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Carlos Roberto Vieira Araujo Scanned with CamScanner A Escola Classica 4.1 DAVID RICARDO (1772-1823) Adam Smith nao foi capaz de fornecer uma teoria razodvel da dis- tribuicio do excedente entre as diversas classes sociais, Esta tarefa caberd a David Ricardo que, numa linguagem concisa e menos colorida que a de seu predecessor, serd o responsdvel pela formalizacao de muitos conceitos econdmicos. A influéncia de Ricardo foi enorme. O préprio Keynes diré que Ricardo dominou a Inglaterra tao completamente como a Santa Inqui- siggo dominou a Espanha.' E considerado o maior dos economistas clas- SICOos. 4.1.1 Dados biograficos _ Ricardo era filho de um judeu que, vindo da Holanda, se estabelecera como corretor de valores na bolsa de Londres. Aos 14 anos, jé trabalhava na bolsa com o pai. Mas, aos 21 anos, desentendeu-se com ele por ter desposado uma “quaker” e abracado o cristianismo. Continuou na bolsa onde fez fortuna, pois possuia qualidades excepcionais para os negécios. Aos 42 anos de idade j4 possuia uma fortuna calculada entre 500 mil e um milhdo ¢ 600 mil libras.* Com esta fortuna, pode retirar-se dos neg6- cios e dedicar-se trangiiilamente a seus estudos de economia. Tinha uma inteligéncia poderosa e analitica. Nao recebeu instrugao econémica formal. maior dos economistas classicos nunca freqiientara as cadeiras de uma universidade. Seu grande conhecimento econémico ele o conseguiu através de leituras e de reflexdo. Em 1799 leu A riqueza das nagées e ficou pro- fundamente impressionado com 0 livro de Smith. Parece que data desta ‘Ro fazer tal asseredo Keynes estava criticando toda aqyela linhagem de pensadores que 4e Ricardo até os neacitssicos haviem aceltado a “tel de Say” - Ver HEILBRONER, A. L. Op. cit. p. 71. Scanned with CamScanner 33 época seu interesse intelectual pela economia. Mas esperou ainda uns dez anos antes de lancar sua primeira publicagao, em forma de carta no Mor. ning Chronicle, Publicou varios trabalhos importantes. Em 1817 saiu pela primeira vez sua obra maxima Principios de economia politica e de tribu. tagGo. Nesta época jé era famoso € suas idéias tiveram boa acolhida. Ricardo interessou-se muito pelos problemas de sua época. Este inte. resse leva-o em 1819 A Camara dos Comuns, onde teve destacada influén- cia, embora nao gostasse de discursar. Conta-se que Ricardo sentia grande dificuldade em redigir. Ele préprio registrou esta dificuldade em cartas a amigos. James Mill,’ grande economista com quem Ricardo mantinha re- lagées de amizade, instava para que ele publicasse suas idéias e reflexdes. Ricardo era grande amigo de Thomas Robert Malthus, embora estes dois economistas discordassem em quase tudo. A discordancia no plano das idéias nunca afetou a amizade entre eles. A obra ricardiana exerceu enorme influéncia sobre todas as correntes econdmicas posteriores. Marx e os socialistas encontrarao no seu estudo de distribuigio do produto entre as classes um ponto de partida para o desen- yolvimento de novas teorias. Alfred Marshall ¢ a corrente neoclassica encontrarfo na. sua teoria da renda da terra e na visio coerente da eco- nomia, como ciéncia regida por leis naturais, a inspiragao germinal dos conceitos marginalistas e do tratamento modelistico em economia. Agora j4 temos condigées de apresentar uma visio esquemitica das escolas econdmicas.* Mercantilistas Fisiocratas Adam Smith Litrato Malthus Ricardo Marx Keynes 3 james Mill fol pal do John Stuart Mill, fIGsofo @ economista da, escola cléssica, 34 Fundagso Geta. see aee gigtes jor Lulz Carlos Merege, num trabalho mimeografado pel Scanned with CamScanner —————— Ricardo e Malthus tém rafzes intelectuais em Ad: i : im raize lam Smith. Diferen- ciam-se porque Malthus nao aceita a “lei de Say” (lé-se ide ssi cardo sim. Este problema sera tratado, mais tarde, ao falarmos de Keynes e do problema da demanda efetiva. Marx e Marshall defendem pontos de vista diametralmente opostos no encaminhamento das questdes econémicas, mas ambos de inspiracao ricar- diana. A riqueza de um pensamento estd justamente nesta capacidade de abrir novos horizontes intelectuais. Neste ponto, o pensamento de Ricardo’ foi fecundo. Em 1823, com pouco mais de 50 anos ¢ deixando uma bagagem res- peitével, morre Ricardo, rico, respeitado e famoso. 4.1.2 Idéias importantes A — Teoria do Valor Ricardo voltar-se-A para o problema do valor, ao tentar interpretar a inflago que ocorria na Inglaterra e ao envolverse nas discussdes sobre © prego das mercadorias, J mencionamos seu artigo no Morning Chronicle. ‘Algumas de suas sugestoes foram adotadas pelo Banco da Inglaterra € so- freram criticas. Ao tentar aprofundar este assunto e responder as criticas, Ricardo defronta-se com o problema do valor. Para ele, o valor de uma mercadoria € determinado pela quantidade de trabalho nela incorporada. Ou seja, o valor é dado pelo seu custo em trabalho (teoria do valor-tra- balho). Este custo nao é calculado apenas pelo trabalho imediato, mas tam- bém pelo trabalho mediato, Se uma mercadoria for produzida pelo empre- go de uma maquina e um trabalhador, entram no célculo do valor da mer- cadoria nao sé o custo em trabalho do trabalhador (custo imediato), mas também o custo do trabalho incorporado @ maquina (custo mediato). Nao se pode esquecer que a maquina foi construida com o dispéndio de certa quantidade de trabalho. Portanto, atrés do prego -da mercadoria esté 0 valor, atrés do valor esto os custos de produgao e atrés dos custos de pro- dugo est o trabalho humano porque todo custo pode, em tltima anilise, ser decomposto em sua expresso mais simples que é o trabalho humano. __ Nao escapava aos cléssicos que a utilidade tinha certo peso na deter- minagGo dos pregos. Mas esta importancia era relativa. Ela fazia os pregos oscilarem em torno de determinado patamar, mas nfo explicava o nivel deste patamar. Por que um carro custa $ 10.000 e um saco de batatas custa $ 20 mesmo quando as proporgdes entre oferta e procura para estes dois bens sao as mesmas? O prego nao pode ser explicado unicamente por um elemento subjetivo. A oferta e a procura explicam as oscilagdes dos pregos em torno de determinado patamar, nfo os pregos. Scanned with CamScanner 35 Alguns ieocldssicos mais atentos, como, por exemplo, Marshall, per. ceberam este problema e consideraram os custos de produg&o como inte. grantes do valor. Mas os custos de producdo nao so o tltimo elo da cor. rente. Eles podem ainda ser decompostos em trabalho. O trabalho € 0 ele. mento. mais simples, e. irredutivel a qualquer outro. Na determinagao do preco deve haver um elemento objetivo que s6 pode ser 0 trabalho humano, Ricardo percebeu que sua lei tinha excegdes. O preco de certos obje- tos raros como, por exemplo, obras de arte e vinhos finos nao era deter. minado pelo seu custo em trabalho. Mas a exce¢ao nao invalidava a lei geral. Afirma ele que o custo em trabalho sé explica o valor quando se trata de bens que “a indistria humana pode reproduzir de maneira prati- camente ilimitada”. Nao devemos esquecer-nos de que as leis econdmicas tém de captar a esséncia dos fenémenos e nao a aparéncia. E certo que ha intimeras causas que explicam a oscilagéo dos pregos e que serd rigo- rosamente impossivel (mesmo na era dos computadores) explica-las ou aponté-las todas. Mas deve existir uma lei que dé coeréncia e unidade a todo o resto e que tenha grande poder explicativo. A teoria do valor-tra- balho tem este papel no modelo ricardiano. Tanto para Ricardo como para Smith, toda mercadoria tinha dois pre- gos: 0 preco natural, equivalente ao valor ¢ o preco de mercado que osci- Java em torno do valor, conforme a oferta e a procura. As mil causas que determinam as oscilacdes dos pregos de mercado nao os afastam muito (de modo geral) do valor. Henri Denis * recorre a um artificio para explicar a formag&o do preco natural em Ricardo. Designa por p40 prego de A; por q,40 custo em tra balho de A e por q,, 0 custo em trabalho da moeda (para se cunhar uma moeda ha dispéndio de trabalho). O prego de A sera entao: 4 Pane eee Im Suponha que o custo em trabalho de se produzir uma moeda seja de $ 10 e 0 custo em trabalho de produzir um livro seja de $ 100.000. ° prego do livro sera: Scanned with CamScanner A teoria do valor-trabalho de Ricardo serd retomada e aperfeigoada por Marx. Os neoclassi¢os a abandonaram nao por ser ela simplista (como alegam), mas por trazer problemas delicados para a economia. Veremos, depois, que o campo de estudo da economia neoclassica € mais restrito que 0 da economia clissica. Nele no hé lugar para as classes sociais, * “A grande preocupacao de Ricardo, no seu capitulo consagrado ao valor, é mostrar que os movimentos dos precos dependem das variages dos produtos e nio das flutuagdes dos salérios.” ® B essencial que se enten- da isto, para se compreender sua teoria da reparti¢ao que abordaremos agora. B — Teoria da repartigao No prefacio de sua principal obra, Ricardo diz que 0 problema cen- tral da Economia Politica € explicar as leis que regulam a repartigao do produto nacional entre as diversas classes sociais. Mas, no fundo, o pro- blema que ele persegue ¢ 0 mesmo de Smith: o estudo do crescimiento eco- némico. Acontece que a composigao de classes foi considerada por ele co- mo um fator tao condicionante do crescimento econémico que tal cresci- mento no poderia ‘ser explicado se nao se partisse do estudo de como 0 produto social se distribui entre as classes. Desse ponto de vista, ele 86 poderd elucidar o crescimento explicando a reparticfo do produto entre as varias classes. A parte do produto nacional que cabe aos latifundidrios depende das diferentes condigdes em que se dé a produgo agricola. Esta parte tende a subir porque, com 0 crescimento da populagio, terras cada vez menos férteis terdo de ser incorporadas a ‘estrutura de produgao. Ve- jamos como funciona sua teoria da renda da terra. A partir deste esquema, entenderemos seu modelo completo. Para o leitor de hoje, talvez seja-util um esclarecimento. No esquema ricardiano ha trés classes sociais: latifun- diéria, capitalista e operdria. Os latifundidrios ou proprietirios de terra geralmente no a cultivam. E 0 capitalista que se dedica 4 produgio e para isso aluga a terra do latifundidrio e contrata operdrios para cultivé-la. Feito este esclarecimento, voltemos a nosso assunto principal. Vamos tomar um exemplo do proprio Ricardo, Para demonstrar seu modelo de formagéo da renda (renda € a parte do prodisto que vai para © latifundid- tio) ele nos apresenta um novo pais onde a terra é livre e onde s6 a me- Ihor terra € cultivada porque a populagao ainda nfo é suficientemente gran- de para pressionar os recursos naturais. Nestas circunstincias, nao se page —_ 6. ‘DENIS, Henri. Op. cit. p. 340. 37 Scanned with CamScanner renda, Veja o esquema.abaixo onde o retfngulo indica uma porgo de terra capaz de produzir uma tonelada de trigo com certa quantidade fixa de trabalho e capital. O retingulo pode significar também 0 custo de se pro. duzir uma tonelada de trigo. Custo de produgao de 1 tonelada de trigo B evidente que o preco desta tonelada de trigo deverd, pelo menos, cobrir os custos de produgao. Caso contrério, nao valeré a pena plantar _trigo para vender, Suponhamos, agora, que a populacdo aumente e que novas terras me- nos férteis sejam incorporadas a estrutura produtiva. O prego do trigo de- verd subir, para cobrir os custos do cultivo, em terras menos férteis. Para se produzir a mesma tonelada de trigo, teremos que utilizar mais capital e mais trabalho. Os custos de produgao sobem ao se cultivar a gleba B de segunda qualidade (que Ricardo chama de terra 2). Renda real Custo de produgio de 1 tonelada de trigo na terra B E evidente que, agora, o prego do trigo seré maior. O valor de troca da produgao deveré ser regulado pelo custo de producdo. nas circunstdncias menos favordveis. No nosso caso, o prego minimo de uma tonelada de trigo deverd cobrir os custos de produgao na gleba B. Isto porque a competigao intercapitalista levard os lucros a se equalizarem. Com o aparecimento da terra de segunda qualidade, surge a renda na terra de primeira qualidade. A tenda é a diferenga entre o produto obtido pelo emprego de duas quan- tidades iguais de capital e trabalho ou, se quiserem, € 0 saldo que vai para as mios dos proprietdrios das terras mais férteis. A situagéo, aqui, é 8 seguinte: o capitalista da terra A produz a um custo mais baixo que o da terra B, mas vende seu produto a um prerg que =-1- - - 3) "th Scanned with CamScanner i SE ERS de cultivo na terra B (nfo na terra A). O saldo, contudo, nio fica com ele. Este saldo terminar4 nas mfos do proprietério de quem ele alugou o terreno porque estas terras férteis, agora, sdo escassas € esto sob‘com- petigao. Se o capitalista X nfo arrendar, outro a arrendard © pagaré por ela até a diferenca entre os custos de produgdo de A e de B. A renda & a diferenga dos custos de produgio nos dois tipos de terra. __ Mas a coisa nao péra af. Se a populagdo crescer ¢ pressionar por mais alimentos, novas glebas terdo de ser cultivadas, a terra de segunda quali- dade comecaré a gerar renda, e assim sucessivamente. Observe o diagrama abaixo: Prego minimo de 4 tonelada de trigo = custo de produgdo da tonelada na terra D. A terra D nao proporciona renda, mas esta aparece nas terras A,B eC, como mostra o diagrama. Deste modo, & medida em que as terras cultivadas véo estendendo-se, a porgao do produto que vai para as maos dos latifundidrios aumenta. Ricardo no considera o prego da terra como custo de produgfo. Se vocé entendeu os passos anteriores, poderé compreender, agora, sua afirmagéo de que “o trigo ndo € caro porque se paga renda, antes paga-se renda porque 0 trigo é caro...”" Alguns’ autores, pouco atentos A situagfo da Inglaterra na época, fo- ram levados a dizer que Ricardo faz aqui um exercfcio de abstracao, onde, aceitas determinadas premissas e escolhida determinada varidvel, a con- clusio se impde. Esse esforgo de abstragdo (que é inegdvel em toda a obra de, Ricardo) Schumpeter chamou de “vicio ricardiano”.” E verdade que com Ricardo a economia deixa de ser empirica e torna-se abstrata e austera, como diz Spiegel. Mas o encarecimento do preco do trigo na Inglaterra da época era real e 0 estudo de Ricardo nao fazia mais que refletir a rea- lidade, Sua teoria era bastante realista, como mostra 0 quadro seguinte: 7. RIGARDO, David. Principlos de economia politica e de tributaglo. Lisboa, Funda¢so Calouste Gulberkian, 1978. p. SCHUMPETER, Joseph A Histérla da anélise econémica. Rlo de Janelro, Fundo de. Cultura . 124. A acusagdo de Schumpeter € Injusta com relago a Ricardo. | Aplice-se, plent ‘economia. 964, ¥. ‘mente Gos’ neocléssicos que, com o ceteris paribus, resolvem todos 08 problemas da Scanned with CamScanner Média dos precos por década entre 1770 e 1813 1770-1779 45 shillings 1780-1789 45s.e 9d 1790-1799 55 8,e 19d 1800-1809 82s.e 2d 1810-1813 106 s.e 2d © prego real do trigo mais que duplicou em 40 anos.’ Ora, isto trazia problemas para a economia. O trigo era o principal componente da dieta do trabalhador e seu peso era grande no custo de vida. Aumentar o preco do trigo era empurrar os salérios para cima. Por outro lado, com terras cada vez menos férteis, tinha-se de aumentar a quantidade de trabalho (c, portanto, a massa de salérios) para se colher a mesma quantidade de trigo. Acrescente-se a isto que os proprietdrios de terra ainda detinham o poder politico e, com isto, impediam a importacao de cereais, fato que poderia baratear os saldrios. O temor dos latifundidrios era que, com o fim das guerras napoleénicas, o trigo chegasse abundante e barato 4 Inglaterra, 0 que prejudicaria seus interesses. Por isso mantiveram a “lei dos cereais”. Esta lei s6 cairé muito mais tarde, quando a burguesia tiver conseguido © poder politico. Em 1815 a luta estava quente no Parlamento. A teoria ricardiana da renda da terra é 0 reflexo de tudo isto. Nao nasceu de um sonho, mas'do embate politico que se travava no momento, e do qual Ri- cardo foi um dos protagonistas. Ele percebe o conflito de interesses entre as classes e toma partido em favor dos capitalistas contra os latifundiarios, porque, em sua teoria, o motor do crescimento econémico é o lucro (exce- dente disponfvel para investimento) que tendia a diminuir se o cultivo de terras cada vez menos férteis se ampliasse. Para entender isto, vamos es tudar como ele considera o crescimento econémico. 4.1.3 Teoria da evolugéo econémica A — Saldrios, lucros e investimentos Ja sabemos que para Ricardo os componentes do prego minimo (que deve igualar-se aos custos de produgio) sao os saldrios e o lucro natural, ou seja, aquela remuneracdo minima sem a qual o empresdrio nao iniciard o negécio, Estes dois componentes nfo se comportam da mesma maneira. a, Vor a esse respelto Gide & Rist, itéria das dourinas econ - 1941-6, 1, mek alae *** Scanned with CamScanner O lucro é um residuo. Determinado o salério, o que sobra é 0 lucto. O salério, Por sua vez, divide-se em saldrio natural e salério de mercado. Sa- lério natural € aquele que permite a aquisigéo de uma cesta minima de bens que possibilite os operérios subsistirem sem aumento nem diminuigao. Nio se trata de subsisténcia fisica apenas. Este mfnimo depende do grau de civilizag&o da sociedade. Por exemplo, se o trabalho exigir gasto com instrugio, este tipo de gasto fard parte do minimo de subsisténcia. Consi- derado o minimo desta maneira, Ricardo pode explicar 0 aumento secular do saldrio real sem abandonar sua definigéo de que o salério natural é aquele que proporciona o minimo para os operdrios sobreviverem. Salério de mercado € 0 saldtio determinado pela oferta e procura de trabalhadores. Este salério giraré em torno do saldrio natural, mas poderé ser maior ou menor do que este, dependendo da oferta e da procura de trabalhadores. Se a mao-de-obra for abundante, o salério tender4 a diminuir. Se for es- cassa, tenderé a aumentar. Ora, com 0 cultivo de terras cada vez menos férteis, sobe 0 prego do trigo. Subindo o prego do trigo, sobe o saldrio natural ¢, portanto, diminui o lucro. Ja vimos que, com a incorporacao de terras inferiores, surge um saldo, que vai para as maos dos latifundiarios. Os capitalistas, ocupados com o cultivo nestas terras, nao se beneficiam com isto. Ao ampliarem o cultivo em direcao a terras de qualidade infe- rior, sio obrigados a aplicar mais trabalho para obter 0 mesmo produto. Resultado: queda dos lucros. Por outro lado, Ricardo aceita a teoria da populagio de Malthus, segundo a qual a populacdo aumenta quando os salarios aumentam e diminui quando os salarios diminuem. Sendo assim, 0 saldrio de mercado estard sempre proximo do saldrio natural (minimo de subsisténcia). Por que isto? Porque, se os saldrios subirem, a populagao aumentard e teremos abundancia de trabalhadores. A abundancia de tra- balhadores provocara queda dos saldrios de mercado. Quando os salérios estiverem muito baixos, a situacdo se inverteré. Teremos diminuigio da populacdo e escassez de trabalhadores. Isto levaré a um aumento dos saldrios, e assim sucessivamente. Mas se os saldrios nfo se afastam muito do nivel de subsisténcia e os lucros n&o crescem, antes diminuem com 0 cultivo de terras menos férteis, quem se beneficia com 0 aumento do pro- duto? $6 pode ser a classe dos proprietarios de terra. Ora, 0 crescimento econdmico s6 é possivel com o investimento e o investimento € parte do lucro aplicado na produgao. Investir é a fungao do capitalista. Se 0 lu cro diminuir, o investimento também diminuird. Se a taxa de lucro tender a zero, como tenderé se se verificarem todas as hipéteses ricardianas, a economia tender para o estado estaciondrio, ou seja, para um estado no qual a populagao é estével e a renda per capita € constante. No estado estaciondrio, a economia nfo cresce nem diminui. Embora a teoria ricar- diana aponte para este estado, Ricardo acha que ele poderd ser retardado se se adotarem certas medidas, como aplicagéo de melhores téonicas de _cultivo e importagao de cereais. A importagao de cereais baratearia 0 cus- to do trabalho. Para mostrar cientificamente como 0 livre comércio favo- rece os diversos paises e, portanto, favoreceria também a Inglaterra, caso fosse adotadp Ricardo desenyolve um teoria (ou. um principio) que se Scanned with CamScanner a 42 tornara célebre, em economia, com o nome de teoria das vantagens com, Parativas. Apoiado ‘nesta teoria, ele seré um decidido defensor do livre. -cambismo que tantos beneficios traré a Inglaterra, alguns anos mais tarde, Com este instrumental, ‘ele terd argumentos fortes contra a “lei dos cereais” e.a favor da livre importagio de graos. 4.1.4 Teoria das vantagens comparativas A teoria das vantagens comparativas € um avango em relacao & teoria das vantagens absolutas de Adam Smith. Este ultimo mostrara que o livre comércio seria benéfico para as diversas nages. Se as nagOes se especia- lizarem na produgio daquilo para o qual estéo mais aparelhadas e, em seguida, trocarem a produgéo excedente entre si, todas serao beneficiadas, Por exemplo, se for mais barato produzir ché no Ceilao do que nos Estados Unidos e mais barato produzir trigo nos Estados Unidos do que no Ceilfo, estes dois pafses deverdo dedicar-se 4 produgao do que Ihes for mais barato e trocar 0 excedente. Os Estados Unidos comprariam ché do Ceildo e este tiltimo pais compraria trigo dos Estados Unidos. Isto é ébvio. Até ai o progresso nfo foi grande. Trata-se de uma aplicacao evidente do princfpio da divisio do trabalho. Ricardo d4 um passo além. Mostra que mesmo no caso de um pafs ser superior ao outro na produgo de dois bens, ainda assim 0 comércio entre eles € compensador. Vejamos como ele de- senvolve este raciocinio. Primeiro vamos fazer uma analogia e, em seguida, lancar mao de um exemplo do préprio Ricardo, Suponha que vocé seja tradutor e financista e que seu trabalho na 4rea financeira exija a tradugao de determinadas revistas especializadas. Para simplificar, vamos supor que voce gaste, em média, 8 horas para traduzir 20 paginas e ganhe com isto $ 10 (dez unidades monetérias) e que ganhe $ 20 por 8 horas de consul- toria financeira, E evidente que vocé preferiré dedicar-se totalmente & consultoria e contratar o individuo B para fazer as tradugdes, mesmo que este tradutor seja menos eficiente do que vocé. Vocé é mais eficiente que B em finangas e em tradugao, mas em termos monetédrios € mais eficiente em finangas do que em tradugao. Ricardo apresenta um exemplo andlogo. Para produzir certa quan- tidade de vinho, por unidade de tempo, Portugal ocupa 80 homens e para produzir certa quantidade de tecido, na mesma unidade de tempo, ocupa 90 homens. Para produzir estas mesmas quantidades de vinho e tecido, por unidade de tempo, a Inglaterra ocupa 120 e 100 homens respectivamente. Esquematicamente temos: vinho tecido Portugal 80 90 Inglaterra 129 100 Scanned with CamScanner Portugal tem vantagem absoluta tanto em vinho quanto em tecido, mas tem vantage relativa em vinho, ou seja, é mais eficiente na produgao de vinho. Ele ganharé ocupando todos seus homens na produgao de vinho e trocando o vinho excedente pelo tecido excedente da Inglaterra, que ga- nharé mais especializando-se em s6 produzir tecidos. Os pafses devem es- pecializar-se naquilo que so mais capazes de produzir, mesmo que um deles seja mais eficiente do que 0 outro na produgao de todos os bens. Este tipo de argumentacao (correta se considerarmos as economias co- mo estéticas) foi uma poderosa arma nas mos dos adeptos do livre-cam- bismo. A Inglaterra tornou-se senhora do mundo apoiada na defesa intran- sigente do comércio livre. Alguns anos atrés, j4 no nosso século, os estudos de Raul Prebish e da CEPAL, sobre a deterioracao das relagdes de troca entre paises desen- volvidos e subdesenvolvidos, mostraram que a argumentagao ricardiana continha supostos irrealistas. Os fatos levantavam-se contra a argumenta- go de Ricardo apoiada nas vantagens relativas. Onde estaria a falha de uma argumentagéo tio convincente? No fato de se considerar o mundo econémico de maneira estdtica. Voltando a nossa primeira analogia: € de todo evidente que o financista deva dedicar-se totalmente & consultoria e deixar as tradugdes para o tradutor, mas este wltimo nao precisa perma- necer eternamente tradutor. Que lei o impede de progredir? Se as con- digdes sao tais que o financista sempre estaré lucrando mais que o tra- dutor, por que este tiltimo nao se torna financista? Uma das forcas que impede esta transformagao é a argumentacio ideo- Igica. E ela que lanca mao dos argumentos ricardianos sobre livre comér- cio para justificar a atual divisio internacional do trabalho. Voltamos a acentuar que a argumentacao de Ricardo sobre vantagens relativas é per- feitamente valida e convincente dentro de um marco referencial estético. Mas nao hé nenhuma lei dizendo que este referencial deva ser estético. QUESTOES PARA REVISAO A leitura atenta do texto dé condicées para que se responda as questdes seguintes: 1. Explique a teoria do valor de Ricardo. O que queremos dizer com trabalho imediato e mediato? 2. A utilidade marginal jé era conhecida dos cléssicos. Por que nao a utilizaram como teoria do valor? Mostre a diferenga entre prego natural e prego de mercado. Qual o principal problema da Economia Polltica para Ricardo? Desenvolva um pouco mais sua resposta e procure mostrar a relagdo entre a distribuico 0 crescimento econ6mico em Ricardo. 5. Explique a teorla da renda da terra de Ricardo. 6. Qual o papel do lucro na teorla de Ricardo? 43 Scanned with CamScanner 7. Como Ricardo considera os salérios? Como explica que os salarios tendem @ permanecer no nivel de subsisténcia? 8. Nao existe contradigao ‘entre: afirmar que os salérios tendem a se manter no nivel de subsisténcia e afirmar que houve um aumento secular dos sali. trios? Como_a teoria de Ricardo explica isto? 9. Exponha a teoria das vantagens comparativas de Ricardo. 10. Explique como a deterioracéo dos termos de troca entre paises desenvolvi. dos e subdesenvolvidos abala a argumentacao ricardiana a favor do livre comércio. Em que circunstancias a argumentagéo 6 valida? Em que circuns. tancias perde a validade? SUGESTOES DE LEITURA RICARDO, David. Principios de economia politica e de tributagao. Lisboa, Fundago Calouste Gulbenkian, 1978. ‘A mesma obra encontra-se na colegao Os Economistas, da Abril Cul. tural. A vantagem desta ultima é a apresentacao & obra feita pelo pro- fessor Paul Singer. Trata-se de uma apresentacdo primorosa que toca em todos os pontos essenciais. No fim da apresentagao, hé uma curta bibliogratia. A obra de Ricardo é seca e dificil, mas de leitura indispensavel. NAPOLEONI, Claudio. Smith, Ricardo, Marx. Rio de Janeiro, Graal, 1978. Livro excelente. Ler a parte referente a teoria da renda da terra. Scanned with CamScanner

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