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Eduardo Mondiane FICHA TECNICA: Titulo original: “The Struggle for Mozambique” 1° Edicdo (1969). Director da Edigdo: Isabel Casimiro. Editor-Coordenador: Alexandrino José. Assistente de Edigéo: Lucena Muianga Secretéria de Edigéo: Luisa Cardoso. Documentagao: Susana Otilia Maleiane, Tradugéo: Maria da Luz P. Dias. Revisdo Literdria: Jorge Rebelo e Sérgio Vieira, Reviséo Tipogrdifica: Armando Muiuane, llustragéo da copa: Malangatana Valente, quadro da galeria privada de Malangatana. Slide: Ricardo Rangel. Copyright: Janet Rae Mondlane & Filhos (1° Edigéo Mogambicana) 1995. Direitos reservados, incluindo 0 direito de reprodugdo total ou parcial do livro. Composicéo, fotocomposigdo e maquetizagéo: Coopimagem ImpressGo e acabamentos: Minerva Central Tiragem: 3100 exemplares. Numero de registo: 043/RRA/DN1/95. Produzido na Repiblica de Mocambique, Vu — Lutar por Mogambique Eduardo Mondlane LUTAR POR MOCAMBIQUE (1° EDIGAO MOGAMBICANA) oN Aw 1901. 44 GEWN jetta wat © Leta por Mogambique 5. RESISTENCIA - A PROCURA DE UM MOVIMENTO NACIONAL E nadla mais me perguntes *, se é que me queres conhecer, que ndo sou mais que um bizio de came onde a revolts al’Ahica congelou seu grito inchaclo de esperanga De “Se me quiseres conhecer”, de Noémia de Sousa Core todo © nacionalismo africano, 0 de Mogambique nasceu da experiéncia do colonialismo europeu. A fonte de unidade nacional é 0 sofrimento comum durante os ltimos cinquenta anos sob o dominio portugués. O movimento nacionalista néo surgiu numa comunidade estavel, historicamente com uma unidade linguistica, territorial, econémica e cultural. Em Mogambique, foi a dominagao colonial que deu origem & comunidade territorial e criou as bases para uma coeréncia psicolégica, fundada na experiéncia da discriminacGo, exploragao, trabalho forgado e outros aspectos da dominagéo colonial Contudo, a comunicagao entre as comunidades separadas que estdo sujeitas a este tipo de experiéncias, tem sido limitada. Todas as formas de comunicagéo provinham anteriormente do topo, por intermédio da administragao colonial. Isto naturalmente atrasou © desenvolvimento de uma consciéncia Unica em toda o espago territorial. Em Mocambique, @ situagdo foi agravada pela politica do “Portugal Maior”, em que a colénia é considerada “provincia” de Portugal, e todas as pessoas consideradas “portuguesas” pelas autoridades. Na rédio, nos jornais, nas escolas, fala-se bastante sobre “Portugal”, e muito pouco sobre “Mocambique”. Entre o compesinato, esta propaganda contribuiu bastante para impedir o desenvolvimento do conceito “Mocambique”. Sendo Portugal um conceito demasiado distante para constituir um factor de unificagao, isto também promoveu o tribalismo pelo facto de as « pessoas néo conseguirem transpor os limites da sua unidade social imediata. Em muitas éreas onde a populagdo é reduzida e muito dispersa, 0 contacto entre a poténcia colonial e 0 povo é tao superficial que poucos sdo os que tém uma experiéncia pessoal da dominagéo. Havia alguns grupos no Niassa Oriental que nunca tinham visto um portugués antes do inicio da presente guerra. Nessas dreas, as pessoas néo tém a nogdo de pertencer nem @ nado nem & colénio, e foi-Ihes bastante dificil a principio compreender 0 significado da luta. A chegada do exército portugués, porém, rapidamente alterou esta situagéo. eee INO ia Anologla Temética de Poesa Arcana I, no Note Grvido de Punts, 2% ed. Liboo, 8 do Coste, 1977: 179 87 Eduardo Mondiane Resisténcia popular Em toda a parte onde o poder colonial se fez sentir, houve algum tipo de resisténcia, assumindo diversas formas desde a insurreig&o armada até ao éxodo macico. Mas em qualquer momento, foi sempre uma comunidade limitada, pequena em relagéo a toda @ sociedade, que se levantou contra 0 colonizador, enquanto que a prépria oposigae era também limitada, Porque dirigida contra um sé aspecto da dominagéo, a realidade concreta vivida por uma determinada comunidade num determinado momento, A resisténcia activa foi finalmente esmagada em 1918, com a derrota de Makombe (Rei) do Barué, na regido de Tete. A partir do inicio da década de 1930, a administragéo colonial do jovem estado fascista estendeu-se por todo o Mogambique, destruindo, muitas vezes fisicamente, a estrutura do poder tradicional. A partir desse momento, tanto a repressdo como a resisténcia acentuaram-se. Mas 0 centro da resisténcia passou das hierarquios tradicionais, que se tornaram déceis fantoches dos portugueses, para individuos e grupos — embora por muito tempo estes continuassem tG0 isolados nos seus objectives e actividades como o haviam estado os chefes tradicionais. A simples rejeicdo psicolégica do colonizador e da sua cultura era bastante comum, mas ndo era uma posi¢do assumida consciente e racionalmente. Era uma atitude associada & tradigo cultural do grupo, as suas lutas anteriores contra os portugueses e 4 actual experiéncia de sujeicdo. O desejo dos portugueses de impor a sua cultura em todo 0 territério, mesmo se bem intencionado, era completamente irrealista devido ao tamanho da populagéo. Constituindo menos de 2 por cento da populacdo, 0s porlugueses ndo podiam sequer esperar que todos 08 africanos tivessem a oporiunidade de observar o modo de vida portugués, quanto mais estabelecer um contacto estreito que permitisse a sua absorgdo. Tal como muitas outros nagées colonizadoras, Portugal também se enganou quanto ao entusiasmo dos “pobres selvagens” pela “civilizagéo”. Dado que a maioria dos africanos sé se encontrava com os portugueses na altura do pagamento do imposto, quando eram contratados para 0 trabalho forcado ou quando as suas terras eram confiscadas, néo é de surpreender que tenham tido uma impressGo muito pouco favordvel da cultura portuguesa. Esta reaccdo é muitas vezes expressa em cangées, dangas, e até esculturas — formas tradicionais de expressdo cultural que 0 colonizador ndo compreende, e através das quais ele pode ser secretamente idicularizado, denunciado e ameagado. Por exemplo, os Chopes tém esta cangéo: Ainda estamos zangados, é sempre a mesma histéria As filhas mais velhas t8m de pagar imposto Natanele diz ao homem branco que o deixe em paz Natanele diz ao homem branco que me deixe estar Vocés, 0s mais velhos, devern discutir os nossos problemas Porque o homem que os brancos nomearam é um filho de ninguém Os Chopes perderam o direito & sua prépria terra Deixem-me contar-vos. Numa outra cangdo, sdo ridicularizadas as tentativas de impor os costumes portugueses Qucam a cangéo do aldeia Chigombe E aborrecide dizer “bom dia” a toda a hora Macarite e Babuane estéo na priséo Porque néo disseram “bom dia”, Tiveram que ir para Quissico dizer “bom dia” 88 «_ So, - ter or Mogambique Qs valores mercantis dos europeus séo frequentemente satirizados ou criticados: Como fiquei espantado, ‘Meu irmao Nguissa, Como fiquei espantado Por ter de levar dinheiro para comprar 0 meu caminho, Algumas esculturas dos Macondes exprimem uma hostilidade profunda contra cultura estrangeira, Nessa dreo, os missionérios Catélicos tém sido muito activos, e sob a sua influéncia muitos escultores tém feito imagens de Nossa Senhora e crucifixos, imitando modelos europeus. Ao contrario das obras Macondes sobre temas tradicionais, estas imagens cristas sdo quase sempre rigidamente estereotipadas e sem vida, Mas de vez em quando uma delas afasta-se do modelo original, e quando isso acontece, é quase sempre porque nela foi introduzido um elemento de duvida ou desafio: a Nossa Senhora segura um deménio em vez do menino Jesus; um padre € apresentado com patas de animal selvagem, e uma “pieta” transforma-se numa imagem nao de piedade mas de vinganga, com a mde empunhando uma langa sobre 0 corpo do seu filho morto. Em certas dreas e em determinados periodos, estas atitudes, enraizadas na cultura Popular, conduziram a outro tipo de reacgdo: os “mais velhos” acabaram realmente por “discutir 0s nossos problemas”. Um exemplo disto é 0 movimento cooperativo, que surgiu no norte nos anos 50. Na sua fase inicial, este movimento era mais construtivo do que Contestatario. Varios camponeses — incluindo o Mzee Lazaro Kavandame, agora membro do Comité Central da FRELIMO e Secretério Provincial de Cabo Delgado — organizaram-se em cooperativas, na tentativa de apoiar a producéo e vende dos produtos agricolas e deste modo melhorar a sua situagao econémica. As autoridades portuguesas, contudo, levantaram severas restrigées as actividades desenvolvidas pelas cooperativas, sobrecarregaram-nas de impostos, e passaram a vigiar cuidadosamente as suas reunides. Foi entéo que o movimento comegou a ganhar um cardcter mais politico, acabando por se tornar totalmente hostil as autoridades. © comego do nacionalismo As condigées estavam longe de ser favordveis ao alastramento das ideias nacionalistas por todo 0 territério. Devido a proibigéo de qualquer associagéo politica, & necessidade de sigilo que isto impunha, a erosdo da sociedade tradicional e auséncia de uma educagdo mais moderna nas éreas rurcis, foi sé entre uma minoria diminuta que, a principio, se desenvolveu a ideia de uma acgdo de émbito nacional, em contraposi¢do a accées locais. Esta minoria era predominantemente urbana, composta de intelectuais e assalariados, individuos essencialmente destribalizados, na sua maioria africanos assimilados e mulatos, por outras polavras, um pequeno sector marginal da populagéo. Nas cidades, 0 poder colonial era visto mais de perto. Era mais fécil ali compreender que a forga do colonizador assentava na nossa fraqueza, e que o sucesso por eles alcangado dependia do trabalho do africano. Possivelmente, a prépria auséncia do ambiente tribal contribuiu para criar uma visdo nacional, ajudou este grupo a ver Mocambique como a terra de todos os Mocambicanos, e fez-Ihe compreender a forca da unidade. Encorajados pelo liberalismo da nova Repiiblica em Portugal (1910-26), estes grupos criaram sociedades e iniciaram a publicagdo de jornais através dos quais conduziam 89 Eduardo Mondlane campanhas contra os abusos do colonialismo, exigindo direitos iguais, até que, pouco a pouco, comecaram a denunciar todo o sistema colonial. Em 1920 foi criada em Lisboa a Liga Africana, uma organizagdo unindo os poucos estudantes africanos e mulatos que chegavam a esta cidade. O seu propésito era conferir “um cardcter organizado as ligagées entre os povos colonizados”. Participou na Terceira Conferéncia Pan-Afticana realizada em Londres e organizada por W. E. Du Bois, e patrocinou em 1923 a Segunda Sessdo da Conferéncia em Lisboa. € importante notar que @ Liga defendi néo s6.a unidade nacional mas também a unidade entre as colénias contra a mesma poténcia colonizadora, uma maior unidade africana contra todas as poténcias colonizadoras, e a unidade de todos os povos negros oprimidos do mundo. Mas, de facto, ela era fraca, na medida em que tinha apenas cerca de vinte membros e estava sediada em Lisboa, longe do ossivel campo de acgdo. ‘i Pen inicio dos anos 20, surgiu em Mogambique uma organizagéo chamada Grémio Africano, que mais tarde se transformou na Associagdo Africana. Os colonos e a administragao cedo ficaram alarmados com o vigor das exigéncias da Associacao, e no principio dos anos 30, apoiados pelos ventos fascistas que sopravam de Portugal, iniciaram uma campanha de intimidagdo e infiltragdo, tendo conseguido 0 apoio de olguns dos dirigentes para desviar a ‘Associagéo para uma linha mais conformista. Surge entdo uma ala mais radical, que se separou e criou o Instituto Negréfilo. Este foi mais tarde obrigado pelo governo de Salazor a mudar o nome para Centro Associativo dos Negros de Mogambique. Surgiu a tendéncia de 08 mulatos se juntarem @ Associagao Africana, enquanto os negros se concentravam no Centro Associativo. Formou-se uma terceira organizagao, intitulada Associagéo dos Naturais de ‘Mogambique. Foi originalmente concebida para defender os direitos dos brancos nascidos em Mogambique, mas a partir da década de 1950 abriu as portas a outros grupos étnicos, € depois disso tornou-se bastante activa na luta contra racismo. Contribuiu até um pouco para melhorar a educagéo dos africanos através da concessdo de bolsas. Outras associagées semelhantes foram criadas por grupos de interesse mais pequenos, como os africanos mugulmanos ou diferentes grupos de indianos. Todas estas organizagées desenvolveram acgées politicas sob a capa de programas is, juda mittua, e actividades culturais e desportivas. E paralelamente a estes movimentos surgiu uma imprensa de protesto, da qual um exemplo tipico é O Brado Africano, fundado pela Associagdo Africana e dirigido pelos irmaos Albasini. Esta imprensa foi silenciada em 1936 pelo sistema de censura do governo fascista, mas até 14 constituiu um porta-voz relativamente eficaz de revolta. soci Oespirito destes movimentos iniciais e a natureza dos seus protestos estdo bem retratados neste editorial de O Brado Africano de 27 de Fevereiro de 1932: “Estamos fortos. Tivemos que vos aturar, que sofrer as terriveis consequéncias das vossas loucuras, das vossos exigéncias Go podemos aguentar mais os efeitos pemiciosos das vossas decisées politicas e administrativas. De agora em diante Fecusamo-nos a fazer maiores e mais iniiteis sacrificios (...). J4 chega (..) Insistimos que leveis a cabo os vossos deveres fundamentais, ndo com leis e decretos, mas com actos (...). Queremos ser tratados da mesma maneira que vos. Ndo aspiramos ao conforto de que vos rodeais, gragas 4 vossa forga, Nao aspiramos & vossa educagao requintada (...) ainda menos aspiramos a uma vida toda dominada pela ideio de roubar 0 vosso irmao (...). Aspiramos a0 nosso “estado selvagem” que, todavia, enche 9s vossos barrigas e as vossas algibeiras. E exigimos alguma coisa (...) exigimos pao e luz(...). Repetimos que ndo queremos fome nem sede nem pobreza nem uma lei de discriminagéo baseada na cor (..) Havemos de aprender a usar o bistur(..) @ gangrena 90 eter por Mopamtique Que espalhais entre nds hé-de infectar-nos e entao jé ndo teremos forga para a accéo. Agora témo-la (...) nés, as bestas de carga...” J - Da leitura deste texto surge claramente uma linha de demarcagéo entre colonizador e colonizado. Este ultimo vé-se a si proprio como um grupo dominado e levanta-se contra um Outro grupo, o do colonizador, com o qual disputa 0 poder. E interessante notar a total releigao dos valores do colonizador, 0 orgulhoso assumir do “estado selvagem” e a definigao da civilizagdo do colonizador, como dominada pela ideia de “roubar o seu irmao”, E verdade que até aqui ndo havia sido ainda formulada a exigéncia de independéncia Racional. Esta fase de denincia, no entanto, e a exigéncia de direitos iguais foram necessérias Pora o desenvolvimento de uma consciéncia politica que levaria & exigéncia da independéncia, S6 depois de estas exigéncias preliminares terem sido rejeitadas é que se poderia evoluir para uma posigéo mais radical. Aimplantagéo do Estado Novo de Salazar e a represséo politica que se seguiu, puseram fim a esta onda de actividade politica. A corrupgéo e os conflitos internos fomentados pelo governo transformaram estas organizagées em clubes burgueses, que foram a partir de entéo frequentemente solicitados pelos autoridades a juntarem-se ao coro dos fiéis servidores de Salazar e do seu regime. Foi sé opés a Segunda Guerra Mundial e a derrota das grandes poténcias fascistos, que foi possivel retomar alguma actividade politica. As mudangas na esfera do poder em todo o mundo e o ressurgir do nacionalismo, particularmente em Africa, tiveram repercussées nos. territérios portugueses, opesar da continuagdo de um governo fascista em Lisboa e dos esforcos feitos pelas autoridades portuguesas para proteger as éreas sob seu controlo contra as ideias de autodeterminagao que se alastravam por toda a parte. A revolta dos intelectuais Na maioria dos casos apenas uma pequena minoria educada estava em condigées de ‘acompanhar os acontecimentos mundiais, de manter contactos adequados com © mundo exterior, de poder adquirir o habito do pensamento analitico e portanto os meios necessdrios para compreender o fenémeno colonial na sua globalidade. Em Mogambique surgiu uma nova geracdo de insurrectos, activos e determinados a lutar pelos seus préprios meios endo dentro dos parémetros impostos pelo governo colonial. Estavam em posigdo de examinar os trés aspectos essenciais da sua situagdo: a discriminagéo racial e exploragao dentro do sistema colonial; a fraqueza real do colonizador; e, finalmente, 1 evolugdo social do homem em termos gerais, com 0 contraste entre a emergéncia da luta dos negros na Africa e na América e a resisténcia muda do seu proprio povo. ‘ Eles podiam analisar a situagéo, mas era-lhes dificil fazer mais do que isso. O seu campo de acgao estava limitado, em primeiro lugar, pela estrutura envolvente da opresséo, a insidiosa rede policial desenvolvida pelo estado fascista durante o longo periodo que esteve no poder, e, em segundo lugar, pela falta de contacto entre a minoria urbana politicamente consciente e as massas populares que suportavam o peso da exploragéo, e que de facto estavam sujeitas a0 trabalho forgado, as culturas obrigatérias e & ameaca de violéncia no dia adia. Ndo é pois de surpreender que no seio desta minora, a resisténcia tivesse de inicio uma expressdo puramente cultural. A nova resisténcia inspirou um movimento em todas as artes, que comegou durante os. ‘anos 40 e influenciou poetas, pintores e escritores de todas as colénias portuguesas. Em Mogambique os mais conhecidos sao provavelmente os pintores Malangatana e Craveirinha, © escritor de contos Lufs Bernardo Honwana, e os poetas José Craveirinha e Noémia de Sousa. 91 NG es As pinturas de Malangatana e José Craveirinha (sobrinho do poeta) foram buscar a sug inspiragdo as figuras da escultura tradicional e da mitologia africana, incorporando-as em obras explosivas com temas ligados a libertagao e dentincia da violéncia colonial. __ Os contos de Luis Bernardo Honwana, que tem sido amplamente reconhecido fora de Africa como um mestre nesta arte, levam o leitor a fazer as mesmas dentincias através de uma anélise perceptiva e detalhada do comportamento humano. Seguindo uma longa tradigéo de artistas que vivem debaixo de um governo repressivo, este escritor escreve por vezes em forma de pardbolas, ou centra a sua histéria 4 volta de um acontecimento concreto ‘parentemente insignificante, mas que ele utiliza para focar uma situagdo mais abrangente, Na poesia politica dos anos 40 e 50, predominam trés temas: a reafirmagdo de Africa como mée-pitria, lar espiritual e contexto da futura nagdo; a ascensdo do homem negro em todo o mundo, 0 apelo geral & revolta; eo sofrimento actual da maioria do povo mocambicano, tanto no trabalho forcado como nas minas. © primeiro destes temas esté muitas vezes interligado com os conflitos pessoais do poeta, os problemas derivados da sua origem e situacdo familiar jé descritos anteriormente quando falimos da posigdo social do mulato. De uma forma mais generalizada, esta poesia tenta expor as raizes comuns a todos os mogambicanos no passado pré-colonial, como se pode ver neste extracto de um poema da fase inicial de Marcelino dos Santos, “Aqui nascemos”: Eduardo Mondlane A terra onde nascemos* vem de longe com 0 tempo Nossos avés nasceram e viveram nesta terra e como ervas de fina seiva foram veias em corpo longo fluido rubro perfume terrestre Arvores e granitos erguidos seus bracos ‘abragaram a terra no trabalho quotidiano e esculpindo as pedras férteis do mundo a comegar em cores iniciaram ‘0 grande desenho da vida O melhor exemplo do segundo tema é talvez © poema de Noémia de Sousa, “Deixa possor 0 meu povo", inspirado na luta do negro americano: pcb fs Aacogi Tain Pola Aca na Noha Grbida da Pari, Fad Tbs TIED Tn Aicogi arta de Peala Acar Va Noe Grbvda de Pra, Fd bo, Sh do Cut, 1977p. 18, 92 tar por Mogambique Noite morna de Mogambique* e sons longinquos de marimba chegam até mim — certos e constantes — vindos, nem eu sei donde. Em minha casa de madeira e zinco, abro o radio e deixo-me embalar... ‘Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos E Robenson e Marian cantam para mim Let my people go — ch deixa passar 0 meu povo, deixa passar o meu povo —, dizem. E eu abro os olhos e jé néo posso dormir. Dentro de mim soam-me Anderson e Paul © no séo doces vozes de embalo Let my people go... O sofrimento do trabalhador forgado e do mineiro inspirou muitos poemas, e hé exemplos significativos de todos os principais poetas deste periodo: “Magaica” de Noémia de Sousa; “Mamparra M’gaiza” e “Mamana Saquina” de Craveirinha; “A terra treme” de Marcelino dos Santos. Estes poemas, todavia, sdo interessantes néo tanto pela sua forga e eloquéncia mas antes pelos termos que utilizam para descrever a situaco. Eles ilustram de forma bastante expressiva tanto a fraqueza como a forca do movimento ao qual pertencem os seus autores. Nenhum destes escritores experimentou 0 trabalho forcado, nenhum deles esteve sujeito ao Cédigo do Trabalho Native, e escrevem sobre a situagao como expectadores de fora, lendo ‘as suas préprias reacgées intelectualizadas nas mentes do mineiro e do trabalhador forgado africanos. Noémia de Sousa, por exemplo, escreve no seu poema “Magaica”: Magaica atordoado acendeu o candeeiro** & cata das ilusdes perdidas da mocidade e da satide que ficaram soterradas 16 nas minas do Jone: Craveirinha, falando do “homem Chope” a trabalhar no Rand, escreve: “cada vez que ele pensa em fugir é uma semana numa galeria sem sol”. Mas de facto néo existe o problema da “fuga”: 0 mogambicano vai para as minas com o objectivo de trazer dinheiro para a familia e evitar o trabalho forgade sob condigdes econémicas ainda menos favortiveis na sua terra. A propria forma como os poemas sdo concebidos, num estilo de eloquente auto- -compaixao, é alheia a reaccdo do africano. Compare-se qualquer um destes poemas com ‘as cangées chopes apresentadas mois atrés. E evidente que, apesar dos esforcos dos seus autores para serem “africanos”, eles estéo mais influenciados pela tradigdo europeia do que 1.0, den, p. 153 ** 010b.ct.p.128 93 Eduardo Mondlagng | ——<$<_$_— africana. Isto demonstra a falta de contacto entre os intelectuais € 0 resto do povo, poco, eles ndo estavam em melhor posi¢éo para forjar um verdadeiro movimento naciong| do que estavam os camponeses das cooperativas de Lézaro Kavondome. Por outro lado, sua forca baseava-se no seu entusiasmo & capacidade, obf idos em parte devido ao se, conhecimento da histéria europeia e pensamento revoluciondrio, para analisar a situags, politica e expressd-la de forma clara e intensa. ; Noémia de Sousa escreveu este poderoso opelo a revolta quando um dos seug companheiros do movimento foi preso e deportado apés as greves de 1947. Nessq Mos que importa? Roubaram-nos 0 Jodo mas Jodo somos todos nés por isso Jodo no nos abandonou Joao nao era, Jodo é e serd porque Jodo somos nés, nés somos multidéo quem pode levar a multidao e feché-la numa jaula? No Grito Negro, Craveirinha produziu talvez um dos mais vibrantes depoimentos sobre @ alienacdo e revolta jamais escritos. Devido a sua estrutura musical bem demarcada e cheio de significado, este poema perde muito com a tradugdo. Mas vale a pena cité-lo por intero, pois esté entre as obras mais importantes e influentes desse tempo: Eu sou carvéo!* E tu arrancas-me brutalmente do chao e fazes-me tua mina, patrao. Eu sou carvao e tu acendes-me, patréo para te servir eternamente como forca motriz mas eternamente néo, patrao. Eu sou carvéo e tenho que arder, sim e queimar tudo com a forga da minha combustéo. Eu sou carvéo tenho que arder na exploragéo arder vivo como alcatréo, meu irméo até ndo ser mais a tua mina, patréo, Eu sou carvéo tenho que arder queimar tudo com o fogo da minha combustao Sim! Eu serei o teu carvéo, patréo! * wo.) JoubCrowiio, Klgubo, Mopuo, INLD, 1980 13 94 _ eter por Mogariicvn poucos do grupo de Craveirinha conseguiram sair do isolamento e estabelecer 0 ligagao ‘9 teoria e a pratica, Noémia de Sousa abandonou Mogambique, deixou de escrever qe vive agora em Paris. Muitos, incluindo Craveirinha e Honwana, estao na prisdo. ngatane continua a trabalhar em Mogambique mas constantemente vigiado e perseguido policia. De todos os que aqui foram mencionados, apenas Marcelino dos Santos, apes 5ngo periodo de exilio na Europa, se juntou ao movimento de libertagéo, e desde entéo a poesia mudou e evoluiu sob 0 impeto da luta armada. O trabalho de Craveirinha e dos companheiros, todavia, influenciou e inspirou uma geragdo um pouco mols nove de ectuais, muitos dos quais conseguiram escapar a vigildncia policial e juntarse a0 imento de libertacdo. Ai, no contexto da lute armada, esta ganhando forma uma nova igdo literdria. Esta 6 0 geracdo que cresceu apés a Segunda Guerra Mundial e que estava nos bancos sscola quando surgiram os primeiros movimentos de autodeterminagéo em toda 0 Africa. na escola que comecoram a desenvolver as suas ideios politicas e foi na escola que necaram a organizar-se. O proprio sistema de educagéo portugués constituia para eles forte motivo de descontentamento, Os poucos africanos e mulatos que atingiram a escola undéria fizeram-no com grande dificuldade. Eram constantemente discriminados nos “olas frequentadas predominantemente por brancos. Ainda por cima, as escolas tentavom ttor-Ihes 08 lagos com o seu passado, aniquilar os valores que tinham aprendido a respeitar tde @ infancia, e fozer deles “portugueses” em consciéncio, mas ndo em direitos. Esta ‘tativa falhou, como se pode ver pelo relato desta jover africana que frequentava a escola enica em Lourengo Marques hé poucos anos atras: Josina Muthemba: “Os colonialistas queriam-nos enganar com o seu ensino. S6 nos ensinavam a histéria de Portugal, a geografia de Portugal, queriam formar em nos uma mentalidade possiva, para que nos resigndssemos @ sua dominagéo. Nao podiamos reagir abertamente, mas inhamos consciéncia das suas mentiras. Sabfamos que tudo 0 que diziam era falso, que nbs éramos mogambicanos e nunca poderiamos ser portugueses”. (E.F) Em 1949 os alunos da escola secundéria, dirigidos por um pequeno grupo que tinha astudado na Africa do Sul, criaram 0 Ndcleo dos Estudantes Secundérios Africanos de Mogambique (NESAM), que estava ligado ao Centro Associative dos Negros de Mogambique e que também, a coberto de actividades sociais e cuturais, conduzia uma campanha politica entre a juventude pora propagar 0 ideia de independéncia nacional e encorajor a resisténcia 8 sujeigdo cultural imposta pelos portugueses. Desde o inicio a policia vigiou de perto este movimento. Eu proprio, sendo um dos estudantes regressados da Africa do Sul e que fundaram. SNESAM, ful preso em 1949 e longamente interragado acerco das nossas actividades. Apesor de tudo o NESAM conseguiu sobreviver até aos anos 60, e chegou até a publicar uma revista, ‘Akor, que, embora sob rigorosa censura, ojudou a difundir as ideios desenvolvidas nas reunides e discussdes do grupo. ‘A aficécio do NESAM, ossim como a de todas as organizagées deste periodo inicial, fot bastante limitada devido ao reduzido namero de membros, circunscritos nesta altura aos estudantes negros do ensino secundario, Mos pelo menos deu trés importantes contributos para a revolugdo. Espalhou as ideios nacionalistas entre a juventude negra educada. Conseguit fazer uma certa revolorizacéo da cultura nacional, que neutralizou as tentativas feitas pelos portugueses de levar os estudantes africanos a desprezar e abandonar o seu proprio povo - 0 NESAM constitufa uma oportunidade dinica para estudar e discutir Mogambique como uma entidade prépria e ndéo como um opéndice de Portugal. Por ultimo, mas talvez 0 contributo ‘mois importante, ao cimentar 0s contactos pessoais, estabeleceu uma rede de comunicagéo 95 Eduardo Mondiano © nivel nacional, que abrangia néo s6 os membros antigos como aqueles que ainda frequentavam a escola, e que poderia ser utilizada em futuras acces clandestinas. Por exemplo, quando a FRELIMO se estabeleceu na regido de Lourengo Marques em 1 962-63, os membros do NESAM foram os primeiros a ser mobilizados e organizaram uma estrutura de apoio ao partido. A policia secreta, PIDE, também se apercebeu disto, e interditou o NESAM. Em 1964 prenderam alguns dos seus membros e forgaram outros ao exilio. Nessa altura, Josina Muthemba participava activamente no NESAM, e descreve esta situago de opressdo e o destino do seu proprio grupo: “Queriamos nos organizar, mas éramos perseguidos pela policia secreta. Faziamos lades culturais e educativas, mas durante as discusses, conversas e debates tinhamos que tomar sempre cuidado com a policia 9...). A policia perseguia-nos, chegaram até a interditar o NESAM. Fui presa quando tentava fugir de Mocambique. Fui presa em Victoria Falls na fronteira entre a Rodésia e a Zambia. A policia rodesiana prendeu-me e enviou-me de novo para Lourengo Marques (a policia rodesiana trabalhava em estreita colaboragdo com a policia portuguesa). Eramos grupo, tanto rapazes como raparigas. A policia portuguesa ameagou-nos, interrogou- -nos e bateu nos ropazes. Fiquei seis meses na prisdo sem julgamento ou condenagao. Estive seis meses na prisdo sem terem sequer aberto um processo de acusagao contra mim”. (EF) Pouco tempo depois, 75 membros do NESAM foram presos pela policia sul-africana e entregues & PIDE, quando tentavam atravessar a Suazilandia a caminho da Zémbia. Encontram-se ainda em campos de concentragao no sul de Mocambique. Em 1963 alguns antigos membros do NESAM fundaram a UNEMO, Unido de Estudantes Mogambicanos, que faz parte da FRELIMO e que organiza os jovens mocambicanos que estudam sob os auspicios da FRELIMO. Em Portugal, os poucos estudantes negros ou mulatos que conseguiram chegar ao ensino superior juntaram-se na Casa dos Estudantes do Império (CE!), eestabeleceram também uma ligacéo, através do Clube dos Maritimos, com marinheiros das colénias que vinham frequentemente a Lisboa. Em 1951 os membros da CEI criaram o Centro de Estudos Africanos, embora este ndo fizesse parte da CEI. Apesar da actuagao repressiva da policia, a CEI contribuiu ‘activamente, até 4 sua dissolugo em 1965, para difundir nas colénias a ideia de independéncia nacional, para divulgar informagées sobre as colénias a nivel mundial, e para fortalecer e consolidar as ideias nacionalistas no seio da juventude. Em 1961, um numeroso grupo destes estudantes, frustrados e por fim ameacados pela persisténcia da acgéo policial, atravessou clandestinamente a fronteira e dirigiu-se para a Franca e Suica, rompendo de forma piblica ¢ irreversivel com o regime portugués. Muitos deles estabeleceram imediatamente contactos com os respectivos movimentos nacionalistas, e varios destes antigos estudantes do “Império portugués” fazem agora parte da direcdo da FRELIMO. Acgéo do proletariado Se foi entre os intelectuais que mais se desenvolveu o pensamento e a organizacéo politica no period apés a Segunda Guerra Mundial, foi entre o proletariado urbano que surgiram as primeiras experiéncias de resisténcia activa e organizada. A concentracéo de méo-de-obra dentro e ao redor das cidades, e as terriveis condicdes de trabalho e pobreza, constituiram 0 incentivo fundamental para.a revolta. Mas na auséncia de sindicatos, somente 96 Liter por Mopambiquo grupos Politicos clandestinos podiam estabelecer a necesséria organizagao. Os unicos sindicatos autorizados pelos portugueses so os sindicatos fascistas, ae chefes so escolhidos pelas entidades empregadoras e pelo Estado, e que, de qualquer modo, #6 aceite como membros os robalhadores brancos e, acasionelmente ficanos cossimilodos. alti doa CORteme descontentomento daforga de trabotho, em conjunto com a agitagso paltca, d igem a uma série de greves no cais de Lourenco Marques e em plantacoes junto @ cidade, que culminaram num levantamento fracassado em Lourengo Marques em 1948. Os participantes foram ferozmente reprimidos, e varias centenas de africanos foram deportados para So Tomé. Em 1956, ainda em Lourengo Marques, houve uma greve de trabalhadores do cais que acabou com a morte de 49 dos seus porticipantes. Depois, em 1962-63, elementos da accéo clandestina da FRELIMO encarregaram-se do trabalho de organizagéo e criaram um sistema mais coordenado, que ajudou a planear a série de greves portudrias que tiveram lugar em 1963 em Lourenco Marques, Beira e Nacala, Apesar da sua larga extensdo, este ultimo esforgo também resultou na morte e prisGo de muitos dos seus participantes. Embora existisse alguma organizagao politica entre os trabalhadores responséveis pelas greves, a actividade grevista era em grande medida espontdnea e quase sempre localizada. O seu fracasso e a repressdo brutal que sempre se Ihe seguiu fizeram com que, temporariamente, tanto as massas como os seus dirigentes, deixassem de considerar as greves como armas politicas eficazes no contexto de Mocambique. Acaminho da unidade Tanto a agitagao dos intelectuais como as greves da forga de trabalho urbana estavam destinadas ao fracasso, porque em ambos os casos resultavam da accéo de um pequeno grupo isolado. Para um governo como o de Portugal, que se opée & democracia e esté disposto a utilizar métodos extremamente brutais pora esmagar a oposigéo, néo ¢ dificil lidar com estes nticleos isolados de resisténcia. Contudo, foi o proprio fracasso destas tentativas e @ feroz repressdo que se Ihes seguiu que puseram em evidéncia a ineficdcia das acgdes isoladas e prepararam o terreno para uma ac¢éo a nivel mais alargado. A populagéo urbana de Mocambique néo ultrapassa meio milhdo de habitantes. Um movimento nacionalista sem roizes firmes no campo nunca poderé ter sucesso. ‘Alguns acontecimentos, que tiveram lugar nas zonas rurais no periodo imediatamente anterior & fundagao da FRELIMO, foram de grande importéncia. Eles assumiram um cardcter mais extremo nas regides do norte & volta de Mueda, embora também se registassem com. menor intensidade noutras regides. Em primeiro lugar, foi o impacto que o fracasso do movimento cooperativo, atrés descrito, teve sobre a populagao. A reacgao dos dirigentes esté bem ilustrada nas palavras do préprio Lézaro Kavandame: “NGo consegui dormir toda noite. Sabia que a partir daquele momento nao me deixariam mais em paz, que tudo o que eu fizesse seria vigiado e controlado de perto pelos autoridades, que me chamariam mais e mais vezes ao posto administrativo que seria constantemente vigiado pela policia. A minha Gnica esperanga era a fuga (..). Tratémos imediatamente de organizar uma reuniéo com os dirigentes locais para discutir sobre os meios de acgdo para reconquistar a nossa liberdade e expulsar 08 portugueses opressores da nossa terra. Depois de um longo e importante debate, chegdmos & conclusdo de que 0 povo Maconde, $6 por si, ndo conseguiria expulsar © inimigo. Decidimos entéo unitmo-nos aos mogambicanos do resto do pais”. (Relatério oficial) 97 Eduardo Mondlane © outro acontecimento, também associado as cooperativas, foi o crescimento da agitagdo espontanea, que culminou com a grande demonstragéo de 1960 em Mueda. Esta manifestagdo, embora passasse despercebida no resto do mundo, constituiu um factor cotalisador na regio. Mais de 500 pessoas foram mortas a tiro pelos portugueses, e muitos daqueles que até entéo nunca tinham pensado no uso da violéncia passaram a considerar a resisténcia pacifica como initil. A experiéncia de Teresinha Mbale, agora militante da FRELIMO, mostra porqué: “Eu vi a forma como os colonialistas massacraram o povo de Mueda. Foi |é que perdi o meu tio. © nosso povo estava desarmado quando eles comegaram a disparar”. Ela juntou-se aos milhares de pessoas que decidiram néo mais enfrentar a violéncia portuguesa sem armas na méo. Alberto Joaquim Chipande, na altura com 22 anos, e um dos nossos actuais dirigentes em Cabo Delgado, dé-nos um relato mais completo desse “Alguns dirigentes trabalhavam connosco. Alguns deles foram levados pelos portugueses — Tiago Muller, Faustino Vanomba, Kibiriti Diwane — no massacre de Mueda em 16 de Junho de 1960. Como é que isso aconteceu? Bem, alguns desses homens tinham contactado as autoridades e pedido mais liberdade e melhores saldrios (...). Pouco tempo depois, quando 0 povo comegava a apoiar estes dirigentes, os portugueses mandaram a policia és aldeias, convidando as pessoas para uma reunido ‘em Mueda. Vérios milhares de pessoas vieram ouvir 0 que os portugueses tinham para dizer. De facto, o administrador pedira ao governador da Provincia de Cabo Delgado para vir de Porto Amélia e trazer uma companhia de soldados. Mas estes soldados esconderam-se ao chegar a Mueda. A principio ndo os vimos. Entéo 0 governador convidou os nossos chefes para o gabinete do administrador. Eu estavo cé fora a espera, Estiveram Ié dentro 4 horas. Quando sairam para a varanda, ‘© governador perguntou & multiddo se alguém queria falar. Muitos pediram a palavro, € 0 governador mandou que todos esses passassem para o mesmo lado. Depois, sem mais uma palavra, mandou a policia atar as méos daqueles que estavam & parte, e a policia comecou a espancé-los. Eu estava perto. Vi tudo. Quando © povo viu 0 que estava a acontecer, comecou a manifestar-se contra os portugueses, e estes mandaram simplesmente os camides da policia avangar e recolher os presos. Houve entdo mais protestos contra esta medida. Nesse momento as tropas estavam ainda escondidas, e 0 povo avancou para perto da policia para impedir que os presos fossem levados. Entdo 0 governador chamou as tropas, e quando elas apareceram mandou abrir fogo. Mataram cerca de 600* pessoas. Agora os portugueses dizem que castigaram 0 governador, mas certamente apenas o transferiram para outro lugar. Eu proprio escapei porque estava perto de um cemitério onde me pude abrigar, ¢ depois fugi”. (E.D.) Depois do massacre, a situagéo no norte nunca mais voltou ao normal. Espalhou-se por toda a regiéo um édio amargo contra os portugueses e ficou de uma vez por todas demonstrado que a resisténcia pacifica era inittl ‘Assim, em todo o lado, foi a prépria severidade da repressdo que criou as condigdes necessdrias para o desenvolvimento de um movimento nacionalista forte e militante. O cerco opertado de policia conduziu toda a actividade politica para a clandestinidade, e— em parte devido as dificuldades e perigos envolvidos — a actividade clandestina acabou por se tornar ‘a melhor escola de formacdo de quadros politicos fortes, dedicados e radicais. Os excessos. —————— NE | Nnera nesocio pae uoslonieseiraron emma de 00 ou mat de $00 motos. 98 Luter porngambique do regime destruiram toda a possibilidade de reformas que, ao melhorarem um pours condigées, poderiam ter protegido os principais interesses do governo colonial contra u. sério otaque, pelo menos por mais algum tempo. As primeiras tentativas para criar um movimento nacionalista a nivel nacional foram feitas pelos mocambicanos que trabalhavam nos paises vizinhos, onde estavam fora do alcance imediato da PIDE. No inicio, 0 velho problema de falta de comunicagao levou & criagéo de trés movimentos separados: UDENAMO (Unido Democrética Nacional de Mogambique), formada em 1960 em Salisbury; MANU (Mozambique African National Union), formada em 1961, a partir de varios Pequenos grupos jé existentes entre os mogambicanos trabalhando no Tanganhica e Quénia, sendo um dos maiores o Mozambique Makonde Union; UNAMI (Unido Africana de Mocambique Independent), fundada por exilados da regido de Tete que viviam no Malawi. Oacesso de vérias antigas colénias independéncia no final dos anos 50 e inicio de 60 influenciou a formacéo de movimentos de “exilados”, e a independéncia do Tanganhica em 1961, abria novas perspectivas para Mocambique. Pouco tempo depois, estes trés movimentos abriram escritérios separados em Dar-es-Salaam. Em 1961, aumentou a repressdo em todos os territérios portugueses apés a revolta em Angola, © que causou uma afluéncia de refugiados aos paises vizinhos, particularmente ao Tanganhica (agora Tanzénia). Estes exilados recentemente vindos do interior, muitos dos quais ndo pertenciam a nenhuma das organiza¢ées jé existentes, exerceram uma forte pressGo para a criagdo de uma unica organizagéo. As condicées externas também favoreceram a unidade: a Conferéncia das Organizacées Nacionalistas das Colénias Portuguesas (CONCP) realizada em Casablanca em 1961 e na qual a UDENAMO participou, fez um apelo vigoroso & unidade dos movimentos nacionalistas contra o colonialismo portugués. A conferéncia de todos os movimentos nacionalistas, convocada pelo Presidente do Gana, Kwame Nkrumah, também apoiou a formagao de frentes unidas, e no Tanganhica, o Presidente Nyerere exerceu uma influéncia pessoal sobre os movimentos sediados naquele territorio com vista & sua Uunificagdo. Assim, a 25 de Junho de 1962 os trés movimentos existentes em Dar-es-Salaam fundiram-se para formar a Frente de Libertacdo de Mogambique (FRELIMO), e iniciaram-se preparativos para a realizacéo de uma conferéncia em Setembro do mesmo ano, que iria definir os objectivos da Frente e tracar um programa de acgao. Uma breve descrigéo de alguns dos dirigentes do novo movimento revela como os varias organizacées politicas e parapoliticas de todo o territério nele estavam integradas. O Vice-Presidente, Reverendo Uria Simango, é um pastor Protestante da regido da Beira que esteve envolvido em associagées de ajuda mitua e que foi o chefe da UDENAMO. Também dos associagées de ajuda miitua veio Silvério Nungu, mais tarde Secretario da Administragéo da FRELIMO, e Samuel Dhlakama, agora membro do Comité Central. Das cooperativas de camponeses do norte de Mocambique velo Lézaro Kavandame, mais tarde Secretario Pro- ‘cial de Cabo Delgado, e também Jonas Namushulua e varios outros. Das associagées de ajuda mitua de Lourengo Marques e Xai-Xai no sul de Mogambique veio 0 falecido Mateus Muthemba, e Sharffudin M. Khan, que foi representante da FRELIMO no Cairo e ¢ agora nosso representante nos Estados Unidos. Marcelino dos Santos, mais tarde Secretério da FRELIMO para os Assuntos Externos e agora Secretdrio do Departamento de Assuntos Politicos, & um poeta de renome internacional. Participou activamente no movimento literério em Lourengo Marques e viveu depois alguns anos exilado em Franga. Edvarde Mondlane $$ Eu proprio sou do distrito de Gaza no sul de Mogambique, e, como muitos outros, o meu envolvimento na resisténcia, duma maneira ou doutra, remonta @ minha infancia. Comecei a minha vida, como muitas criangas de Mogambique, numa ald ‘anos passava 0s dias pastoreando 0 gado da minha familia juntamente com os meus irmaos, e absorvendo as tradigées da minha tribo e familia. A minha ida para a escola deve-se totalmente & larga viséo da minha mée, que foi a terceira e ultima mulher de meu p mulher de forte cardcter e inteligéncia. Ao tentar continuar os meus estudos apés instrucéo Primaria, sofri toda a espécie de frustragées e dificuldades que estavam reservadas 4 crianca Gfricana que tentasse entrar no sistema portugués. Finalmente consegui ir para a Africa do Sule, com a ajuda de alguns dos meus professores, arranjei bolsas de estudo para frequentar ‘© ensino secundario. Foi durante este periodo que comecei a trabalhar com o NESAM, e tive sérios problemas com a policia. Quando me ofereceram uma bolsa de estudos para a América, 08 autoridades portuguesas decidiram enviar-me antes para a Universidade de Lisboa. Durante ‘a minha breve estada nesta cidade, contudo, fui tao assediado pela policia que isso interferia. com os meus estudos, e tentei continuar a minha bolsa de estudos nos Estados Unidos. Tendo-o conseguido, estudei Sociologia e Antropologia nas Universidades de Oberlin e do Noroeste, e depois trabalhei nas Nacdes Unidas como investigador na secgdo de Territérios sob Tutela da ONU. Entretanto tentei acompanhar 0 mais que pude o evoluir da situagéo em Mocambique, e fiquei cada vez mais convencido, por aquilo que vi e a partir de contactos ocasionais através das Nagées Unidas com diplomatas portugueses, que a simples pressdo politica e agitagao no modificariam a posigdo portuguesa. Em 1961 tive a oportunidade de visitar Mogambique durante as minhas férias, e viajando por toda a parte verifiquei com os meus préprios olhos ‘as condigées existentes e as mudangas que tinham ou nao ocorrido desde a minha partida. ‘Ao regressar, deixei as Nagdes Unidas para me dedicar totalmente a luta de libertagdo, e arranjei um emprego dando aulas na Universidade de Siracusa, 0 que me deixava mais tempo livre para estudar melhor a situagGo. Estabeleci contactos com todos os grupos de libertagdo, mas recusei juntar-me a qualquer um deles em separado, pois eu era um dos que defendiam vigorosamente a unidade nos anos de 1961 e 1962. ‘Os mogambicanos que se reuniram em Dar-es-Salaam em 1962 representavam quase todas as regiées de Mogambique e todos os sectores da populagéo. Quase todos tinham alguma experiéncia de resisténcia em pequena escala e tinham sofrido as represélias que normalmente se seguiam. Tanto dentro como fora do pais, as condigdes eram favordveis & luta nacionalista. O problema estava em se nés saberiamos conjugar essas vantagens de forma a tornar 0 nosso movimento forte em todo © pais, capaz de desencadear acgées eficazes que, a0 contrario dos anteriores esforgos isolados, atingissem mais os portugueses do que a nés préprios. 100 Eduardo Mordtan@ © 8. Tomar as medidas necessérias a fim de aprovar as necessidades dos érgé0s dos diferentes escalées da FRELIMO; 9. Encorajar e apoiar a formagdo e consolidagéo das organizacées sindicais, de estudantes, da juventude e das mulheres; 10. Cooperagéo com as organizagées nacionalistas das outras colénias portuguesas; 11. Cooperagao com as organizagées nacionalistas africanas; “12. Cooperagao com os movimentos nacionalistas de todos os paises; 13. Obtengdo de funds junto das organizagées que simpatizam com a causa do povo de Mogambique, fazendo apelos puiblicos; 14. Obtengdo de meios para a autodefesa e para manter e desenvolver a resistencia do pove mogambicano; 15. Programa permanente por todos os meios a fim de mobilizar a opiniéo publica mundial em favor da causa do povo mocambicano; 16. Diligéncias junto de todos os paises a fim de realizar campanhas e manifestagSes puiblicas de protesto contra as atrocidades cometidas pela administragdo colonial portuguesa, assim como para a libertagao imediata de todos os nacionalistas que se encontram nas prisées colonialistas portuguesas; 17. Obtencdo de ajuda diplomética, moral e material, para a causa do povo mogambicano junto dos Estados Africanos e de todos os Estados amantes da paz ¢ liberdade”. Estes objectivos podiam ser resumidos em: consolidagéo e mobilizagdo; preparagéo para a guerra; educagéo e diplomacia. Anecessidade da luta armada Embora decididos a fazer tudo 0 que estivesse ao nosso alcance para tentar obter a independéncia por meios pacificos, estévamos jé convencidos nesta altura de que a guerra seria necessdria. Pessoas mais familiarizadas com as politicas das outras poténcias coloniais acusaram-nos de recorrer 4 violéncia sem justa causa. Isto é parcialmente refutado pelo fracasso obtido por todo o tipo de actividades de cardcter legal, democratico e reformista tentadas durante os ultimos 40 anos. O carécter do préprio governo portugués torna & partida improvével qualquer solugéo pacifica. Mesmo dentro de Portugal, 0 governo nunca promoveu nem o desenvolvimento econémico sélido nem o bem-estar social, e goza de muito pouco respeito internacional. A posse das col6nias ajudou a camuflar estes fracassos: as colénias contribuiram para a economia; aumentaram o prestigio de Portugal, particularmente no mundo das finangas; criaram 0 mito nacional de império, o que ajuda a desencorajar qualquer manifestagdo de descontentamento por parte de uma populagéo fundamentalmente insatisfeita. O governo 102 Fesenvolvimento local; as colénias atenu porque a emigracdo oferece aos pobre : tendo 0 governo fascista eliminado a democracia no interior de Manto: Mais ainda, permitir maior liberdade aos povos das suas colénios, supostonente eo ence Poderé Apesar de tudo isto, foram feitas tentativas para persuadir o dave ny em conta a aceltacdo generalizada do principio de actodetermre, ao, Mos ees pune forom recompensodos com qualgser ese oe asee Mas esses esfris prisdo, @ censura e o fortalecimento da PIDE, a policia secreto. O corticter do PIDE é on mesmo. Ci factor importante. Tem uma forte tradigao de violéncia — os seus meats ey ere Gestapo — e goza de uma considerdvel autonomia, que lhe permite Esta a razdo porque a acti da “acgéo clandestina” idade politica em Mogambique teve de recorrer as técnicas clandestina”, do segredo e do exilio. No Unica ocasido recente em que foi feita uma aproximagao directa, o que sucedeu depois constitui uma ligGo a nao esquecer. Foi 0 incidente, j6 mencionado, ocorrido em Mueda em 1960, em que foram mortos cerca de 500 africanos. Tinha sido planeada como uma manifestagéo pacifica e em certa medida surgiu devido & provocagéo policial: as autoridades sabiam que havia agitagao politica na érea, quase toda ela clandestina, e tinham espalhado a ideia de que o governador estaria presente numa reunido publica no dia 16 de Junho, na qual daria a independéncia ao povo Makonde. O que a policia fez, portanto, foi provocar uma manifestacdo publica de descontentamento, matando ou prendendo logo em seguida todos aqueles que estavam envolvidos. Esperavam deste modo afastar os chefes, intimidar a populagao e dar um exemplo para as outras regides. ‘Mas apesar da sua ferocidade, esta accao foi s6 parcial e temporariamente bem sucedida. Eliminou alguns dos chefes, mas outros ficaram, enquanto que a populagao, longe de ficar intimidado, tornou-se mais decidida do que nunca a resist. Alguns exilados e aqueles que estavam envolvidos na oposi¢do clandestina esperavam de inicio que Portugal, apesar de se mostrar insensivel as exigéncias pacificas dos povos das colénias, talvez desse ouvidos as organizagées internacionais e as grandes nagées do mundo, se estas interviessem a scu favor. Devido a questéo de Goa, Portugal tinha sofrido uma certa pressdo internacional durante 0 década de 50. Mas a tinica resposta de Portugal foi a legislagéo do inicio dos anos 60, que aparentemente introduziu reformas mas ndo fez qualquer concesséo co principio da autodeterminagéo. Desde entéo Portugal tem ignorado ou rejeitado todos os opelos doutros estados ou organizagées internacionais feitos a favor dos povos das suas colénias. Além disso, nem todas as grandes nagdes nos apoiavam. Desde 1961, a maior parte das poténcias ocidentais, incluindo os Estados Unidos, ndo tém apoiado as resolugdes das Nagées Unidas que pressionam Portugal a conceder 0 direito de autodeterminagao aos povos dos seus territorios ndo auténomos. Em 1961, duas conclusdes eram evidentes. Em primeiro lugar, Portugal nao admitiria nunca 0 principio de autodeterminagéo e independéncia, nem permitiria qualquer desenvolvimento democrético sob a sua administragdo, embora fosse claro nessa altura que 0s préprias solugdes “portuguesas” para a nossa condicao de oprimidos, tais como a assimilagdo através de colonatos multirraciais, escolas multirraciais, eleic6es locais, etc., tinham provado ser uma fraude sem sentido. Em segundo lugar, a acco politica moderada como as greves, manifestagdes e petigées, trariam como iinico resultado a destruigao dos que nelas tomassem parte. Restavam-nos, portanto, apenas duas alternativas: continuar indefinidamente. «a viver debaixo de um regime imperial e repressivo, ou encontrar uma forma de empregar a forca contra Portugal que fosse suficientemente eficaz para prejudicar Portugal sem provocar @ nossa prépria ruina. 103 Eduardo Mondlane Esta foi a razéo por que, para os dirigentes da FRELIMO, a acgao armada apareceu como a Unica saida. Na verdade, a auséncia de qualquer oposi¢ao ao uso da forca foi um dos factores que contribuiu para ter havido um periodo tao curto entre o fundagao da FRELIMO em 1962 e 0 comeco da luta armada em 25 de Setembro de 1964. Preparagao Para criar condigées para o sucesso da luta armada tivemos que, por um lado, preparar © populagdo dentro de Mogambique e, por outro lado, recrutar e formar pessoas para assumir as responsabilidades que essa luta implicoria. . . Dentro de Mogambique existiam jé as boses estruturais necessdrias para poder iniciar trabalho de preparaco. Quase todos os que se juntaram em Dar-es-Salaam para formar a FRELIMO eram membros de movimentos clandestinos dentro de Mogambique. Os trés grupos que se fundiram tinham membros em vérias regides, e esses, juntamente com a rede do NESAM e as pessoas que haviam tomado parte no movimento fracassado das cooperativas no norte de Mocambique, constituiram a base de uma organizagdo que tinha de ser depois consolidada e alargada, Através dela, era preciso explicar 6 populagdo os objectivos do partido, © povo precisava de ser organizado em células, era preciso elevar o nivel geral de consciéncia politica, e coordenar as actividades dos células. Isto foi feito por elementos clandestinos através de panfletos e “telegramas do mato”. A forma como funciona uma tal campanha de mobilizagdo € talvez melhor ilustrada através de alguns relatos de actuais militantes da FRELIMO, descrevendo a forma como se juntaram ao partido. Eis 0 que diz Joaquim Maquival “Em 1964 juntei-me & FRELIMO porque 0 nosso povo era explorado. Ainda néo sabia exactamente o que fazer quanto a isso. O povo no sabia o que fazer. Tinhamos couvido dizer que os nossos vizinhos no Malawi tinham sido libertados e viriam libertar- -nos, mas cedo compreendemos que tinhamos de ser nés a libertar-nos. O partido disse-nos que nés e mais ninguém éramos responsdveis por nés préprios. Alguns camaradas vierom explicar-nos muitas coisas, mas mesmo antes disso, logo no comego, ouvimos na rédio que a FRELIMO, dirigida pelo camarada Mondlane, estava a lutar pela libertagdo de todos nés”. (E.F) Gabriel Mauricio Nantimbo conta uma histéria semelhante: “Antigamente vivia num estado de escraviddo, mas néo o sabia. Pensava que o mundo era assim mesmo. Nao sabia que Mogambique era a nossa patria. Os livros diziam que nés éramos portugueses. Depois, por volta de 1961, comecei a ouvir outras coisas. Os velhos das cooperativas comecavam também a agitar-se. Em 1962 até 0s criangas se aperceberam da realidade. A FRELIMO comecou a actuar na nossa zona. Alguns camaradas explicaram-nos © que era a FRELIMO e eu quis entrar no organizaséo. Em fins de 1962, 0 préprio governo sentiu que o partido estava a crescer e iniciou uma grande campanha de repressdo, prendendo e torturando qualquer ur" que fosse suspeito. Muitos preferiram morrer a trair os seus camaradas. © partido ganhou forga. Os dirigentes explicaram-nos a verdade, mostraram-nos qual ef0 9 nossa forca, e ficdmos a saber exactamen iq ite como é 4 ertence 4@ nés endo a Portugal, tinha sido dominado”, (E n Mogambique, que P 104 LLutar por Mogambique Existiam j6 condigées favordveis: 0 sofrimento causado pelo sistema colonial, o desejo de reagir, a coragem e a determinagéo que a guerra exige. A FRELIMO tinha apenas que fornecer 0 conhecimento prético e a organizacao. Trabalho semelhante podia ser feito sem grandes dificuldades no seio do grande ntimero de refugiados que sairam de Mocambique nesta altura. Muitos desses refugiados estavam ansiosos Por regressar e agir contra o sistema que os tinha expulsado. Apenas néo sabiam como fazé-lo, __,_ © Problema da formacéo ndo envolvia s6 0 aspecto militar, Devido és deficiéncias do sistema educacional portugués, 0 nosso movimento tinha uma enorme falta de quadros formados em todos os campos. Previamos jé que o sucesso da futura ac¢do armada levaria dnecessidade de ter pessoas com diversas qualificagées técnicas e um certo nivel de educago bisica. Além disso, 0 estado de ignordncia em que toda a populagéo tinha sido mantida impedia o desenvolvimento de uma consciéncia politica e iria de certo dificultar o futuro desenvolvimento do nosso pats apés a independéncia. Tivemos, e temos, a tarefa de recuperar 98 anos de negligéncia deliberada sob o dominio portugués. Por isso foram elaborados em Paralelo um programa militar e um programa educacional, como aspectos essenciais da nossa luta. A primeira acgao no émbito do programa educacional foi a criagdo, em 1963, de uma escola secundaria em Dar-es-Salaam, o Instituto Mogambicano, para educar as criancas mogambicanas que jé tinham saido de Mogambique, ao mesmo tempo que, por outro lado, se arranjavam bolsas de estudo para institutos superiores no estrangeiro, destinadas aos refugiados que jd possuiam as habilitages necessérias. A perseguicao e dissolucdo de NESAM provocou a saida de muitos dos poucos estudantes que tinham conseguido continuar os estudos para além da instrucdo priméria em Mocambique. Alguns deles estavam ansiosos por se juntarem @ luta imediatamente, s6 com as habilitagdes académicas que jé tinham. Mas outros foram encaminhados para continuar os estudos e obter qualificagdes que poderiam ser titeis no futuro. O Instituto Mogambicano expandiu-se rapidamente. Construido no inicio para comportar apenas 50 estudantes, foi alargado em 1968 para acomodar 120. Além disso, o departamento de educagéo da FRELIMO podia utilizar a organizagéo do préprio Instituto para ajudar a preparar o sistema de educagéo a introduzir dentro de Mogambique, logo que © programa militar estivesse suficientemente desenvolvido para garantir a necesséria seguranga. Na drea militar, a primeira torefa era treinar o niicleo do futuro exército. Contactémos a Argélia, que acabava de obter a independéncia da Franga apés uma guerra de sete anos e estava jé 0 treinar grupos nacionalistas de outras colénias portuguesas. Os dirigentes argelinos aceitaram incluir os mogambicanos neste programa e, em Janeiro de 1963, foi enviado o primeiro grupo de cerca de 50 jovens mogambicanos para a Argélia, seguido pouco tempo depois por mais dois grupos de cerca de 70. Para dar continuidade a este treino, coordenar 08 grupos e prepard-los para lutar dentro de Mocgambique, era necessério achar um pais perto da érea onde se iriam desenrolar os combates, e que nos autorizasse a estabelecer pelo menos um campo militar no seu territério, Deve-se sulientor que esta é uma questéo muito séria. Qualquer pais que aceite acolher uma forca militar desta natureza, mesmo que temporariamente, teré que enfrentar grandes problemas. Primeiro 6 0 problema interno derivado da presenca de uma forca armada que néo esté directamente sob 0 seu controlo. Depois hé as dificuldades diplométicas e de seguranga que surgem logo que o governo contra 0 qual a accéo militar se dirige, descobre a existéncia de um tal campo. Por isso, quando o Tanganhica aceitou ajudar-nos, deu um passo muito corajoso. Hé uma certa ironia histérica na escolha do local da nossa primeira base proximo da dldeia de Bagamoyo. O nome “Bagamoyo” significa “coracao partido” e provém da época do comércio de escravos, quando esta aldeia era um dos principais pontos de partida dos 105 Eduardo Mending escravos em direcgao aos portos da Costa Oriental. Mais tarde, a mesma vila tornou-se a sede da aventura imperialista alemé na Africa Oriental. Este nome adquiriu agora para nos um significado totalmente diferente, pois foi aqui, em Bagamoyo, que pudemos dar os primeiros Passos efectivos para eliminar a serviddo no nosso pais. a ‘Assim que os primeiros grupos passaram pelos rigorosos treinos adicionais em Bagamoyo, regressaram secretamente a Mogambique, preparados para a acgdo e para treinar outros jovens. Em Maio de 1964 jé estavam sendo introduzidas armas € reservos de munigées em Mogambique. © exército tem também um papel important mobilizagdo e educacdo. Os militantes ndo oprend possivel, aprendem a falar portugués assim como a ler e es: jé tinha alguma inatrugso eque Fomientemerte ‘ensinavam os seus camaradas. A educagéo politica é uma componente muito importante na sua formagao, e durante essas aulas os militantes adquirem experiéncia de falar em publico e de trabalhar em grupo, ao mesmo tempo que aprendem os rudimentos da andlise politica e os antecedentes histéricos e geograficos da luta. Assim o préprio exército transforma-se num importante agente de mobilizagao e educacéo litica junto da populagéo. rs Outro Secor do trabalho da FRELIMO durante este periodo inicial foi a actividade diplomatica e de informagéo. O objectivo desta acgao ero, por um lado, quebrar o siléncio que envolvia Mocambique, desmascarar os mitos espalhades pelos poderosos servigos de propaganda dos portugueses e, por outro lado, mobilizar a opiniée publica a favor da luta em Mocambique, obter apoio material e isolar Portugal. Isto implicava a participagée activa nas organizagées internacionais, e 0 envio de delegados ds conferéncias internacionais e de representantes para varios paises. Para facilitar este trabalho, foram abertos escritérios permanentes fora da Tanzania, particularmente no Cairo, Argel e Lusaca. Para propagar a informacéo, elaboraram-se documentos para conferéncias e reuniées, redigiram-se artigos, e, a partir do escritério de Dar-es-Salaam, iniciou-se a publicagdo regular dum boletim em inglés, o Mozambique Revolution, enquanto que 0 escritério de Argel publicava periodicamente um boletim em francés. ea desempenhar nas campanhas de lem s6 a ciéncia militar. Tanto quanto ‘crever, com aqueles que jé tinham Problemas Em muitos aspectos, o periodo de preparagéo causa mais tensdes a um movimento do que 0 periodo de acgGo. Assim que a luta comega, gera-se um sentimento de solidariedade perante 0 perigo imediato frente ao inimigo. Além disso, © movimento pode demonstrar a sua copacidade: pode opresentar resultados concretos do seu trabalho e justificar na pratica a sua politica. A medida que se afirma, cresce 0 entusiasmo e a confianga dos seus proprios ‘membros, co mesmo tempo que aumenta o interesse e 0 apoio do exterior. Durante o periodo de trabalho clandestino e secreto, contudo, pouco se pode ver do partido a excepgao do seu nome, escrit6rio e um grupo de exilados que dizem ser dirigentes nacionais mas cuja integridode € muitas vezes posta em causa. E nesta altura que um movimento é especialmente vulneravel 00 conflitos internos e as provocacées externas, ei as Cy ones da FRELIMO, o perigo potencial foi agravado pela fatto Soh mnacs set ditgents es trabalho de grupo. Muitos dos seus membros pou cra mois Foch nore também sobre o conjuntura politica contempordnea, Por outro oe inter a unidade pelo facto de ndo existirem outros partidos. Apés 0 unificage° em 1962, 0 nosso . pea Problema ndo era ji in vais i ir que surgissem facgées internas. juntar importantes grupos rivais, mas imped 106 Lutar por Mogambique A notureza heterogénea dos membros da FRELIMO comportava certos perigos mas também algumas vantagens. Vinhamos de varios pontos de Mocambique e de diversas posigées sociais: estovam representados diferentes grupos étnicos e linguisticos, varias ragas, varios religides, varias origens sociais e politicas. As possibilidades de conflitos eram ilimitadas, e verificémos que era preciso fazer um esforgo consciente para preservar a unidade. O princi- pal meio utilizado foi a educacdo. Desde o inicio, desenvolvemos a educacéo politica para combater 0 tribalismo, racismo e a intolerdncia religiosa. O portugués foi mantido como lingua oficial sobretudo por razdes de conveniéncia, porque nenhuma lingua africana tinha uma divulgacéo téo ampla como por exemplo 0 Swahili na Tanzania. O trabalho, porém, & muitas vezes desenvolvido noutras linguas, e o facto de pessoas de diferentes éreas trabalharem frequentemente em conjunto, estimulou a aprendizagem dessas linguas. Desde o principio, as unidades militares tinham uma composi¢éo bastante heterogénea e a experiéncia de trabalhar juntamente com pessoas de diferentes tribos contribuiu bastante para atenuor a fricgdo tribal. A FRELIMO é um organismo totalmente laico. Dentro dela todas as religides sd0 toleradas e uma grande variedade é praticada, ‘Mesmo assim, pouco depois da formagéo da FRELIMO houve a tendénci de alguns individuos, de se intitulorem representantes de Mogambique e formarem organizagées divisionistas e ficticias. Isto deveu-se principalmente 4 conjungdo de certas ambigées pessoais com as manobras dos portugueses e outros interesses ameagados pelo movimento de libertacdo. Logo no principio apareceu o COSERU (Comité Secreto de Restauragéo da UDENAMO), o qual deu origem @ nova UDENAMO, que por sua vez se dividiu em nova UDENAMO-Acra, e nova UDENAMO-Cairo. Ambos os grupos ja desapareceram. Além disso, emergiu uma nova UNAMI (agora desaparecida), uma nova MAN, e outras variagées sobre 0 mesmo tema. Os individuos que formavam estes grupos ram quase sempre os mesmos. Depois, em 1964, formou-se um grupo chamado MORECO (Mozambican Revolutionary Council), que mais tarde se transformou em COREMO e quase imediatamente sofreu novos rupturas, visto que o Presidente, o Secretério-Geral eo Secretério. Plenipotencidrio, se expulsaram mutuamente. Existe agora uma facgéo da COREMO em Lusaca e uma outra no Cairo que parecem estar separadas por diferentes ideologias. A COREMO-Lusoca sofreu recentemente mais uma ruptura, que resultou na formagéo de mais um novo grupo chamado Unido Nacional Africana da Rombézia. O programa da UNAR tem como objectivo enfraquecer 0 trabalho da FRELIMO na drea situada entre 0s dois grandes rios do norte de Mogambique, o Zambeze e o Rovuma. Numa anélise muito benévola, podemios dizer que os dirigentes do grupo devem ser muito ingénuos para acreditar nos rumores, langados pelos portugueses, de que Portugal estaria disposto a entregar a terca parte norte do pais ao Malawi se, com essa manobra, Ihe fosse dada « garantia de eterno controlo sobre 0s dois tercos de Mogambique a sul do Zambeze. E importante salientar que a sede da UNAR é em Blantyre, e que os seus chefes gozam da protecgdo e cooperagdo de algumas figuras influentes do Malawi Congress Party. ‘A COREMO-Lusaca é a unica destes grupos que tentou realizar alguma acgao dentro de Mocambique: em 1965, apoiantes da COREMO iniciaram acgées militares em Tete, mas foram imediatamente esmagados. Aparentemente néo realizaram qualquer trabalho preparatério de base pare apoiar esta acgao. Em resultado da repressGo que se seguiu, cerca de 6000 pessoas fugiram para o Zémbia, e o governo da Zémbia pensou a principio que, como a ac¢ao tinha sido instigada pela COREMO, todas elas fossem apoiantes da COREMO. Contudo, depois de interrogé-las, verificaram que nunca tinham ouvide falar da COREMO, € ‘aqueles que pertenciam a algum partido eram membros da FRELIMO. Nenhum destes movimentos separatistas, felizmente, foi suficientemente sério co ponto de conseguir interferir com o trabalho no interior de Mogambique, visto que a maioria deles nao tinha mais do que um escritério e um pequeno grupo de apoio composto por exilados. por parte 107 ‘Lutar por Mogambique 7 A GUERRA A missdo de hoje* camareda 6 caver 0 sole bibsico ds Revoligio lazer crescer um povo forte com uma PM, uma bazools, uma 19.7 Do poema “Apontar uma moral a um camarada” de Marcelino dos Santos A luta armada teve inicio a 25 de Setembro de 1964. O ‘exército portugués esperava um ataque, mas tinha subestimado tanto a nossa capacidade ‘como os nossos objectivos. Eles supunham que a nossa estratégia se basearia num assédio constante as forcas portuguesas junto @ fronteira, com a finalidade de pressionar as autoridades portuguesas a chegar a um ac6106107rdo. Por outras palavras, a FRELIMO, protegida pelo “santudrio” da Tanzania, néo faria mais do que uma série de incursées do tipo otaca-e--foge através da fronteira. Para se defender de tais acgées, 0 exército portugués tinha colocado uma grande forca ao longo da margem do Rovuma e tinha evacuado a populagéo que vivia junto a fronteira, : AFRELIMO, contudo, preparara-se néo para estas acgSes, mas para uma guerra popular em larga escala contra as Forgas Armadas Portuguesas, uma guerra que levaria finalmente a derrota ou rendicdo dos portugueses. Esta subestimagdo das nossas intencées foi certamente benéfica para nés na fase inicial da guerra. © Comité Central tinha instruido as forgas da FRELIMO para desencadear operagées simulténeas em vérios pontos no interior do pais. Nao iriam “invadir” 0 pais, como os portugueses esperavam, mas estariam, na verdade, jé Ié dentro, fazendo reconhecimento das posigdes portuguesas e recrutando novos membros. ‘As forcas da FRELIMO desencadearam varias accées no dia 25 de Setembro, atacando uma série de postos administrativos e militares na provincia de Cabo Delgado. Em Novembro, a luta jé se tinha estendido para as provincias do Niassa, Zambézia e Tete, forcando os portugueses a dispersar as suas tropas e impedindo a realizagdo de um contra-ataque eficaz ou permanente. Confrontado com acgées em quatro provincias ao mesmo tempo, 0 exército portugués ndo estava em posigdo de organizar operagdes ofensivas sem deixar outras posi¢Ges * 18.0, Moreno dos Santos, Canto do Amer Notwcl, Maputo, AEMO, 1964: 10 M3 Eduardo Mondiang vitais desprotegidas. Em resultado disso, a FRELIMO péde consolidar a sua posi¢o estratégica em Niassa e Cabo Delgado, que era o objectivo da primeira fase da guerra. As unidades que ‘operavam na Zambézia e em Tete foram retiradas e provisoriamente reagrupadas em Niassa ¢ Cabo Delgado, para reforcar a capacidade ofensiva da FRELIMO e para assegurar que as Vitérias alcangadas nestas provincias fossem mantidas e que se criasse umo base sélida para ‘Acgo politica e militar a partir do interior. Os portugueses, por outro lado, néo podiam retirar {8 suas forgas de Tete e da Zambéria, pois se o fizessem correriom o risco de enfrentar uma nova ofensiva nestas dreas. Deste modo 0 inimigo foi obrigado o manter um grande nimero de tropas imobilizadas, enquanto todas as forgas da FRELIMO podiam ser postas em accdo. Dado 0 sucesso destas primeiras operacées, foi possivel intensificar 0 recrutomento & melhorar a nossa organizacéo. A 25 de Setembro de 1964, @ FRELIMO tinha apenas 250 homens treinados e equipados, que operavam em pequenas unidades de 10 a 15 homens cada uma. Em meados de 1965, as forcas da FRELIMO actuavam j4 em unidades com o tamanho de uma companhia, e em 1966 as companhias foram organizadas em batalhoes. Em 1967 0 exército da FRELIMO atingira uma forga de 8000 homens treinados e equipados, sem contar com as milicias populares ou os recrutas treinados que nao estavam ainda armados, Por outras palavras, a FRELIMO aumentou 32 vezes mais a sua forca de combate nos ultimos trés anos. Pelo lado portugués, © aumento constante do niimero de efectivos do exército e do orgamento militar atestam o impacto que a guerra ja comeca a ter. Em 1964 havia cerca de 35.000 soldados portugueses em Mocambique, e em fins de 1967 havia entre 65.000 a 70.000. Em meados de 1967, a Assembleia Nacional em Lisboa aprovou uma lei baixando a idade de entrada no exército para os 18 anos, e aumentando o periodo de servigo militar para 3 anos, ou mesmo 4 em “casos especiais”, Em principios de 1968 foi anunciado que mesmo aqueles que tinham anteriormente sido considerados inaptos para o servico militar, ‘como os surdos, mudos e diminuides fisicos, seriam mobilizados para servigos auxiliares e que também as mulheres poderiam ingressar nestes servicos. Em 1963, 0 total das despesas militares em Portugal e nas colénias foi de $193 milhées. Em 1967, somente para a defesa dos territérios ultramarinos, 0 orgamento previa $180 milhées, e em Abril de 1968 esta verbo foi oficialmente aumentada em $37 milhées, totalizando ‘as despesas das guerras coloniais $217 milhées. Estes sdo os ntimeros oficiais fornecidos por Lisboa, e tendo Portugal motivos fortes para revelar um valor inferior das suas despesas militares, quer perante a opiniao publica mundial quer no plano interno, nao seré exagerado supor que Portugal esteja actualmente a gastar cerca de 1 milhdo de libras diariamente para “defender 0 povo das provincias ultramarinas” contra o proprio povo das provincios ultramarinas. Esta “escalada” da agressdo portuguesa corresponde a um aumento das perdas sofridas pelos portugueses. Compare-se, por exemplo, as perdas sofridas durante os primeiros dois meses, Janeiro e Fevereiro, dos anos de 1965, 1966 e 1967: 1965 1966 1967 Soldados mortos 258 360 626 ___Naturalmente, 0 niimero de soldados mortos apresentado pelos portugueses é muito inferior ds estimativas da FRELIMO, e ao comparar os dois tipos de estimativas é necess6rio. tomar em consideragéo uma série de factores: em primeiro lugar, ao apresentar as suas perdas, os portugueses sempre atribuem um niimero surpreendente de mortes a “acidentes”' distribuem 0 numero de baixas por um periodo muito mais longo do que aquele em que realmente ocorreram; e omitem a morte dos soldados africanos fantoches. Ao avaliarem o5 pero da FRELIMO, contudo, contam todos os africanos mortos, e portant incluem sempre tater por Mogambique um grande numero de civis “suspeitos”. Isto para além de outras falsificagées directas. Por cutro lado, quando a FRELIMO avalia o nimero de portugueses mortos, 6 0 pode fazer a Partir do numero de soldados caidos em combate, sem ter a possibilidade de verificar os corpos mais tarde, pelo que os feridos podem muitas vezes ser contados como mortos. O calculo oficial dos portugueses do ntimero total de perdas até meados de 1967 foi de 378 soldados mortos — 212 mortos em combate e 166 como resultado de “acidentes doenga” — e 3500 feridos. A julgar pelos seus relatérios mensais, contudo, para atingir um ntimero tdo baixo como este devem ter abrangido um periodo consideravelmente mais curto do que © decorrido desde 0 inicio da guerra. No entanto, mesmo com estas enormes discrepéncias, os numeros apresentados pelos portugueses confirmam que as suas perdas tém vindo a aumentar & medida que o guerra avanga. O SIFA (Servicos de Informagdo das Forgas Armadas) anunciou que nos primeiros trés dias de 1968 foram mortos 13 soldados Portugueses em Mocambique, incluindo um oficial. Varios factores tem contribuido para 0 sucesso das forgas da FRELIMO contra o muito maior e melhor equipado exército portugués. Na frente militar, os portugueses confrontam-se com todos os problemas de um exército regular lutando contra uma forca de guerrilha, e de um exército estrangeiro combatendo em territorio hostil. Em primeiro lugar, apenas uma pequena fracgdo das forgas armadas pode ser utilizada em operagées militares. © governo colonial tem que empregar grande numero de tropas para proteger as cidades, os interesses econdmicos, as vias de comunicagéo e para vigiar a populagao confinada nos “aldeamentos”. Assim, dos 65.000 soldados portugueses em Mogambique, apenas cerca de 30.000 séo utilizados contra as nossas forgas no Niassa e em Cabo Delgado, e destes nem todos estdo autorizados a participar em operagées contra Nnés, visto que muitos deles estéo ocupados na defesa de pontos estratégicos e centros Populacionais existentes na area. Em segundo lugar, os portugueses lutam em terreno que nGo Ihes é familiar, contra um inimigo que pertence a esse terreno e o conhece bem. Grande parte das regiées das provincias do norte é densamente arborizada, fornecendo uma boa cobertura para os guerrilheiros e suas bases. Muitas vezes o Unico meio de penetrar no mato € através de pequenos carreiros, onde uma coluna de homens é obrigada a andar em fila, constituindo um alvo facil para uma emboscada. Nestas condigées, de pouco serve o equipamento pesado como a aviagao e viaturas blindadas. O aspecto politico € ainda mais importante, porque esta é uma luta essencialmente politica de que a acgdo militar é apenas um aspecto. Para justificar a sua presenca, os Portugueses sdo obrigados a afirmar que o seu exército defende Mocambique da agresséo externa. No entanto é impossivel manter convincentemente esta assergéo, visto que as forgas da FRELIMO sao, sem excepgdo, compostas por mogambicanos, ao passo que o exército portugués 6 quase inteiramente composto por tropas portuguesas e possui nas suas fileiras pouco mais de 1000 soldados africanos fantoches e estes, quando utilizados, séo sempre enquadrados por soldados portugueses para evitar desergées, Depois 0 préprio povo é, na sua esmagadora maioria, hostil aos portugueses. Para impedir as pessoas de colaborar com a FRELIMO, o exército portugués coloca-as em “aldeamentos’, isto 6, aldeias rodeadas de arame farpado e vigiadas pelas tropas portuguesas — uma imitagdo dos centros de reagrupamento criados pelos franceses durante a guerra na Argélia e dos aldeamentos estratégicos dos americanos no Vietnam. Isto pode temporariamente impedir 0 contacto entre os habitantes das aldeias e a FRELIMO, mas nao consegue reduzir a hostilidade contra os portugueses, e quando surge uma oportunidade, a populagéo dos “aldeamentos” revolta-se. A guerra esté também a criar problemas internos ao governo portugués. Este enfrenta ndo s6 a guerra em Mocambique, mas também luta em duas outras frentes, Angola e Guiné Bissau. Ao mesmo tempo tem que manter forcas de repressdo em Sdo Tomé, Cabo Verde, us Eduardo Mondiane | Macau, Timor e ainda em Portugal, onde a oposi¢do a0 fascismo, Chee severamente abalada por 40 anos de represséo, nunca foi completamente esmagacs. Ps recursos do governo, tanto humanos como monetérios, estao sendo utiizados 7 go limite por guerras a mithares de quilémetros de distancia, querras pelas quais 0 Papago it pagando mas das quais, na sua maioria, néo tem esperangas de ganhar algo: 4 Oo conteib ui eo gumertor @ oposicdo interna e ao mesmo tempo enfraquece as detesos¢ pomeie eaie combter Para tentar compensara falta de militares no metrdpole provoca a oa at ° ttramer de grande nimero de soldados, o governo convidou a Alemanha Wccimial © & 5 elecer bases militares em Portugal, tendo jé sido construida uma em Beja para olojay cerca de 1500 soldados alemaes. Esta medida pode reforgar a posigdo militar do governo, mas enfraquece- 0 politicamente oo introduzir uma forgo militar estrangeira para © ojudar a manter-se no io povo. : pee crea ot ecole do mais al forga, com a ajuda do exército e da policia secreta. No entanto exige sacrificios cada vez maiores ao povo. E verdade que alguns portugueses lucram ineresineres pan o guerra, eas familias dos soldados em servico nas colénias recebem um pequeno subsidio financeiro. Mas onuimero de vidos sacrificadas esté a crescer continuamente. Em 1961 morreram 500 soldados portugueses em Angola. Sé nos primeiros trés anos da guerra em Mocambique, os portugueses ‘admitem um total de quase 4000 mortos e feridos, enquanto que as estimativas da FRELIMO se aproximam mais de 9000. Em 1967 houve cerca de 10.000 mortos ou feridos nas trés frentes de combate. ; © efeito de tudo isto sobre a populagdo pode ser avaliado pelo facto de o governo ter achado necessério introduzir uma lei proibindo todos os portugueses do sexo masculino com mais de 16 anos de sairem do pais sem autorizagéo militar. Dentro do proprio exército existem outros indicios que mostram 0 baixe moral das tropas. Em 1966 calculava-se que tinha havido em Portugal 7000 casos de desercdo e insubordinagdo no exército. Em Mogam| muitos soldados portugueses desertaram directamente para as forgas da FRELIMO. Alguns deles foram impelidos pelo medo e desconforto sofridos no exército colonial e pelo tratamento recebido dos superiores, mas outros desertaram por se oporem fundamentalmente ao re- gime de Salazar e & guerra. Um deles, Afonso Henriques Sacramento do Rio, expés as suas razées: “Por um lado, porque nao concordo com 0 regime do ditador Salazar. Por outro lado, porque néo cumpri as ordens para queimar casas, massacrar a populacéo mogambicana e destruir colheitas” Um outro, José Indcio Bispo Catarino, descreveu pormenorisadamente as condigées no exército portugués para a revista Mozambique Revolution, revelando néo sé porque alguns soldados desertam, mas também a razéo por que muitos outros nao o fazem, devido suo ignoréncia acerca da guerra, acerca da FRELIMO, e a severa vigilancia dos oficiais: “Os nossos oficiais nunca nos falam sobre a guerra. Nunca soube directamente que estévamos a lutar contra as tropas da FRELIMO. Sabia da existéncia da FRELIMO Porque costumava ouvir em segredo a Radio Moscovo. Sabia que os guerrilheiros da FRELIMO tinham matado muitos soldados portugueses, e sabia que isso era verdad Porque vi muitos dos meus companheiros serem mortos (...). Desertei porque n6s, 05 Portugueses, ocupémos a forca a terra que pertence aos africanos. Agora os donos ea 3 a ba Porque havemos nés de lutar contra eles? Nao posso combater muitos componhen ne ns, POraue sei que o que eles estdo a fazer esté errade. Vi Panhelros meus serem mortos. © meu sargento morreu a minha frente, © 116 Lutar por Mogambique muitos outros. Todos eles morreram por uma causa que néo é a sua. Falo muitas vezes com os meus soldados, digo-lhes para fingirem estar doentes e assim poderem ser evacuados para Nampula. Organizei reunides com alguns em quem podia confiar, € expliquei-Ihes que estévamos a sofrer por uma causa que nao era a nossa. Dei-Ihes © exemplo do nosso sargento que morreu para nada, Encontrévamo-nos em qualquer local, quando tinhamos a certeza de ndo sermos ouvidos — mesmo nas casas de banho”. (Entrevista a Mozambique Revolution) Se relativamente poucos desertam do servico activo — é preciso um certo nivel de consciéncia politica e determinagéo para desertar nessas condigées — muitos fazem tudo o que podem para evitar os combates. Os desertores contaram-nos que, frequentemente, quando os soldados recebem ordens para ir procurar a FRELIMO, escondem-se simplesmente no mato durante um certo tempo e depois voltam para o acampamento inventando uma histéria, convincente para contar aos seus oficiais superiores. Tem havido também casos em que as companhias recusam abertamente sair em missdo de patrulha nas regides onde sabem que a FRELIMO tem forte apoio. As observagées feitas pela populagdo e pelas nossas tropas confirmam estas declaragées. Portugal procura apoio junto dos seus aliados para ultrapassar os seus intimeros problemas, mas mesmo aqui encontra dificuldades devido as condicées e natureza da guerra. © apoio provém principalmente dos paises da OTAN e da Africa do Sul. Contudo, as Nagées Unidas tém condenado a politica de Portugal e criticado a OTAN e outros paises por Ihe darem apoio. Além disso, existe um outro grupo de paises da OTAN que se opée as guerras de repressdo conduzidas por Portugal. Em resultado disso, os Estados Unidos e a Europa Ocidental sGo forgados a manterem uma certa distancia. Portugal recebe apoio da alianga da OTAN, quer em termos financeiros quer em armamento e treino militar, beneficiando também da experiéncia de paises como a Franca, Gré-Bretanha e os Estados Unidos em métodos de combate guerrilha. A assisténcia militar, porém, tem que ser prestada sob o pretexto de responder as necessidades de Portugal como membro da OTAN, e oficialmente Go pode ser utilizada em Africa, fora da drea da OTAN. Embora algum armamento da OTAN esteja de facto a ser utilizado nas colénias, o principal beneficio que Portugal obtém da QTAN é que as suas necessidades militares internas estdo largamente asseguradas, o que the dé maior liberdade para utilizar os seus préprios recursos nas colénias. Apesar de estes recursos serem ainda insuficientes, seria politicamente dificil para qualquer um dos aliados da OTAN participar directamente na guerra colonial, enviando tropas para combaterem em Africa ao lado de Portugal. A Africa do Sul, por outro lado, é relativamente invulnerével 4 opiniéo mundial e néo finge sequer permitir a existéncia de uma oposigao democratica dentro do seu territério. Asua ajuda a Portugal, contudo, é condicionada pelos seus préprios problemas. Ela ja mantém uma grande forga do exército e policia ocupada na defesa do regime branco contra o movimento interno de libertagdo. Além disso, a Africa do Sul esté a enviar abertamente tropas e armas para a Rodésia, e este seu envolvimento tem tendéncia a aumentar. Os lagos tradicionais entre a Africa do Sul e os portugueses sdo muito menos fortes do que us existentes entre os brancos sul-africanos e os brancos rodesianos, e um maior envolvimento nas guerras portuguesas s6 iria exercer uma pressao adicional sobre o seu exército, sem despertar grande entusiasmo no seio da populagdo branca. ‘As mesmas condigées que tornam a guerra dificil para Portugal actuam a favor da FRELIMO. Devido ao facto de as tropas portuguesas estarem ocupadas na defesa de virias posicées estratégicas, as forcas de guerrilha tomam sempre a iniciativa de escolher a data e o local para efectuar um ataque. As forgas da FRELIMO lutam no seu préprio terreno, por elas bem M7 Eduardo Momdlari@ mm io de um povo que as conhece e que as apoia. Para os Portugues . no meio de ut ita para uma nova rea, e por conseguinte g Mecessidan enfraquecendo ainda mais a sua posicao gers Ste Je recuperar, visto que envolve apenas @ yay 0 0 conhecido, derrota significa 0 alastramento da lu i bate, de Id colocar mais tropas de combate, @ FRELIMO, uma derrota é mais facil d ir Grea. ic forcas numa determinada a | ; tempo ome nongo no compo de batalha significa muito mais para a FRELIMO do a tori Iterou toda a estrutura interna uma mera conquisa de terehir, A gett stados foram abolidos on varios tie severamente afectadas por ela: nas zona: i destruida a administrace eM de = ‘os pesados impostos, foi destruida a admi istragdo Tepressivg Sere eer en niee tie era de coords come aia Necessitam, estéo er eee de affabetizagao, foram criadas escolas e servigos io satide, © as pessoa, participam em debates politicos, tomando elas préprias os sus lecisdes. Por muity embriondrios que sejam estes progressos, quase todos os hal itantes lestas zonas sentiram, de um ou outro modo alguma melhoria, o que os motivou ainda mais para lutar. Cada uma das zonas libertadas constitui um reservatério de novos recrutas para as forcas de combate Nas aldeias organizam-se as milicias populares que de imediato garantem 0 poder do povo aliviom as forgas regulares da FRELIMO de muitas tarefas de defesa. Além disso, oo colaborarem com o exército, as milicias aumentam a capacidade ofensiva da FRELIMO, Oeexército da FRELIMO e a populagdo esto intimamente ligados. A populagao constitul uma fonte permanente de informagao e abastecimento para a FRELIMO, sendo ao mesmo tempo mais uma fonte de perigo para os portugueses. As forgas da FRELIMO alimentam.se Auote s6 do que produzem nas éreas de combate, e aquilo que tem de ser transportado fevado a pé através do mato, entre os pequenos centros que foram estabelecidos. Devide ¢ isso, @ FRELIMO néo tem linhas de abastecimento vulnerdveis, nem posigées estratégicas, Gust miltares quer econémicas, a defender. A destruicéo de uma base ou érea de cutive nae € muito grave, no significando mais do que a perda momentdnea dos recursos Gi existentes. Quanto mais tempo durar a luta, mais evidente serd a sua base Popular, maior apoio ido que quase todos os guerrilheiros séo de Muitas vezes incapazes de falar Portugués. 1o educacdo dentro do sistema Portugués. Treat’ afectadas pelos combates, porque 6 ‘origem camponesa, sem formacéo, Gnalfabetos e Mas, também, existem os que receberam algum Naturalmente, a maioria Provém de reas ectuch 16 que as campanhas massivas de educa: TT tar por Mogambiqua representantes de diferentes tribos e dreas combatendo lado a lado. Deste modo, trava-se um combate eficaz contra 0 tribalismo no seio das forcas militares, e dé-se um exemplo para © resto da populagéo. - Esta nado éa Gnica forma pela qual o exército abre caminho Para as transformagées sociais. O facto de aceitar mulheres nas suas fileiras, veio revolucionar a sua posi¢do social. As mulheres desempenham agora um papel activo na direcgéo das milicias populares, e existem também muitas unidades de guerrilha constituidas apenas por mulheres. Através do exército, as mulheres comecaram a assumir responsabilidades em muitas éreas, aprenderam a tomar posigées e a falar em reunides publicas, participando activamente na vida politica. Na realidade, elas realizam um trabalho muito importante na mobilizagéo da populagéo. Quando uma unidade de mulheres visita pela primeira vez uma aldeia que ndo esté ainda suficientemente enquadrada pela FRELIMO, sé 0 facto de ver mulheres armadas levantarem- -se e falarem diante de uma larga audiéncia suscita uma grande admiragéo, e até incredulidade. Quando os aidedes se convencem de que os soldados diante deles so realmente mulheres, 0 efeito sobre os homens é por vezes tao forte que a afluéncia de recrutas é superior ao que 0 exército pode comportar ou que a érea pode dispensar. O exército tem contribuido para elevar o nivel de educagdo assim como de consciéncia politica geral. Sempre que possivel, os recrutas aprendem a ler, escrever e a falar portugués, @ mesmo nos locais onde nao se consegue introduzir um programa de ensino organizado, eles sd encorajados a ajudarem-se mutuamente na aprendizagem de conhecimentos bisicos. Na verdade, as autoridades portuguesas desconfiam cada vez mais dos camponeses que falam portugués, pois sabem que é mais provével que tenham aprendido o portugués no exército da FRELIMO do que numa escola portuguesa. O exército organiza também varios programas de formagao tais como treino de operadores de rédio, contabilidade, dactilografia, ‘assim como disciplinas mais especificamente relacionadas com a guerra. Finalmente, o exército cultiva e produz os seus préprios alimentos onde quer que seja possivel, aliviando deste modo a populacao da tarefa de abastecé-lo e servindo ao mesmo tempo de exemplo para os outros. Nestes aspectos 0 exército conduz 0 povo. Mas mais importante ainda é que 0 exército 6 opovo e 60 povo que forma o exército. Existem membros civis da FRELIMO que participam em vérios trabalhos junto da populagdo. Mas a cooperagdo vai mais além, abrangendo também a grande massa de camponeses que néo séo membros da FRELIMO, mas que apoiam a luta, pedem a protecgao do exército e solicitam a ajuda do partido para diversos fins. Em troca disso, ajudam os militantes sempre que podem. Estas caracteristicas podem ser melhor ilustradas através das palavras dos préprios militantes: Joaquim Maquival, da Zambézia: "Venho da Zambézia, sou Chuabo, e lutei no Niassa onde as pessoas so Nyanjas, e receberam-me como um filho. Trabalhei entre os ‘Ajauas e os Macuas, que me receberam como se fosse seu préprio filho”. (E.F) Miguel Ambrésio, comandante de companhia de Cabo Delgado: “Luteina Zambézia e no Niassa, longe da minha regido e da minha prépria tribo. Lutei na terra dos Chuabos e dos Lomwés (...). Os Chuabos, os Nyanjas e os Lémwés receberam-me ainda mais calorosamente do que se eu fosse origindrio da sua propria zona. No Niassa ocidental, por exemplo, encontrei o Camarada Panguene e embora ele seja do sul, ndo era possivel distingui-lo do povo da regido: ele é como se fosse um filho da regido. O povo compreende que todos nés somos mogambicanos (...). © povo esté unido e ajuda-nos, Se assim néo fosse, por exemplo, nunca poderiamos entrar nas Greas do inimigo. E 0 povo quem nos dé toda a informagao sobre os movimentos do 9 PO inimigo, 0 seu nimero e a sua posigao. Alem disso, quando comecamos o trobathar ume grea onde ndo temos comida, porque ainda née om oper poe de plantar alguma coisa, 0 povo abastece-nos ¢ afimenta-nos. ste ee oi vde oes ° povo, Até estarem formados os milicios na regio proteger pels polnerleaas machambas contra a.acgao e represilios dos coonialstos, organizarnos nove ao quando temos que evacuar 0 povo de uma zone devido a guerra, proteg} ra © inimigo”. (E.F) Rita Mulumbuo, mulher militante do Niosso: "Ds eee ee peers de todas as regides. Eu estou com Ajauas, Nyonics, Mokondes e pessoas do Zambézia, “Acho que isto é born, Antes ndo sabiomos que ramos uma unica nea 10 ‘mostrou-nos que somos um s6 povo. Unimo-nos pore destruir 0 colonialismo portugués € 0 imperialismo. ‘Aluta transformou-nos. A FRELIMO deu-me a possibilidade de estudar. Os colonialistas indo queriam que nés estudéssemos, 20 passo que o90°% que estou neste destacamento treinomos de manhd e @ tarde vou para a escola aprender a ler € a escrever. Os portugueses néo queriam que estudassemos porque se 0 ae iriamos ‘compreender e saber coisas. Por esta razd0 0 FRELIMO quer que estudemos para que possamos saber, e ao saber podemos ‘compreender melhor, lutar melhor e servir melhor 0 nosso pais”. (E.F) Natacha Deolinda, mulher militante de Monica e Sofala: “Quando entrei para o Secreto, 0 FRELIMO erwiou-me para um curso de organizacéo da juventude e tombém oe deg treino militar, Depois fui trabalhar para a provincia de Cabo Delgado, O nosso destacamento fazia reunides em toda a parte explicando a politica do nosso portido, as raz6es da luta etambém o papel das mulheres mogambicanas na revolugao. ‘A mulher mogambicana participa em todos as actividades revolucionérias. Ajuda os combatentes, tem um papel importante na produgéo, trabalha no campo, recebe também treino militar e luta, faz parte das milicias que protegem 0 povo e os campos". (EF) Destes comentérios se depreende claramente que a fungdo do exército nao apenas combater os portugueses. Tal como o partido, é uma forga construtora da nagdo. Prepora nao apenas soldados mas futuros cidadéos, que transmitem 0 que aprendem ao povo no seio do qual trabalham. ‘Acchefia nao se baseia nas patentes mas sim no conceito de responsabilidade. O chefe de um certo grupo é considerado como a pessca “responsdvel” por ele. Muitos dos actuais “responsdveis” nunca frequentaram a escola antes de entrarem para o exército. Erom analfabetos, sem educagéo formal, quando nele se incorporaram no inicio da guerra Adquiriram a capacidade de dirigir através da experiéncia pratica de combate e trabalho politico, e através de programas de educagao dentro do exército. Havia alguns que jétinhom algume instrugdo, mas muito poucos, mesmo entre os que ocupam agora cargos importantes, tinham mais do que a instrucdo priméria. noes ee e dirigentes, desenvolveu-se durante oluta. Em ‘emal abastecidos, preporodos es Pequenos grupos de homens, frequentemente mal crmods O cacacta ara: breparodos apenas pora montar emboscadas e ataques de pequens esc forcas muito superiores. O relato que se segue, feito por um home que € actualmente comissério politico nacional e OTe um membro do Comité Central, most’ 120

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