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2] Fisiologia da Meméria e Aprendizado Meméria, aprendizado ¢ linguayem slo processos inter- ligados, muito complexos ¢ que envolvem muitas éreas, tanto do lobo limbico como do neocértex. Muitas defini- ‘gbes de aprendizado e memaéria t8m sido apresentadas e hé ‘muitas teorias recentes sobre os mecanismos responsiveis, por esses processos, cujas diferencas freqiientemente refle- tem a orientacio objetiva do investigador. As pesquisas dedicadas a esses assuntos t@m utilizado uma ampla varie~ dade de técnicas, desde técnicas baseadas no estudo com- portamental até aquelas focadas em eventos moleculares.. Apesar dos avangos alcangados nessas pesquisas, ainda na hs uma ceoria capaz de explicar completamente a fisiologia esses processos. ‘Quando se fala de meméria e aprendizado, se fax neces- séria a inteodugio de alguns termos e expresses de muita utilidade, por serem bem adequados no trato deste assun- to, Normalmente, os fatos registrados pelos sistemas sen- soriais sio chamados de dados, e as relagies identificadas, entre 0s dados observados, de informacao. Assim, meméria €a fungao relacionada com 0 armazenamento de dados, sendo 0 aprendizado a aquisi¢ao de novos conhecimentos ou informages, como resultado da descoberta das relagées entre os dads que definem as informagdes, e que t2m 0 po- tencial de mudar 0 comportamento do animal em funcao de experiéncias passadas, ‘Assim, aprende-se que existe uma relagio definida de dads sensoriais que caracterizam uma forma, que, por sua vez, define um objeto (um animal, uma pessoa, uma cadeira etc.), Partindo da definigio do objeto, andlises podem ser feitas de relagoes mais complexas envolvendo este e outros, objetos, terminando na descoberta de novas relagies e, por- tanto, em novos aprendizados. Dessa forma, o aprendizado niio pode ser desmembrado da meméria, pois aprender im- plica ser eapax de memorizar para entdo correlacionar dados, 4 que, na maioria dos casos, essa correlagio envolve dados oriundos de observagées em tempos distintos. Dessa forma, © aprendizado € uma estrutura hierdrquica de relagBes entre dados, pois se desenvolve a partir de um dado primitivo, que € 0 primeiro objeto memorizado, que forma a base da primeira relagio, a qual seré usada para o estabelecimento de outras relagies. Estas vio sendo adicionadas & primeira estrutura para criar uma estrutura l6gica, que se torna cada vez mais complexa, mas também, cada vez mais légica ¢ mais abstrata. Essa hierarquia se estabelece pela difusto dos dados pelas, diversas dreas corticais, j4 que 0 aprendizado sempre inicia a partir de informagies sensoriais, que vio se difundir e esta- belecer padres nas dreas sensoriais secundarias, para depois enviar dados e estabelecer padres nas éreas de associ témporo-parietais, frontais etc. O objetivo deste capitulo é 0 estudo da Fisiologia da Meméria e do Aprendizado, realgando os aspectos que interligam esses dois processos. Comecando pela apresen tago da classificagio usual dos tipos de meméria, s discutidos os mecanismos bisicos e as estruturas nervosas envolvidas no fenémeno da memorizagio. Ao final, serio feitos comentérios sobre alguns aspectos dos distarbios da meméria. MEMORIA No animal, a meméria é um fendmeno psfquico que en- volve a formaciio de engramas ou traos de meméria, que silo 0s padrdes representativos ou mnémicos das impresses, sensoriaisrecebidas, transmitidase conscientizadas sob a for- ma de sensagdes. Ems tratando de meméria, ¢ importante considerar dois processos que stio independentes: o de memorizagdo € 0 de evocagdo. O primeiro diz respeito ao armazenamento de da- dos, enquanto o segundo € referente a recuperacto de dados ‘memorizados ou “lembranca”. Do ponto de vista neurofisio- logic, esses dois processos envolvem mecanismos indepen- dentes. O processo de armazenamento de dados independe ue haja ou no evocagao. Entretanto, embora 0 process de evocagiio possa estar integro, a evocagio 36 se realiza se houver dacos armazenados para serem evocados. A evocacio € parte desta definicao, porque o vnico camino para decidir se um individuo lembra ou nao de alguma coisa ¢ através de habilidade para evocé-la. Do ponto de vista neurol6gico, 0 fato de haver falha em um nio implica auséncia do outro. A incapacidade de memorizagio nao implica dano no processo de evocagio e vice-versa 242. Posie de Moma e Apenizale Tipos de Meméria ‘Com relagao ao processo de armazenamento, a meméria pode ser classficada como: sensorial, priméria (ou de curto prazo) e secundéria (ou de longo prazo). MEMORIA SENSORIAL OU IMEDIATA Diz respeito ao armazenamento de dados nas dreas senso- tiais do cérebro logo apés a experiéncia sensorial, e que per- ‘manece inalterada por um intervalo muito curto de tempo. Eo registro de uma sensago (som, imagem, tato etc.) sem. ‘qualquer processamento, em uma érea sensitiva priméria es- pecffica, sendo um estigio inicial do processamento da me- méria. Usualmente esses sinais podem permanecer dispont- vveis para anilise por décimos de segundo mas so trocados por ‘novos sinais sensoriais em menos de um segundo. Entretanto, durante o curto intervalo de tempo em que a informago sensorial permanece no cérebro, os dados podem ser usados ‘em varios processamentos, podendo ser examinados para o levantamento dos seus pontos importantes. MEMORIA PRIMARIA OU DE CURTO PRAZO_ “Também chamada de meméria recente por alguns autores, 6 a meméria referente a informagbes (fatos, letras, palavras, riimeros etc.) recentes, sendo uma instancia adiante da me- méria sensorial, reversfvel e temporaria, pois se desfaz apés ‘um breve perfodo de tempo, se no houverreforgo dessa in- formagoes. A meméria de curto prazo se forma rapidamente, dentro de milissegundos,e normalmente dura por perfodos de poucos segundos a uma hora. E 0 caso da memorizagio tem- poréria de um nimero de telefone durante a sua discagem, ‘Uma caracteristica importante da meméria priméria € que a informago armazenada fica imediatamente dispontvel, sem ‘exigit que a pessoa necessite fazer uma varredura em seu ban- ‘co de meméria para entio usé-la. Uma outra caracterfstica relevante € que quando dados novos da informago sio co- locados dentro desse “estoque primério”, os dados anteriores ‘io deslocados. Isto quer dizer que, quando uma pessoa olha ‘um segundo niémero de telefone, 0 primeiro é normalmente perdido, ¢ se ela vé uma sucesso de cenas visuais apresen- tadas a cla rapidamente, a tiltima informagio é aquela que permanece proeminente na meméria priméria. ‘MEMORIA SECUNDARIA OU DE LONGO PRAZO ‘Também chamada de meméria fixada, meméria perma nente ou remota, 6a meméria referente a informagSes man- tidas por um perfodo de tempo extenso (horas, dias ou anos), potencialmente por toda a vida do individuo, sendo necessé- tio pelo menos 12 horas para o seu estabelecimento. E a fase da memorizagao que depende de transformagbes na estrutura quimica ou fisica dos neurdnios. Chama-se de consolidagdo 0 processo de converstio da meméria priméria em secundéria, sendo um proceso que requer 5-10 minutos, para a consolidacdo minima, e horas, para a consolidaco completa. Na consolidacio o contetido dda meméria secundaria 6 usado no processamento da infor- magio nova; assim, os dados novos e os remotos stio compa- rados na busca de similaridades e diferengas, para criar uma meméria estruturada ¢ légica. Assim, as memérias novas 80 cestocadas em associaglo direta com outras memorizadas de mesmo tipo, facilitando o processo de evocagio de dados antigos. A utilizago repetida dos dados armazenados na me- méria priméria € a base do mecanismo para transformé-los ‘em meméria definitiva ou secundéria e o tempo de armaze- namento os tornaré parte da meméria remota. Do ponto de vista da resposta disparada pelo contetido memorizado, a meméria pode ainda ser classificada em re- flexa e declarativa. A primeira € automitica e esté relacio- nada a processos répidos que nfio dependem da consciéncia ‘ou processos cognitivos como comparagao e avaliagdo, se processando em nivel subconsciente ou inconsciente. A me- méria declarativa depende de reflexio consciente ¢ envolve verbalizacio e capacidade simbélica, resultando de um pro- ‘cesso mais demorado, pois € processada no nivel consciente ¢ implica mecanismos motores. A meméria reflexa deve se relacionar com processamentos no nivel de circuitos limbi- ‘cos mais antigos, relacionados com as emoges primérias ou inatas, que sio estruturas arquicerebrais, como a amfgdala, além do arquicerebelo ¢, talvez, 0 paleocerebelo. Jé a me- rméria declarativa deve envolver processos de éreas do neo e paleocértex do lobo temporal e o diencéfalo. Existe uma outra clasificaglo da meméria que, na realida- de, se refere & memoria secundaria, e que divide a meméria ‘em implicita e explicita (ou declarativa). A meméria expli- cita €0 resultado do armazenamento de episddios vivides 20 longo do dia e de informagies oriundas dos diversos estfmulos vivenciados. A meméria implicita € fortemente influenciada pela explicita, por novas associagSes depois de um perfodo de vigilia, e, apés 12 horas de sono, o contedido dessa meméria, é totalmente diferente. Bases Fisiolégicas da Meméria De acordo com os conhecimentos atuais, os fendmenos relacionados com o aprendizado e a meméria envolvem al- teragSes tanto no nivel dos circuitos neuronais quanto no nfvel sinsptico. A plasticidade sinaptica ¢ muito grande e envolve virios parimetros. A mudanga na condutancia da membrana pré- singptica ou da pés-sindptica, bem como na sensibilidade dos receptores sindpticos, altera significativamente a respos- ta sindptica. Um reforgo no influxo de céleio no terminal .ré-singptico pelo aumento da condutincia nessa membrana ragio de neurotransmissor, ampliando o sinal para o neurdinio pés-sindptico. Por outro lado, um decréscimo nesses parimetros reduz o sinal. Mecanismos da Meméria Priméria ‘A curta duragio da meméria priméria sugere alteragdes nervosas transitérias, que podem manter vivo um trago da ‘meméria por um perfodo de tempo limitado, ¢ hi alguns ‘mecanismos considerados capazes de explicar 0 seu estabele- cimento. Sio eles: os circuitos reverberantes, a potenciagio pés-tetinica (ou de longo prazo) e a facilicagio ou inibigio pré-sindptica (ver Caps. 3 ¢ 4). A teoria do circuito reverberante da meméria resultou da observagio de que a estimulagio intensa do eértex é capaz de produzir atividade reverberante. Quando um estimulo elétr- co tetanizante (de alta freqigncia) € aplicado diretamente na superficie do eértex cerebral por um intervalo de tempo de quase um segundo, apés a suspensio da estimulagio, a érea excitada continua a emitir potenciais de ago ritmicos por ccurto perfodo de tempo. Essa atividade reverberante parece ser resultante da excitago de circuitos reverberantes locais ou de reverberagio em circuitos entre o cértex € o télamo ou outras reas subeorticais. Esta teoria é sustentada pela compatibilidade entre certas propriedades dos circuitos re- verberantes e as caracteristicas da meméria de curto prazo. Tais circuitos sofrem o efeito da fadiga sinaptica e 0 acesso de novos sinais ao circuito interfere com a reverberacio, 0 que pode explicar o enfraquecimento da meméria primévia «a substituigio temporal de dados. Mas uma observacio que contribui fortemente com esta teoria 6 que qualquer fator ue bloqueie a fungio cerebral (como um estado de coma ‘temporfrio ou anestesia) bloqueia a resposta reverberante remove a meméria priméria. A potenciagdo pés-teténica ou de longo prazo é uma ca- racteristica da transmissio sinépticajé estudada no Cap. 3, sendo um efeito encontrado em muitas partes do SNC, in- cluindo os neur6nios motores anteriores da medula. A es- timulagio tet nica dessas dreas produr uma pronunciada e prolongada elevagio do potencial pés-sindptico excitatério apés o da fadiga sinéprica, aumentando a probabilidade de disparo do neurOnio pés-sindptico em resposta a um sinal sub- seqiiente, sendo um efeito que pode durar até algumas horas. Sea sinapse 6 estimulada de novo durante esse perfodo de potenciagio, o neurSnio responde muito mais intensamente que o seu normal. A potenciacio pés-tetfnica envolve meca- rismos pré e pés-sindpticos, tendo como causa um aumento na liberaglo de neurotransmissor pelos terminais devido ao actimulo de Ca’* nos terminais pré-sinapticos. Jé foi obser- vado que, sob condigSes especiais, os neurdnios granulares pée-sinapticos do giro denteado podem permanecer no estado de potenciago por um perfodo de até 2a 3 semanas. Nessasi- ‘tuago, um aumentona quantidade de liberacio de glutamato pelos terminais pré-sindpticos do hipocampo foi detectado, Fisiologia da Memiriae Apreninado 243 implicando a ativagio de receptores pés-sindpticos NMDA (N-metil-D-aspartato) de glutamato, além de um aumento do influxo de célcio na membrana pés-sindptica. A facilitagdo e a inibigdo pré-sindptica envolvem circui- tos como o descrito no Cap. 4, que abrange sinapses do tipo axo-axGnico, sendo encontrado em vérias partes do SNC. Na Fig. 4.5 pode ser observado que a estimulagio do terminal T2 «que faz sinapse sobre o outro terminal (T1) pode inibir ou facilitar a descarga deste tiltimo, alterando temporalmente (retardando ou facilitando) essa descarga de muitos minutos cou horas. Embora esse tipo de circuito sugira fortemente um ‘mecanismo de memoria priméria, ainda nao h& confirmagio experimental dessa relagio. Mecanismos da Meméria Secundéria Hoje € aceito que a meméria de longo prazo esteja di- retamente associada a sfntese de protefnas. Isto envolve a ‘comunicagao com o niicleo do neurdnio e a ativagio dos ‘mecanismos para transcrigio de DNA, que € provavelmente dependente de um ou mais dos “sistemas de segundos men- sageiros", sendo, portanto, um processo que demanda algum tempo e exige uma atividade sindptica aumentada. Essa sin- tese de protefnas associada a memorizagio pode estar relacio- nada com mudangas morfolégicas do neurdnio que propiciem 0 desenvolvimento de ramificagies de seus prolongamentos (ax6nio e dendritos) para a formagio de novas sinapses e construgio de circuitos, bem como mudangas fisico-quimicas das sinapses, que faclitem permanentemente a transmissio de impulsos. O circuito faclitado ao todo pode ser conside- rado um engrama ou traco de meméria Hi na literatura fortes sugestdes de que a meméria de lon- 0 prazo resulte de mudangas morfoldgicas nas sinapses que surgem de alteragSes nos circuitos neuronais,seja por mudan- ‘gasno néimero de terminais pré-singpticos, nos tamanhos dos terminais ou no tamanho e condutividade dos dendritos. Ha um século, Cajal descobriu que o nimero de dendritos dos rncurbnios do cértex cerebral aumenta com a idade e obser- vvagGes atuais t€m mostrado que a inatividade de regides do c6rtex causa estreitamento cortical. Um exemplo disso € 0 estreitamento do cértex visual em animais sem olhos. Por ou- ‘to lado, aestimulago intensa e prolongada do cértex visual ‘aumenta o ndimero de ramificagBes nas terminagbes no cértex desta rea. Em adiiio a essas observagses, existe uma teoria de que no inicio da vida um excesso de conexaes sinspticas € feito, mas somente aquelas que sio ativadas continuamen- ‘te permanecem funcionais, sendo que sinapses ndo usadas e neurdnios néo usados desaparecem completamente. ‘As mudangas morfolégicas nos circuitos neuronais podem. ccausar aumento permanente ou semipermanente da facili- tago de circuitos neuronais especificos, permitindo que os sinais passem através dos circuitos com mais facilidade, ou que o trago de meméria seja acessado mais facilmente. Isto 244 Pitoga da Memériae Apendindo cexplicaria no aumento da facilidade de acesso a um grupo de dados memorizados com o fortalecimento da sua fixagio no cérebeo, ou seja, quanto mais freqiientemente os dados ‘ho evocados, ou repetida a experiéncia sensorial relacionada ‘com eles, mais forte fica 0 trago de memoria Experimentos realizados com a lesma aplysia revelaram varios mecanismos de meméria que resultam de mudancas fisica e quimicas nos terminais pré-sindpticos ¢ possivelmen- teem todo o neurGnio pré-sindptico. Um desses mecanismos envolve o fenémeno chamado de habituagdo, ¢ um outro é a facilitagdo pré-sindptica. Ambos ocorrem na transmissio sinéptica em um citcuito do tipo apresentado na Fig. 27.1, que € um tipo de circuito de controle pré-sindptico descrito no Cap. 4. Um dos terminais sindpticos se forma a partir de tum neurdnio sensorial primsrio, sendo um terminal sensorial, ‘€0 outro um terminal faciliador. Quando somente o primei- ro terminal 6 estimulado repetidamente, a despolarizagiio da membrana pés-sindptica assume um dado nivel, 0 qual dimi- ‘nui ou aumenta com a estimulaglo do segundo terminal, de acordo com o tipo de sinapse que este faz com o primeito. Se a sinapse axo-axdnica for inibit6ria, a estimulago repeti do terminal facilitador diminui cada vez mais a descarga do terminal sensorial, até quase cessar a transmissio sindptica, ‘ocorrendo o fendmeno da habituagao. Se a sinapse axo-ax6- nica do terminal facilitador sobre o sensorial for excitatéria, ocorrers.o fendmeno de faciltacdo em vez de habituacto. Este € um tipo de circuito de meméria que perde sua capacidade de resposta a eventos repetitivos que sto insignificantes. Um dos exemplos da potencialidade desse fendmeno de habiewagao € 0 sistema de controle da dor. Se um estimulo nocivo excita repetidamente, ao mesmo tempo, os dois ter- mina, 0 sinal transmitido toma-se progressivamente mais fraco, terminando por haver habituagao ao estimulo nocivo e diminuigdio da sensagao dolorosa. ‘Nos experimentos com aplysia foi verificado que a faci- litagdo pode permanecer forte por horas, dias ou semanas, sem estimulagies adicionais apés o seu estabelecimento. especialmente interessante que, nesse tipo de circuito, pou- cas estimulagies repetidas sio suficientes para causar habi- ‘tuagao ou facilitagao. No nivel molecular, @ habituacdo resulta da abertura pro- gressiva de canais de Ca"* na membrana do terminal, au- mentando a quantidade de neurotransmissor liberado, en- quanto a facilitagio envolve a formacao de AMPc dentro do terminal, como esquematizado na Fig. 27.1. O neuro- transmissor encontrado nos circuitos de facilitagio pré-si- néptica corticais é, freqiientemente, a serotonina (5-HT). ‘A agio deste neurotransmissor no terminal pré-sinaptico sensorial ativa receptores acoplados & enzima adenileictase dentro da membrana, dando formagio a AMPe dentro do terminal pré-sin4ptico sensorial. OQ AMPc ativa a protefna quinase espectica que bloqueia certo niimero de canais de potissio. Isto aumenta a duragio do potencial pré-sindptico, 4que, por sua ver, aumenta o influxo de Ca" e a liberagio de neurotransmissor, j4 que efluxo de K* para fora do ter- minal é 0 mecanismo usual para recuperar a partir do PA. Este bloqueio dos canais de K* pode durar dias, meses ou is. Assim, de uma forma indireta, um trago de meméria de longo prazo produzido como resultado do efeito asso- ciativo prolongado da estimulagio simultanea do neurénio Termin Faclltador ——— ecoptores Pre-sinapticos Sinapso = Excltatéria FG. 27-1 Circuito de habituacio e facilitacto pré-sindptica.E tipicamente um circuito de controle pré-sinéptico, envolvendo uma sinapse axo-axSnica inbitsria ou excitatéria, que regula a liberaglo do neurotransmissor. Quando inibit6ria 0 fendmeno observado & a habituagio e, quando excitatéria, é a facilitaglo. A habituago resulta do aumento do influxo de Ca"* no axoplasma Na facilicagio ‘o aumento deste influxo resulta da formagao de AMPe pela ativacto da adenilciclase da membrana pré-sinéptica. sensitive e do facilitador. Na realidade, fendmenos tanto podem funcionar como mecanismo de meméria de longo prazo como de curto prazo. Areas Cerebrais Envolvidas no Processo de Meméria Hoje se acredita que a maior parte do sistema nervoso exteja implicada no fendimeno da meméria, pois em todas as regides nervosas ha neurSnios com a propriedade de plas- ticidade necesséria para o armazenamento de informagtes. Entretanto, a formagiio hipocampel ¢ considerada uma fea essencial para a consolidagao da memoria primaria em se- candéria. Lesées no hipocampo, além de afetarem a fixa- Gio, podem também alterae a evocagio. Jé lees talimicas podem comprometer a meméria de evocacio isoladamente, sem que haja um prejuizo em relagio & capacidade de fixa- Gio da meméria A remogio cinirgica bilateral da porgio anterior do lobo temporal, em pacientes sofrendo de formas severas de epi- lepsia, mostra que tais pacientes manttm a habilidade para aprender em uma velocidade normal, mas esquecem rapi- damente a informago. Assim, os mecanismos da meméria, priméria permanecem intactos, mas a habilidade de conso- lidagio da informagio como meméria secundiria ¢ perdida. Nessas cirurgias, so normalmente removidos o hipocampo, aamiedala ¢ 0 cdrtex do lobo temporal anterior. Jo danono télamo dorsal, especialmente do niicleo me- dial dorsal, resulta em problemas com o infcio do aprendi- zado. Entretanto, as informagies ja armazenades so nor- malmente lembradas. Nesses pacientes, 0 mecanismo para tranderéncia de informagio para meméria de longo prazo permanece intacto, apesar do prejutso no processo de agui- siglo de novas informagbes, ‘Além da formacio hipocampal, hé outras regides do SNC que sio importantesns precessos mnémicos. A rea de asso- Ciagao temporal inferior é importante na memoria de curto, prazo, Entretanto, a natureza da perda de meméria observa- da por lesfo em cada hemisérin € diferente. A lesio da fea temporal inferior do hemisirio direito gera um défict ro na meméria visual de curto prazo, enquanto perda deste tipo de meméria € menos severa quando a lesio acomete @ mesma fea do hemisfério esquerdo. Neste caso, uma defici- éncia nameméria verbal de curo prazo também é observada. sca lateralisagio do pracesso de meméria se rele na bern, conhecida lateralizago da linguagem. A Meméria e 0 Sono Pesquisas tém demonstrado que, entre outras coisas, © sono & exsencial para a consolidagio da meméria. Sab que 0 processo de plasticidade sindptica ¢ modulado pela azividade hipnica, que se intensifica muito durante o sono Fiona de Memriae Apenitado 245 profundo. Nesta fate ha um aumento importante da sintese protéica, bem como alteragies relacionadas com a reestru- turacio da membrana ea ramificagio dos prolongamentos neuronais. Um estudo recente procurou identificar a relagdo entre sono ¢ meméria explicica, analisando os resultados da me ‘morizagio por asiociagSes de palavras contidas em uma lista de 60 pares de palavras. Os voluntérios foram divididos em ‘grupos. O primeiro grupo foi testado apés um perfodo de 12 horas de descanso ¢ 0 segundo, depois de passar acordado ‘esse mesmo tempo, Outros dois grupos foram apresentados ‘uma outra liste de palaveas 12 minutos antes do teste, de- pois de passarem pelos mesmos testes cue os dois primeiros. O parimetro avaliado em todos os casos foi quanto cada ‘uma das pessoas conseguia lembrar da lista inicial. Uma das observagies feitas foi que o grupo que dormiu lembrou de um niimero muito maior de palavras do que 0 grupo que nfo dormiu, Os resultados permisiram coneluir que a ‘memiéria no 86 € protegida pelo sono, mas também for- temente influenciada por novas associacées depois de um, perfodo de vigtli Distiirbios da Meméria Segundo o nesrociensista lvin Iequierdo, apenes motivos biolégicos, como a atrofia sindptica causads pela felta de uso ‘ou por doengas degenerativas, como Parkinson ou Alzheimer, podem destruir membrias, pois cerca de 70% das pessoas com ‘mais de 70 anos nao apresentam deficit de meméria. Esse 2u- tor acredita que o esquecimento seja um aspecto importante do proceiso de memorimgio, sendo a extingio de devermi- nadas memérias e a represdio de outras, dois mecanismos fisiol6gicos inconscientes naturais. Assim, 2 memorizagio ‘onganizada de forma “inteligente” incluiria 0 esquecimento ‘como processo de selego que permitiria 0 armazenamento de dados de uma forma l6gica eo direcionamento mais pre~ cto de determinados procestos. De fato, uma pesquisa feita nos Estados Unidos verifi- ‘cou que pessoas com mais de 60 anos, que reclamavam de problemss significativos de meméria, mas que ainda assim tinham aproveitamento normal em testes mneménicos, apre- sentavam redugZo na massa cinzenta cerebral, embora no tivessem reeebido diagndstico de Alzheimer ou de compro- -metimento cognitivo leve. Nos estos iniciais da doenca de Alzheimer, hé uma per- dda progressiva da habilidade para consolidaco da meméria. Do ponto de vista neuroanatémico, a primeira éreaa mostrar dano € o sistema limbico, sendo o hipocampo a primeira es- trutura afetada pela doenga, e aquela que é mais severamente denificada. Isto mostra acssencialidade do hipecampo para a consolidactioda meméria. Nesta doenga, também ¢ observa- dda uma perda de neurdnios colinérgicos nos niicleos da base, ‘mas isto parece ser secundétio. 246 Posie de Moma ¢ Apenizale Os distrbios mnésticos podem se manifestar por meio de alteragSes quantitativas e/ou qualitativas. ALTERAGOES QUANTITATIVAS DA MEMORIA, A hipermnesia consiste no aumento da capacidade mné- mica ou aumento extraordinério da capacidade de memorizar. Geralmente, a hipermnesia se apresenta de uma forma fugaz, ‘e €acompanhada de aceleraggio do curso do pensamento, ha- vendo incapacidade para o controle voluntério das lembran- ‘ase direcionamento do seu contesido, sendo este repleto de recordagiis antigas. A hipermnesia pode ser observada em calculadores pro- igiosos, histridnicos, na fase manfaca do transtorno afetivo bipolar ¢ em intoxicagSes agudas por élcool, mescalina, an- fetamina, cocaina, e nos casos hipnéticos. EpisSdios momen- tneos ocorrem em delirium febril. O paciente delirante pode apresentar hipermnesia em relagioa tudo que possa enrique- cere sustentar 0 eu delttio. Alguns casos rarosde oligofrenia ‘manifestam uma alteragiio que é chamada de “hipertrofia de meméria”, constitufda por um aumento extraordindrio da meméria reflexa, sendo este, talvez, um mecanismo de com- pensagiio do déficit intelectivo. ‘Aaamnésia ea hipomnésia dizem respeito, respectivamen- te, Aaboligoe a diminuio da atividade mnémica. A Tabela 27.1 apresenta a classficagio das amnésias e hipomnésias de acordo com a sua extensio, a0 tempo de armazenamento do contetido, & causa ¢ & evolugio. ‘A amnésia maciga abrange todos os perfodos da vida do individuo, ¢ ele nfo consegue evocar nada em relagio a sua vida e a sua identidade, enquanto a amnésia lacunar € li ‘itada a fragmentos do passado, ou seja, a faha de meméria abrange apenas certo periodo da vida. A primeira pode ocor- rer por traumatismo craniocencefélico, numa fase terminal de deméncia ou na histeria. A segunda pode ser observada no delirium, no coma, em crises tOnico-clénicas, sejam epilépti- ‘cas ou provocadas por ECT (eletroconvulsoterapia), além de cestados de grande agitagio manfaca ou de ansiedade intensa ‘ena deméncia por multiinfarto. Nas amnésias sistematicas, ou seletivas hé auséncia de uma relago temporal entre os ‘objetos ou fatos esquecidos, que podem se associar pelas suas naturezas, pelas conotagbes afetivas etc. f um tipo de amné- sia comum na histei As amnésias orgénicas resultam de dano cerebral, que pode ser de origem traumitica, infecciosa, wxica ou dege- nerativa. As amnésias psicogénicas sto isentas de causa or- ‘ginica, mas no ocorrem apenas em caso de histeria, po- dendo advir de vérias situagdes,tais como ansiedade, fadiga ‘pés-estresse etc. Aaamnésia anterégrada ou de fixacio & caracterizada pela incapacidade de transformar a meméria priméria em me- méria secundaria, estando associada a lesdes hipocampais. Pode ocorrer naturalmente na velhice, e pode acompanhar ‘quadros de grande agitagao psicomotora ou de intensa an- siedade e no delirium. E comum na doenga de Alzheimer, na sindrome de Korsakoff ¢ na sfndrome demencial resultante de arteriosclerose cerebral (ou deméncia multiinfarto),trau- matismo cranioencefélico, epilepsia alcoolismo, neurossfilis, etc. Pacientes de depressio e transtomo obsessivo compulsivo podem se quetxar de dificuldade para memorizagao de fatos ‘novos, mas, em geral, esta resulta da diminui¢ao do nfvel da atengio que costuma acompanhar esses quadros. Na amné- sia retrégrada 4 impossibilidade de evocar no presente me- mérias de um passado mais distante, estando normalmente associada a lesdes talmicas. E dificil ocorrer sem que haja distarbios na consolidagao da mem6ria. Pode ser observada ‘em traumatismos eranioencefélicos, processosinfecciosos do ‘cérebro, intoxicagGes por monéxido de carbono, nos estados avangados do alcoolismo e na histeria dissociativa, bem como na senilidade. A hipomnésia mista (ou de fixago-evocagio, ‘ou retro-anterégrada) € a forma de amnésia temporal mais ‘comum, sendo tipica da deméncia e dos estados de confusio mental, podendo resultar de traumatismo cranicencefélico ‘ou fazer parte do quadro pés-ECT. ALTERAQOES QUALITATIVAS DA MEMORIA Neste tipo de alteragiio mnémica hi alteragio no conte- ‘ido da meméria, podendo ocorrer falha tanto no reconhe- ‘cimento como na localizagio das recordagbes. As alteragies

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