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Quando refletimos sobre a Natureza em geral, ou sobre a histéria da humanidade, ou sobre nossa propria latividade intelectual, vemos em primeiro lugar a imagem de wm incessante emaranhado de relagbes e reacbes, de ermutacdes e combinagdes, nas quais nada permanece o-qué, onde € como era, mas nas quais tudo se move, toma forma e passa. Vemos portanto em primeiro plano «a imagem de um todo, com suas partes ainda mais ou ‘menos mantidas ao fundo; observamos os movimentos, as transigdes, as conexdes, em vez das coisas que se move € combina e estdo ligadas. Esta concepedo do mundo Primitivo, nail, porém intrinsecamente correta, & a mesma da filosofia grega antiga, e foi formulada pela primeira vez com clareca por Heréclito: do & e nio é, porque tudo é fluido, esié constantemente mudando, constante- ‘mente tomando forma e passando. Friedrich Engels UL . Vv. VL vu. vu. Ix. INDICE A DIALETICA DO SEXO FEMINISMO AMERICANO FREUDISMO: UM FEMINISMO DESVIRTUADO ABAIXO A INFANCIA, RACISCO: 0 SEXISMO DA FAMILIA DO HOMEM 0 AMOR A CULTURA DO ROMANCE, CULTURA (MASCULINA) DIALETICA SEXUAL DA HISTORIA DA CULTURA © FEMINISMO NA ERA DA ECOLOGIA CONCLUSAO: A REVOLUGAO DEFINITIVA, u 28 55 87 ns 167 169 181 197 221 233 I. A DIALETICA DO SEXO As classes sexuais sto tio enraizadas, que se tor- nam invisiveis, A existéncia dessas classes ‘pode parecer ‘uma desigualdade superficial, facilmente soluciondvel com ‘algumas reformas, ou talvez com a integragao plena das mulheres na forca de trabalho. Mas a reagio do homem, da mulher ¢ da crianca comum — "O qué? Ora, nao se pode mudar isto! Voc deve estar louco!” — est mais proxima da verdade. Falamos de algumas coisas tio pro- fundas quanto esta. Essa reacdo instintiva € honesta, pois, mesmo quando 0 ignoram, as feministas falam de’ uma ‘mudanga na condi¢ao biolbgica bésica. O fato de que uma mudanga tio profunda néo possa se ajustar em ca- tegorias tradicionais de pensamento, p.e., 0 “politico”, ‘corre no porque essas categorias no se usem, mas por- que néo sto suficientemente amplas: um feminismo ra cal as perpassa. Se houvesse um outro termo mais abran- gente, do que revoluedo, nds 0 usariamos. "Até que fosse atingido um certo nivel de evolucéo que a tecnologia chegasse a sofisticagio atual, questio- nar condig6es biol6gicas bésicas era loucura. ‘Por que deveria uma mulher trocar seu precioso lugar no curral, por uma uta sangrenta e sem esperanca? Entretanto, pela primeira vez em alguns paises, as pré-condighes para 2 revolugdo feminista existem — na verdade, a situagdo ccomega a exigir essa revolucao. uw ‘As primeiras mulheres estio conseguindo escapar 0 massacre, e, inseguras ¢ vacilantes, comegam a. des- cobrir-se umas is outras. Seu primeizo passo 6 uma obser- vagio cuidadosa, em conjunio, para ressensibilizar uma consciéneia partia. Isto é penoso, Nao importa quantos niveis de conscigncia sejam atingidos, 0 problema sempre se aprofunda, Ele se acha em todo lugar. A diviséo Yin € Yang peneira toda a cultura, » histria, a economia, © 4 propria natureza; as vers6es ocidentais modernas da discriminagio sexual integram apenas 0 substrato mais superficial © recente. Intensificar assim nossa. sensbil- dade em relagdo ao sexismo traz problemas muito piores do que os que a nova consciéneia do racismo trouxe Para os militares negros. As feminists tém que questionar io $6 toda a cultura gcidental, como a propria organiza- ‘fo da caltura, e, mais; a a propria organizagto da na- tureza, Muitas mulheres desistem, desesperadas. Se é ne- cetsério ir tio longe, elas preferem deseonhecer 0 assunt. ‘Outras continuam fortalecendo e expandindo o movimento, sua dolorosa sensbiidade em relacio & opressio da mu Ther existe com um tiico propésito: elimind-la Finalmente Contudo, antes ave possamos agir para mudar 2 si- tuasfo, precisamos saber como ela suraiv e evolu, e atra- vvés de. que instituigdes ela opera hoje. Citando Engels: “[Devemos] examinar a sucesséo dos fatos, a partir dos unis © antagonismo brotou, de modo a descobrit. nas condigoes assim eriadas, os meios de par fim 20 conflto.” Para a revolucio feminista, precisamos de-uma anélise da dindmica da. guerra dos sexos tio completa quanto para a revolugio econémica foi a anélise de Marx © Engels sobre 0 antagonismo das classes. Mais completa zinda, Porque Fidamos com um problema mais amplo; com uma opressio que remonta além da histéria escrita, até © proprio reino animal Ao ‘riat esta andlise, podemos recorrer ao métode analitco de Marx e Engels, mas nfo a suas opiniges sobre as mulheres — eles néo sabiam quase nada sobre a con- digo dis mulheres enquanto classe oprimida, teconhe- cendo-a somente quando isso coincidia'com a economia, 12 Marx e Engels superaram seus precursores socials: tas, porque desenvolveram um método de anélise 20 mes- ‘mo tempo dialética e materialista, Os primeiros a com- preender a Hist6ria dialeticamente, viram 0 mundo como lum processo, como um fluxo natural de acio ¢ reacio, de elementos opostos, porém insepardveis ¢ interpene- trantes. Por terem sido capazes de perceber a Hist6ria mais como um filme do que como fotos instantineas, tentaram evitar cair na visdo “metaffsica” estagnada, que aprisionou tantas outras grandes mentes. Até mesmo este tipo de andlise pode ser um produto da divisio sexual, ‘como discutiremos no Capitulo 9, Combinaram esta vis so da interago dindmica das forcas hist6ricas com uma visio materialista, ie., tentaram pela primeira vez dar ‘uma base real A mudanga hist6rica e cultural, tragar 0 desenvolvimento das classes econmicas, a partir de cau- sas orginicas, Compreendendo integralmente os meca- nismos da Histéria, esperavam mostrar ao homem como dominé-la, (Os pensadores socialistas anteriores a Marx ¢ Engels, ‘como Fourier, Owen ¢ Bebel, no foram capazes de fazer mais do que interpretar moralmente as desigualdades so- ciais existentes, postulando um mundo ideal, onde os pri vilégios de classe e a exploragao no deveriam existi, sim- plesmente gragas a boa vontade, do mesmo modo como as primeiras pensadoras feministas postularam um mundo ‘nde 0 privilégio do homem e a exploracio no deveriam existir, simplesmente gragas & boa vontade. Em ambos os ceas0s — por nfo tefem os pensadores primitives com- preendido realmente como a injustica social tinha evo- Tufdo, mantido a si mesma, ou poderia ser eliminada — suas idéias cairam num vazio cultural, ut6pico. Marx ¢ Engels, por outro lado, tentaram um’ enfoque cientifico da Histéria, Trouxeram 0 conflito das classes as suas ori= ‘geus econémicas reais, projetando uma solugio econd- mica, baseada em pré-condigbes econdmnicas jé existentes: 1 tomada dos meios de produgdo pelo proletariado levaria ‘2 um comunismo, onde 0 governo se retrairia, niio pre- tisando mais reprimir a classe baixa em beneficio da Classe mais alta, Na sociedade sem classe, os interes 13 de todos os individuos seriam sindnimos dos da socie- dade, Mas a doutrina do materialismo histérico, por mais gue tenha representado um avango significativo em rela- 40 & anélise historica anterior, nfo foi a tesposta com- leta, como os fatos posteriores o confirmaram. Porque, apesar de Marx e Engels fundamentarem sua teoria na realidade, era ela apenas uma realidade parcial. Esta & a definigio estritamente econdmica do materialismo hist6- ia de Socialismo: Utépico ou Cientifico, de “O materialismo histérico 6 aquela visio do curso da Historia que busca a causa dltima ea grande energia movel Se todos 0$ fatos histéricos no desenvolvimento econdmico dda sociedade, nas mudangas dos modos de producto ¢ toca, na conseqiente divisio da sociedade em classes distintas, © nas Tutas entre essas classes.” (Grifos da autora) Mais adiante, ele afirm “.-que toda a hist do passado, com excasio dos ‘stégios primitives, foi a historia de lutas de classes; que esses classes conflitantes da sociedade sio sempre os resultados dos, ‘modos de produgio e troca—numa palavra, das condicSes ‘econémicas de sua época; que a estrutura econdmica da socie- ade sempre fornece a base real, exclusivamente a parti da ual podemos formular tanto a explicagdo ultima de toda @ superestrutura das instituig6es politeas e juridicas, quanto 8 das idéias religiosas,filosdficas e demais idcias de um pe- lode histstico dado.” (Grifos da autor). Seria um erro tentar explicar a opressio das mulhe- Fes, a partir desta interpretacdo estritamente econdmica, A anélise de classes é um belo instrumento de trabalho, é limitada. Apesar de correta num seatido linear, ela no se aprofunda o suficiente. Hé todo um substrate se- xual da dialética historica que Engels algumas vezes per eebe obscuramente. Mas, por ver a sexualidade somente através de um filtro econémico, reduzindo tudo a ‘sto, no 6 capaz de avalis-la por si mesma. 14 ¢ Engels observou que a divisio original do trabalho entre o homem ¢ « mulher estabelece-se para fins de re- Producto; que dentro da familia o homem era o proprie- trio, a mulher os meios de produsto, o fiho o trabalha- dor, © que a reprodusio da espécie humana era um sis- tema ezonémico important, disinto dos meios de pro dugio.** : Mas Engels deu eréito demais a esses reconheci- rmentos dispersos da opressio das mulheres como uma classe. Na verdade, s6 admitu o sistema sexual de classes quanto ele se sobrepunka ou ihuminava sua estrtura eco ‘émica. Engels nio foi bem sucedido nesse aspecto. Con- tudo, Marx foi pior. Hé um reconhecimento crescente + Vee NT psn 260, (NT) 1. A clade que ie ebsece ma Oriem do Famili, da rapide Pe 46" Bes care 0 elctecnlvsesto se Sea dns noo eta de eps deve et nee Sn soe | MATRIARCADO j 7 PATRIARCADD-———=+| i é | pase a See ie i | somes | vecarnn [mrmeven [memes I yo oo ee Sarge gore | Hw = 1s dos preconceitos de Marx com relagfio as mulheres (um Preconceito cultural partilhado por Freud, bem como Por todos os homens de cultura), perigoso, se tentarmos forgar o feminismo a entrar numa estrutura marxista orto- doxa — congelando em dogmas o que eram apenas insights incidentais de Marx e Engels sobre as classes se- xuais. Em vez disso, precisamos ampliar @ materialismo histGrico para incluir © que é estritamente martista, do ‘mesmo modo como a fisica da relatividade nfo invalidou a fisica newtoniana, apenas tragou um efrculo a sua volta, limitando sua apiicagdo — por comparagio apenas — ‘a uma esfera menor. Pois um diagnéstico econdmico que remonta a propriedade dos meios de produgao, e até dos ‘meios de reproducio, nao explica tudo. Existe um nivel da realidade que no deriva diretamente da economia. ‘A. suposigiéo de que, antes de ser econdmica, a reali- dade € psicossexual, & geralmente acusada de aist6rica pelos que aceitam wma visio materialista dialética da His- {6ria, porque ela parece nos situar antes do ponto em que ‘Marx comegou: tateando através de um nevoeito de hipé- teses utépicas, de sistemas filoséficos que podem ser cer tos ou errados (aio hé como dizer), sistemas que expli- cam desenvolvimentos histéricos coneretos por categories 4 priori de pensamento, O materialismo hist6rico, ao con- trério, tentou explicar o “conhccer” pelo “ser”, © nd0 Mas existe uma terceira alternativa ainda nio ten- tada; podemos desenvolver uma visio materialista da His- ‘ria, baseada no proprio sexo. ‘AS primeiras te6ricas feministas foram, para uma visio materialista do sexo, 0 que Fourier, Bebel e Owen, foram para uma visdo materialista das classes, De modo eral, a teoria feminista tem sido tio inadequada quanto 8 primciras tentativas feministas de corrigit 0 sexismo. Era de esperar que isso ocorresse. O problema é to vasto que, na primeira tentative, s6 a superficie poderia set examinada, deserevendo-se apenas as desigualdades mais gritantes. Simone de Beauvoir foi a nica que chegou erto de uma andlise definitia — que talvez a tenha realizado, Sua penetrante obra O Segmdo i Sexo — que 16 apareceu recentemente, no inicio da década de cinglenta, para um mundo convencido de que o feminismo estava ‘morto — pela primeira vez tentou assentar o feminismo fem bases hist6ricas. De todas as tedricas feministas, Simo- ne de Beauvoir & @ mais completa e abrangente, ao relacio— nar o feminismo com as melhores idéias da nossa cultura. Pode ser que esta virtude também seja sea tinico defeito. Ela é quase que sofisticada demais, culta de- mais. Onde isto se torna uma deficiéncia — 0 que certa- ‘mente € ainda discutivel — & na sua interpretagéo rigida- ‘mente existencialista do feminismo (perguntamo-nos 0 quanto Sartre teve que ver com isso). E fazemos isso em vista do fato de que todos os sistemas culturais, inclu sive o existencialismo, sdo eles proprios determinados pelo dualismo sexual, Diz ela: O homem nunca pensa sobre si mesmo sem pensar no Outro; ele vé 0 mundo sob o signo da dualidade, que ndo’¢, em primeira instincia, de cardter sexual. Mas, sendo diferente do homem, que se consir6i como Mesmo, & certamente & ca: tegoria do’ Outro que a mulher pertence; 0 Outro inch a (Grifos da autora.) Talvez ela tenka ido longe demais, Por que postular como explicacio final o conceito bésico hegeliano da alte~ Tidade, e entio cuidadosamente documentar as. circuns- tincias biolégicas e hist6ricas que empuzraram a classe das wheres” em tal categoria, sem levar em conta uma possibilidade muito mais simples e mais provavel, ou seja, que 0 dualismo bésico brotava do préprio sexo? Nio é ecessério postular categorias a priori do pensamento ¢ da existéneia — como alteridade, transcendéncia, imanéncia — nas quais a Histéria passa entio a ser moldada. Marx © Engels descobriram que essas préprias categorias filo- séficas originavam-se da Historia. ‘Antes de admitir essas categorias, tentemos primeiro desenvolver uma andlise, na qual a propria biologi 8 prociagio — se encontra na base do dualismo, “A su- posicio imediata do leigo, de que a divisto desigual dos sexos é “natural”, pode ser bem fundada, Nés ndo pre~ cisamos, de imediato, enxergar além disso, Ao conteitio 7 ddas classes econdmicas, as classes sexuais brotaram dire- tamente de uma realidade biol6gica: os homens e as mu- “heres foram criados diferentes, e no igualmente privile- giados, Contudo, como Simone de Beauvoir salientou, essa diferenca propriamente dita ndo necessitou do mesmo de- senvolvinento de um sistema de classes — a dominago dde um grupo por outro — de que necessitaram as funsoes reprodutoras dessas diferencas. A familia bioldgica é um poder de distribuigio inerentemente desigual. A necess dade do poder que leva ao desenvolvimento de classes ori- gina-se da formagio psicossexual de cada individuo, de acordo com este desequilibrio basico, ¢ nio, como Freud, Norman O. Brown e outros postularam — mais uma vez se excedendo — de um conflito irredutivel da Vida contra ‘@ Morte, de Eros versus Ténatos. . ‘A janilia bioldgica — a unidade bisica de repto- ddugio homem/mulher/crianga, em qualquer forma de ‘organizago social — se caracteriza por estes fatos, se ‘nao imutiveis, pelo menos fundamentais: . 1) que as mulheres, através de toda a Histéria, antes do advento do controle da natalidade, estavam & ‘mere constante de sua biologia — menstruagio, meno- pausa, e “males femininos”, de continuos partos dolorosos, amamentagio ¢ cuidado com as eriangas, todos os quais fizeram-nas dependentes dos homens (seja irmin, pai, marido, amante, ou cla, goveris, comunidade em geral) ara_a sobrevivéncia fica 7 2) que os filhos do hoinem exigem um tempo ainda maior para crescer do que os dos animais, sendo portanto indefesos e, pelo menos por um pequeno periodo, de- pendentes dos adultos para a sobrevivéncia fisica, | 3) que a interdependéncia bisica mae/filho existiu de alguma forma em todas as sociedades, passadas ou presentes, e conseqiientemente moldou a Psicologia de toda mulher madura e de toda crianga. 4) que a diferenga natural da reprodugdo entre os sexos levou diretamente A primeira divisio de trabalho baseada no sexo, que esti nas origens de toda divisio posterior em classes econémicas e culturais e possivel- mente se encontra ainda na raiz de todas as castas (dis 18 criminagdo baseada no sexo € outras caracteristicas bio logicamente determinadas, como a raga, a idade, ete). Estas contingéncias biol6gicas da familia humana nao podem ser entendidas como sofismas antropolégicos, Qual- quer um que observe os animais eruzando, reproduzindo-se € cuidando de seus filhotes teré dificuldade em aceitar & linha da “relatividade cultural”. Porque, néo importa quantas tribos se possam encontrar na Oceania nas quais conexiio do pai com a fertilidade seja desconhecida, ‘nao importa quantos matrilineariados, quantos casos de inversio do papel sexual, de homens assumindo afazeres domésticos, ou de dores do parto empaticas, fatos que rovam somente uma coisa: a surpreendente flexibilidade nna natureza humana, Mas a natureza humana € adaptavel @ alguma coisa, ie., determinada, sim, por suas condi- soes ambientais. E a familia biol6gica que nds descreve- ‘mos existiu em todos os lugares. através dos tempos. ‘Mesmo nos matriarcados onde a fertilidade da mulher € cultuada e o papel do pai € desconhecido ou sem impor- tincia, embora talvez ndo o pai genético, existe ainda al- guma dependéncia da mulher e da crianga com relagfo a0 homem. E, apesar de ser verdade que o nécleo familiar é ‘apenas um desenvolvimento recente, 0 qual, como ten= tarei_ mostrar, apenas intensifica os castigos ‘psicolégicos da familia biol6sica, apesar de ser verdade que através da Hist6ria houve muitas variagbes nesta famtlia biol6gica, as contingéncias que descrevi existiram em todas elas, ge. ando distorgdes.psicossexuais especificas na personali- dade humana, Mas, admitir que 0 desequilorio sexual do poder est baseado biologicamente, nio significa perder nossa causa. N6s no somos mais’ animais ha muito tempo. E. © Reino da Natureza nfo reina absolutamente. Como a propria Simone de Beauvoir diz: “A teoria do materislismo histérico revelow algumes ver- ddades importantes. A humanidade nio é uma espéeie animal, uma realidade historica. A sociedade humana é uma anti physis—no sentido de que ela & contra a naturezs; ela ndo se submete passivamente’& presenga da natureza, mas antes 19 ‘assume o controle da natureza em seu préprio beneficio. Essa ‘usurpacio nfo é uma operagio interna, subjetiva; ela 6 reai- zada objetivamente na pritica.” Assim, o “natural” no & necessariamente um valor ““umaano”."A Kumanidade comegou a superar a natureza. ‘Nao_podemos mais justificar a conservagao do sistema discriminat6rio de classes sexuais, sob 0 pretexto de que se originon na natureza. Parece que, exclusivemente por causas pragmiticas, nés precisamos, na verdade, nos des- fazer dele (ver 0 Capitulo 10). ‘Q_problema se toma politico, exigindo mais do que ‘uma anilise histrica abrangente, pois nos damos conta de que, apeser do homem ser cada vez mais capaz de liber- tar-se das condigées bioldgicas que eriaram a trania dele sobre as mulheres e eriangas, cle tem poucas razbes para renunciar a essa tania, Como Engels diz, no contexto da revolugéo econdmice “0 que se encontra na base da divisio de classes & a lei da divisio do trabalho.” [Note-se que esta propria divisio criginou-se de uma divisio biolégica bésiea "Mas isto nfo impede a classe dominante, uma vez predominando, de con solidar © poder, & custa da classe trabalhadora, de transfor ‘mar sua lideranga social numa intensificada exploracio das, Apeser de o sistema de classes sexuais ter-se origi nado em condig&es biolbgicas bésicas, isto nfo garante aque, uma ver tendo sido varridas as bases biol6gicas de sua opressio, as mulheres serdo livres. Ao contrari nova tecnologia, especialmente 0 controle da ferti pode ser usada contra elas, para reforgar o sistema de exploracao estabelecido. ‘De modo que, assim como para assegurar a elimina- so das classes econdmicas, € preciso a revolta da classe Balxa (o proletariado) numa ditadura temportia, tomada dos meios de produgio, assim também, para asse- cagio das criangas. E, assim como a meta final da revo- lugdo socialista ndo era apenas a eliminacio do privilégio da classe econdmica, mas também da prépria distingdo da classe econémica, assim também a meta final da re- imeiro movimento feminists, nfo apenas a eliminagio' do prviléeo do homer, mas amibém da prSpra dingo s ual; as-dierensas gents nfo mats slice a turaimente. (Uma volta a uma pansexualidade livre — a versio polimorfa” de Freud — provavelmente substi- tuiria a hetero, a homo € a bissexualidade.) A reprodu- fo da espécie por um sexo em beneficio dos dois seria Substitufda pela reproducfo artificial (ou pelo menos por ‘uma opgfo entre as espécies): a forma do nascimento das criancas seria idéntica para o homem e a mulher, ou entio, encarando-se de um outro ponto de vista, ambos se sentiriam independentes em relaclo ao nascimento: a dependéncia que a crianca tem da mie (e vice-versa) da- ria lugar a uma dependéncia muito reduzida de um pe- queno grupo mais genérico, e qualauer vestigio de infe- rloridade com relagio aos adultos referente as forca fisiea seria compensado culturalmente. A divisio do trabalho acabaria junto com a eliminacdo total do trabalho (ciber- nética). A tirania da familia biol6gica seria quebrada, E, com isto, a psicologia do poder. Como Engels ret- ‘vindicou para a revolugdo rigorosamente socialista: ““A existéncia no simplesmente dessa ou daguela classe ominante, mas de qualquer classe dominante, teré se tornado lum anacronisme obsoleto.” © fato de o socialismo nunca ter chegado 20 ponto de realizar esse objetivo declarado no 6 consegiiéncia de ré-condigées econdmicas ndo realizadas ou falhas, mas também de que a propria andlise marxista foi insuficient cla nio pesquisou suficientemente fundo as raizes psicos- sexuais das classes. Marx estava ciente de alguma coisa a ‘mais profunda do que ele conhecia quando observou que 2 familia continha dentro de si mesma em miniatura todos (5 antagonismos que mais tarde se desenvolvem em larga scala dentro da sociedade e do estado, Porque, a nio ser que a revolugéo transtorne a organizago social bi~ sica € a familia biologica — o germe da exploragio nunca serd aniquilado, Precisamos de uma revolugo sexual mai mpla do que Zevolugio socalisa = que & inclin == ‘para_verdadeiramente erTadicar_ todos os sistemas de ise de classe um passo a frente, na diregio de suas raizes na divisio biolbgica dos sexos. Nao dispensamos os insights dos socialistas; a0 contrério, o feminismo radical amplia suas andlises, dando ft clas uma base ainda mais profunda em condicoes obje= tivas, explicando com isso muitas das suas questdes inso- Iaveig, Como fundamento de nossa propria andlise, deve= ‘mos expandir a definigéo do materialismo hist6rico de Engels. A seguir a defini¢fo jé citada anteriormente, rees- crita de modo a incluir a divisio biolégica dos sexos, em fungo da reprodusio, que se encontra na ordem’ das classes: ‘© materalismo histérico é aquela visio do curso da Historia que busca a cause ditima e a grande energia mével de todos os fatos histéricos na dialética do sexo: a divisio da sociedade em duas clases biolbgicas distinta, em funcio {a procriagh, e as Tutas dessa classes entre si; nas mudan- fas dos modos de casamento, reprodugio educagio das Eriangas; no desenvolvimento andlogo de outras classes [eastas] fisicamente diferenciadas; © na primeira divisio do trabalho hhaseada no sexo, que se desenvolveu no sistema econémico de classes.” A seguir, a superestrutura cultural, bem como a econdmica, que nao se reportam apenas as classes. (eco némicas), mas sim a toda a problemética do sexo: “Toda a histéria do passado [observe-se que agora pode ‘mos eliminar “com excegdo dos estigios primitivos") foi & his- ‘ria de lutas de classes. Essas classes confltantes da socie- 2 dade sio sempre o produto de modos de organizagio da uni- ‘dade da familia bioldgica, em funcio da reprodugio da es- pécie, bem como dos modos de producio e troca de bens ¢ Servigos estrtamente econdmicos. A argenizagio sexual re produtora da sociedade sempre fornece base real, exclisi- vvamente a partir da qual podemos formular a explicagio l- ‘ima de toda a superestrutura das instituigSes econmicas, jutidicas e demas idéias de um periodo histérico dado.” E agora a visto de Engels dos resultados da aplicago de um enfoque materialista & Historia fica mais realista: “A esfera total das condigées de vida que rodeiam hhomem e que até agora o regeram passa para o dominio £0 controle do homem, que pela primeira vez se toma 0 ver dadeito € consciente Seahor da Natureza, dono de sua pré pria organizagio social.” Nos capitulos sepuintes analisaremos esta definigfo do materialismo histérieo, examinando as institug6es culturais ue mantém e reforgam a familia bioldgica (especialmente sua manifestagdo atual, a familia nuclear) e seb resultado, a psicologia do poder, um chauvinismo agressivo, hoje desenvolvido a ponto de nos destruir. Integraremos isto com uma andlise feminista do freudismo: porque 0 pre- conesito cultural de Freud, tanto quanto © de Marx Engels, nio invalida inteiramente sua percepeio. Na ver- dade, Freud teve insights de valor até maior do que os dos te6ricos socialists, pela construgio de um novo ma terialismo dialético, baseado no sexo, Tentaremos, entio, correlacionar o melhor de Engels a Marx (o enfoque ma terialstahist6rico) com o melhor de Freud (a compreen- sio do interior do homem ¢ da mulher e do que os forma) para chegar a uma solucio ao mesmo tempo politica © Pessoal, baseada contudo em condigses reais. Veremos que Freud dbservou corretamente a dindmica da psicologia, no ‘seu contexto social imediato, mas, pelo fato da estrutura fundamental desse contexto social ser bisica para toda a hhumanidade — em diferentes graus — cla aparentava ser nada menos do que uma condiséo existencial. absolute, ‘que seria insensato questionar. Ela forgou Freud e muitos 23 de seus seguidores a postular construtos a priori, como 0 Desejo de Morte, para explicar as origens desses impulsos psicol6gicos universais. Isto, por sua vez, tornou as doen- gas da humanidade irredutiveis ¢ incuraveis — motivo pelo qual a solugdo por ele proposta (a terapia psicanali- tica), uma contradicdo em termos, foi tio pobre, com- parada com o resto de seu trabalho, e um fracasso tio Tetumbante na prética — levando os que tinham alguma sensibilidade social e politica a rejeitar no s6 sua soluglo teraputica, como também suas descobertas mais pro- fundas, 24 II. FEMINISMO AMERICANO Na visio radical feminists, 0 novo feminismo ni representa somente o reviver de um movimento politico sétio pela igualdade social. Ele € o segundo fluxo da re volugdo mais importante havida na Hist6ria. Seu objetivo: 8 detrocada do mais antiquado e mais rigido dos siste- ‘mas de classe/casta j existentes, o sistema de classes ba- seado no sexo — um sistema consolidado ao longo de mifhares de anos, que emprestou aos papéis arquetipicos ‘de macho e fémea uma legitimidade imerecida e uma per- manéneia aparente. Nessa perspectiva, o pioneiro movi- mento feminista ocidental representou apenas a primeira investida violenta, os ridiculos cingiienta anos que 0 deram representando apenas a primeira contra-ofensiva 0 inicio de uma longa Tuta pela libertagdo das opres- sivas estruturas de poder estabelecidas pela natureza e ‘eforgadas pelo homem. Sob essa Iuz, lancemos um olhar ara/o feminismo americano. 1. O Movimento pelos Direitos Femininos na América Apesar de sempre ter havido mulheres rebeldes na Hist6ria,! nunca antes tinham existido as condigées que 1. Por exemplo: as feticeras devem ser vistas meramente como mulheres envolvidas numa revolts politea independente, Durante 25 possibilitariam as mulheres destruc seus papéisopressivos Ueammente, A, capacidade de rprodugio a mulher era tina necesidade ugente para #socedade —e, mesmo oe moe fose, no se Usponha de meio efcazs de SGrwole da atalidage, Assim, até a Revolugio.Indus- felt vevlla feminist estava fadada a permanecer no ano esta Fiano indoura revolugo feminista da ea teenoégea fi prenuncada elas has eos estos de mulheres Iso- Tides, membros. das sites intelectual de sua época: na Ingloera, Mary Wollstonecraft Mary Shelley; a Amé- re Margaret Faller, oa Prange, as BlvstocKings* Mas {sees muleresestvanyalém de seu tempo. Els teram taut difeuldade em ver soa as acta até por seus Propris Sreulosavangadon que ir plas masa de ho- Tense mulheres de sua epoca, que mal tam absor- do o primero ehoue causado pela Revolugdo Indus- ‘eal : Em meados do século dezenove,contudo, com a ia- dustaiayio an lene stvidad, um movimento femi- sina madarp esteva em andament. Sempre fore nos BUA "onde tha se fandado potco antes da Revo- Tusio Tndawrl, e‘cooesientemeate sua hisria on. tae {isto eram comparauvamente peguena — 0 feminismo for migado pela lute abolcionittae pelos ideas latentes ti propia Hevolugtn Americana. (A seclaragio proferida ta primeira convenguo naciogd! pelos diets das muthe- Text rea cm Seneca Falls n0 ano de 1848, fot mol- Uda na Dedlaragio da Independénca,) (0 primitive Movimento Pelos Pitts das Matheres Americana! fo radical. No seculodezenove, 0 fato de as thre alacaem a Familia lpreja (Ver Woman's Bible Je Blabeth Cady Stanton), 0 Estado (li) represen: dois séculos indmeras mulheres foram qucimadas em fonuciras pela Igreia — pols a eligfo era a politica daquele petiodo. + Expresso cologuiat para se referie &s mulheres iotlestuais, (NE) 12, American Woman's Rights Movement, dagui em diante abre- vindo por W.R.M. 26 tava para elas atacar os proprios fundamentos da socie- dade vitoriana na qual clas viviam — o equivalente a ata- car as prOprias,distingbes sexuais em nossa época, Os fundamentos te6ricos do primitive W.R.M. se originaram nas idéias mais radicais da época, sobretudo as dos aboli- cionistas como William Lloyd Garrison, e de utopistas e livres-pensadores como Fanny Wright.” Poueas pessoas sabem hoje que o feminismo primitivo foi um movimento verdadeiramente popular: nSo ouvirem falar das tortura tes jomnadas empreendidas pelas pioneiras feministas por deniro dos serdes e frontetas, ou de porta em porta nas cidades para falar sobre os problemas ou para juntar asti- naturas em petigdes que eram recusadas. como ridfculas pelas Assembles. Tampouco sabem que Elizabeth Cady Stanton © Susan B. Anthony, as militantes. mais ativas do movimento, estavam entre as primeiras a dar énfase 2 importincia de organizar as mulheres opersries, tendo fandado a Associagéo de Mulheres Trabathadoras’ em se- tembro de 1868. (Delegadas na Convengao Nacional da Unio das Classes Trabalhadoras ja em 1868, posterior- mente elas brigaram por causa da ludibriagao das mulheres trabalhadoras pelo — nada mudou — movimento. mas- caulino chauvinista das classes opersrias.) Outras mulheres pioneiras organizadoras das classes trabathadorastais como Augusta Lewis ¢ Kate Mullaney, estavam engejadas no movimento feminista Esse movimento radical foi erigido por mulheres que ‘fo tinham literalmente nenhurm status civil diante da les que eram declaradas civilment inGteis depois do casamen- to, ou que permaneciam legalmente menores se nd0 32 casassem; que nio podiam assinar testamento nem. mes- Imo ter a cust6dia de seus proprios fihos depois do di vrcio; que no podiam aprender sequer a ler © muito menos eram admitidas na universidade (as mais privile- fiadas cram providas de um conhecimento de bordado, Pintura chinesa, francés, © da arte do eravo); que néo tinham voz politica qualguer. Até mesmo depois da Guet~ a Civil mais da metade desta populacio do pais era ainda legalmente escravizada, literalmente nfo possuindo Ssequer as anguinhas que colocavam nos seus “Tundos”. 27 ‘As primeiras movimentagies dessa classe oprimida, as primeiras exigéncias incondicionais de justiga encontra- Tam uma violéncia desproporcionada, uma resistencia ficil de entender hoje, em que foram enfraquecidas a8 fronteiras entre as classes sexvais. Porque, como acontece em geral, 0 potencial revoluciondrio do primeiro despertar de consciéncia foi mais claramente reconhecido pelos que estavam no poder, do que pelos proprios membros da cruzada, Desde o seu infcio, 0 movimento feminista trouxe uma séria amega a ordem estabelecids, testemushando com a sua propria existéncia ¢ a sua longa duragdo as de- sigualdades fundamentais de um sistema que tinha pre- tens6es & democracia. Atuando inicialmente juntos, © pos- teriormente.separados, 0 movimento aboliconista © 0 W.RM. ameacavam airasar 0 pais. Se, na Guerra Civil, as feministas nfo tivessem sido persuadidas a abandonar sua causa para trabalhar em assuntos “mais importantes", 2 hist6ria inicial da revolugéo feminista podesia ter side menos melancslica, Nessas circunstancias, ainda que as forcas de Stanton- Anthony futassem durante mais vinte anos dentro da tra- digdo feminista radical, a espinha dorsal do movimento tinha sido quebrada, Mihares de mulheres, no impeto dda Guerra Civil, puderam sair de casa para fazer obras de earidade. O tinico assunto que poderia unir esses bem diferentes campos de mulheres organizadas era a necessi- dade de voto — mas, como era de prever, elas nao concordaram sobre 0 porqué ele era. desejével. AS con- servadoras formaram a Associagho pelo Sufragio das Mu- Ineres Americanas, ou se juntaram aos clubes femininos em expansio, tais'como a pia Unido Moderada das Mu- Theres Crstis. As radicais se separaram através da Asso- iagio Nacional pelo Sufrigio Feminino, interessada no Yoio somente como um simbolo do poder politico do qual clas necesstavam para alcangar objetivos mais amplos, Por volta de 1890, tinham sido alcangadas reformas, legais adicionais, as mulheres tinham entrado ma fora de trabalho nas condigdes que elas ocupam ainda hoje € co- megado a receber instrugao em maior nimero. Em lugar de um verdadeiro poder poltico, foithes dado um lugar 28 detivativo e segregado dentro da esfera piblica, como clu- bistas. Mas, embora de fato isto representasse um maior oder politico do que antes, era apenas uma versio nova do lugar habitual do “poder” feminino: atrés do trono uma tradicional influéncia no poder que assumiu uma forma modema nas titicas de influenciamento e de emba- Fagamento, Quando, em 1890, com suas lideres enve~ Thecidas ¢ desanimadas, 0 movimento radical feminista Nacional juntou-se ao’ movimento conservador Ameri= ccano para formar a Associacio Nacional pelo Suftégio das Mulheres Americanas (NAWSA), tudo parecia per- ido. Tinha vencido o feminismo conservador, com sv oncentragéo em temas bisicos, gerais e unificantes como © sufrégio, com sua tentativa de trabalhar dentro da es trutura ‘de poder masculina branca e de aplacé-la — tentando convencer os homens que estavam mais bem informados, contudo com a sua propria retérica ornamen- ada, Traido, 0 feminismo definhow, ‘Ainda pior do que as feministas conservadoras era © niimero crescente de mulheres que, com seu recém-des- coberto bocadinho de liberdade, atiravam-se entusiasticas mente em todos os, radicalismos do dia, nos varios mo- vimentos de reforma social da Era Progressista, até mes- ‘mo quando estes eram estranhos aos interesses femini tas. (Considere-se o velho debate sobre as leis discrimina~ {6rias de “protegio” ao trabalho para as mulheres.) Mar garet Rhondda, lider feminista britinica do periodo pés-T Guerra Mundial, observou: “Podemos dividir as mulheres do movimento feminino em dois grupos: as feministas ¢ a8 reformistas, que nao s80 de ‘modo algum feministas; que nfo dio um centavo pela igual: lade em si mesma... Hoje quase toda organizagéo feminina Feconhece que as reformistes S40 muito mais comuns do que as feministas, que a decisio apaixonada de evidar de seus pro ximos, de ser til a eles a seu modo, € muito mais comum, ddo que o desejo de colocar nas més de cada um 0 poder de ccuidar de si préprio.” Essas “reformistas”, as mulheres “radicais” de sua época, foram, na melhor das hipéteses, influenciadas pelo 29 feminismo, Elas nfo eram nem feministas verdadeiras nem radicais verdadeiras, porque ainda ndo viam a causa das ‘mulheres como um problema em si mesmo legitimamente radical, Vendo o W.R.M. como apenas tangente a uma outra politica mais importante, elas, num certo sentido, ‘viam a si mesmas como homens incompletos: os proble- ‘mas femininos pareciam-Ihes “especiais", “sectirios”, en- quanto que os problemas relativos aos homens eram “hu~ manos”, “universais”. Crescendo politicamente dentro de movimentos dominados pelos homens, elas passaram a se preocupar em reformar sua posigdo dentro desses movi- mentos, em vez de sair deles e criar seu proprio mo- nto, A Woman's Trade Union League é um bom cexemplo disto: as mulheres politigueiras desse grupo falha~ ram nas incumbéncias mais bsicas, porque foram inca- pazes de romper seus vinculos com o AFL, movimento intensamente chauvinista masculino, dirigido’ por Samuel Gompers, que as traiu continuamente. Ou, num outro exemplo, como muitas voluntérias da VISTA, concentra- das em fazer “turismo” entre os pobres “ingratos”, se ati- raram na imatura instalagio do movimento, muitas delas dando suas vidas em troco de nada — apenas para se tornarem as mais severas, exacerbadas, porém dedicadas assistentes-sociais da estereotipia. Ou 0 Woman's Peace, criado, em vlo, por Jane Addams nas vésperas da inter- vengio americana na Primeira Guerra Mundial, que, ironi- camente, mais tarde se dividiu em grupos jingofstas que ‘rabalhavam para a guerra, ou em pacifistas radicais to ineficazes quanto extremistas. Esta frenética atividade organizacional feminista da Era Progressista € geralmente confundida com 0 W.R.M. ropriamente dito. Mas a imagem da mulher frustrada © ‘mandona origina-se menos das feministas radicais do que das politiqueiras nio-feministas, membros de comités pelas varias causas importantes do dia. Além dos movimentos recém-extintos que mencionamos — a Woman's Trade Union League, a National Federation of Settlements, ¢ a Woman's International League for Peace and Freedom (anteriormente 0 Woman's Peace Party, iniciado por Jane Addams) — a estrutura inteira da Organized Lady- 30 hood foi fundada no petiodo entre 1890 ¢ 1920: a Gene- ral Federation of Women's Clubs, a League of Women Voters, a American Association of Collegiate Alumnae, a National Consumer's League, 0 PTA, e-até-0 DAR. Em bora estas organizagies estivesem associadas aos mn ‘mentos mais fadicais da época, o fato de que sua poltica era na realdade reacionéia e'no fim das contas ireal © tola foi em primeiro lugar indicado 36 por suas visses no feminists. Conseqientemente, « mtioria das mulheres. que se ‘onpanizaram no perio entre 1890°1920 — periolo ge. ralmente etado como ponto alto da ativdade feminista hip nha ada 2 ve com 0 feminismo. Por um lado, © feminismo tinha-se restringido a0 problema do voto = © WRM, fol enporsramente)wanlormad nee mos vimento pelo sufeigio — ¢ por outro lado as enctas das mulheres dispersivan-se em qualquer outa causa radical, menos a sua propria caus Mas o feminismo radical estava apenas adormecig, © despertar comecot com a volta, proveniente da, Ingle: terra, de Harrie Stonton Blach, a lhe de Elizabeth Cady Stanton, pais onde ela se tnha associado & Woman's So. cial and Polical Union — as Sufragetesinglsas, dentre a5 quais as Pankhurs talver sejam as mais conhechles 25 Consitucionalista (feminists conservadora). ‘Acteditando ser necessiia uma titica combative para al: cancar 0s objetvos tadcais advopados por sua mae, cla recomendou que se atacasse 0 problema do voto com @ esiratéia, que tina sido posta de lado, da facedo Slane ton-Anthony: pressio para obter a emenda da Cons. tiuigto federal. Logo es miltantes americenas separatam- se da conservadora NAWSA para formar a Congressional Union (posteormente 0 Woman's Party), iniiando a ousada Utica de guerrlha ea intransgente linha dora, elas guais em geral se louva, impropriamente, todo 0 mo. vimento sufagista, eu resultado, As miltantes tivram que passer por embaragos, atagues de grupo, espancamento, até por reves de fome mas no espago de'uma década 0 voto foi 31 conseguido. A centelha de feminismo radical era exate- mente aquilo de que o movimento sufragista, que se exte- ruava, precisava para impulsionar sua questio tnica. Ela proporcionou uma investida nova e sadia (a pressio para aleangar uma emenda nacional, em vez. do cansativo mé- todo de organizagio estado-por-estado usado durante trin- ta anos), uma militincia que dramatizou a urgéncia do problema feminino, ¢, acima de tudo, uma perspectiva mais ampla, na qual o voto era visto como apenas o pri- meiro entre muitos objetivos e, portanto, a ser conquistado © mais rapidamente possivel, As suaves cxigéncias das feministas conservadoras, que tisham quase declarado que Se 0 voto fosse odtido clas nfo o usariam, foram bem-vin- das como representando longe o menor de dois males, em comparagso 3s exigéncias do Woman's Party. Com a obtencio do voto, o establishment cooptou 0 movimento das mulheres. Como sinttizou um cavalheiro daquela época citado por William O'Neil em Everyone Was Brave: “No entanto o sufrégio feminino é uma coise ‘boa, mas s6 se for para acabar logo com ela.” A Sra. Oli- ver Hazard Perry Belmont, do Woman's Party, inctou as rulheres a boicotarem as eleigées: “Poupem seu novo poder. As sufragistas no lutaram durante dezessete anos ppela emancipacdo de voces para permitir que voo8s se twmem eseravas dos partidos dos homens.” Charlotte Perkins Gilman apoiou isso: “O poder que as mulheres, sero capazes de exercer depende de elas nfo se associarem ao sistema de partidarismo masculino. O sistema pol partdarista é um artificio dos homens para encobrir os Yerdadeiros problemas. As mulheres deveriam lutar pelas medidas que clas querem alcangar, fora da politica de partidos. E pelo fato de os velhos partidos politicos se ‘arem conta de que a influgncia das mulheres dentro dos pattidos politicos seré tao insignificante, que eles estao to {ansiosos por conseguir que as mulheres se associem a eles.” ‘Mas nada disso teve alguma utilidade, Até a forma- 0 de um novo Woman's Party em 18 de feverciro de 1921, como uma alternativa pare os principais partidos 32 | | que estavam rapidamente absorvendo a nova forga po- litica das mulheres, no péde ressuscitar 0 movimento agonizante.* A obtengao do voto pelo movimento sufragista ma- tou o W.R.M. Embora as forgas antifeministas pareces- sem ceder, elas s6 0 fizeram de boca. Elas nunca perde- ram, Na época em que 0 voto foi obtido, @ prolongada ccanalizagio das energias feministas em fungio do objeti- vo limitado do sufrdgio — visto inicialmente apenas como ‘um passo para o poder politico — tinha esgotado com- pletamente o W.RM. O Monstto Votaco tinha engolida tudo 0 mais, Trés geragbes tinham transcorrido desde a €poca do principio do W.R.M,; as ideadoras do movi- ‘mento estavam todas mortas. As mulheres que mais tarde se uniram a0 movimento feminista para Iutar pelo sim- ples problema do voto nunca tinham tido tempo para de- senvolver uma consciéncia mais ampla; naquela altura elas tinham até esquecido para que servia 0 voto. A oposi- 40 tinha imposto a sua vontade, De toda essa luta, o que ainda é relembrado? A Inta pelo sufrégio — niio muito valiosa para as mulhe- res, como os fatos confirmaram mais tarde — ela s6, foi ‘uma ineessante guerra contra as forgas mais reaciondrias da América na época, que, como Eleanor Flexner mos- tra em Séculos de Luta, abrangiam os maiores interesses alistas do Norte, .., 0 petréleo, a manufatura, as fer- rovias, ¢ 0s lucros com Bebidas alcodlicas; © bloco dos Estados do Sul (que, além de sua propria intoleri para com as mutheres, temia conceder 0 direito de voto a 3. O Woman's Party Iutou através de_uma depressio © vérias Buerras, fazendo campanhas para 0 protimo aux legal ime Portante, uma emenda por dielos igiais na Consituisto, Ci- ficala anos depols a8 ‘que ainda esto vivas continuam ainda fazendo campanhas. (O estee6tipo da esposa excéatrica com seu fuarda-huva”empeahadh em permit uma causa gue }¢ tha So 6 produto direto'da owifeagso do feminismo cri fapho' Wiitid Se Chaisnia Ace 33 las porque emanciperia mais uma metade da raga negra, bbem como acentuaria hipocrsia do sufrégio masculino universal) efinalmeate, a propria méquina do governo, O trabalho implicado para obter esse voto deixou as pes- soas cambaleando, Carrie Chapman Catt calcula qu ““frar a palavea *mascutino” da Constiuigio custou as rmutheres deste pals 52 anos de campanka inintrrupta Durante esse tempo, elas foram obrigadas a comandar 56 campanhas de plebisito junto aos homens votsntes, 480 cam- pana jlo Aon vou, comegir Taste Som Emjendas straits, 47 eampenhas pore conseguir que as one ‘engoes constfcionals estaduas inserevessem 0 stig. as mtr mo conte ead 277 capa aa oe ut que a8 convengbes dos patios estadasincsem as Platforms psiosuftigi femiain, 30 campenhas pan con Seauir que as convengdes do partido presencia adotesem fciplataformas pelo sudgi femnino na plataformas do pa. tiao e 19 eampanha sucessvas em 19 Congresses sucesiven Assim, a derrota era tio freqiiente, ¢ a vit6ria tho rara — e além disso alcancada por margens to reduzidas que até ler sobre a Tuta pelo sufrigio ¢ exaustivo, que dird ter passado ¢ Tutado por ela, O lapso dos historia- dores nessa rea & incompreensivel, quando menos per dosvel. Mas, como vimos, 0 sufrégio foi apenas um pequeno aspecto do que o W.RM. representava. Centenas de anos {de personalidades brilhantes e de fatos importantes foram também apagados da histéria americana. As mulheres ora- doras que se deiendiam dos grupos que as atacevam na €poca em que no Ihes era permitido falar em piblico, para contestar a Familia, a Igreja eo Estado, que viaja- Fam por estradas de ferro bem pobres entre’ as cidades do Oeste falando para pequenos grupos de mulheres so- cialmente em estado de inanigdo, foram bem mais dramé- ticas do que as Scarlett O'Haras e as Harriet Beecher Stowes ¢ todas as Damas que chegaram até 0 nosso co- ‘nhecimento, Sojourner Truth e Harriet Tubman, escravas 34 libertas que voltavam continuamente, com quantias enor- ‘mes nos seus ombros para libertar’outras escravas em ‘suas prOprias fazendas, foram politicamente mais eficien- tes do que o malfadado John Brown. Mas a maioria das ‘pessoas hoje munca ouviu falar sequer de Myrtlla Miner, Prudence Crandall, Abigail Scott Duniway, Mary Putnam Jacobi, Emestine Rose, das irmas Claflin, de Crystal East- man, Clara Lemlich, de Mrs. O.H.P, Belmont, de Doris Stevens, de Anne Martin, E essa ignorincia nfo é nada ‘comparada ao desconhecimento da vida de mulheres da en- vergadura de Margaret Fuller, Fanny Wright, das inmis Grimké, de Susan B. Anthony, Elizabeth Cady Stanton, Harriet Stanton Blatch, Charlotte Perkins Gilman, de Alice Paul. E no entanto conhecemos Louisa May Alcott, Clara Barton, ¢ Florence Nightingale, assim como conhecemos, em vez de Nat Tumer, o triunfo de Ralph Bunche, ot George Washington Carver e 0 amendoim. A omissio de ersonalidades vitais nas vers6es-modelo da histéria ame- ticana em favor desses modelos beatos ndo pode ser ignorada. Assim como seria perigoso influenciar as erian- gas negras ainda oprimidas a admirarem os Nat Turners e sua histéria, assim se passa com o W.R.M.: as lacunas Suspeitas em nossos livros de hist6ria relatives 20 femi- nismo — ou entio a confusio de todo 0 W.RM. com 0 (Conservador) movimento sufragista ou com os grupos de mulheres reformistas da Era Progressista — nao sio meros acasos. Isto faz parte de um reflexo que nés ainda estamos sofrendo da reagio a primeira batalha feminista. Os pou- 60s modelos sélidos fornecidos 3s mocas que eresceram durante este siléncio de cingiienta anos foram modelos cnidadosamente escolhidos, mulheres como Eleanor Ro- osevelt, da tradigto altrufstica feminina, opostas as gigan- tes saudavelmente egoistas da rebelifo’ radical feminist, Esse reflexo cultural era de se esperar. Os homens da- quela época compreenderam imediatamente a verdadcira atureza do movimento feminista, reconhecendo nele uma séria ameaca ao seu poder piblico e desavergonhado so- bre a mulher. Eles podem ter sido forgados a subornar 35 (© movimento das mulheres com reformas de superficie, ue as confundissem — uma corregdo das desigualdades ‘mais gritantes nos livros, umas poucas mudangas na rou- Pa, no sexo, no estilo (“voce percorreu um longo cami- ‘bo, moga”), todas as quais por coincidéncia beneficia- am aos homens. Mas o poder permaneceu em suas mios. 2. Um Ridiculo de Cingiienta Anos De que modo 0 Mito da Emancipagéo agiu cultu- ralmente durante um periodo de cinglenta anos, para anestesiar a consciéncia politica das mulheres? Na década de vinte o erotismo entrou em moda. Comegou a gradual identificagio do romance com 2 ins- tituigdo do casamento (“Love and Marriage, Love and Mariage, go together like a horse and cartiage...")*, que serviu para tepopularizar ¢ reforgar a insttuigio de” cadente, entraquccida pelo iltimo ataque feminista. Mas convalescenga nio durou muito: as'mulheres logo fo- ram reprivatizadas, sua nova solidariedade de classe di- Iuida, As feministas conservadoras, que pelo menos ti- sham enxergado 0 cardter social de seus problemas, ti- saham-se orgunizado em cooperativas, enquanto que a8 fe= ministas radicals etam ridicularizadas.aberta ¢ efetiva- mente; finalmente até as mulheres que exam membros de comités de outros movimentos comegaram a parecer ri culas. A campanha cultural tinha comegado: a emanci agdo era um problema de responsabilidade privada; a salvagéo era pessoal, ¢ nio politica. As mulheres se lan- sgaram numa longa procura pela “satsfagdo ‘Aqui, na década de vin, se situa o inicio deste obsessivo culto modemo do “estilo”, a procura do fasci- rio (Vocé também pode ser Theda Bara), uma doenga cultural que ainda hoje desgasta as mulheres — inflama- das pelas revista femininas do género de Vogue, Gla- radu ter, sm observar @vima: “Amor © Casameats, Amor @ Canumentey se combinant como cavalo a carusgem™ (NT) 36 ‘mour, Mademoiselle, Cosmopolitan. A busca de um estilo “Giferente”, pessoal, através do qual se “expressar” subs- tituiu a antiga énfase feminina no desenvolvimento. da personalidade através da responsabilidade © da experién- cia de vida ‘Na década de trinta, apés a Depressdo, as mulheres se tornaram sdbrias, O melindrosismo nao fora obviamen- te a solugio: elas se sentiram ainda mais griladas e neu- roticas do que antes. Mas, como o mito da emancipa avangava @ todo vapor, as mulheres nfo ousaram recla- ‘mar, Se elas tinham obtido 0 que queriam e ainda esta- vam insatisfeitas, entio alguma coisa deveria estar erra- da nelas, Suspeitavam secretamente que, afinal, podia ser fque elas realmente fossem infetiores. Ou podia ser que sta fosse a ordem social Iegitima: filiaram-se ao Partido Comunista, onde mais uma vez deram uma énfase extre- ‘ma aos oprimidos, sendo incapazes de reconhecer que @ grande identificagdo que clas sentiam pela classe operdria explorada originava-se diretamente de sua propria expe- ritncia de opressao. Na década de quarenta, havia uma outra guerra ‘mundial em que pensar. Os grilos pessoais foram tempo- rariamente ofuscados pelo espirito do Esforgo na Guerra: © patriotismo e o farisaismo, intensificados por uma pro- agenda militar ubiqua, foram glorilicados em si mesmos. ‘Alem disso, 08 “caras” tinham ido embora. Melhor ainda, ‘seus tronos de poder estavam vazios. As mulheres, pela primeira vez em varias décadas, tiveram empregos S6li- dos. Verdadeiramente necessitadas pela sociedade em suas potencialidades mais amplas, Ihes foi temporariamente Concedido um status humano, contrério ao status “femi- nino”, (De fato, as feministas se viram forgadas a aco- ther @ guerra como a sua tnica chance.) primeiro grande periodo de paz e riqueza ocorreu nos titimos anos das décadas de quarenta ¢ cingiienta. ‘Mas, em vez do profetizado ressurgimento do feminismo, depois de tantos becos-sem-saida, havia apenas “A Mis- tica Feminina”, que Betty Friedan documentou tao bem. Esse sofisticado aparato cultural foi veiculado com um propésito especifico: as mulheres tinham sido emprega- 37 das durante a guerra, ¢ agora tinham que estar prepara- {das para abrir mao de seus empregos. Os novos empre~ {20s $6 tinham existido porque elas tinham sido desco- bertas como uma forca de trabalho excedente que se ‘mostrou conveniente e itl, justamente numa época de ‘ise —e no entanto, nfo era possivel no momento des- pedi-las abertamente. Isto desmentiria todo 0 mito da ‘emancipagio, cuidadosamente cultivado. Uma idéia me- Thor foi faz8-las se demitirem por sua propria vontade. ‘A Mistica Feminina satisfez admiravelmente ao objetivo. ‘As mulheres, ainda excitadas, ainda buscando (afinal, jum emprogo numa fébrica néo € a idéia masculina do paraiso, mesmo que seja preferivel ao inferno enjaulado das mulheres), seguiram ainda um outro caminho falso. Esse foi talvez pior do que qualquer um dos outros. Ele nio oferecia nem a sensualidade (frivola) da década de vinte, a promessa de um (falso) ideal da década de trinta, nem o espirito coletivo (propaganda) da década ‘de quarenta, © que ele ofereceu as mulheres foi respei- tabilidade © mobilidade ascendente — junto com 0 De- sencantado Romance, com urpa abundancia de fraldas © de reunides do PTA (a Mae Nutriente de Margaret Mead), discusses familiares, dietas continuas e inefica- zes, dramalhdes e comerciais na TV para matar o tédio, ‘e psicoterapia, caso o sofrimento ainda persistisse. Good Housekeeping’ e Parent's Magazine* ditigiam-se a todas as mulheres da classe média, assim como True Confes- sions se dirigia a classe operatia, Os anos cinglienta cons- tituiram a mais desoladora de todas as décadas, talvez a mais desoladora para as mulheres no perfodo de alguns séeulos, Segundo a versio 1950 do Mito, a emancipagio ddas mulheres j tinha sido tentada e se revelado deficien- te (pelas proprias mulheres, sem ddvida). A primeira tentativa de se libertar de uma sufocante Matemnidade Criativa parecia ter fracassado completamente. Toda a consciéncia auténtica do antigo movimento feminista ti- # Do stnero Casa ¢ Jardin e Pas Fits brsisizos. (NT) 38 nha sido esquecida nessa época, e com isso a consciéncia ‘de que o sofrimento atual das mulheres era fruto de um reflexo ainda virulento. Para a juventude da década de cingiienta criou-se tum aparato cultural ainda mais sofisticado: o “teenageris- mo”, 0 Ultimo disfarce daquele romantismo perseverante, que Se empenhava tanto em escorar, através de um decre- to cultural, uma estrutura familiar que desmoronava (ver Cap. 7, “A Cultura do Romance”). Jovens de todas as idades sonhavam em fugir das casas enfadonhas de suas mies, através do Romance da Adolescéncia (“teenage romance”), © carro estacionado, uma tradigao estabele- cida desde a era das melindrosas, tomou-se uma necessi- dade premente, talver © arrimo que melhor caracterizou as paixdes da década de cingiienta (ver 0 environment de Edward Kienholz, intitulado “Parked Car). Os ri- tuais dos encontros amorosos adolescentes comparavam- se na sua formalidade & mais fina tradiggo cavalheiresca do Sul, a “bela” do século vinte sendo representada pela aliza, Doce Menina-Moga animadora dos Jogos da Pri- mavera. A meta mais alta que uma moga poderia alean- gar era @ “popularidade”, a antiga “graga” sob uma for- ‘ma moderna. Mas 08 rapazes no conseguiram suportar isso. Os saturantes romantismo ¢ sentimentalismo designados para ‘manter as mulheres no seu lugar provocaram efeitos late- rais sobre os homens envolvidos com isso. Se devia haver ‘um ritual de caga-2-mulher, alguns homens também te- riam que ser sactificados a ele. Barbie precisava de um Ken.* Mas namorar era uma droga (“Pai, vocé pode me cemprestar 0 carro esta noite?”’). Certamente deveria haver ‘um meio mais facil de fazer amor. Frankie Avalon e Paul ‘Anka cantavam para as adolescentes; os rapazes ficavam de fora, + A mena prbticn, a gin caioes, & coabecda pelo nome de “com- "eo submtno (NED Ver as duss NT ma pig. 39 Na década de sessenta os rapezes se separaram, Fo- ram para a universidade e para o Sul. Viajaram em ban- dos pela Europa. Alguns se filiaram a0 Peace Corps; outros ficaram marginais. Mas, onde quer que fossem le- vavam suas seguidoras. Os homens liberados precisavam de brotinhos avancados que pudessem acompanhar seu novo estilo de vida: as mulheres tentaram. Eles precisa- vam de sexo: as mulheres obedeceram. Mas isso era tudo © que eles queriam das mulheres. Se 0 brotinho cismasse em exigir em troca algum compromisso fora de moda, ela era tida como “chata”, “fodida” ou, pior ainda, como 'um “verdadeiro baixo-astral”. Uma gatinha deveria apren- der a ser independente o suficiente para néo se tomar um entrave para seu homem (em outras palavras, “agarran- do-se"). As mulheres nfo poderiam se matricular tio ré- pido: cerimica, tecelagem, artesanato, aulas de pintura, cursos de literatura e psicologia, terapia de grupo, qual quer coisa que pudesse fazer que elas deixassem de ser lum peso para seus homens. Elas sentavam-se com légri- ‘mas nos olhos defronte de seus varios cavaletes © que nfo significa insinuar que as “gatinhas” elas préprias mio quisessem originariamente fugit da terra-de- ninguém, Nao havia nenhum lugar para onde elas pudes- sem ir, Onde quer que fossem, seja em Greenwich Villa ge c. 1960, Berkeley ou Mississipi c. 1964, Haight- Ashbury ou’ East Village c, 1966, eram ainda conside- radas apenas “brotinhos”, impereeptiveis como pessoas. Nio havia uma sociedade marginal para onde elas pu- ddessem fugir: o sistema de classes sexuais existia em toda parte. Imunizadas culturalmente pela reagio antifeminista — caso, no longo perfodo de esquecimento, elas tivessem ouvido falar do feminismo de alguma mancira, fora so- mente através de sua depreciacio — elas ainda tinham medo de se organizar em torno do seu préprio problema. Assim, cafram na mesma armadilha que tinha engolido as mulheres das décadas de vinte e trinta: a busca pela “soluco pessoal”, ‘A “solugio privada” da década de sessenta, ironica- mente, foi em geral tanto o “bieo” da politica (a politica 40 radical, conseqtientemente mais marginal ¢ idealista do que as’ arenas oticiais, segregadas, do poder) quanto da arte ou da academia. A politica radical deu a cada mu- ther @ chance de fazer suas coisas. Repetindo as da dé- cada de trinta, muitas mulheres viram a politica ndo como lum meio para construir uma vida melhor, mas como um fim em si mesmo. Muitas se associaram 20 movimento pela paz, como sempre um agradavel passatempo femi- nino: inofensivo porque politicamente impotent, ele cot tudo proporcionou uma saida viedria para a’ agressio feminina.* Outras se envolveram com o movimento pelos 4,,Bim lane, de 1966, 000 muteres insets na caiasto chamada Jeanette Rankin Brigade — incluiodo todos os nomes de mulheres Importanes n0 movimento pela paz o a6 (cf. Com retta King) no movimento” pelos dieitos civs, bem’ como’ todo stupo importante de mulheres, particularments os grupos pela az) como. 9 Women’s Strike” for Peace — promoveram tm aaicha das mulheres pela pax em Washington. "A menos que acontecesse de ore ser um’ dos. demonstredores, provavelmeate Yoe8, munca ouviria falar diss Foi uma obra-prima da ieele- ‘Encia" police. Até os jormals locas mal acharam que ele va~ Jesse uma coberturas que valor notciario Poder. aver” numa coacentragio’ em massa de galiahas, to ingéaua 20. posto. do Sscreditar que ‘a poltica fose. meramente uma questio de boa ontade? E no entanto € dificil imaginar que uma demonstragfo similar Composta de 5.000 esquimés, ov {ndlos, ou de ate 5.000 Doodles clicandando 4. Casa Branca seri 120 faclmente fgno- Fada, “A reclamayio das mulheres por serem um grupo oprimido Taramente € sequer levada tanto a sézio quanto qualquer UO minor verde ay muteres ‘nfo cna segue do ‘mapa polico: somor_pollicamenie vives ua arcade lheres sora um proto Senfeatvo sh %0 fsuverem presente. escoltas, simpatizantes “od marie pasci= Hines, ainda. que sejam os mais. desprezves, mais explorados, ‘ou os marginals lunarie fringe, pois, scjam Testimos ou ile Todos os homens ‘fo membros da. sociedade; as. muthe- ‘mulheres sio. menos reconhecidas do. que eram em 1915, quan fo eram considerades uma ameaga, ou pelo menos um incémoda onstante. Hoje, cinglenta anos depois do voto ser_aleangado, * Linas fringe — gropo polinada de sins anargistas marsinlizada come’ delinglente. GEE) 4 direitos evi: mas, embora em geral ele nio fosse pott- tamente mals effete do que a sua partcpagio no movie mento pela per, os das contados Gas mulheres brances no movimento negro do inicio da década de sestenta pro- ‘aram ser ua experiénia mais valiosa em temos de Seu préprio desenvolvimento politic. Ito ¢ tall de de- tectar no movimento deliberacéo femiino ata. As mix Theres gue foram para o Sel sfo\em getal mito mais perspicazes, lenvels ¢ evoluidaspoliieamente do que as mulheres que entraram para'ov movimento pela Paz, © tendem a s digit muito mais rapidamente para o fen smo radial, Talver porque sua preocupasio com 0 $0: feimento dos negro fose fenativa na qual as mulheres brances, desde 1920, mais se aprosimaram de encarar sua prépra opresso: fotar pela eaust dos que sto mais Yisvenente Orinios¢ wi mancineuenisen de Zer que se € eprimido. Assim como o problema da esc Viddo inctou 0 femnismo radical do. século.dezenone Sssim o problema do raciemo estinuloy o novo femitis: mmo: a andlogi entre racmo ¢ sxismo tina sido final mente inferda, Assim que as. pessoas admitssem se onfrontassem com seu proprio’ raciamo, elas néo pode~ fiam negar o parallo. E se 0 racimmo era climineve, por gue'o sexo nfo 0 seria também? ss mulberes_nfo. representa seguer um embarago. Pois, en Santo a, mulheres forem’pollcamente, or impotent” eo Dir, policamente inves” quaiquer consign” qus_ po. fa ag pra So tovinett sro valor poles cane, Seus servgos de datlosratia, de mimeografs, de fazer 5 de colar envelopes, fazer ease sous trsigos emouio- tals so inegavelmente Wek: sles Uberam ‘os homers part ree Hatem” ses. peopios_objetvon organiacionals "Mas ‘orn ‘eases das maleres de ‘modo agus detrminaram sts obfet TE Siig estas poscon ttn emg, conse de TCS colniiem om os ntefeues sectinoe mastlins AIG cue Seaman 5.000° meres etch prontas Fara marchar Sak Washington, des vex pars protester Contra a sua pura fala de Ber "ieee second por” son ot Continua impotenin pion nt 0 — Gs emo fades 8 a2 Deserevi 0 perfodo de cingllenta anos situado entre © fim do antigo movimento feminista e o inicio do novo ‘movimento, com o objetivo de examinar os modos espe- ‘ificos pelos quais 0 mito da emancipagio operou em cada década para encobrir as frustragdes das mulheres modemas. A titica de encobrir as coisas foi utilizada efi- cezmente para reprivatizar as mulheres das décadas, de Vinte e trinta, Depois disso, ela se uniu a uma paralisa~ (gio da histéria feminista para que as mulheres se man- tivessem girando histericamente num labirinto de falsas solugoes: 0 Mito tinha-lhes negado efetivamente uma saf- dda legitima para suas frustragOes. A terapia provara ser lum fracasso como saida (ver 0 capitulo seguinte). Voltar para casa tampouco era uma soluglo — como provaram fs geragdes das décadas de quarenta e cinglenta, Por volta de 1970, as filhas rebeldes dessa gerago desperdigada nfio sabiam mais o que Ihes valeria para todas as finalidades priticas, sequer que tinha existido tum movimento feminista, Ficaram apenas os restos desa- ‘gradaveis da revolugio abortada, uma colegio espantosa de contradigées nas’ suas fungdes. Por um lado, elas ti- ham o méximo de privilégios legais, a garantia literal ide que eram consideradas cidadas da Sociedade com ple- nos direitos politicos — ¢ no entanto nao tinham poder. Tinham oportunidades de se educar — ¢ no entanto nfo eram procuradas para os empregos. Tinham conseguido fas liberdades no vestir e nos hibitos sexuais por elas texigidos — e no entanto ainda eram exploradas sexual- mente. As frustragdes decorrentes de sua situagio sem safda foram exacerbadas pelo desenvolvimento dos mass ‘media (ver Capitulo 7), onde essas contradigées foram expostas abertamente, e foi enfatizada a fealdade dos dis femininos, precisamente através dessa caracteristica tensificada que fez dos novos media um érgio de pro- paganda tio vantajoso. As doutrinagdes culturais neces- Sérias para reforgar as tradigOes de papéis sexuais tinham- se tornado espalhafatosas, de mau gosto, enquanto que ‘antes tinham sido insidiosas. Bombardeadas em toda parte ‘com imagens de si mesmas odiosas ou eréticas, as mu- heres ficaram de inicio desnorteadas e finalmente enrai- 43 vecidas com essas distorgdes (isso seria eu?). Inicialmen- te, pelo fato de o feminismo ainda ser um tabu, a sua raiva e a sua frustracio se contiveram numa atitude de retirada total (Boémia Beatnik ¢ Geragio Flor/Drogas), ou foram canalizadas para outros movimentos dissidentes que no o seu, particularmente o movimento pelos di tos eivis da década de sessenta, onde as mulheres mais se aproximaram de um reconhecimento de sua propria opressio. Mas, finalmente, a analogia evidente entre a propria situacio ¢ a situacao dos negros, unida a0 espi ito geral de dissensio, acabaram levando ao estabeleci ‘mento de um movimento de libertaciio das mulheres pro- priamente dito, A raiva revelou-se finalmente como sendo 2 propria salda ‘Mas seria errado atribuir o ressurgimento do fem nismo exclusivamente ao impulso gerado por outros mo- vimentos e idéias. Pois, embora eles possam ter agido ‘como catalisadores, o feminismo, na verdade, tem um ‘momentum ciclico todo proprio, Na interpretagio histéri- cca por nés adotada, 0 feminismo & visto como a reacio feminina inevitivel a0 desenvolvimento de uma tecnclo- ‘gia capaz de libertar as mulheres da tirania_de seus pa- éissexuais-reprodutores — tanto a propria condigio biolégica fundamental, como o sistema de classes sexuais fem que se baseia e reforca essa condigio biolégica, © desenvolvimento. progressivo da ciéncia no século vinte teria apenas acelerado a primeira reagio feminista & Revolucio Industrial. (S6 0 controle da natalidade, por ‘exemplo, um problema para 0 qual as primeiras feminis- tas nfo encontraram solucio, atingiu a partir de 1920 seu mais alto nivel de desenvolvimento na Hist6ria.) ‘Tentei descrever a din’mica da contra-revolugao que, jun- to com a crise temporal da guerra e da depressio, difi- cultou o desenvolvimento do feminismo. Por causa desse obsticulo, os novos desenvolvimentos cientificos que po- deriam ter ajudado enormemente a causa feminista fica- ram nos laboratérios, a0 passo que as priticas sociais- sexuais ndo_s6 continuaram como antes, mas foram de fato intensificadas, em reacdo & ameaca, Os progressos cientificos que ameacavam enfraquecer ainda mais ow 44 ne, el suse sete A ae ae “une abandonado sem que haja Iut 3. O Women's Liberation’ Movement sal lt Foie Comrade, Ea sobs (cre oom aetna pms Sm ame ama ae soe i Oi tt tna eee aerate cit gate dats foe esos et tee a 45 “se deram bem” — ele é similarmente atacado pelos gru- ppos mais jovens de libertagdo em virtude de seu “carr smo"), a NOW concentrou a atengio nos sintomas mais superticiais do sexismo — as desigualdades legais, a dis- riminagio no trabalho, etc. ‘Assim, na sua politica, ela se parece mais com 0 movimento’ suftagista da vitada do séeulo, a National ‘American Woman Suffrage Association, de Carrie Chap- ‘man Catt, com sua énfase na igualdade entre as mulhe- res € 0s homens — legal, econdmica, ete., dentro do sistema estabelecido — em vez de na libertacto de todos (0s papéis sexuais, ou no questionamento radical dos v lores da familia. Como a NAWSA, ela tende a concentrar sua ateneo em ganhos polities isolados, mesmo que as eastas dos. principios politicos. Como a NAWSA, ela atraiu um enorme quadro de associados, que controla através de procedimentos burocréticos tradicional {8 para o movimento jovem, & evidente aque essa posicfo, insustentivel até em termos de ganhos politicos imediatos — como foi atestado pelo fracasso do titimo movimento feminista conscrvador — 6 mais uum vestigio do antigo feminismo (ov, se preferirem, um precursor) do que um modelo para 0 novo movimento. ‘As indimeras mulheres que se associaram a ele por falta de um lugar melhor para onde it, logo se transferram para o feminismo radical — e, assim fazendo, impuse- ram A NOW um radicalismo cada ver maior; enguanto que outrora a organizagio no ousava sequer apoiar ofi- Gialmente a revozacio da lei do aborto, com medo de afastar aquelas que nfo conseguriam jr além de uma 2) As Politiqueiras. As pol feminino contemporineo sio aquelas mulheres cuja fide~ Jidade primeira € para com a Esquerda (“O Movimen- to”), em vez de para com 0 Women’s Liberation Move~ ‘ment propriamente dito. Como as politiqueiras da Era Progressista, as politigueiras contemporaneas véem o fe- ‘minismo como apenas uma tangente para uma politica radical “verdadeira”, em vez de um centro, diretamente 46 radical em si mesmo. Flas ainda véem os problemas mas- culinos, p. eX., 0 recrutamento, como universais, € 05 problemas femininos, p. ex., 0 aborto, como sectirios. Dentro da categoria das politiqueiras contemporineas, existe ainda uma estrutura menor, que pode ser mais ou ‘menos dividida como se segue: 2). Participaedo feminina na esquerda. Hoje, toda facgfo importante da esquerda, e até mesmo alguns sin- dicatos — depois de uma resisténcia considerével — tm seus comites do women's lib onde discutem 0 chawvinis- mo masculino dentro da organizagio e incitam a um maior poder de decisio. das mulheres. As politiqueiras desses eaucus sio reformistas no sentido de que seu obje- tivo principal € methorar sua propria situagio dentro da arena limitada da politica esquerdista. As outras mulhe- res sio, na melhor das hipdteses, o seu primeio “eleito- rado”, sendo os problemas estritamente femininos vistos como’ nada mais do que um instrumento “radicalizante” YVantajoso para recrutar mulheres para a “Luta Major". ‘Assim, sua atitude com relagio as outras mulheres tende fa ser protetora e evangélica, uma aproximagio “organi- zadora”. Bis algumas Black’ Panthers (mulheres) numa entrevista concedida ao The Movement, jormal under- ground, onde, no seu estardalhago, se expressam de um modo talvez constrangedor para a esquerda branca, mas Gue, n30 obstante, € tipico (por que tirado dela?) da maior parte da ret6rica revolucionéria branca sobre 0 assunto: “2 muito importante que as mulheres que sdo miais esclare~ cidas, que jé compreendem 08 principios revolucionsrios, vio tg elas ¢ expliquem a elas, ¢ hitem com elas. Temos que re- onheeer que as mulheres sio politieamente atrasadas © que emos que lutar com elas.” (Grifos da autora) Ou, além disso, referindo-se a um movimento inde- pendente das mulheres: “tas perderam de vista a Luta Fundamental. Talver algu- mas. organizagaes especificas de grupos de mulheres sejam Dossfveis, porzm elas 880 perigosas: em termos de se volta: 47

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