‘em meios socioeconémicos desta vorecidos faz com que as pessoas fiquem mais permeiveis ao abuso dos dispositivos, na medida em que thes faltam elementos culturais ¢ de contexto, essenciais para interpretar selecionar a informacio. As fami- lias dos executivos de Silicon Valley tteém mais tempo para estar com os filhos, relagdes interpesscais com qualidade e colocam os filhos em escolas sem estes dispositivos. A desmotivacio ¢ o défice de aten- gio tém que ver comisso? ‘Accausa desses problemas esta na abordagem comportamental aplica da a educagio. A tecnologia cond ciona a erianga, d- the estimulos intermitentes para obter recampen sa, 0 que requer que ela passe cada vvez mais tempo nese registo, O lo- cus de controlo nao esta na crianca, é lhe retirado 0 sentido de agéncia, No seu mais recente livro, fala deneuromitos. Pode mencionar alguns? Dizer que o periodo eritico para aprender se di até aos 3 anos, por exemplo, Isto aplica-se ao desenvol vimento, Na aprendizagem, que en volve leitura ou fazer contas, impor tam os perfodos dtimos. Outro mito prende-se com o ambiente senso- rial, que é suposto ser rico: acrianca € bombardeada com estimulos por- que se presume que se nio for esti ‘mulada nao vai, digamos, aprender a andar, o que ndo é verdade. Nos dois casos, adota-se uma logica beha- viorista (comportamental) em que 0 motor € externo, em ver de estar dentro, Maria Montessori [pedagoga italiana dizia que fazer pea erianca ‘o que seria dla a fazer é substituir-se a da, ou seja, €canceli-b. ‘Que lugar tém os jogos digitais interativos,feitos para exercita inteligéncia e aprender melhor? E behaviorismo (comportamenta lismo) puro! O conhecido programa Brain Gym foi considerado uma fraude pelas autoridades americanas ‘em neurologia desde os anos 1970, ‘que deita por terra o conceito de estimulagio precoce. O mesmo para os estilos de aprendizagem baseados nos hemisférias cerebrais: 0 cérebro funciona como um todo e nio por partes. A abordagem mecanicista no funciona porque os seres hu manos tém livre-arbitrio ¢ motiva io interna, precisam de compreen- der o que fazem e porque o fazem, ¢ para isso nio ha reccitas, Eo que dizer dos rankings das escolas? © problema dos rankings é0 «ri- tério que esti na sua base servir de bitola para todos, com prejuizo dda diversidade. Em Espanha, por ‘exemplo, ganham-se quatro pontos se houver tablets; todas as esco: las vio querer isso, Quem faz 08 rankings? E/em que assentam os parimetros? Nio hi reflexdo e nem cevidencias cientficas neste campo. © que devemos saber sobre o fun- Gionamento do eérebro infantil ¢ da sua relacio com o digital? Seas criangas forem expostas a um tecrl antes dos 3 anos, nao sio capa 2es de transpor uma imagem a duas dimensdes para o mundo tridimen sional, Até aos 5, aprendem através ds experiéncias sensoriais e da {interacio com outras pessoas, que cenvolve uma histéria, Se no tiver acesso a isso, a meméria biografica fica empobrecida, o que afeta 0 sen tido de identidade ‘Tem algum projeto em curso, re- lacionado com este assunto? Este ano crieia Fundago CLE, em Espanha, e lancei uma pés-gradua ‘io em Educacio Clissica para Pro- fessores com inicio em setembro do préximo ano, i tenho portugueses Inseritos.Aideia nio ¢ dizer as pes- soas 0 que devem fazer, mas oferecer alternativas, pois ndo ha uma abor- ddagem tnica, Voltando ao digital, no questiono a tecnologia, mas o que se faz com ela Usemo-la, mas quanto mais tarde, melhor. Mcoswsovsos pr ; ba iy vA /aphor Miao: co PONTOS DA SEMANA MAFALDA ANJOS* *Diretora a Z Z Z Z Z Z Z g Z) A educacao e 0 elevador social encravado ‘Quando era menino, o meu pai tinha um colega «que faria todos os dias duas horas a pé descalco ppara ir escola primaria, no concelho de Ociras, ‘Chegava exausto, solas dos pés calejadas como ccouro, Muitas vezes, ia de madrugada ajudar a descarregar os barcos dos pescadores, para ganhar uns trocos para ajudar a familia. Era ‘gazado pelos bullies da epoca porque *cheirava a peixe” Aquele esforgo impressionou muitis simo.o meu pai ~ tinha ja consciéneia de que ‘era muito maior do que o que ee, privilegiado, tinha de fazer para estudar, Perderam-se de ‘vista, mas décadas mais tarde, ji homens feitos, le veio vito, Efoi com enorme emocio que ‘oviu feliz¢ *bem navida” Trabalhou, emigrou, ‘montou o seu newicio, progrediu socialmen- te, € detaos seus filhos muito mais do que os ‘seus pais tinham conseguido dar-Ihe: um nivel de vida confortivel e condigdes para estudar. Deve seresta a fungao primordial da escola pi blica: servir de elevacor social. E, assim, através da educagio, corrigir desigualdades sociais ¢ criar uma sociedade mais justa, © problema é «quando 0 elevadior encrava, Vivemos, parece: ‘me, um desses momentos, e quando é mais importante que ele uncione ‘Comecemos pelo inicio, Portugal continua a ser um dos paises mais desiguaisda Europa. E ‘o quinto pais da Unido Enropeia onde a dest sgualdade é maior, com um coeficiente de Gini {indicador de desigualdade na distribuigio do rendimento) de 32%, tendo subido trés huga. res no ranking fruto do impacto da pandemia, A pobreza é um tema de familia, ou seja, hi ‘quem a herde, No vem incrustada nos genes nem é uma fatalidade, mas quase, porque rom per o ciclo de caréncia ¢ extremamente dificil ‘Os dados da OCDE apontam para que sqjam necessirias cinco geragdes até que criancas nascidas em familias na parte inferior da dis. tribuicio de rendimento consigam escalar até ‘parte média A ascensio social entre geracdes dificil, mas o topo da hierarquia conserva-se 1 em cima: 39% das criangas cujos pais tém rendimentas elevados crescem para ter rendi- mento elevados, O chio eo teto desta estrutura ‘so pegajosos: quem esta em baixo e em cima tem mais dificuklade em descolar. ‘Oacesso aeducagio publica de boa qualidade tanto a0 nivel do ensino biisico e secundirio ‘como superior, 6 por sino garante suces~ so individual, mas ajuda muito. Vivemos, no ‘entanto, tempos desafiantes: a pandemia da Covid-19 teve um impacto desproporcional- ‘mente negativo nas criangas € nos adolescentes provenientes de meins socioecondmicos mais desfavorecidos, naqueles que enfrentaram encerramentos prolongados das escolas € naqueles que carecem de estruturas de apoio ‘essenciais, como familia e professores, dizem ‘estucos recentes ca OMS /Buropa, confirmando ‘outros feitos por ca Depois da pandemia,vieram a guerra, ainflagio ‘ea subida das taxas de juro, com uma dimi- nuigio abrupta do rendimento disponivel das familias Ito num pais onde cerea de uma em ‘cada dez pessoas empregadas € pobre, Portu- sal é, segundo os tltimos dados, 0 oitavo pais ‘da Uniio Europeia com maior taxa de risco de pobreza ou exchusio social, sendo as mulheres, ¢¢ também pessoas com escolaridade até a0 ‘ensino bisico ¢ os desempregados (quatro em ‘cada dea) 0s grupos mais vulneriveis. que me traz de volta a educacio.£ fundamen. tal dar acesso a escola e universidade priblicas, mas também condigdese mecanismos de apoio ppara que as familias consigam efetivamente sus tentar os estucos, A gratuitidade dos manuais ‘escolares foi um excelente avan¢o, mas € preciso fazer mais distribuir computadores, internet ‘€ materiais pelos mais desfavorecidos, acabar ‘com “escolas-gueto” mais frequentadlas por criangas pobres e ajudar nas despesas de des Jocagio ealimentacio, quando, para estudar, os jovens sio obrigados a sair de casa das familias, (Os precos dos quartos para estudantes si0 proibitivos para uma fatia esmagadlora da po- puligio portugues, mesmo que ambos os pais ‘estejam empregados. Impossivel de sustentar para os ordenados médios. Isto condiciona fatalmente os jovens do Interior ou das zonas ras, mesmo que sejam excelentes alunos, ait trabalhar ou escolher cursos em instituigdes menos prestigiadas ou de que no gostam, mas ‘que estdo mais préximo de casa. As residén- ‘clas universitirias acessiveis que existem niio ‘chegam ~ € as que vio abrir ndo satisfazem as necessidades.O acesso a um ensino de primeira ‘ede segunda na escola publica, no por mérito ‘ecompeténcia, mas por classe social, € qualquer ‘coisa que devia, como pais, preocupar-nos Por: ‘que, cada vez mais, um pais que niio aposta tudo na educagio e na formagio da sua populacao ‘esti condenado a falhar.

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