You are on page 1of 5

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISCIPLINA: HISTÓRIA, FAMÍLIA E INFÂNCIA

PROF. ANA MARIA MAGALDI

ALUNO: THIAGO DE ASSIS PASSOS

MARCAS DE UMA COR


Notas sobre “A escolarização da criança brasileira no século XIX: apontamentos
para uma reescrita.”

D
esde 1888, numa data marcada como a Abolição da Escravatura nos calendários
brasileiros, todas as pessoas deveriam ser consideradas como iguais. Com o fim da
escravidão, seríamos todos iguais perante a lei e as possibilidades que o nosso país
pudesse nos proporcionar. Mas não foi bem assim que aconteceu, e ainda hoje acontece. Isabel, a
princesa regente que assinou a Lei Áurea na ocasião, desde 1871, com a então Lei do Ventre
Livre, já vinha tentado, ao menos na esfera do legal, a igualdade independente da cor da pele.
Todavia a escravidão foi uma prática tão antiga quanto a própria humanidade e com o advento do
capitalismo, também se mostrou deveras lucrativa. Assim sendo, podemos perceber que para se
mudar leis basta apenas uma assinatura em um pedaço de papel, mas para se mudar uma cultura
escravocrata seria preciso bem mais do que pena e tinta.

Historicamente, os escravos costumavam a usar símbolos para que sua condição ficasse
clara diante da sociedade como um todo. Chegaram a ser marcados a ferro ou ainda, na Escócia
do século XVIII, portavam um colar metálico que deixava nítido seu estado de servidão
perpétua. Mas a maior e mais notória marca da escravidão passou a ser a cor escura da pele.
Desde que a África foi transformada em um grande mercado produtor de escravos, a cor negra da
pele se tornou um dos maiores símbolo de servidão, que acredito existiu.

Portanto o quanto de melanina que se possuía passou a definir, de certa forma, a posição
social ocupada e consequentemente seu valor e, por que não evolução, enquanto sujeito. Já em
1856 o naturalista inglês Charles Darwin nos apresentava uma ideologia de que o homem era um
animal e não muito diferente dos demais que nos rodeiam, portanto a natureza selecionaria
aqueles mais bem adaptados a ela, perpetuando-os geneticamente. Pensando que se algumas
girafas já tiveram o pescoço curto e por isso foram extintas devido a sua inabilidade em se
adaptar as exigências da natureza, quais seriam os homens que por ventura seriam não aptos à
chamada evolução? Será que seríamos todos possuidores de longos pescoços ou alguns de nós os
teríamos bem curtinhos?

Aparentemente a cor da pele tomou o papel do tamanho dos pescoços das girafas para
nós os humanos. Assim, ela virou uma marca da supremacia de alguns em detrimento de outros.
A evolução do homem estaria correlacionada ao quão branca fosse sua pele, ao quão fino fossem
seus traços, ao quão europeu você se assemelhasse fisicamente. E por mais que leis nos
trouxessem discursos diferentes ao longo de todos esses anos, garantindo que apesar de nossa
aparência física, enquanto indivíduos de uma sociedade teríamos que ter direitos e deveres os
mais igualitários possível, a cultura já tinha também suas próprias marcas da escravidão. O
comércio de escravos africanos perdurou por cerca de três séculos, se considerarmos a prática de
escravizar alguém considerado inferior na história da humanidade, esses números com certeza
ganhariam muitos zeros em sua direita. Uma cultura que por séculos foi marcada pela ideologia
de superioridade versus inferioridade, não conseguiu ser reformulada apenas com burocracia
legislativa da noite para o dia. As pessoas precisavam ser ensinadas sobre esse tal conceito de
igualdade, pois ele não era do conhecimento de todos. E sendo assim, quem sabe a educação não
viria a ser uma grande arma nessa batalha, não é mesmo?!

Maria Cristina Soares de Gouvêa, em seu texto “A escolarização da criança brasileira


no século XIX: apontamentos para uma reescrita”, nos apresenta como a educação foi vista
como uma arma em mudanças sociais. Aqui, no contexto do Brasil do século XIX, a educação na
figura da escola, tomou ares de desenvolvimento e organização de um Estado ainda em
formação. Educar, na minha leitura do texto, apareceu por vezes como sinônimo de controlar e
dirigir. Mas dirigir para fins muito bem definidos que não envolviam a colaboração da população
em geral, ao menos não no tocante de construção de objetivos a serem alcançados com essa
educação ofertada.

Maria Cristina, em seu texto, chega a fazer apontamentos sobre essa relação entre
educação, questões sociais e questões étnicas. Ela afirma que a escola do século XIX, em terras
nacionais, era dirigida para a formação das crianças das elites. Diferente do que estamos
habituados nos tempos atuais, a educação pública naquela ocasião não era uma educação
popular, não era destinada para todos e possuía um objeto de disseminação de conceitos de
cidadania assim como a construção de um pensamento e sentimento nacionalista. Aos que não
pertenceriam à seleta e nobre parcela da população, os pobres e negros, cabia serem úteis e por
ser útil se entende serem produtivos. O objetivo para as camadas mais ricas era outro, pois
caberia a eles levaram adiante a evolução desse Estado Brasileiro recém nascido, eles que
guiariam o Brasil ao futuro grandemente idealizado. Aos demais membros da sociedade, bastava
somente saber receber e produzir aquilo que lhes cabia. Eles poderiam até construir, com o
esforço de seus corpos o futuro brasileiro, mas a idealização deste era reservada aos que
possuíam poder econômico e político. Havia uma ruptura, acima de tudo, social. E como já dito,
esse social perpassava pela marca evidente do tom de pele.

Maria Cristina nos apresenta a ideia de que as crianças negras seriam impedidas de
frequentar a escola e nos coloca frente a outra forma de ver tal colocação, pois afirma que os
negros não seriam impedidos de participar desse processo de escolarização, todavia os escravos
sim. De certa maneira, podemos entender que o que diferenciava o primeiro do segundo grupo
era apenas uma questão legal, aonde alguns seriam libertos segundo a legislação vigente naquele
momento e outros não. Cristina aponta que ainda que houvesse o acesso dos negros nas salas de
aula, ele não ocorria livre de tensões. A marca da inabilidade enquanto sujeito não estava,
portanto na legislação, não estaria no título ou não de escravo e sim na cor evidente da pele. Cor
que ao se mostrar, levantava questões de preconceitos que em parte perduram até os dias atuais.

Com uma visão baseada na ideologia que na cor clara da pele encontra-se o ponto mais
alto de evolução humana, aqui também e principalmente no âmbito social, se fortalece uma
forma de preconceito designado de preconceito de marca, comum em terras brasileiras. De
marca, pois se exerce com relação à aparência apresentada pelo sujeito, os traços físicos do
indivíduo e sua fisionomia. Diferente do preconceito designado de origem e evidenciado nos
EUA, por exemplo, que via de regra ao se ter a suposição de que o indivíduo descenda de certo
grupo étnico já é o suficiente para vitimá-lo. Essa diferença, claro, está além das aparências
físicas apresentadas, pois toda a forma de relação que se institui a partir desses dois tipos de
preconceituação também é distinta. De maneira geral o preconceito de marca se mostra mais
velado do que aquele considerado de origem. Fato que facilitou por anos uma certa promulgação
de que no Brasil não haveria questões raciais e por sermos um povo miscigenado de origem,
seríamos livres de tal mazela. Mas justamente no preconceito de marca a ideologia da
miscigenação é forte e pertinente, tendo em vista que o enbranquecimento dos membros através
de sucessivas misturas entre as etnias seria a salvação para as deficiências inerentes aos tons
mais escuros de pele.

Como percebido, foram séculos que separaram negros dos brancos. O regime escravista
proporcionou uma visão negativa desse negro, desqualificando-o enquanto pessoa e diante disso,
consequentemente não necessitaria de educação e direitos tendo em vista a utilidade e a
coisificação criadas em torno dele. Mas o regime escravista possuía uma certa cientificidade em
seu discurso de superioridade. Além de questões econômicas e históricas que o permitiram e o
mantiveram por séculos, tal regime por vezes bebia de fontes da ciência para promulgar uma
cultura de inferiorização. O sistema capitalista, sem sombra de dúvida, propiciou uma busca pelo
lucro que passava por cima da conceituação de humano de muitos seres. Mulheres, crianças,
diversas nacionalidades, pobres, em suma o proletário sempre teve que com seu suor gerar uma
renda que possivelmente não veria nem mesmo a décima parcela. O sistema socialista e diversos
outros originários deste, tentaram por fim nessa desigualdade. Os negros, contudo, foram um
caso a parte. Pois seus corpos foram desapropriados de si. Foram comercializados e por séculos
ficaram com a ocupação de objeto e não sujeito. A liberdade de fato não foi conferida do dia para
a noite e inclusive, não veio logo após a assinatura daquele papel em 1888.

Acredito que, no que se refere a pequena discussão sobre a questão étnica no texto de
Maria Cristina, podemos perceber que existem inúmeros desdobramentos que podem passar
despercebidos numa leitura mais apressada. Educação e preconceito, ainda que restrito na
questão étnica, é um tema extremamente amplo. O preconceito mostrado em texto, ocorrido nas
salas de aula do século XIX, não é o mesmo que encontramos hoje. Ele ainda existe, mas mudou
bastante. Hoje conseguimos perceber que na diversidade reside a maior prova de sobrevivência
dos seres humanos, afinal é notoriamente conhecido que se fossemos todos iguais, todos
possuidores da mesma carga genética, alguma epidemia viral já nos teria limpado da Terra da
mesma forma como foram as pobres girafas de pescoço curto. Afinal, se pararmos pra conferir
de pertinho, nem toda girafa hoje tem o pescoço do mesmo tamanho, não é mesmo?!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GOUVEA, Maria Cristina S. A escolarização da criança brasileira no século XIX: apontamentos


para uma reescrita. Educação em questão. Natal: UFRN, v.28, p. 121-146, 2007.

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem – sugestão de


um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. In
NOGUEIRA, O. (org.) Tanto preto quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo: T.A.
Queiroz, 1977.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão racial no
Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

You might also like