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O uso estético do conceito de mundos possiveis JAIRO DIAS CARVALHO Usamos o conceito de mundos possiveis como componente de um instrumen- tal de andlise das obras de arte. Historicamente, 0 conceito foi usado neste sentido por diversos autores. Pretendemos mostrar como isto aconteceu sem considerarmos a apropriagio feita pela chamada “Filosofia Analitiea” Leibniz foi o primeiro a fazer um uso estético do conceito. Ele foi se guido por Wolff, Bodmer, Breitinger ¢ Baumgarten (Goubet ¢ Raulet 2005). Depois desses autores apenas contemporancamente observarmos de novo este Lubomir Doleze! (Dolezel 1999) que usa ‘© conecito a partir de uma interpretagio da semintica dos mundos possiveis & Frienne Souriau Gouriau 1983) que o faz a partir de uma interpretagio de Leib niz.¢ da introdusio do dificil conceito de pluralidade dos modos de existéncia Leibniz sugeriu que obras literdrias poderiam ser tomadas como exemplos cde mundos (logicamente) possiveis. Os romances, enquanto hist6rias inventa uso, Dois autores chamam a atengi cdas exemplificariam a categoria ldgiea de possbilidade, como aguilo que seria isento de contradigio: “Tampouco podemos realmente negar que muitas hstrias, especialmente aquelas denominadas fébulas, sio pensadas como sendo possives, embora ‘no possam encontrar hugar nessa série universal seleconada por Deus — menos que se imagine que em uma tal extensio de espago e de tempo hi certasregides poéticas onde podemos ver o Rei Arthur da Gra-Bretanha, Amadis de Gaul, ¢ as histdrias germanieas sobre o célebre Dietrich Von Bern, vagando pelo mundo. (Leibniz 1689) Eu no concorde que para saber se o romance LAstnde & possvel xja ne- cessirio conhecer a sua rlaso com 0 restante do-universo, Seria de fata nccessirio conhecé-la se o romance se destinasse a ser compossivel cam este universe, consequentemente, ser ecessirio saber se este roman AR Cams Maas op) Tat om ls Comper ‘onmiple XEL/URSC pp BE (© mo esético do conceito de mundos posses 9 sconteceu, acontece ou acontecerd algures no mundo... Agora se 0 10: mance & possivel em sentido absolut isto & outra questio, i qual eu res- pondo ‘sis’, porque isso nio acarteta nenhuma contradigio. Contudo, pata que este romance existisse de fato, seria necessirio que o resto do ‘universo fosse completamente diferente do que &. (Leibniz, apud Dolezel 1999, p68). Para Leibniz a possibilidade do que relatado em uma fibula nfo estd na sua verossimilhanga ou correspondéncia com o restante do universo jé que 0 uni vverso do discurso de uma obra de arte pode nio se referir a0 mundo “real”. A possibilidade de uma narrativa nfo est na relagio de seu universo do discurso 20 mundo re: mas em outro critério, Trata-se de um eritério e de uma res trigfo légica: os mundos posstveis devem estar livres de contradigdes internas Sendo, assim, as narrativas inventadas devem poder se referir a estes mundos logicamente possiveis. O livro LAsirée de Honoré dUrié conta a histéria de Astrdia e Celadon e considerado como do género do maravilhoso nio se refere a0 mundo tal como é conhecido, no é verossimil ele, mas mesmo assim, trata sedeum relato deacontecimentos possiveis. Seu universo do discurso se referea ‘um mundo possivel. Ocorre, assim, uma ruptura da relagéo de verossimilhanga, 420 mundo real, mas nio (3 referéncia) a um mundo, (Os romances inventados (fabulas) podem ser considerados como expres sando (mundos) posstveis desde que nfo se refiram & sequéncia conereta do uni verso que Deus elegeu. Uma histéria ¢ possfvel em absoluto se nio implicar ‘contradigio, mas para que exista de fato ou se refira a0 mundo real serd necesst rio que o resto do universo seja inteiramente diferente do que é; no caso de uma ‘obra que trate daquilo que &do Ambito do maravillioso. Seo rei Arthur existsse realmente aonde poder‘amos localizé-lo? Talvez em algum planeta distante ou entio, em outro mundo possivel. A Arte nio se restringe &s representagdes do mundo atual Leibniz interdita apenas a representagio de mundos com elementos con: traditérios. Para ele, se tudo que fosse possivel devesse existir, os romances deviam ter necessariamente uma rea o conereta,jé que seus relatos seriam possiveis isentos de contradigées. “E preciso ter por assegurado que nem to dos os possiveis venham & existénca, sendo poderiamos imaginar que qualquer personagem de romance poderia ter existido em algum lugar e em algum mo: mento” (Leibniz. 1686). Personagens de romances so possiveis mesmo que no existam. Sto possiveis no sentido de nio contraditérios e neste caso poderiam 90 Jairo Dias Carvalho cexistir realmente. Se a idemtificagio do possivel a um existente necessirio, pas- sado, presente ou futuro devesse ser exato, entio, deverlamos poder ver passar ‘em um lugar ou tempo determinado, o Rei Arthur ou Amadis de Gaul, como dizia Leibniz, Se todos os possiveis fossem existir em um dia ¢ em algum lu- {5 05 romances ou os personagens de romances deveriam ter uma realizagio espago-temporal. O que nio &0 caso. No entanto, para le, os herdis de roman- «es quanto 0 romance em geral que os contém, sio possiveisabsolutamente. No «aso do romance, como um todo, sua possbilidade est ligada a nio existéncia de contradigées internas ¢ no caso dos personagens sua submissio & ondenasio estabelecida pelo romance. Um romance ¢ a descrigao de um mundo possivel. LArgens de Basclay & pssivel, ou ej, claramentee distintarente imagi- nivel, ainda que sja certo que cla nunca tenha vivido ov nem ercio que vi vver, a nfo ser que alguém consinta esta heresia: a de convencerse de que no cranseurso infinito dos tempos que restam por vt, alguna ver hi de existe rodos os possives ede que nlo se pode imaginar fabul alguma aque, ainda em pequena medida, nfo venha exist alguma vez no mundo. ‘Ainda que concedamos, permanece que Argenisndo tera sido impossivel, ainda que nunea tenba exstdo. (Leibniz. 1673) ‘Um herdi de romance ou um romance em si mesmo ¢ um possbilia. O personagem possivel existe em um romance possivel que & para cle como um mundo. Tal personagem determinado pertence a um romance determinado. Assim, Argenis é possivel enquanto personagem do romance de mesmo nome, enquanto o romance é possivel porque contém elementos néo contraditérios. "Nao podemos conceber um personagem particular fora de um romance deter- ‘minado: tratase da mesma decisio que torna possivel o romance ¢ © perso- rnagem. As ficgdes enquanto histérias inventadas sio historias possiveis que se passam em outras estruturas possiveis de mundos. O coneeito em Leibniz. & usado para ilustrar um coneeito filosifico e permite comesara pensar a referén- «ia do universo do discurso das obras de arte a diferentes mundos possveis. As ficyBes ow histdrias inventadas poderio ser tomadas como exemplos de como ‘mundos logicamente possiveis podem ser. ‘Tratase de uma posicio préxima da de Wolff, que dizia que: Podiamos clarifear a nogio de mundos possivis com a reeréncia is his. ‘bras inventadas a que geralmente chamamos de romances. Se uma nar- rativa deste tipo é organizada de forma tio racional que nada de contea- diério se pasa, entio, devo dizer que ela é possivel acomtecer. Se per- sguntarmos, todavia, se ela realmente aconteceu ou nfo, entZo obviamente (© mo esético do conceito de mundos posses 9 descobrimos que ela esté em contradisfo com a coesfo real das coisas, portanto, nio é possivel neste mundo. Es {gaeo que ainda lhe falea antes de se poder tornar real sem se procurat fora deste mundo, numa outra ordem das coisas, isto 6, num outro mundo, E por iso, tenho de considerae qualquer bistoria Gnventada) como nad ‘mais que uma narrativa de algo que pode acontecer num outro mundo, (Wolf, spud Dolezel 1990, p.68), ‘Outros que se apropriaram na sequéncia histbrica do conceito foram 0s es tetas sugos Johann Jakob Bodmer e Johann Jakob Breitinger, pouco estudados ‘em Estética ¢ Filosofia da Arte ¢ sé recentemente traduzidos em parte para 0 francés (Goubet e Roulet 2005)." Eles o fzeram para pensar uma teoria da er: agio poética. Mas tratase nio de uma poética no normativa e sim explicativa das obras de arte. Para Dolezel, 0 conceito de mundos possives sé entraria na pottica quando fosse integrado num sistema de pensamento literdrio (Dolezel 1990, p.69), E este passo foi dado pelos dois estetas suigos. Bodmer transfere o conceito de mundos possiveis para o dominio da pot ticae 0 relaciona ao poder da imaginagio: “O autor, no entusiasmo da sua ima ginagio, constrdi novos mundos e povoa-os de novos habitantes, que sio de «que se regem por leis proprias”. (Dolezel 1990, p.69) Breitinger caracteriza a arte como “uma imitasio engenhosa da natureza”. Isto o associa a uma doutrina da imitagio, mas ao mesmo tempo cle constrdi o conceito de “pintura poética” que opera com a imitagio ea invengio: “O pintor postico & capaz nfo s6 de atingir a beleza e o poder do seu protétipo, como também de excedé-lo” (Dolevel 1990, p.70). Para 0s dois autores 0 poder de inventar outros mundos est ligado a uma nova concepsio de “natureza” ara Bodmer a natureza compreende trs dominios, © mundo divino, o hu mano e 0 material. As imitagGes artisticas serio representagdes de coisas que existem nos trés dominios. Quanto a Breitinger, ele alarga 0 conceito de na tureza ao tornétlo idémtico a universo (dle tipo) leibniziano. Voltando a distin sfo aristotélica entre o poeta ¢ o historiador, onde o dlkimo desereve os ftos tais como ocorreram ¢ 0 primeiro, em scus enredos, tais como poderiam ter ‘ovorrido, segundo a necessidade e verossimilhanca, ele concebe que a arte nfo est em relagio com a realidade “verdadeira’, mas com a “realidade” possivel ara ele, “a arte da poesia, enquanto distinta da historia, quase nunca retira do mundo real os originais ¢ © material que imita, mas sim do mundo das coisas 2 JIeiro Dias Carvalho possiveis: 0 ato pottico principal e propriamente dito é a imitagio da natureza do possivel” Dolezel 1990, p.71). Ele diz ainda que: De fito, a poesia nfo € mais do que a formas, na imaginasio, de no- vos conceits e imagens eujos originals nfo encontram no mundo real das coisas reais, mas numa outa estrurursemundo possivel. Qualquer poema bem conseguide deve, portanto, lerse como uma histériade outro mundo possivel. Neste sentido, o poeta merece o nome de eriador, porque, atraves| de sua arte, cle nio sé &capar. de conferir formas vives is coisas invisi- veis, como também ¢ capaz de eriar coisas que nio sio para os sentides, isto 6, de fazer passar de um estado de possibilidade para uma estado de re- slidadee desse modo, darhes 2 apartncia eo nome de realidade. (Dolezel 1999, p72). A natureza, objeto da imitagio poética, nfo ¢ apenas o mundo real, mas um niimero infinito de mundos possiveis, cyjos constituintes ¢ estruturas podem ser substancialmente diferentes da realidade: “Se verificamos que a coesio das coisas reais a que chamamos o mundo atual nio & absolutamente necesséria «¢ podia alterarse infinitamente, entio, para além deste, sio necessariamente possiveis intimeros mundos outros, nestes existe uma coesio diferente e outra associagio das coisas, diferentes leis da natureza e do movimento, uma menor ‘ou maior perfeigio nos elementos particulares e até criaturas seres de uma espécie totalmente nova” (Dolezel 1990, p.71). Breitinger desloca 0 centro de interesse da imiragio do mundo real para a infinidade dos mundos possiveis. ‘Mas acrescenta uma novidade & apropriacio leibniziana: os mundos podem ser diferentes versbes de ordem das coisas ¢ nio apenas diferentes totalidades livres, de contradiges Os dois autores foram os primeiros a pensarem uma teoria mais consis tente acerca do maravilhoso. Para eles, os mundos maravilhosos sio tipos de mundos possveis, de ordens possiveis. “Hd dois tipos de verdade na natureza, uma tem existéncia apenas no mundo presente enquanto a outta se encontra somente no mundo das coisas possiveis” (Bodmer e Breitinger, apud. Goubet ¢ Raulet p.274). Ao dizer que os poetas imitam mundos possiveis preexistentes ‘ou descrevem dominios ocultos do mundo real, eles concebem que a poesia ¢ ‘arte descobrem e nfo criam 0 universo imaginério, “Todos aqueles mundos possiveis, mesmo se nio sio reais e visiveis tem uma verdade propria, que re side em sua possibilidade, livre de toda contradig&o tal como ela é fundada na poténcia do eriador da natureza. E estes mundos se encontram 3 inteira disposi (© mo esético do conceito de mundos posses % 40 do pintor poético e Ihe oferecem os modelos e a matéria para sua imitago” @odmer e Breitinger, apud. Goubet e Raulet, p.272). Emibora Breitinger tenha sugerido que a linguagem poética detém a capa cidade de criar mundos imagindrios novos ¢ inexistentes regressou a0 conccito de imitagio. A poesia imita mundos possiveis que de algum modo preexistem 420 ato poético. J& para Bodmer a imitagio de mundos possiveis preexistentes sho descrigées de dominios ocultos do mundo real. ‘Todas estas posigdes sugerem que “mundos possiveis” podem ser tomados como referéncias para os universos dos discursos das obras de arte. ‘Tratase de deslocar a referéncia da representagio de uma obra, do que chamamos de ‘mundo real, para uma configuragio possfvel de mando. © “mundo real” nio é © fundamento ¢ ponto de referéncia inevitével para qualquer construgio artis tica, mas infinitos mundos logicamente e fisicamente possiveis. E mesmo que ainda se fale em imitagio da natureza, ela écompreendida maisamplamente. Os poctas imitam mundos possivcis preexistentes ou descrevem dominios ocultos, do mundo real. A poesia imita mundos possiveis que de algum modo preexis tem 20 ato poético, O poeta é um descobridor e nfo um criador. Contemporancamente, a nogio de mundo possivel encontrou notavel eco centre os tebricos da fiegio literéria. Os nomes de Lubomir Dolezel (Dolezel 1999), Thomas Pavel (Pavel 1986) ¢ Marie-Laure Ryan (Ryan 1991) sio proe- rinentes nesta discussio. A nogio de fico estudada pela Filosofia Analitica ‘em geral os influenciou particularmente. A chamada “semintica dos mundos possiveis” permitiu-thes pensar o estatuto ontoldgico da figio e propor uma podtica dos textos literarios. O debate girava em torno de saber qual seria 0 melhor enfoque para dar conta do estatuto on: valor de verdade em literatura ¢ quais seriam as relagGes entre mundo ficcional mundo atual, Para Lubomir Dolezel, 0 conecito de “mundo fiecional” é uma categoria superior, mais englobante e inclusiva que a de fabula ou histdria, porque as logico da fies, qual seria o fabulas as histbriastém lugar em certos tipos de mundos, pensados como ma croestruturas modais de ordem. Para cle, 0 que torna um mundo, possivel éa presenga de uma macroestrutura modal de ordem que rege aquilo que ele in clui exclusivamente em relagio a outros de maneira totalizante do ponto de vista do possive, e ente e necessirio. Uma ordem modal diz daquilo que € possivel e impossivel em geral em um mundo ¢ seu campo de relages. As ‘ordens de mundos sio construidas por meio de restrigdes globais impostos a 9 JIeiro Dias Carvalho cles a partir de duas operagdes formativas: 1) selegio, que determina os com ponentes dos mundos, 2) formagio, que modela os mundos em ordenamentos, determinados, configurando o que é possivel e impossivel em geral em eada um dando origem a mundos fantésticos, maravilliosos, estranhos ¢ ete. Estas duas ‘operagées constituem um mundo enquanto determinada organizagao global e macroestrutural, Cada mundo possui uma macroestrutura& qual todos 0s seus componentes devem se ajustar. Cada uma controla a entrada de componentes no mundo e somente sio admitidos aqueles que a cumprem e se ajustam a ela. A configurasio de ordem modal constitui, distribui e seleciona 0 que & poss vel e 0 que é impossivel conformando um mundo. Assim, cada mundo é uma ‘ordenagio em geral do que nele pode ocorrer ou no. (Dolezel 1999, p.170-1). ‘Os mundos ficcionais sio identificados a estes tipos de mundos possiveis com diferentes ordenagies modais. Um mundo fiecional & um tipo de macro: estrutura modal de ordem de mundo possivel. Para Dolezel pode haver dife rentes tipos de ordens configurando diferentes tipos de mundos, ‘Trata-se de ‘uma semantica construtiva litersria, no marco da posigZo de miltiplos mundos possiveis, que nega a versio da existéncia de um tinico mundo para a constru- fo artistica. Hi, assim, uma identidade entre os mundos textuais, narrativos, ficeionais produzidos pela literatura e 0 conceito de mundos possiveis, Isto sig nifiea uma critica 4s teoria da fiecionalidade que afirmam que as ficses si0 imitagSes ou representagSes do mundo verdadeiro ou real, o que faria com que ‘ouniverso ficcional fcasse reduzido a0 modelo de um mundo tinico, Tal ogo cde mundo possivel identficada a de mundo ficeional permitiria adescrigio dos universos textuais como realidades auténomas, no necessariamente vinculadas 40 mundo atval Esta teoria da ficcionalidade se inspira na semintica dos mundos possivcs, possiveis desta légica. Ela matiza 0 conceito para dar conta dos mundos eriados pela literatura fazendo ajustes na concepeio dos mundos possiveis da semantiea 2 a identificagio dos mundos ficcionais da literatura com os mundos légica. A principal é que sendo os mundos possiveis, para esta flosofia, manei ras diferentes que nosso mun-do poderia ter sido, entidades hipotéticas postu: ladas para falar sobre as diversas maneiras diferentes que 0 universo poderia ter sido, eles seriam universos completos que difeririam de uma maneira ou de ou tra do universo real. Os mundos possiveis da seméntica ldgica seriam situagies totais ou maximamente gerais, somas de possibilidades maximas, coerentes € completamente determinados ¢ ordenados temporalmente. Mas, para Dolezel (© mo esético do conceito de mundos posses 95 ‘0s mundos ficcionais da literatura sio mundos possiveis ineompletos, 0 que os distingue dos mundos possiveis ¢ do mundo atual. O earéter de incompletude significa a auséncia de caréncias informativas referentes a todos os aspectos do ‘mundo ficcional. Esta “semintia literéria” dos mundos posstveis também faz ‘um ajuste na posigo de Leibniz: os mundos possiveis nio possuem existéncia, no, eles nio sko descobertos por um intelecto ‘ouimaginasSo excepcionais, mas construidose estipulados pelas atividades cria transcendental no intelecto di tivas. Os mundos possiveis sio frutos da atividade textual, no caso da literatura Dolezel se separa daquela leitura dos mundos possivcis como realidades que se descobrem ¢, portanto, sio preexistentes, para assinalar que sio construtdos. ‘Os mundos posstveis narrativos existem gragas aos textos, eles no sio anterio res a0 ato de criaglo e o autor no se limita a descrevé-los, mas em inventélos. ‘Os mundos posstveis da fegio literdria sio artefatos estéticos produzidos, con: servados mantidos em eirculagio por meio dos textos ficcionais construidos pela composicio pottica. (Dolezel 1999, p.29-47). Quatro ideias sio importantes nesta visio: a ideia de que mundos possiveis sho ordenagSes modais, que determinam o possivel, o necessério e o existente neles, a ideia de que sio estipulados pelas atividades artistas, a de que sio in- completos do ponto de vista informacional ea de que os universos dos discursos das obras de artes possuem como referéncias diferentes mundos possveis, Uma apropriagio singular do conccitoé feta por Etienne Souriau. Ela nos permite pensar a obra de arte como uma maneira de existir ou tipo de mundo € nio apenas como tendo um mundo possivel como referéncia de seu universo de discurso, Trata-se da intrigante nogio de possibilidade existencial, da ideia de que hi uma pluralidade de modos de existéncia, de que os mundos possiveis, podem existir de diferentes manciras. Uma delas, a artistica se. Os mundos pos siveis podem ser pensados como entidades abstratas que servem como modelos, Antes de continuarmos fagamos um pequeno pan para a construsio de cosmologias alternativas para testar vias hipdteses cin: tificas sobre como se comportaria a natureza se houvesse uma mudanga em algum aspecto de suas leis ou se mudéssemos suas constantes. Ou como mode los para a construsio de cendrios contrafactuais econdmicos, sociais, politicos. E neste caso seriam experimentos mentais do tipo “o que aconteceria se?”. O conceito ¢ usado como instrumento de analise, como uma maneira de pensar: mos situagies contrafaewuais ou heterocSsmieas. Eles si experimentos men «que estipulam o que poderia ser e acontecer a partir de uma situacio contrafac 96 JIeiro Dias Carvalho tual ou heterocdsmica e permitem estipular histéria e cosmologia alternativas do mundo. Eles seriam histdrias completas de mundo, cursos alternativos que nos ajudariam a entender a histéria do mundo real a partir da constituigio de cursos possiveis de ago ou cosmologias coerentes e diferentes. No timo caso, poderfamos conjecturar hipoteticamente se haveria vida caso no houvesse, por cexemplo, a forsa nuclear fraca ou no outro, o que aconteceria se determinado agio histéria nio tivesse ocorrido. Os mundos possives seriam entidades men: tis hiporétieas postuladas para falarmos sobre as diversas maneiras diferentes que 0 universo poderia ter sido ou para construirmos cosmologias coerentes derivadas de alguns axiomas, suposigdes e desenhos alternativos do universo;, «que seriam construidas, por exemplo, variando as constantes fisicas basicas; ou para construirmos histérias alternativas para verficarmos a necessidade ou no de determinados fatos histdrieos. Eles seriam instrumentos éticos de preciso 4que permitiriam compreender a realidade a partir de conjecturas hipotéticas condicionais. Outro sentido do conceito considera os mundos possiveis como “univer: 0s paralelos”, mundos realmente existentes paralelamente 20 mundo chamado de real. Por exemplo, os mundos possiveis seriam diversos tipos de realidades, paralclas coneebidas pela fisica contemporinea ¢ teriam o mesmo estatuto de realidade que 0 mundo atual. O conceito é também ser pensado como um ins trumento da ldgica modal que serviria para instanciar e verificar proposigaes que dizem respeito as modalidades. ‘Tratase de saber, por exemplo, se é ver: dadeiro ou falso quando dizemos que “se eu tivesse tomado outra decisio em certo momento, as coisas teriam sido diferentes”. Neste aso, 0 coneeito é usado como modelo interpretativo que empresta uma referéncia para as construsBes condicionaise seriam situagSes totais ou maximamente gerais, coerentes ¢ com pletamente determinadas de fatos. ‘Os mandos possiveis também podem ser pensados como ideias na mente divina como em Leibniz. Tai i representam os mundos como diferen- tes sequencias, continuidades ¢ coexisténcia de séries de fatos estipuladas por Deus para ver quais seriam as consequéncias do célculo e avaliagio das situa «es problemiticas matriciais que constituiriam a resolugio do problema de Sua comunicabilidade aos homens. Deus consideraria casos ideaissituacionais {que implicariam bifurcagdes cujas resolugdes constituiriam séries completas de eventos. Cada consequéncia resolutiva de uma situagio problemética matri cial desencadearia uma continuidade determinada cuja“ideag0” seria projetada (© mo esético do conceito de mundos posses 7 (encenads), distribuida em um todo coerente ou mundo. Neste caso, 0s mun- dos possiveis seriam sequéncias de fatos (de mundos) diferentes. Eles seriam ‘verses das soluges tomadas em situagées problemiticas ideais cogitadas por Deus para resolver o problema da Sua comunicabilidade aos homens. ‘Tsis Sé- ries estariam inclufdas em sistemas mais amplos de leis que determinariam 0 tipo de sequéncias, coexisténcias e ordenamentos em cada mundo. Assim, os mundos possiveis nfo seriam apenas séries de acontecimentos, mas cosmologias coerentes. ‘Os mundos possiveis como variedades contrafactuais ou cursos alternativos de acontecimentos passados, presentes¢ futuros como casos de solugio do pro blema da comunicagio de Deus 20 homem implicam leis primitivas fisicas de sequéncias e coexisténcias das coisas. Isto significaria que os mundos possiveis, slo também diferentes versie fisicas de universo. Além disso, sio cosmolo: gias diferentes com estruturas diddicas que constituem dominios naturais ov ordinarios ¢ sobrenaturais ou extraordindrios com diferentes relagBes: ‘Como hi uma infiitude de mundlos pssiveis, hi também ums infintude eles, leis préprias uns, outras a outros cada individvo posivel de cada smundo envolve em sua nogio as leis do seu mundo. ‘Também & assim, com os milagres e operagées extraordindvias de Deus. Os milagres eas ‘operages extraordindrias de Deus, esto na ordem geal e se encontram em conformidade aos principais designios de Deus, estando encerrados nna nogo deste universo, © qual ¢ um resultado desses designios, como a ida de um edificio resultados fins ou designios aquele que o empreende. (Leibniz 1993, .107-8) Em Leibniz, asidcias dos mundos na mente divina sio tipos de roteiros nao cencenados, “inativos” ou “inatuais’. Apenas um deles é realmente encenado: “o ‘romance da vida humana”, que ¢ 0 mundo atual. Assim, os mundos possiveis podem ser concebidos como ideias na mente divina, realidades paralelas, constructos tedrieos e a partir de Souriau como obras de arte Continuemos agora com Souriau. Para ele, metaforicamente, as artes se ‘ocupario dos mundos desconhecidos, esquecidos nas brumas da pirimide, os mundos aos quais nio foi concedida a existéncia por Deus. Para ele, tudo acon- tece como se 0 Deus de Leibniz, no momento da eriagio, longe de escolher um mundo tinico entre os possiveis, tivesse dit: Eis que abro todas as barreiras, eaminhe cada qual rumo & sus afirmagio, 98 Jairo Dias Carvalho a0 seu desabrochar, & sua realizagio esplendorosa ¢ indubitivel. Guiarei todas a cada um para s sua existéneis, em sserifiear nenkism: sbro ‘no ser uma dimensio bastante ampla para contélos todos. Havers, assim, se todas as barreirs forem suprimidas, uma grande competigio pela exis: éncia, a superposigio de mil mundos diversos, igualmente privlegiados, orientados na estrada que os levam ao ser pela mesma sabedoria. E esta seria totalidade do dominio da Arte. Gouriat 1983, p17). Esta leitura permite pensar algo mais que o problema da referencia do uni- verso do discurso artistico a mundos possfveis. Ela permite pensar as obras de artes como manciras de existir de mundos possiveis enquanto diferentes tipos de versées Ibgicas,fisicas, histSricas, transcendentes de mundos. Uma obra de arte é uma maneira de existir de um mundo possivel. Ela é uma versio exis- tencial de um mundo que ¢ uma versio ldgica, histérica,fisca de mundo. As ‘obras de artes sio mundos interpretados do ponto de vista musical, postos em ‘imagens, na peda, em telas, constituidos pela escrta, interpretadosem poemas, ccoreografias, composicio de cores e de linhas ¢ etc, Um poema é um mundo, ‘uma cangio um romance também. Souriau supde que Deus tivesse dito aos mundos em superposigio e em combate: “Atengio! Dou-lhes, como testemunha o homem. Imponko como lei suplementar, que se manifestem a ele. Que os mundos usem para atestar seu ser apenas esséncias sensiveis ou meios psicol6gicos que possam ser revelados 20 hhomem; que se introduzam na vida dele e também nesse mundo que ele pensa ser privilegiado e que prefere chamar de real. Sé levarei em conta aqueles que transpassarem sua alma e fizerem soar do mesmo modo suas teclas” Souriau 1983, p.117-8). Para Souriau, o espectro dos mundos vencedores da competisio restrta, testemunhada pelo homem, seri o sistema das obras de arte. A Arte faz as verses de mundos existirem de certa maneira, Qual é a maneira de existir propriamente artistica dos mundos? Para respondermos isso propomos usar ‘uma determinada terminologia. ‘Chamamosa dimensio ampla que contém todos os mundos de macroverso cadimensio que corresponde a cada mundo que passari a existir atisticamente de microverso, Pela atividade artistica, as diferentes vers6es fiscas, histSricas, de ordens complexas e primitivas de mundos preexistentes ou enquanto cons tructos tedricos e abstratos passam a existir de maneira simulada em uma di- mensio reduzida: a (enquanto) obrade arte. A atividade atistica faz.0s mundos cexistirem de certa maneira. A maneira propriamente artistica de fazer os posst- (© mo esético do conceito de mundos posses ” veis existirem é torné:los microversos. Cada obra de arte é um microverso, uma rmaneira de existir de um mundo possivel. Como as verses nio podem existir ‘em conjunto na mesma dimensio, eles devem poder existir em mieroversbes. Chamamos o mundo atualizado ou real de macroverso ¢ os mundos postos em cexistincia pela Arte de microversos. ‘A teoria hipotética das membranas da fisica das cordas nos permite com preender isso por analogia. A teoria preconiza que o espago no qual vivemos deve ser pensado como se fosse a Agua de uma piseina, mas que tanto 0 espago ‘quanto a agua precisam de um substrato ou meio que os suportem. (Greene 2005, p.434-75). O substrato do espayo & chamado de membrana, Uma mem bana é uma superficie que envolve e separa uma realidade de outra. Para esta teoria, viveriamos em um espago circundado por uma membrana. Por analogia diremos que uma obra de arte & como se fosse uma membrana que eontém um cosmos ou mundo possivel. Esse modo de pensar permite conceber uma ma: ncirade um mundo possivel existir concomitante a outro. A obrade arte étodo n uma membrana, superficie envolvente que separa dois ambi: eentes e constitui um dentro (o mundo da obra) ¢ um fora (o mundo “real”). O aque estd dentro da membrana é 0 cosmos, um mundo possivel, o que esté fora outro cosmos maior, 0 macroverso, © mundo real. Para a teoria das cords, quando respiramos ¢ interagimos nos movemos dentro de uma membrana que seria um cendrio mais amplo que incluiria 0 tempo e 0 espago, O universo estaria contido em uma membrana. O espago e 0 tempo inseritos em um “te ido”. O que pensamos ser 0 cosmos como um todo pode ser visto como algo {que reside e esté incluido em uma membrana ou tecido. Por analogia, ocorre 0 mesmo com as obras de arte: 0 artista trabalha livremente a partir de uma tela criando seu préprio ambiente espago-temporal comesando com uma config ragio destituida de espago e de tempo que é a prépria tela. Ela é a superficie membrana, 0 espago ao qual haverd a configuragio de outro espago (0 espago da obra). Tendo uma tela branca como ponto de partida, por exemplo, o artista constitu e simula um universo restrto. A tela de cinema pode ser considerada como exemplo deste ambiente que contém um cosmos. Vivemosem uma mem bbrana que constitui um espago-tempo préprio... “Assim como Branca de Neve existe em uma tela tridimensional de cinema localizada dentro de um universo de rds dimensées que sio as dimensdes de uma sala de projeyio, nds vivemos ‘em uma membrana que contém nossas dimens6es”. (Greene 2005, p.447). Para a teoria das cordas, vivemos em superficie-membrana de dimensio 100 JIeiro Dias Carvalho maior que as nossas dimensées espago-temporais. O nosso espago-tempo no & mais do que uma historia vivida por uma membrana que o inclui. A realidade do cendvio do espago-tempo em que vivemos esta contido em outra realidade ‘mais ampla. Por analogia 0 que ocorre com 0 mundo que a obra faz. apare cer. A obra de arte é uma superficie que envolve e contém um mundo. Assim, toda obra de arte é um microverso que contém ¢ envolve um mundo. Ela um mundo microversado, envolvido em uma membrana e reduzido em seu talhe. Fla¢ um modo de existéncia de um mundo, um modo de fazer um mundo exis tir, O mundo da obra de arte est4 envolvido em um microverso — membrana ‘A partir disso podemos mostrar como usamos 0 conceito de mundos possiveis, para pensarmos as obras de arte A atividade artistica & a atividade de microversagio de mundos. As ope rages que a constituem sio: a simulaglo-ilusio de existéncia propria de mun dos, a incompletudeselegio de informagio e de componentes de mundos, 8 {mplictayo-virtualizagio da totalidade dos mundos, a escolha do material-tec nnologia, x posigio de situagio focal-nuclear de mundo e a configuragio de uma concepgi0 modal de ordem que rege 0 mundo. ‘Todas ests operagées sio ge radas a partir da nogio primitiva de mundo concebida pelo artista. £ ela que far eclodir a operagio de microversagio, A maior parte destas formulagées & feita a partir de Etienne Souriau (Souriau 1993). Privilegiaremos na sequéncia a explicitagio de algumas destas operagScs. ‘Na correspondéncia que estabelece com Arnauld, Leibniz. concebe o con: cxito de mundos possiveis como sequéncias possiveis do universo, cada uma possuindo uma nogio geral ou primitiva de ordem, leis de movimento, deter: rminados designios divinos; cada uma dependente de diferentes decretos divinos livres e posstveis. Assim, 20 lado da nogio da pirimide dos mundos possfveis ‘ou do palicio do destino que formula a ideia de que os mundos sfo variagdes ou versbes factuais diferentes, aonde existem diferentes sequéncias e continuidades, hia concepgio, formulada no debate com Arnauld sobre o Adio pecador, de {que os muitos mundos seriam também, diferentes variagSes ou verses das leis fisicas de mundos. Cada um deles depende de uma nosio primitiva ou geral «que determina 0 conjunto interior das possibilidades em geral, sua cosmolo: gia, como conjunto de possiblidades fisicas, sua histdria, enquanto conjunto de possibilidades histérieas e sua ordem complexa enquanto estrutura didica 4que relaciona o dominio natural e sobrenatural. Cada mundo esta implicado ‘em uma nogio primitiva que o constitui como tal. Os mundos podem ser dife (© mo esético do conceito de mundos posses 101 sates eon slo 4s leis de ordem que constituidas por “nogdes primitivas ou sgerais de mundos": avis uma infinidade de maneiras possiveis de erie © mundo segundo os diferentes designias que Deus podia formar e cada mundo possivel de- pende de alguns designios principsis ou fins de Deu que Ihessi0 proprios, quer dizer, de alguns decretos livres primitivos concebidos sob a relagio da possibilidade, ou les de ondem daquele dos universos possives, 20 qual cles convém e donde eles determinam a nogdo eas nogbes de todas as subs: tincias individuals, que devem entrar no mesmo universo. Tudo estando dentro da ordem, inclusive os milagres, mesmo que seam contririos a al- .gumnasiximas Subalternas ou leis da natureza (Leibniz. 1993, p116-7). ‘A ideia desee mundo é um resultado dos designios de Deus considerados| como possiveis porque tudo deve ser explicado por sua eauss aquelas do universo sio os fins de Deus, Tudo isso se deve entender da order. etal, dos designios de Deus, da sequéneia desse universo, da substincia individual eos milagresatusise possves, Por que outro mundo possivel teria também iso sua maneira, mesmo que os designios do nossotenham. sido preferidos (Leibniz 1993, p.107). io ¢ tanto porgue Deus resolve rir este Adio que resolve (rar) todo o resto, mas gus, nto a resolugio que toma arespeito de Adio quanto squela que toma a respito de todas as coisas particulares,é uma con- sequéncia da resolusio que oma. respite de todo ouniversoe dos princi pasdesgnis qu deerminam anogio primitivaeestabelcem estaondem ger einviolvel & qual tudo & conforme, sm que precise se excetuae 08 slags, que si sem diva conforme aos prinipas designios de Deus, mesmo que a8 miximas particulares que chamamos de leis natureza n30 sejam sempre observadas (Leibniz 1993, 108) Interpretamos a ideia de nogio primitiva de mundo como aquilo que de- termina o complexo “dramitico”, problemitico pensado pelo artista que ele quer “ver" desenvolvido e “desenrolado” em um mundo ou encenado em um cosmos. Para compreender um mundo precisamos explicitar a nogio primitiva ‘que o gerou. Ela permite ver o todo, explica e determina 0 todo. Trata-se da posigio de sentido do mundo proposto pelo artista. Ela diz-o tipo de mundo roposto & apreciagio. £ este conceito de nogio primitiva de mundo que est’ 1na base da concepgio de macroestrutura modal de ordem de Dolezel, Cada mundo possui uma macroestrutura modal de ordem, mas ela é gerada a partir cde uma nogio primitive. A concepeio geral de ordem modal que determina 0 que existe e posstvel em um mundo é gerada por uma nogio primitiva, espécie 102 JIeiro Dias Carvalho de hipétese geral de como um mundo se comporta que se serve de base para a configuragio do dominio do possivel e do impossivel nele ou seu ordenamento modal A microversagio, enquanto atividade artistica, de mundo & comandada, na esteira do leibnizianismo, pela instauragio desta nosio primitiva de mundo. Assim, para se entender uma obra de arte, deve-se encontrar a nogio mais geral {que determina seu mundo, seu comportamento e existéncia como um todo. E cla que diz o sentido do todo ¢ 0 configura em geral determinando 0 que seré criado ¢ sua ordenacio. Seré a nogio primitiva que sclecionaré 0 que deve ser mostrado do mundo a ser criado pelo artista. Ela determina o niicleo mais im- portante que justifica sua existéncia, ou aquilo que é absolutamente necessitio mostrar econstruie. A atividade artistica formula uma concepgio ou sentido de mundo expressa em uma nogio primitiva que desereve como mundos podem ser. A partir dai os mundos de microversasio io microversados. A opers parte ¢ surge da constitui¢io de uma nosao primitiva enquanto hipétese sobre ‘© sentido de um mundo. ‘Tal hipétese de sentido de mundo deve ser “veri cada”, mostrada, desenvolvida e instanciada em uma midia, simulada existir de rmaneira concentracla, reduzida, restritae sintética. Ela significa o germe pelo {qual um mundo todo se desenvolve ese explica ¢ 0 que permite compreendé-lo ‘como um todo, Isto significa que um mundo se “reduz” 2 um tipo de unidade totalizadora significacional. ‘Tratase da condensagio do significado do todo em uma nogio explicativa geral e con: de sentido integradora, a uma concepgio densada de sentido. O mundo que seré eriado com tudo o que deve exist nele «suas interrelagbes depende desta concepsio da nogio primitiva erida pelo ar tista, Devemos sempre nos perguntar: qual ¢0 sentido de mundo que se quer mostrar ao se criar tal obra de arte? ‘A nogio primitiva seré a compreensio global de mundo e do que ele deva ser. E de qual destino deve ele dramatizar, desenvolver e viver. Esta hipétese de como 0 mundo pode ser é a base para a construgio de um “mundo pars lelo” ao chamado mundo real. A obra de arte seré como um pequeno mundo como hipétese de como um mundo pode ser. O que devemos interpretar pri: meiramente em uma obra ¢ sua sugestio de mundo microversado e constituido partir de uma nogio primitiva ‘A obra de arte é uma interioridade englobante inclusiva que constitui um dominio proprio ¢ interior, um mundo que parece existir de maneira auténoma cde mancira simulada, Este mundo “préprio” implica uma estrutura modal (© mo esético do conceito de mundos posses 103 de ordem, a presenga de uma dimensio césmica implicita, de uma dimensio microseépica focal, estelar ou nuclear e de atmosferas ¢ paisagem aludidas ou cexplicitas. Como a Arte nio pode reproduzir mundos inteiramente, simula ‘0s de mancira incompleta ¢ nos fornece apenas cenas, fragmentos, amostras € recortes deles, 0 que pode ser chamado de dimensio estelar, focal ou micros cépica, segundo Souriau, O que mostrado é apenas um niicleo de mundo ceujas continuidades sio implicitas, o que pode ser chamado de “dominio vie tual” ou dimensio maeroedspica. Acessar uma obra de arte é acessar um mundo implicado, nio totalmente desenvolvido em uma situagio nuclear (ester) ou microscépica. Uma paisagem, uma histéria contada, mesmo uma cango supée um todo ligado numa rede de relagdes determinadas, que mergulham suas raizes rnuma geografia, num tempo passado enquanto continuidades, prolongamentos ce extensées virtuais ou implicitas. ‘Ao imaginarmos a vida de César sendo encenada, tods a historia pregressa de Romaesté dada, conforme a enciclopédia dos que acessam a obra, de mancira implicita, nfo desenvolvida virtual —se ela nfo for contada na pega ou mesmo se for de maneiea resumida, Esta histéria presente, mas nfo (contada) dada & 2 dimensio macrose6pica (virtual), implicita, nfo desenvolvida da obra. Se ima ginarmos a encenagio da Tempestade, neste caso, © mundo proposto nio sera ‘ais 0 histdrico, mas procminentemente geogrifico ¢ “fisico”; temos que acei tar uma ilha misteriosa, um principe deposto ¢ habil magico, um usurpador, ¢ ete, Gourian 1993, p.14), todo um passado com seus acontecimentos politicos supostamente ocorridos hi muito tempo. E eriaturas esteanhas, Ariel, Caliba Este mundo mostrado estd envolto em um todo virtual que nao pode ser dado. Havers sempre a presenga de uma amplido (implicita) hipoteticamente ester dida ao lado do que & mostrado. Esta existéncia de uma extensio hipotética e implicita 20 que é mostrado é um constituinte da obra de arte, segundo Sou riau, Assim, em todas as obras de arte existem extensbes escondidas, e ser que determinard a “cosmicidade” delas, segundo Souriau (Idem, p.15). Outro exer: plo: uma paisagem impée hipoteticamente talvez uma planicie, uma monta ‘nha, toda uma cartografia hipotética estendida. Visios personagens de prove nigncias diferentes pressupSem cada um uma biografia. Um timulo sugere um tempo que se estende e que nfo é mostrado ou um pressentimento do futuro dos personagens (Ibidem). Um eavaleiro mostrado em uma pintura sugere um horizonte que se prolonga, mas que nio ¢ mostrado, bosques que continuario «que ultrapassario o limite da moldura, do microverso ¢ que se prolongario 104 JIeiro Dias Carvalho no “interior” da obra. O que & mostrado deve ser parte de um mundo mais extenso que o painel mat fal que the serve de suporte e o encerra. © mundo deve continuar para dentro de si mesmo. Mas, tais continuidades nao sio expli citadas e deve ser deixadas implicadas no que ¢ mostrado. Por isso, cada obra fornece acesso apenas a um fragmento ou parte de um mundo. Qualquer que sejaa obra, uma paisagem, uma escultura, um poema, isto que ée esta nela, deve poder sugerir um mundo proprio incompleto no qual destaca apenas acena ou parte de um mundo mais amplo que nio pode ser dado. Os contornos e desen: volvimentos dos mandos como um todo sio deixados nas brumas ou em uma dimensio macroscépica Para explicar mais ainda vamos supor dada uma estdtua da deusa grega, Di- ana. A figura de Diana envolve e reelama, sugere e implica um mundo de deuses. Hi todo um ambiente, paisagem e atmoslera implicita sugerida por sua figura, que estio If, mas que no sio dadas. Este ambiente que nio se prolonga deve permitir supor c entrever uma sequéncia ¢ espacialidade, seres ¢ ordenamentos que nio sio dados explicitamente. © mundo da e na obra de arte, o ambiente interior ou paisagem implicita nao prolonga suas continuidades, contiguidades, coexisténcias esequéncias (que sio apenas sugeridas e implicitas) para o macro: verso ¢ nem as desenvolve completamente internamente, Cada obra de arte deixa sempre algo nas brumas. Este ¢ 0 sentido da mieroversacio. Outro exemplo, © Davi de Bernini (Tassinari 2001, p.91-3) tra, Davi mira firme seu alvo ¢ estd prestes a completar sua agio. Sua testa e seus olhos estio ed som perder ovo de vista, aproveite o giro de seu corpo para alavancar o golpe. Nesta escul anzidos, os labios cerrados. Seu rosto expressa concentragio minagio. Em breve a pedra seri langada pela funda, Basta que Davi, Golias, o complemento necessirio da figura de Davi, cuja agfo pareceria nfo ter sentido se nio admitissemos a existéncia do gigante nao esté presente, mas existe virtualmente. centro “espiritual” da estétua esté fora dela, mas aonde? Somente se nos eolocarmos na posigio adequada aparece toda a efickcia de um amplo movimento que sobe pela perna e pela inclinagio de todo 0 corpo ¢ que se vé compensado pelo giro da cabega e pelo brago que, pronto para a asio, em unha a funda, Nen utra perspectiva revela essa imensa tensio da figura nem justfica sua verdadeira razio de ser. Vé-se Davi como Goliss 0 teria visto logo antes de ser abatido. Se a escultura de Bernini deixa ver o instante de uma aco, nem por isso seu mundo interage espacialmente com 0 macroverso. A. acio de Davi s6 pode se passar num espago, mas nfo 0 do macroverso. Onde (© mo esético do conceito de mundos posses 105 estar Golias e as sequéncias e coexisténcias implicitas da obra? O mundo de uma obra é espacialmente um mundo outro. Golias nfo esté presente no ma croverso, mas no espago ou mundo da obra. Neste mundo implicito podemos admiti-lo como se estivesse lf. Ao ativar um espago ao redor de si a obra ativa ‘um espago outro virtual. Os volumes ¢ os contornos da obra sé ganham vida «© movimentam o espago ao redor da obra se o espectador é transportado para © espago da obra e nfo permanece no espago do mundo real (Tassinari 2001, 92). Sentirse no espago engendrado pela obra, e num espago mais amplo que ‘corpo de Davi, ¢ sentirse no interior de um mundo estético, de um instante narrado que pertence a outro mundo espacial, 20 mundo da obra implicito, virtual, no a0 macroverso. ‘Toda obraenvolve e sugere um mundo implicado, dobrado, envolvido, con: tinuidades implicitas ¢ presumidas. Além disso, as obras de arte nio fornecem todas as informagdes acerca dos mundos possivcs dispostos e implicados nelas. ‘Os mandos so incompletos por causa das caréncias informativas referentes a todos os seus aspectos. Apenas parte dessas informagées & posta em evidéncia, pela obra de arte, ‘Toda obra de arte comunica, projeta, sugere, propée, exibe € permite acesso a um mundo incompleto, no sentido do nio fornecimento de todas as infor es que se referem a ele e no sentido de deixar implicitas e rio desenvolvido tudo © que se passa nele. O mundo na obra de arte é ape ras sugerido e acessado parcialmente. © que aparece estard sempre envolvido em um ambiente implicit. Trata-se de uma presenga ausente, de uma presenga implicada, da sugestio de mundo. © mundo da obra nio & dado inteiro, mas virtualizado. Segundo Souriau, para que haja verdadeiramente arte é preciso {que 0 mundo da obra seja vasto ¢ ulerapasse o que é mostrado. Ff preciso uma dimensio macroscSpica naquilo que ¢ mostrado para que uma representagio seja considerada arte. Arte nio é representagio de mundo, & constituigéo de mundo incompleto com dimensio vietual ou macroseépica. Tem que haver a sugestio de uma dimensio virtual, de um dominio maerosedpico para que pos samos considerar uma representasio como Arte. Sem uma estrutura virtual atuante ou latente ¢ implicita, suscitada pelo que aparece no ha obra de arte. Se nio nos perguntamos pelo entorno que di sentido 20 que aparece nio hé cobra de arte. £ preciso se interessar pelo que nao & mostrado, pelo que & evo: cado, sugerido e reclamado pela cena-foco de mundo. Deve ser sugerido que hi ‘uma vast implicada naquilo que é mostrado e que o que é mostrado deve po- der ser dito implicado e implicar algo mais vasto que si mesmo. “Tudo se passa 106 JIeiro Dias Carvalho como se o artista, qual demiurgo fraco demais, houvesse renunciado a conere tizar a totalidade do mundo que quer colocar no material e se contentasse, por assim, dizer, em recorti-la, © mundo e espiritualmente todo o restante, mesmo que nio scja mostrado” Souriau 1993, 17}. © mundo criado & mostrado em recortes, “cenas”, “quadros”, fragmen: tos. O que é mostrado é apenas parte de algo maior, de um todo maior, que nfo pode ser prolongado. Deve haver uma relagio entre 0 dominio microscépico (0 que é mostrado) com 0 macrosedpico (0 que fiea implicito). © primeiro € um recorte do segundo. O contetido microscépico deve poder sustentar ¢ produ zira reconstituisdo do mundo macroscépico da obra. “A situagio microscépica 6 pode sustentar e implicar © dominio macroscépico se for considerada como focal, ou estelarmente central”. (Souriau 1993, p.19). (© que é mostrado deve ser foco do mundo inteiro, o evento mais impor. rificado deve permitir reconstitair tante eelucidativo do mundo que “quer” viver eexisir. Tratase do seu aspecto ‘mais fundamental, 0 qué o explica, resume, sintetizae lhe d& sentido como um todo, E neste sentido, tl situagio focal est intimamente relacionada com a no «%o primitiva de mundo concebida pelo artista. O que é posto por uma obra de arteé ponto luminoso de um mundo ou seu momento privilegiado. O que 0 artista faz ¢ uma organizagio estelar do mundo da obra deixando o restante im plicado na “cena”. Cabe & arte nas fazer acreditar que é que mostrado € 0 mais fundamental aser mostrado de um universo (mundo) maior que “quer” se fazer existir, Pela arte & dado um mundo onde o foco estelar& tal coisa mostrada. rele que esti o destino e a razlo de ser daquele mundo. Assim, um mundo & reduzido ao indispensével. F indispensével dizer isto, este nicleo de coisas, esta parte da constelagio como um todo que ficars apenas sugerida, A obra de arte cexiste para instanciar e ambientar um mundo, mas o que faz é apenas mostrar seu micleo, Havers sempre dilatagdes sugeridas, amplitudes imagindveis, mas palpitagZo de um mundo como um todo est4 no que é mostrado. Es isso que ‘artista pode dar aos mundos, é pouco, mas é muito em relagio a Deus, que os, impediu de existirem enquanto mundos encenados. © que ¢ mostrado é 0 né cleo da constelasio, o sistema solar do conjunto do universo que o enreda. Um mundo imenso é estelarizado e animado em seu centro por uma situago, uma ‘cena, uma paisagem, um recorte, uma amostra, segundo Souriau Souriau 1993, p.24-5). Mas, é preciso fazer com que o que & mostrado induza a pereepsio de ‘uma amplitude no explicita: um mundo, no qual 0 que aparece & seu centro ¢ coracio pulsante. O que é mostrado é um resumo de mundo. O que nio é (© mo esético do conceito de mundos posses 107 explicitado porque amplo demais, deve poder ser entrevisto em uma situagio ‘que concentra e focaliza atotalidade impedida de aparecer completamente. As sim, 20 apreciarmos a situagio somos levados a uma dimensio ampla que néo pode aparecer. E preciso fazer surgir, naquilo que aparece todo um mundo im- plicado. © que aparece explica todo e comanda todo © mundo que no pode ser dado completamente. O que é mostrado exprime o complexo problemitico {que o artista quer ver “encenado”. Tudo acontece como se 08 mundos se “con. tentassem” em existir de modo reduzido, resumido, concentrado e focalizado. AA situagio mostrada é 0 niicleo “metafisico” do mundo. Fla sugere todo um mundo com seu destino, a presenga eminente de uma constelag4o implicita, a amostra de um mundo. Se um mundo tivesse que existirem apenas um aspecto, «qual seria ee? Se asituagio & 0 foco significative do mundo como um todo qual seria ou deveria ser cla? O que é mostrado é o centro do mundo, seu aconte- cimento relevante. © que deve ser mostrado seri determinado por uma nosio rimitiva, Se a situasio é 0 foco significativo do mundo como um todo, a no- so primitiva serd aquilo que dirg que ¢ tal situagio e nfo outra que precisa e deve ser mostrada. Se 0 que & mostrado é o centro de um mundo, seu aconteci ‘mento relevante, que implica uma amplitude implicada nele, a nogio primitiva sera geradora da situagi o.a ser mostrada pela obra de arte. A nogio primitiva € uma hipdtese de como um mundo é A partir dela um mundo & mi- croversado, vale dizer: colocado em uma midia, simulado existir, comprimido informacionalmente, construfdo com prolongamentos implicitos, estabelecida sua situagio focal, ordenado modalmente, instaurado um sistema de referéncias, espagos-temporais ¢ constituido um ambiente e atmosfera préprios. Chama mos de microversagio a operasio de compressio do mundo em um aspecto ou situagio focal através da escolha de um material, dono fornecimento completo de informagées sobre ele, de constituigio implicita de suas continuidades, de si: rmulagio de sua existéncia, de construgio de uma ordem geral estruturante e de uma atmosfera e de uma interrelaglo espago temporal e sua projetago em um material do macroverso Quando entramos em contato com uma obra de arte entramos em um mi croverso, Devemos, entio, perguntar: qual é a nogo primitiva que dé sentido sua existincia? Qual sentido de mundo tal obra quer mostrar? © que deve ‘mos interpretar primeiramente em uma obra é sua sugestio de mundo estando atento as suas siti ages focais e & sua nosio primitiva. Um mundo é p toe “organizado a partir de uma perspectiva ou centro focal implicado e umbilical 108 Jairo Dias Carvalho mente ligado a uma nogio primitiva. Para compreender um microverso ou 2 obra de arte serd preciso elucidar e esclarecer quais sio suas situagdes focais e sua nogio primitiva Referéncias Dolezel, L. 1990. A Pottioa Ocidental: Tadigdo e Inowagio, Trad. Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: FundagZo Calouste Gulbenkian. 1999, Heterocosmica: Ficién y mundos posbls. Trad. Félix Rodriguee, Madcid Arcos Livros. Goubet, J. F; Raulet, G. 2005. Aux sources de Pesthéiqne: lex débuts de Pesthitique philo- sophique em Allemagne, Pacis: Maison des Sciences de L'Homme. Greene, B. 2908. O Tecido do Cosmos. Trad. José Viegss Jt. So Paulo: Cia das Letras Leibniz, G. W. 1673. 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Notas * Para uma apresentagio da Estética Suga dos mundos maravilhosos ver Dolezel L. A Poética Ocidental: Tradigio ¢ Inovagio. ‘Trad. Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: CCalouste Gulbenkian: 1990 e a apresentagio dos Fragmentostraduzidos para o francés, feitapor Elsa Jaubertin: Goubet. Fe Raule G. Au sourcesde ethéique, Lesdébusde esttiquephisosophique em Allemagne. Paris: Maison des Seiences de homme, 2005

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