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Fisiologia AUT Te DEBE ass Célia Martins Cortez Dilson Silva Fisiologia da Dor De todas as sensagtes, a dor é a mais evidente, a mais intensamente estudada, a mais importante do ponto de vis- ta clinico ¢ a menos compreendida. Embora a experiéncia dolorosa seja um fendmeno facilmente identificével, ain- da nao hé critérios conceituais aceitos universalmente para classficar a dor. A prépria definigao de dor ainda é alvo de muita discuss20, pois tem sido muito influenciada pelos pa- dries culturais e cientificos através dos tempos, assumindo formas diferentes, quando analisada sob a visio fisiolégica, psicsloga efilossfica Uma das dificuldades de se entender a dor vem do fato de esta sensagio niio ser uma modalidade isolada, tal como acontece com o tato, Embora a percepctio da dor seja um fe- némeno neurofisol6gico correspondente ao reconhecimenta ce discriminagio do estimulo, podendo ser mensurdvel como ‘qualquer outra forma de sensag, a consideracao afetiva do rau aversivo atributdo ador envolve um proceso complexo sgerador das reagSes emocionais. A dor tem sempre a conota- ‘io de uma sensagio aversiva, apresentando um componente afetivo de desagrado e sofrimento, que se justfica pela propria fungio da sensacio dolorosa. Do ponto de vista evolutivo, ador ¢ um sinal interno de- flagrado pelo SNC para sinalizar uma condigio limive que ameaga a integridade anatomofisiol6gica do animal, devido A instalacdo de um processo de agressio orgénica. Esse sinal marca o inicio de um conjunto de reagées adaptativas de cordem orgnica e comportamental, que visam afastar 0 oF- ¢ganismo da fonte da agressao e preservar sua integridade. No AAmbito emocional, esta reaco pode se manifestar sob a forma de luta ou fuga, de acordo com o conjunto de comportamen- tos associados & preservacio da integridade fisica, que € en- contrado em toda escala animal. A auséncia de sensibilidade dolorosa em uma espécie animal representaria ameaga & sua ppreservaGao, pois um animal incapaz de sentir dor tende & morte prematura. Um exemplo disto € 0 caso de doentes de hhansenfase. Nestes, a maioria das lesbes advém da analgesia sgerada pelo dano causado pelo micronganismo Mycobacterium leprae na transmissio dos sinais doloroses. Entretanto, a per- cepcsio humana da dor incluisignificados que transcendem a idéia de que seja uma sensacio que resulta simplesmente de uma condigio fisica interna, pois a heranca cultural permeia simples sensacio dolorosa de diferentes significados morais e tradigdes dificeis de serem isolados da sensagSio pura. Deve-se Jembrar que as dimensdes afetiva e emocional sia instancias psiquicas que tém em sua base constitucional as representa- ‘@Bes simbdlicas dos estimulos, asociadas com as experiéncias vivenciadas pelo individuo (fisica, cultural, ética ¢ social), e-que a forma de acesso a este contecido depende do estado, de humor e do nivel de ansiedade do mesmo. (O estudo hist6rico-cultural sobre a dor revela que para rmuitas culturas esta sensacio teria origem externa a0 compo, tal como “a vontade de Deus”, embutindo na percepgio do- lorosa significados profundos de contexto sécio-moral e re- Tigioso da época. De acordo com o capftulo brblico Genese, a dor foi criada para punir o homem por sua transgresso & vontade de Deus, ¢ esta concepgio ainda est presente nas, caulturas de origem Judaico-Crista. A visio da dor baseada ‘em doutrinas de punigo é encontrada em toda a literatura do passado. Embora sejam numerosas as tentativas de identificagio das diferengas 6tnicas e culturais associadas A sensaggio dolorosa, 1s pesquisadores se frustram na busca de dados significativos que isolem as influéncias culturais da simples percepgiio do- Jorosa, seja ela aguda ou crénica. As diferengas encontradas na forma de expressar a dor impossibilitam a consisténcia nos resultados, que tomam o estudo da fisiologia da dor um. desafio. A dor produzida por um cisco num olho é muito di- ferente de uma dor de dentes ou de um torcicolo. Em experimentos que estudam a dor, nunca se sabe com ccerteza se todos os sujeitos esto descrevendo a mesma sensa- ‘ao dolorosa ou se esto usando os mesmes termos da forma desejada pelo experimentador. © ponto em que o calor se torna doloroso ou insuportével constitui uma questo muito pessoal, e varia também de acordo com o estado emocional do sujeito e a cultura em que estd inserido. Além desse de- safio, 0 investigador enfrenta outras questées bem dificeis, como decidir se um prurido intolerdvel é ou nao doloroso, bem como a escolha da técnica a ser utilizada em experi- mentos, de forma a evitar softimento em animais ou pessoas. ‘Segundo a descricio dada pelas pessoas, existe um niimero muito grande de tipos de dor: dor em pontada, dor em quei- ‘magio, continua, dor latejante, em célicas, dor aguda ete., sendo, portanto, dificil reunir os diversos tipos de dor em uma classificago com base na descrigo dolorosa. A dor em. pontada 6, em geral, rekacionada com lesdes mais superficiais ce pode ser localizada com muita facilidade em éreas precisas do corpo. Jé.a dor de tipo continuo permanece em longos pperiodos de tempo e a sua profundidade é de grau variado, como, por exemplo, a dor inflamatéria. A dor em cdlica ge- ralmente ¢ relacionada & distensio de certas viscera (intes- tino, por exemplo), sendo uma dor intermitente e difusa, € de diftcillocalizagio. No presente capftulo, os mecanismos relacionados com a corigem da dor sero discutidos,seja ela por lesto tecidual, por {squemia ou uma cefiléia fazendo uma ligera revisto sobre as vias aferentes da dor, bem como das modulagSes sofridas pela informacio dolorosa ao longo do seu trajeto até a sua transformagao em percepgio dolorosa. RECEPTORES DE DOR No pasado, a existéncia de receptores especiais para a dor ‘fo era aceita por todos os isiologistas; alguns achavam que a dor era provocada por uma mudanca qualquer do patio de ati- ‘vacio dos receptores proprios para outras modalidades de est(- ‘mulo. Hoje, a presenga em quase todos os tecidos de receptores cespectficos para dor € atestada por diversos experiments, que ‘mostram que sio receptores de elevado limiar de excitagio. Entretanto, o mecanismo da dor ndo envolve apenas os receptores de elevado limiar. Receptores primariamente li- gados a outras modalidades sensitivas (tato, presto, audicio, calorete.) podem também responder a estimulagSes nocivas, dependendo da intensidade dessa estimulagao, Um estfmulo térmico doloroso aciona nociceptores termossensfveis, mas também ativa os receptores de calor presentes na regido esti- mulada. E possfvel que essa riqueza de receptores potenciais para dor resulte da essencialidade da sensagiio dolorosa para a sobrevivencia do animal. (Os receptores espectficos de dor sto do tipo terminagdes nervosas livres (Fig. 6.1, Cap. 6) e se localizam em toda a superficie da pele ¢ em certos tecidos internos, tais como 0 peridsteo, as paredes arteriais, as superficies articulares,afoice do cérebro, 0 tentério da calota craniana etc. Embora sejam, terminagSes nervosas livres, sendo, portanto, morfologica- mente semelhantes, hi nociceptores de diferentes mecanis- ‘mos de transdugio, de acordo com a modalidade do estimulo. Assim, ha trés tipos de nociceptores: os mecanossensiveis, 05 termossenstveis ¢ 0s quimiossensiveis. Os receptores mecanossensiveis de dor respondem aestt- mulos nociceptivos mecfinicos: compressio intensa da pele, distensio de visceras, estiramento articular etc. Os recepto- res termossensiveis de dor respondem 2 grandes aumentos, ou diminuigSes de temperatura, relacionados com 0 risco de ocorréncia de lesio tecidual por queimaduras por calor ou frio intenso. Os receptores quimiossensiveis de dor so excitados por certas substncias, ais como a bradicinina, a serotonina, 2 histamina, o K*, os dcidos, as prostaglandinas, a acetilcolina, as enzimas proteoliticas, os leucotrienos € as citoquinas. (Os receptors de dor so terminagtes nervosas livres. Fisiologia de Dor 63 Os nociceptores apresentam uma caracterfstica que niio € cencontrada em receptores de outras modalidades sensoriis, a hiperalgesia priméria, que 60 aumento da sua sensibilidade aos estfmulos em virrude de uma lesfo em suas proximidades. Ofe- ndmeno da hiperalgesia serédiscutido melhor mais adiante, CLASSIFICAGAO DA DOR ‘A dor pode ser classificada com alguma facilidade em fun- ‘30 de alguns parimetros, tais como 0 tempo de duragio, a sua origem e a qualidade. Quanto ao Tempo de Duracao A dor pode ser classificada como aguda ou cronica, de acordo com o tempo da sua duragao. A dor aguda é aquela que se apresenta como epissdios brevese autolimitados (que regridem espontaneamente), que podem se repetit ou nao. Nador erénica ou incoereivel, o quadro doloroso éestivel e iio é autolimitado e, em muitos casos, 0 quadro élgico pode ppersistir mesmo depois de solucionada a causa orginica de ‘rigem, em conseqiiéncia do fendmeno de memorizagio da dor, decorrente da hiperalgesia. A dor erdnica € uma doen- ‘¢2 por si s6, com causa identificada ou nfo, e costuma ser acompanhada de sintomas depressivos, tais como distirbios do sono, anorexia, alteragdes comportamentais ¢ até tenta- tiva de suicfdio. Quanto a Origem ‘Quanto & origem, a dor pode ser tegumentar-cutinea (su- perficial ou profunda), visceral e referida, Dor Tegumentar Superficial. Em geral, a dor tegumentar superficial se manifesta como dor em pontada ou punhala- da, de localizagdo precisa e origem superficial. Em geral, tem curta duragio ¢ curto tempo de latencia, produsindo resposta afetiva menos intensa. Dor Tegumentar Profunda. Geralmente, ador tegumen- tar profunda se apresenta como dor em queimagio, surda, ardida, mal localizada, normalmente originéria de estrutu- ras mais profundas do tegumento. Pode ser acompanhada de grande sensacio de sofrimento, devido ao intenso efeito de desagrado que evoca, causando manifestagbes de ansiedade angistia. Tis manifestagSes podem provocar alteragSes de comportamento, que podem levar a deterioragio mental e fisica, ea dor se tornar crdnica. Dor Visceral. Um corte do intestino, do figado ou outros Teneo a | + (| NOCIcEPTORES ) Tato Espino rete FiG. 7.4 Exquema dos mecanismos de integracio e modulago da dr, evidenciando as vias da dor. livres dos efeitos colaterais tipicos da morfina, cujo principal deles € 0 fato de causar dependéncia. © uso do épio como analgésico é milena e, no século XVI, era utilizado no tea- tamento de doengas dos “nervos”, tossee diarréia. No fim do, século XIX, pensaram que a herofna pudesse funcionar como ‘tratamento para a morfino-dependéncia, sendo reconheci- damente mais eficiente do que a morfina no tratamento da tosse e diarréia. Entretanto, os resultados mostraram que 0 seu potencial para causar dependéncia era maior ainda do que o da morfina, Imediatamente apss a administracio do opiside, o indi- viduo experimenta uma sensagio de intenso bem-estat, mas que pode ser seguida de algum nivel de depressio do SNC. (Oso sistematico de opiside pode causar quads depressivas im- portantes. Entretanto, 2 mesma dase que causa bem-estar pode também producir nduseas, vdmitos agitagdo. Aumentando a dose, 0 individuo pode referir boca seca, calores pelo corpo, ios e pés pesados e um estado de alienagio. Fora do SNC, ‘os efeitos so muitos: depressio respiratéria (que pode levar morte, quando intensa), respirago irregular, obstipaggio ou constipaglo, contragio da pupila, retengio de urina e dimi- nuigio do volume urinério. Todos esses efeitos ocorrem de- vido a acto da droga na formacio reticular e outros nicleos da ponte e bulbo, ¢ diretamente sobre a musculatura lisa do Intestino e do trato genitourinério. ‘As drogas opidies causam dependéncia quimica com 0 uso re- petido, podendo, muitas veres, se desenvolver muito rapida- ‘mente, o que leva anecessidade de doses crescentes da droga ppara obtengio do efeito inicial, pois 0 organismo se torna to- lerantea ela. A dependéncia psicoligica resulta da necessidade do uso da droga em fungi do fato de ela passar a ocupar um. papel central na vida do individuo. Apés a instalagéio da de- pendéncia quimica, o uso descontinuado de maneira abrupra produ sintomas de abstinéncia, sendo os mais comuns:agitagao, dicrséa, cdlicas abdominais e uma vontade intensa de consuamir a droga. Estes sintomas podem aparecer poucas horas apés a “lima administragio, sendo mais intensos entre 48 e 72 ho- ras apés 0 diltimo uso, ¢ cessam apés uma semana. ‘Alem dos tratamentos farmacolégicos que envolvem dro- ‘gas que atuam no sistema de controle da dor, existem al- guns métodos nao-farmacol6gicos reconhecidos como efi- Cientes no tratamento da dor, cujo mecanismo de acio pode ser explicado pelo mesmo caminho. Um desses métodos éa acupuntura. Jé foi demonstrado que a anestesia obtida por ‘meio de acupuntura € bloqueada pela naloxona, mostrando que a atuagiio do estimulo da acupuntura envolve liberagio de substfincias do sistema analgésico central, em especial, a Brendorfina. Dor PSICOGENICA Essa denominagio € usada para os casos de dor sem causa passfvel de deteccio pelos métodos conhecidos. Porém, de um, ponto de vista estrito, o termo dor “psicogénica” se refere & dor Fisiologia de Dor 69 Taner 7.1 Classficacio das cefaléias Classe Enxaqueca Cefaléia tensional No associadas a lesio estrutural ‘Associada a trauma craniano Etiologia ou caracteristica (Cefaléia hemicraniana paroxistica crOnica ‘Contragiio muscular e espasmo vascular devido a tensio ‘emocional ou estresse (Cefaléia benigna da tosse, cefaléia relacionada & atividade sexual exe. Acidentes ‘Associada a doenca vascular ‘Associada a doenga intracraniana nao-vascular Associada a uso ou abstinéncia de substincias Arterites, hematoma subdural, aneurisma etc. Hipertensdo intracraniana benigna (pseudotumor), abscesso, tumores ete. Alcool, nitrtos, cafeina, analgésicos etc. Associada a infecgio nlo-craniana Associada a doenga metabélica Associada a leo do crinio, cervical, olhos, ouvidos ete Neuralgias faciais Nio classifcaveis ‘que seria gerada ao nivel do SNC por estfmulos psfquicos, em. vez de estimulos originados nos receptores periféricos. © hipotilamo, os nticleos intralaminares do télamo ¢ os niileos da vafe mediana da ponte sio estruturas relacionadas com osistema de controle da dor e que mantém importantes relagdes com o sistema Ifmbico. Considerando essas relagies, € posstvel entender a capacidade de modulagio deste sistema sobre a intensidade, ou até na genese da sensagio dolorosa. Assim como a dor determina reages motoras reflexas ¢ emo- cionais, a emogio pode modular as informagdes oriundas de receptores sensoriais, nociceptores ou nio, em varios niveis da via da dor, podendo dar a tonalidade nociceptiva a uma informago que no teria primariamente este teor. 'Na génese da dor psicogénica, é importante considerar a contribuigo dos fendmenos sindpticos, como a somacio témporo-espacial e afacilitagiio caracteristicas da transmissio sinaptica, e a influéncia dos processos psicolégicos na per cepeiioe respostaa dor. O sistema de controle central da dor, por exemplo, é eficiente e extremamente importante durante atividades prolongadas em que ha muito gasto energético, pois ele toma.a dor suportavel. Entretanto, o estado emocional do individuo pode interfer nesse sistema protetor, tornando-o incompetente para as necessidades do dia-a-dia,fazendo com que as atividades rotineiras, somadas a pequenas incompe- téncias orginicas, musculares ¢ articulares, se tomem gera- Infecgio viral Hipoglicemia Glaucoma agudo, sinusites, cervicalgia, conjuntivite ete. ‘Neuralgia do trigémeo, neuralgia do glossofaringeo etc. dores de dores importantes e, muitas vezes, insuportaveis. estado emocional pode estimular circuits failtadores para a ‘ransmissdo de sinais dolorasos, funcionando como ampliado- res da dor. Alguns desses fatores estimulam circuitos inibi- dores, enquanto outros estimulam circuitos facilitadores para a transmissio dos impulsos dolorosos, funcionando como ampliadores da sensagio. CEFALEIA A cefaléia ou dor de cabega 6 um tipo de dor causada, na maioria dos casos, por irritagio ou por lesto dos tecidos no interior da cabega, podendo a causa ser intracraniana ‘ou extracraniana. Entre as causas intracranianas temos: obstrugio dos seis venosos, lesto do tentsrio, estiramento da dura-méter, diminuigio da pressio do liquor, meningite, cencefalite, irritaglo das meninges (cefaléia alcoSlica) e cons- tipagio. Entre as eausas extracranianas esto as cefaléias por espasmo muscular (tensio emocional), pela iritaco das estruturas nasais e paranasais e por distrbios oculares. Fibras nociceptivas com origem no interior dos bulbos dos olhos e nos seios nasais caminham pelos ramos oftdlmico ¢ maxilay do nervo trigémeo (V par), que também inerva as ‘reas cutdneas da parte inferior da testa e em torno do olho € do nariz. Assim, a infecgio de seios nasais ou irritago 70 Fissogade Dor ‘cular, causada por seu uso forgado ou por luz intensa, pode provocar dor surda, continua, referida de modo difuso nas reas frontais ¢ orbitais da cabega. A rritacdo de estruturas (meninges e vasos de meninges) no interior do cranio, acima do nivel dos condutos auditivos, provoca cefalGia rferida & superficie fronto-temporal da ca- boca, que sto regides inervadas pelo ramo ofedlmico do erge- ‘eo. J& a iritagio de estruturas da fossa craniana posterior, ‘onde fica situado o tronco cerebral, produz cefaléia occipital. [A irritagio das meninges (por meningite, por retirada de li- ‘quor ou ressaca alcodlica), também pode causar cefaléia. Acredita-se que as cefaléias no tenham origem no tecido cerebral, ¢ sim por comprometimento menngeo ou dos va- s0s que irrigam as meninges. A cefaléia do dia-a-dia parece ‘ocorrer sob dois tipos gerais: a cefaléia do tipo tensional ea cenxaqueca. Mas hd vérios outros tipos muito menos comuns, ‘como pode ser observado na Tabela 7.1. Cefaléia do Tipo Tensional E.acefaléia também conhecida como dor de cabega de ten- so, cefaléia de contragio muscular, dor de cabeca do estresse ou cefaléia psicomiogénica. £ muito comum e geralmente episGdica, sendo considerada um tipo benigno de cefaléia. A dor de cabeca é frontal, podendo se estender para a nuca €0 topo da cabeca, dando a sensacao de peso ou pressao, muitas ‘vezes simulando um capacete apertado (“dor em capacete”). A intensidade da dor éde leve a moderada e nio costuma ser incapacitante. Pode durar de horas a dias ea freqiéncia é va- riada, mas quando muito freqiente (mais de um episédio por més), a cefaléia tensional assume um cardter de dor crOnica, pois est relacionada com dias ou perfodos estressantes, de atividades intensas e normalmente acompanhadas de ten- so emocional. A tensdo prowoca contragdo de miisculos que se inserer na base do crdnio, podendo ocorrer simultaneamente ‘espasmo de vasos sangilfieos ou outros efeitos de localizagio intracraniana. E possivel que a dor seja, de fato, dor muscular ‘e que a cefaléia seja dor referida. Enxaqueca A enxaqueca ou migrdnea € uma sindrome cxjo sintoma principal éacefaléia. Assim, o termo “enxaqueca” nfo se refere apenas a uma dor de cabeca extremamente intensa, mas sim a sindrome que envolve wma combina de alteragdes neurol6- eas, autondmicas e gastinestinais. ‘A enxaqueca pode cursar com ataques intermitentes € incapacitantes de cefaléia, de localizacio fronto-temporal unilateral ou bilateral, de caréter pulsatil e/ou em pressio, geralmente associada a néusea, que pode terminar em vomi- tose hipersensibilidade a luz force (forofobia), a sons intensos (fonofobia) ¢ a certos odores. A intensidade da cefaléia va- ria de moderada a grave; geralmente, ¢ unilateral, latejante ce pode durar de 4 a 72 horas quando nio tratada ou tratada de forma inefica. A freqiitncia das rises € bastante variéve, sendo mais comuns crises mensais ou semanais. E quase certo que a enxaqueca tenha um componente de origem genética (através do cromossomo 19), mas, além disso, hf outros fatores com o potencial de provocar efou po- tencializaro problema. As crises podem se iniciar a qualquer momento. dentre os fatores desencadeantes esto: alteragio do sono (sono prolongado, curto ou fora de hora), estresse, certos alimentos, ejum prolongado, luzes, odores sons in- ‘tensos, ciclo menstrual, exposico ao sol, mudangas de cli- 1a, esforgofisico e uso de bebida alcodlica, medicamentos ¢ tabagiamo, dentre outros. Cada paciente de enxaqueca tem sua histdria, pois eles tendem a elaborar teorias sobre o que provoca as dores de cabega Em 15% dos pacientes, a enxaqueca € precedida pelo fe- ‘némeno da “aura”, que € uma manifestacao sensorial pro- runciada e anormal que precede as crises, sendo as mais co- runs: visio embagada, visio de luzes colordas, perd parcial da visio ou pontos escuros nos olhos, vertigem, zumbido a0 ‘ouvido, cheiro intenso, dorméncia, parestesia em um lado do corpo ou fala confusa etc. As manifestagées visuais sto as mais freqientemente relatadas. A aura geralmente dura cerca de 30 minutos. A enxaqueca é uma sindrome que acomete mais mulheres do que homens, na proporcio de dois homens para cada cin- co mulheres, e pode se iniciar na infancia ou adolescéncia, podendo acompanbar o individuo por toda a sua vida. A prevaléncia de enxaqueca numa populagio ¢ estimada em 12%, sendo 18 a 20% do total dos casos encontrados em mulheres, 4 a 6% em homens e 4 a 8% em criangas. Dos «casos diagnosticados em adultos, 75% ocorrem na faixa dos 21 aos 49 anos. Segundo céleulos da Sociedade Brasileira dde Cefaléia, 30 milhies de brasileiros sofrem de enxaqueca. (Com freqiiéncia, a enxaqueca nas mulheres tem infcio na puberdade e pode perdurar por toda a vida fértil, podendo melhorar durante as gestagSes e apds a menopausa. Mas ha ‘casos de enxaqueca que comegam na menopausa. Fechar 0 diagndstico de enxaqueca é muito dificil na maioria dos casos, porque apenas uma pequena parcela de pacientes apresenta aura, Dessa forma, equivocadamente, ao longo dos tempos, a tendéncia foi considerara enxaqueca como sendo mais uma das “desgragas da condicio feminina’, na melhor das hip6- teses, ou uma criagiio histérica, em pior hipétese. ‘A enxaqueca parcce acompanhar a humanidade em toda a sua histria, havendo achadosarquedlégicos de cvilizgSes ne- dliticas (7.000 anos a.C.) que sugerem a existencia de humanes ‘om intensascrisesde dor de cabegz, que eram entendidas como apresenga de maus esptitos dentro do cfinio. Naquela época, 0 tratamento aplicado consistia na abertura de orificios na caboga ‘para a “saida” dos maus espiritos, tendo sido encontrados ossos de cabegas humanas com perfuragBes do cinio contend objetos rucimentaes, estrume, restos de ervas, p de musgos etc. (© papiro Ebers (1200 a.C.) relatava casos de dores de ea- ‘begade caracteristicas tipicas da enxaqueca e, muitos séculos depois, HipScrates (em 400 a.C.) descreveu o fendmeno da aura visual anterior A dor da enxaqueca. Jé Celsius (215-300 4.C.) observou que vinho, frio, calor e exposigo ao sol eram, fatores que podiam desencadear crises de cefaléias do tipo da enxaqueca, mas foi Aretaeus da Capadécia (200 d.C.) quem fez a primeira descrigao clissica da sindrome. Hé muitos anos que as enxaquecas sfo relacionadas com aleragtes em vasos sangiineos, serclo suposto que alguma subs- ‘incia no sangue causava a dilatagio dos vasos. Atualmente, a cenxaqueca € vista como um verdadeiro distinbio bioeletoquinico cerebral, que se manifesta de forma episédica diante de alteraghes, eletrofsiologicas encefslicas (ao nfvel cortical hipotalmico ou do tronco encefélico), causadas por agio de fatores exdgenos ou cend6genos. Em funcio disto, uma cascatade eventos quimicos € deflagrada nessas estruturas, envolvendo mics serotominérgicos (como o dorsal darafe)e noradrenérgicos (como o locus coeruleus) do tronco cerebral, além do sistema tigémeo-vascular. Este sistema inclui o nervo trigémeo, 0 miicleo caudado do trigémeo (ou micleo do tratoespinhal do tigemeo) eas terminagées nervosas perivas- calares de artérias meningeaseextraeranianas. Embora ainda nfo ‘comprovada em humanos, essa cascata quimica jé foi demons- ‘ada experimentalmente em animals. Oinfcio da enxaqueca se dé com odisparo de um sinal pelo tronco cerebral, que excita neurdnios do sistema trigémeo, provocandos liberagio de neveopeptiios. Estes neuropeptidios, funcionam como vasodilazadores e estirmulam as terminates, nerwosas dos préprios vasos, procuzindo potenciais de acto que retomnam para o SNC, dando inicio a um processo de retroa- limentagio, Este processo se auto-sustenta, mantendo a vaso- dilatacao que, por sua ver, ativa as terminagdes nociceptivs dos ‘vasos, consstindo em um ciclo de retroalimentagsio que pode durar até 72 horas. A cada ciclo, a cefaléia vai aumentando de intensidade, até alcangar certo patamar, € outros sintomas, caracteristicos da enxaqueca vo surgindo. Piologia de Dor 71 Quanto d aura, segundo a hipétese vascular, acreditava-se aque pudesse resultar da uma répida contragio das artérias que precede a dilatagio das mesmas. Essa breve contracio redu- ritia o fluxo de sangue para o eérebro, causando distirbios, sensoriais ou motores passageiros, No entanto, jé foi demons- trado que também a aura tem origem no SNC, sendo oriunda de um fenmeno cerebral bem conhecido, que échamado de depressdo expandida do cértex. Tal fendmeno foi demonstrado pela primeira vez em ratos ¢ resulta de uma onda de ativi- dade nervosa reduzida que se desloca como uma “sombra” na superficie do cérebro. As mesmas experincias também sugeriram que a cefaléia da enxaqueca no seria oriunda da -vasodilatagio, ja que o aumento do fluxo sangiifneo nos vasos corre horas depois do término do fendmeno da aura e do comego da cefaléia, Os experimentos também mostraram a presenca de receptores de serotonina no sistema trigémeo, que respondiam a ativacdo, bloqueando o processo inflamatério e a transmissdo dolorosa. A cefaléia caracteristica da erxeaqueca pode resultar de trés| fendmenos fisiopatol6gicos principais originados pela cascata de eventos quimicos: a dilatagdo das artérias extracrania- nas (ramos da carétida externa); a sua inflamacdo neuroge- nica, causada pela liberaggio em suas paredes de substncias, vvasoativas (como o peptidio geneticamente relacionado & calcitonina [CGRP], a substincia Pe as neurocininas); ¢ a facilitagdo da transmissiio de sinais de dor ao cérebro 20 nivel do nticleo caudado do trigemeo. ‘A tomografia computadorizada e o PET soan (positron elec- trotomography), dois métodos dingnésticas por imagem, per item o diagnéstico de enxaqueca apenas durante a crise Estudos por meio de PET scan mostram a hiperperfusio (au- ‘mento do fluxo) sangiifnea em determinadas éreas do tronco cerebral e cértex parietal ¢ occipital, justiicando os sintomas de nauseas ¢ foto e fonofobias.

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