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— HISTORIA | Vilém Flusser © presente ensaio nao pretende fornecer mais una “explicagao” para a hist6ria do Ocidente. Dado o ntimero das explicagdes dispontveis, (al empresa se~ ria pretensiosa e redundante. Pretende apenas propor ‘mais umn farol a ser instalado por entre os jé estabele- cidos que iluminam a nossa histéria, a fim de fazer aparecer os eventos por demais conhecidos sob luz possivelmente nova, e destarte revelar aspectos possi- velniente pouco considerados. Pretende iluminar 0 tiltimo ato da tragédia ocidental com luz penetrante, antes que a geréncia do teatro decida, com toda ra- 2a0, cortar a corrente elétrica e mergulhar-nos na- quela noite pds-histérica na qual todas as vacas so cinzentas. ‘Texto/imagem enquanto dindmica do Ocidente tema deste ensaio & a contradigao entre 0 gesto que produz imagens ¢ 0 gesto que produz textos. Ora, um gesto no & apenas articulagio de uma “‘interioridade”. Reba- te sobre a “‘interioridade”* ¢ a transforma. Por exem- plo: o gesto de imaginar (de fazer imagens) exprime imaginagZo e, quanto mais imagens sao produzidas, tanto mais a imaginaco se fortalece. Ou: 0 gesto de escrever textos exprime conceituagao, e quanto mais se escreve tanto mais se desenvolve a capacidade con- ceitual. E inversamente: se a produgdo de imagens cai em desuso, a imaginacao diminui, ¢ se 0 ato de escre- ver Se torna raro a capacidade conceitual enfraquece. Isto porque a tal “interioridade"” nao passa, muito provavelmente, de ponto de vista sobre gestos: ‘tinte- rioridade’* € 0 gesto visio de dentro. Sugiro que as observacdes urn tanto banass que acabo de formular ja exprimem a dinamica da tragédia ocidental, se vis- Cadsinn Kivarte | 64 | Cudera Lilds ta sob o angulo “texto/imagem", € que s6 me resta explicitar 0 proposto. Para fazé-lo, proponho quatro eventos cruciais na historia ocidental, eventos estes que permitem captar a "fenomenologia do espirito | ocidental”’ (pa- ra parafrascar Hegel). As primeiras imagens, os pri- imeiros textos, 0s primeiros impressos ¢ as primeiras fotografias. Justifico: com as primeiras imagens se articula a imaginagao, com os primeiros textos a con- ceituagdo, com os primeiros impressos a con tuagao vai dominando @ imaginagdo, e com as pri- meiras fotografias vai surgindo imaginacdo nova, com consequléncias ainda imprevisiveis. Se admitir- ‘mos tal hipOtese, podemos desenhar a seguinte escala para medir 0s eventos: Comega ela em Lascaux (ha aproximadamente 20.000 anos), avanga até os pri- meiros textos alfabét'cos (em torno da metade do se- gundo milénio a.C.), de Id até os primeiros impressos (cm torno da metade do segundo milénio d.C.), de la até a primeira fotografia (em torno da metade do século XIX), para avangar e perder-se nas brumas de um futuro imprevisivel. Os trechos desiguais que des- tarte se formaraio podem ser nomeados. O que mede entre Lascaux ¢ 0s textos poderd ser chamado “‘pré- historia”, o que parte da fotografia rumo a aventura podera ser chamado “‘pés-historia””, ¢ 0 trecho cen- tral, que vai dos textos até as fotografias, tendo os impressos como ponto central, poder ser chamado “‘hist6ria no sentido exato do termo’ Procuremos intuir 0 gesto que produz uma ima- ‘gem (por exemplo a do cavalo envolto de manchas azuis na parede da caverna de Peche-Merle). Trata-se de dar um passo para tras da circunstancia, a fim de poder abarci-la com a vista. Os objetos que com- pOem a circunstancia ndo mais obstam a visio, ¢ esta pode doravante ver as relagdes entre objetos. No en- tanto: de tal dist&ncia os objetos ndo mais sfio al- cangdveis para as maos (deixam de ser “‘manifes- tos""), ¢ passam a ser apenas superficies que apare- cem a vista (passam a ser “fendmenos aparentes”). Ora, tais aparéncias possivelmente enganosas devem, ser apanhadas simbolicamente por mos portadoras Ge tintas. A intengdo nisto é dupla: fixar visdo fugaz, € tornar tal visio acessivel a outros. Imagem é visdo tomada fixa e intersubjetiva. Deve ela permitir a so- ciedade ver as relagdes entre os objetos (os contextos relacionais), antes que a sociedade passe a manipular 05 objetos (por exemplo a cacar cavalos). Destarte vai surgir zona imagindria entre 0 homem e sua ci cunstncia (0 “‘universo das imagens"), através da qual o homem vai estender sua mao para modificar 05 objetos. No entanto: dado 0 feedback entre gesto ¢ consciéncla, tal zona imaginaria vai se densifican- do, e vai encobrindo a circunstincia ao invés de revelé-la. As imagens nao mais sero utilizadas na manipulagdo da circunstancia, mas, inversamente: as proprias imagens serdo manipuladas, na crenga que isto modificara os objets. Imagem sera confundida ‘om cireunstancia, a imaginagao vira alucinagdo, vi- ra idolatria. O que acaba de ser dito descrigao da consciéncia pré-historica, da magia. Procuremos egora intuir 0 gesto que produz tex- tos alfabéticos lineares. (Que € 0 gesto gracas ao qual © Ocidente escreve.) Trata-se de dar um passo para tras cas imagens, a fim de se libertar do fascinio alu- cinador que exercem. Trata-se de tornar as imagens novanente transparentes para a circunstancia que encobrem. Para tanto, um elemento pictérico (“‘pic- torema", “idéia") € acrancado apés outro da su perticie da imagem, a fim de ser alinhado, Isto &: a superficie da imagem vai ser transposta sobre linha, fim que seu contetido seja contado um por um, se calculado, “ex-plicado". Isto implica que os elemen- tos pictoricos sejam transcodificados de ‘‘idéias’* em “conceitos””. No inicio, os elementos arrancados da imagem ndo ser’ modificados (escreve-se “picto- gramas”’), mais tarde serdo eles de mais em mais con- ceitualizados (escreve-se “‘ideogramas”, ¢ finalmente “etras”), Ora, ndo se trata apenas de rasgar a ima- gem, a fim de a tornar transparente (ndo se trata ape- nas de “‘critica’’ ¢ de ‘“‘iconoclastia’’). Trata-se de substituir a bidimensionalidade da imaginagao pela unidimensionalidade do pensamento conceitual, cla- 10, distinto, e progressivo. Os conceitos alinhados se- gundo regras “‘ortograficas”” vio estabelecendo re- lagdes de cadeia (por exemplo as da légica, da ma- tematica, da causalidade). Sao. tais relagdes que per- mitem explicar, contar 0 contetido das imagens. Des- tarte vai surgir zona conceitual entre 0 homem e sua imaginacao (o “universo dos textos”), através da qual o homem vai poder controlar sua imaginagzo para poder manipular racionalmente os objetos. No entanto: dado 0 feedback entre gesto e consciéncia, a zona conceitual vai se densificando, ¢ as cadeias que ordeaam os conceitos vao sendo projetadas sobre a propria circunstncia, a qual passa a ser contavel, ex- vlicavel, calculdvel segundo as regras da escrita alfa- numérica (exemplo: as ditas “leis da natureza"’). Connceituagdo vira textolatria. O que acaba de ser di- to € descrig&0 da consciéncia histérica do Ocidente. Nao é verdade, no‘entanto, que com a invengZo da escrita alfa-numérica a consciéncia imaginistica, magica, tenha sido vencida (ou reprimida) pela nova consciéncia historica, linear, progressiva. Nao é ver- dade que a historia ocidental seja, ela propria, pro- cesso linear que desenvolve imagens em textos, trans- codifica idéias em conceitos. Embora os primeiros le- trados (por exemplo- os profetas judeus e 0s pré- socrdticos) se tenham violentamente engajado contra imagens, considerando-as alienantes (‘*pecado: “‘erros"*), as imagens resistiam a tais ataques. Absor- viam elas 0s textos que contra elas avancavam, e re~ codificavam elas os conceitos em idéias. Na medida ein que 0s textos iam explicando as imagens, as ima- gens, por sua vez, iam ilustrando os textos. A historia do Ocidente a ser dialética entre texto ¢ ima- gem, gracas 4 qual ambas as consciéncias se iam for- telecendo mutuamente. A imaginagio se tornava sempre mais conceitual, ¢ a conceituacio ‘sempre nuais imaginativa. Basta, para constatarmos isto, ler- ‘ios pergaminho medieval iluminado. O cristianis- mo, esta sintese do Ocidente, pode ser visto enquanto sintese entre texto e imagem. Enquanto historizagio de imagens pags, e magicizagio de conceitos historicos judeus. A sociedade ocidental se dividiu em duas camadas: a dos letrados que viviam histori- camente, € a dos analfabetos que continuavam viven- ¢o pré-historicamente. A camada iletrada fornecia a Istrada as imagens a serem explicadas, e a letrada im- Sunha sobre iletrada os textos sagrados. O que aca- Cadernos Rioarte | 66 | Cudeeno Lités ba de ser dito & descrigao da histbria ocidental até a invengao da imprensa. Com tal invencao, a consciéncia historica passou a dominar a sociedade toda. Os impressos baratos ¢ acessiveis a todos, € a introdugo da escola obri- gatdria que & consequléncia de tal inflagao de textos, expulsaram as imagens da vida quotidiana, para encerra-las em guetos cercados de aura benjaminiana do tipo “‘exposigao" ou “museu’’. As imagens des- tarte degradadas para sé tornarem “arte” iam se tor- nando raras, ¢ a capacidade imaginativa ia enfraque- cendo, A sociedade ia mergulhando, sobretudo de- pois da Revolucdo Industrial, naquele cinzento que caracteriza os textos impressos preto sobre branco. Os textos, arora nao mais impedidos por imagens, podiam doravante avancar com aceleracao crescente, a0 longo de suas linhas, e a conseqiéncia sao a cién- cia pura e aplicada. E outros textos, libertos do impe- dimento imaginistico, podiam doravante substituir- se as imagens; textolatria ao invés de idolatria. A consequiéncia foi o dominio de ideologias (de textos que obrigam a circunstincia a adaptat-s¢ ao escrito), ainda sofremos do poder assassino de tal conscién- viz bistorica barata, inflada e “‘democratizada”’. O que acaba de :er dito ¢ descrig&o da consciéncia oci- dental moderna Ora, segundo a hipétese aqui apresentada, tal vitoria do texto sobre a imagem € 0 fim da historia ocidental sens 1 stricto. Os textos, desimpedidos de imagens, vo o1ojetando doravante sua propria es- trutura sobre ¢ rnundo la fora ¢ cd dentro. O mundo 14 fora passa a ser inteiramente concebivel, cal- culdvel, e iniimaginavel: passa a dissolver-se em particulas (‘‘cslculi””) e em relagdes entre particulas (campos"), 1} 0 mesmo ocorre com 0 mundo ch dentro: passa a dissolver-se em particulas do tipo ", “elemeato de decisdo” ¢ “actoma””. Passa a ser mundo vazio, e os conccitos inimaginaveis que 0 explicam passim a ser conceitos vazios. Fim da hist6ria ocidental: abismo absurdo lé fora e c& den- tro. Precisament: em tal ponto final da historia oci- dental foi inventada a fotografia. Nao creio que se possa exagerar a importanicia de tal invengdo, ¢ des- creverei 0 gesto de fotografar para demonstré-lo. Trata-se de aperiar botdo que poe em movimento aparelho, o qual vai apanhar automaticamente fotons em moléculas de sais de prata, ¢ inserir tais moléculas fotonizadas automaticamente em su- perficie de imagem. De forma que a fotografia no ¢ imagem de objetos, mas de elementos teoricamente concebidos (moléculas, fotons) ¢ tais elementos con- cebidos vao ser “imaginados” (inseridos em imagem) a fim de representarem objetos. Por isto toda foto- grafia, se vista de perto (‘‘close reading”) deixa de ser imagem de objetos, ¢ passa a ser mosaico com- posto de particulas ¢ intervalos. Ora, 0 mesmo vale para a mesa sobre a qual estou escrevendo o presente ensaio. A mesa, ela também, vai se revelar, se vista de perto, enxame de particulas que flutuam no vazio. O que permite captar 0 propésito da fotografia: tor- ar imaginkve a esa concebida. Trata-se, no gesto Totogrifico, de dar passo para tras dos textos, arran- car 0s conceitos dos quais so compostos, ¢ destarte re-tornd-los imagindveis. Trata-se de.computar 0 uni- verso calculado (contado, concebido), de integrar os intervalos (0s diferenciais) entre os elementos, a fim de poder imaginar (dar sentido) ao abismo absurdo. A conscincia histérica, linear, calculadora, deve ce- der lugar a consciéncia bidimensional, imaginativa, computadora. Destarte vai surgir zona -imagindsia nova entre 0 homem € seus conceitos (0 “‘uhiverso das imagens ttcnicas’’), através da qual o homem vai poder imaginar os seus conceitos. Dado 0 feedback entre gesto ¢ consciéncia, o universo das imagens ttenicas (fotos, filmes, videos, imagens sintetizadas por computador), vai se densificando, e nova capaci- dade ce imaginar vai surgindo. O que acaba de ser di- to € descrig&o da.consciéncia pés-histérica emergen- te, £ importante distinguirmos entre a imaginagto pré-historica ¢ a imaginagdo nova. Durante a pro- ducdo das imagens tradicionais o homem recua da circunstancia, a fim de abarcd-la com sua vista. Du- rante a produgao das imagens técnicas o homem re- cua dos seus conceitos para imagind-los. A imagi- nagdo pre-historic € a capacidade de abstrair as duas dimens®es da superficie e a partir da quadridimensio- nalidade do espago-tempo ambiente. A imaginac%o Cadernos Rioane | 67 | Caderno Lilés pbs-historica € a capacidade de abstrair os conceitos zerodimensionais a partir da linearidade dos textos, € imagini-los sobre planos. Exemplo impressionante de tal capacidade é imagem computada de equagdes, fractais, tal qual apitrece nos monitores de computa- dores. Ora, tal imaginago nova exige atitude nova perante o mundo, € perante a existéncia no mundo. Embora assumamos tal atitude com frequéncia cres- cente, ainda nao conseguimos concebé-la, Procurarci intui-la ‘Acconscigncia linear, historiea, textual projeta as rugras da escrita sobre 0 mundo, e este vai adquirir carater textual: ‘matura libellum’’. (Como a cons- bidimensional, pré-histOrica, imaginativa, projeta a estrutura da imagem sobre 0 mundo, ¢ este vai adquitir carater imaginativo: “cena"”.) Trata-se, pois, para a consciéncia hist6rica, decifrar 0 que € 0 mundo. E cle mundo composto de signos (sig- ificante), ¢ tais signos devem ser interpretados. A conscigncia deve inclinar-se sobre 0 mundo signifi- cante, adequar-se a ele (“‘adaequatio intellectus ad rem”). Este gesto de inclinagao € 0 da ciéncia da na- tureza. Ora, @ consciéncia emergente abandona de- cepcionada tal reveréncia perante 0 mundo, porque “descobriu"’ que no hé nada no mundo que possa ser decifrado. Que o mundo é composto, nao de sig- nos, mas de particulas insignificantes que formam re- lacdes insignificantes. Que 0 aparente cardter textual do mundo foi para la projetado pela consciéncia hu- mana (¢ sobretudo pela ciéncia da natureza). Que as cigncias nada decifram na natureza a nao ser a estru- tura do seu préprio pensamento. A consciéncia emer- gente “descobriu" que, 20 termos nascido, fomos lan- gados em mundo absurdo. Ao abandonar a incli- nagdo reverencial perante 0 mundo, ao pér-se de pé, a nova consciéncia ‘descobre”” (ou redescobre) que € 0 homem quem projeta significado sobre mundo absurdc, e que tal projegao (*Sinngebung”) € a dig- nidade humana. Trata-se de reversdo dos vetores de significado. Os textos histéricos (tanto quanto as imagens pré- histOricas) so espelhos que captam os signos provin- dos do mundo para interpreté-los. O mundo é 0 seu significado. As imagens técnicas so projetores que langam signos sobre 0 mundo, a fim de dar-Ihe senti- do. As imagens técnicas sao 0 significado do mundo. Exemplo: as imagens eletromagnéticas captam fend- menos sem sentido (eléctrons), e os codificam para que signifiquem algo (avides a serem construldos, cu- bos de quatro dimenstes, imagens de objetos “tim- possiveis”). Tais novas imagens significam conceitos cujo propésito é conferir significado ao mundo. No- va antropologia comeca a cristalizat-se: 0 homem en- quanto doador de sentido a si proprio ¢ ao mundo. Tal antropologia nova se manifesta pela nova posigao do pensamento conceitual na diatética ““exto-imagem’”. O propdsito do pensamento con- ceitual no contexto da consciéneia histérica era o de criticar imagens, ao transcodificar idéias em conce tos. Seu propésito era o de des-magicizar, des- mitizar, explicar, tornar tudo claro ¢ distinto, O propésito do pensamento conceitual no contexto da consciéncia nova ¢ outro. E 0 de servir 4 nova imagi- nagao na sua tarefa de dar significado ao mundo. Exemplo: o gesto das pontas de dedos que manipu- lam teclas de computador sintetizador de imagens. Tais pontas de dedos manipulam conceitos claros ¢ distintos, a fim de que estes sejam transcodificados em imagens. O pensamento conceitual, 0 qual, na ua origem, era iconoclistico, passa a ser atualmente preparador para 0 pensamento imaginative novo, ‘Serve, ndo mais para explicar 0 mundo, mas para jar-Ihe sentido. Tal nova antropologia tera sem divida conse- \quéncias: profundas, em sua maioria imprevisiveis. Apenas um unico exemplo: a ciéncia, tal forma su- prema do pensamento conceitual, deixara de ser dis- ciplina que explica, e passara a ser disciplina que con fere significado. O que a transformara em disciplina artistica, j4 que @ arte (o pensamento imaginativo) sempre procurava conferir significado, Ora, ciénci enquanto uma cntre as artes obrigard repensarmos 03 conceitos ‘*verdade"” e “conhecimento"’. Nao posso deixar de concluir este paragrafo sem chamar a atengdo sobre o seguinte: na historia oci- dental o pensamento conceitual se articula sobretudo pelo cédigo alfa-numérico, e 0 pensamento concei- tual no contexto novo recorre a cbdigos outros (os dos computadores). O provavel abandono do alfabe- to enquanto cédigo ultrapassado (como 0 sao os nds incaicos) ter conseq(éncias profundas. Devo, finalmente, justificar 0 emprego do termo “«p6s-hist6ria””, o qual tem, inegavelmente, cono- tagdes apocalipticas, ¢ que, portanto, pode parecer inadequado. (Escrevi, para justificar tal termo, en- saio publicado no Brasil (““Pés-historia"), ¢ outro publicado na Alemanha (‘Ins Universum der tech- nischen Bilder”), de modo que posso ser resumido.) Propus, neste ensaio, que “historia” seja aquele pro- cesso gragas ao qual imagens vao sendo desenvolvi das em textos, ¢ portanto idéias vo sendo transcodi- ficadas em conceitos. Propus que, enquanto ociden- tais dotados de consciéncia histérica, estamos enga- jados na critica das imagens (do “‘paganismo"), e na produgao de explicagdes progressivas (na hist6ria ‘sagrada’” no mais amplo significado de tal termo). Ora, com a atual inversio da dialética ‘‘texto- imagem’, gragas & qual doravante 0 pensamento conceitual vai servir para a producdo de imagens, tal engajamento nosso passa a ser inoperante. E é preci samente tal inoperatividade do engajamento histéri- co que chamei de “‘p6s-hist6ria” neste ensaio. ‘A conotagiio apocaliptica do conceito de ‘p6s- hist6ria”” nfo fica dilufda, na entanto, se aceitarmos que a consciéncia pés-histérica vai resultar em aven- turas futuras imprevisiveis. Pelo contririo, vai se acentuando. Porque as imagens técnicas, tais quais vao emergindo em torno de nds, e tais quais vlo ab- sorvendo 0 pensamento conceitual, critic, vao mergulhando-nos na noite escura da imaginaga0 emancipada da critica disciplinada. De modo que to- dit a historia ocidental, essa luta mais que trimilenar do conceito contra a idéia, vai se revelando atual- mente comédia de ertos. Comédia, no entanto, que para nés, os nela engajados, nao deixa de ser tragica as imagens novas so nossa derrota. Vilém Flussery conferencista de dmbito ceuropeu, nascew em Praga (1920) e'vive atualmentena ete, Provence. Velo pars o Brasil ‘em 1940, onde publicou Lingua ¢ dizbo, Da religiosidade, Naturalmonte, Cadernos Rioarte | 68 | Cuderno Lilés

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