You are on page 1of 63
BENEDITO LIMA DE TOLEDO sAO PAULO trés cidades em um século SAO PAULO trés cidades em um século | senepiro Lima pe ToLEDo ivraria TAL ti COSACNAIFY [Al Duas Cidades 23 28 35 36 40 46 49 33 53 56 58 62 66 68 A CIDADE DE TAIPA O niicleo histérico Tamanduatef e a Varzea do Carmo A Ladeira do Carmo A Ponte do Carmo A Ponte do Acu vista por ts artistas A cidade nova O Largo da Memoria © Largo de So Francisco 0 Patio do Colégio 0 Palécio na acrépole O mais belo documento colonial O Mercado Municipal e 0 “mercado caipira” O neoclassico no século xvitt A imperial cidade de corpo inteiro 7 a6 89 90 9 96 100 102 106 108 112 115 119 PALIMPSESTO- O Largo do Palicio O Largo do Rosario O Largo de Sao Bento O Centro Comercial A Estagio da Luz O Jardim da Luz ‘A Chécara do Baro de Limeira ‘A Bua Sao Joao e o bairro de Santa Ifigénia Campos Eliseos Vila Buarque e Santa Cecilia O Bexiga e a Bela Vista Carlos Ekman e Vietor Dubugras art nouveau interpretado por um arquiteto italiano 130 134 148 152 154 156 170 174 176 178 181 182 184 187 PROJETOS PARA UMA METROPOLE A praga mais bem projetada da cidade © Parque Anhangabatt: a sala de visitas da cidade O edificio Martinelli ‘A Praga do Patriarca O novo Viaduto do Cha © Parque Dom Pedro u A Escola Normal e a Praga da Repablica Sao Paulo da belle Epoque O ecletismo arquitetdnico O edificio Esther EM UM SECULO, TRES CIDADES Notas Bibliografia Indice de logradouros e edificios Apresentacao A hist6ria de uma cidade nao é somente uma contribuigao a0 conhecimento do passado, que vai aumentar 0 patrimd- nio das lembrangas hist6ricas, mas permite também con- siderar o presente numa perspectiva correta, e ajuda a pro- jetar melhor — com maior consciéncia e responsabilidade —o futuro do ambiente urbano. ‘As cidades brasileiras crescem muito rapidamente, e, entre elas, Sd0 Paulo mais que qualquer outra. A velocida- de é tao grande, a ponto de apagar, no espago de uma vida humana, o ambiente de uma geragdo anterior: os jovens nao conhecem a cidade onde, jovens como eles, viveram 08 adultos. Assim, as lembrangas so mais duradouras que © cenério construfdo, e no encontraram nele um apoio e um reforgo. Os estudos hist6ricos tornam-se, entio, dupla- mente necessérios, para que nao se deixem cair no esque- cimento os cendrios da vida passada, e para restituir pro- fundidade a experiéncia do ambiente urbano. Este livro do amigo Benedito Lima de Toledo evoca as transformagées de Sao Paulo no breve perfodo de sua hi t6ria como cidade importante: trés cidades construfdas e destruidas num século. A natrativa hist6rica propde algu- mas perguntas 2 atual gestdo urbanistica: esta seqiiéncia de construgdes e destruigdes deve continuar? A cidade atual é realmente nova, ou é 0 resultado distorcido de um desenvolvimento ditado pela especulagao dos lotes para edificagdes? De fato, a cada reconstrugio feita, guardam-se, da cidade anterior, somente os vinculos intiteis: os limites dos terrenos, os alinhamentos das vias publicas, que antes eram coerentes com os volumes edificados e que se tornam cada vez mais incoerentes. Assim, a cidade torna-se maior e mais rica, mas cada vez menos habitavel. O que ser no ano 2000, quando tiver 25 milhdes de habitantes e for a segunda do mundo, depois da Cidade do México? ‘Toma-se premente uma mudanga nos métodos de trans- formagdo, e faco votos que este livro contribua para uma reconsideragdo destes métodos. Leonardo Benevolo [novembro 1980] 89 arwesixtacho A cidade de taipa Ha um século a Imperial Cidade de Sao Paulo guardava ainda sua feigtio colonial. ‘Todas as principais fungdes se concentravam num trifingulo cujos vértices eram balizados pelos conventos de Sao Francisco, Sao Bento e Carmo. A génese do quadro vidrio dentro desse triangulo ainda esté para ser estabelecida com seguranga. A ex isténcia de muros defensivos, no primeiro século, poderia ter condi- cionado 0 tragado de algumas ruas, inexplicavelmente irre- gular. Essa pequena colina triangular € quase plana, com altitudes variando de 750 a 760 metros, mas cercada por um forte desnivel, de cerca de 30 metros em relagiio aos cursos d’égua que a delimitam. E uma acrépole que abri- gou a cidade em seus trés primeiros séculos de existénci Dentro dessa colina trés ruas configuravam 0 chamado ‘Tridngulo: a Rua Direita de Santo Anténio (atual Direita), a Rua do Rosério (depois da Imperatriz e, desde 0 inicio da Repablica, 15 de Novembro) e a Rua Direita de Sao Bento (atual Sao Bento). As duas ruas ireitas” (a de Santo Anté- nio ¢ a de $40 Bento) eram planas, retas e cruzavam-se em Angulo reto, fato Ginico na cidade, razdo por que este pon- to era conhecido como “quatro cantos’” A despeito dos “melhoramentos” em algumas das vias, as ruas estreitas e irregulares, as ladeiras ingremes e mal arti- culadas com acanhados “largos” constituem, talvez, a nica heranga colonial, porque edificios de séculos anteriores s6 sobraram alguns e severamente reformados. Até a Segunda Grande Guerra, os escritérios, consultérios, bancos, hotéis, restaurantes, cinemas e 0 cométcio praticamente nao saf- ram dessa drea, Essa colina era centro de convergéncia de caminhos de tropeitos, ao longo dos quais surgiam peque- nos sitios e chacaras. Apesar da denominagao, essas pro- priedades, que chegaram até o nosso século, nao tinham pteponderantemente fungdes agrdrias; eram, antes, mora- dias desafogadas e implantadas em meio a pomares e den- so arvoredo. Uma forma de viver, nem urbana nem rural, ou conciliadora de ambas. Até que chegou a ferrovia. Até o advento da ferrovia, Sio Paulo era uma cidade de barro, “a mud city’, como a chamou um viajante inglés. De barro eram “as altas torres”, as casas térreas, os sobrados e... a cadeia, De terra, as ruas sem calgamento e de “barro pisado” o piso do Largo do Palicio, presumivelmente o me- thor da cidade. Esta ultima técnica consistia em apiloar argila misturada com seixos rolados obtidos em rios. 10, protegidas por cidade, como Casas com paredes de taipa de p amplos beirais, davam feigdo caracteristi assinalaram todos 0s viajantes. A expressio “telha paulista”, para designar a telha céncava de barro, no deixa de ser sintomatica. No censo de Daniel Pedro Miiller (1838), 0 municipio de Sao Paulo se destaca como principal produ- tor de telhas (8o mil unidades naquele ano). 1011 AciDADE DE HRA A taipa de pildo era to importante que 0 Conseho Municipal aforava taipais (pranchas robustas de madeia que serviam de forma na feitura das paredes) a particu res, bem como os tomava em penhor. Vérias referéncias a taipais apareceram nos Inventérios e testament, o que di medida da importncia dessas pegas. Ao que tudo indica, taipa de pilAo jé era usada em Sao Paulo pelo Padre Alonso Bris, “o primeiro arquiteto paulista’, O curioso é que, se gundo Anchieta, Afonso Brés comegou por fazer um hae sem nunca aprender o oficio de carpinteiro, e powco a pouci se fez oficial, de maneira que por suas mios fez as caus igrejas de Piratininga, Sao Vicente e parte das do Rio d Janeiro.! O Padre Fernaio Car que 0 colégio onde os paulistanos sustentavan: ses oi a. sua visita de 1585, fla Jesuitas com suas esmolas com grande abunalincia en i casa bem acomodada, com um corredor (como desig Epoca alpeniee reentrante)e oito cubiculos de tips, cida de certo barro branco e dispondo de oficinas ben dadas.2 © barro branco era a tabatinga, argla bran servia de revestimento, obtida na Ladeita da Tabating Esse colégio que sucedeu ao primeito, da 6poca dagao da cidade, foi demolido em meadbos do sécul Dele s6 restou um muro de taipa, uma auténtica rl Vale destacar que o Padre Afonso Bras é natural de ‘i localidade situada entre Coimbra e Aveiro, que nio contritio do sul de Portugal, regiio de taipeiros Nao deve, de outra parte, ser subestimada a importin- cia da estatudria de barro, muito tempo desprezada, por sua “pobreza”, com relagdo as estétuas de madeira vindas do Reino. D. Clemente da Silva Nigra, todavia, pondera: Quanto a pobreza, parece-nos que se trata de equivoco, pois a arte nunca é pobre. Ela representa sempre o exercicio, sendo o resultado mais expressivo e mais nobre da atividade do espirito humano, Que a matéria usada seja insignificante, € 0 objeto tratado ofereca dimensdes limitadas, nada disso diminui o valor essencial da obra de arte. E a arte verdadeira é sempre produto do seu tempo e também do seu ambiente abandonando tais condigées bsicas, torna-se excéntrica.' Eo mesmo autor, a quem devemos 0 magistral trabalho sobre a obra do Frei Agostinho de Jesus, que nos informa que poucos sabem que a antiga capitania de Sao Vicente é a mais rica em todo 0 Brasil, em imagens e esculturas feitas de barro cozido.’ A melhor descrigao da “cidade de barro” talvez seja a que Morgado de Mateus fez em carta ao marqués de Pom- bal, entao conde de Oeiras, em 1766: Esta edificada a cidade de Sao Paulo, no meio de uma grande campina em sitio um pouco elevado, que a descobre toda em roda. O seu terreno é brando e tem as ruas planas, largas e direitas e algumas bem compridas, porém, nio sao calcadas, todas as paredes dos edificios sao de terra; os portais e-alisares de pan, por ser muito rara a pedra, mas nito deixa de ter conventos, e bons templos, e altas torres da mesma matéria com bastante seguranga e duragiio; 0s mais suntuosos e melhores sto a Sé, este colégio que foi dos Jesuttas, especial- mente 0 semindrio em que estou aquartelado, a Igreja do Carmo, ¢ seu convento que se estd reedificando, a de Sao Bento, que nao esté acabada, e 0 de Sao Francisco que é anti- g0, € 0 pretendem reformar; ha mais um recolhimento de ‘mulheres coisa limitada; nas ruas principais, tem casas gran- des e de sobrado, Todas as mais sao baixas com quintais lar- 0s, que as fazem parecer de maior extensio; os seus arredores so alegres, mas infrutiferos, cuido que pela negligéncia dos naturais; por uma parte € regada da Ribeira Tamanduatiy, que com repetidas voltas a circula e com as suas enchentes inunda a maior parte da campanha, fertilizando-o de bons ppastos; pela outra parte tem um pequeno ribeito diminuto de dguas, ¢ juntos entram a pouco no Tieté, ou Niemby, rio grande, que discorrendo até a Vila de Yti — que na lingua da terra quer dizer salto diégua — ali se despenha e ao depois é navegivel, admitindo as frotas de canoas, que com dilatada viagem transportam as mercadorias para a nossa capitania do Cuyaba e Matto Grosso de onde trazem 0 ouro em abundan- cia, € 0s quintos para Sua Majestade que Deus Guarde, podendo-se também navegar pelo mesmo Rio Niemby para 0 Paraguay entrando no Parand ou Rio Grande, ¢ do sobre dito rio passar por outros com facilidade ao Rio da Prata, e Nova Colénia do Sacramento, porque para todas estas partes outras mais que néo cabem na brevidade desta descrigéo, dé {facil entrada ao sobre dito rio." Conta esta cidade atualmente, segundo a lista que man- dei tirar, de trezentos e noventa e dois fogos, seiscentos e qua- renta e nove homens ¢ oitocentas e sessenta e sete mulheres, porém a sua freguesia que se estende a doze léguas tem oito- centos e noventa e nove fogos, em que se compreendem mil selecentos e quarenta e oito homens e duas mil e novecentas mutlheres, contando neste mimero os de maior e menor idade; dos referidos se acham residentes na Sé, duas Dignidades, ¢ sete Cénegos, um dos quais serve de Vigdrio Capitular. Além destes, hd vinte Clérigos, e doze tonsurados, quarenta e cinco Religiosos, Capuchos, nove Carmelitas calgados, quatro Beneditinos e vinte recolhidas com duas servenies. E tudo quanto posso dizer a V. Exa. desta Cidade de Sao Paulo, capital da capitania do mesmo nome. Deus Guarde a V. Exa. Sao Paulo, 10 de dezembro de 1766. Imo. e Exmo. Sr. Conde de Oeiras.> Nessa carta podemos colher diversas informag interesse: (1) D. Luiz estava “aquartelado” no seminério que foi dos jesuitas (colégio); (2) Sao Paulo tinha um cara- s de ter de “acrépole” colocada “em sitio num elevado que a descobre em toda roda’ 3) as ruas, apesar de “planas, lar- gas e direitas", no eram calgadas. Como se ve, Morgado refere-se exclusivamente ao “plats” do ‘Tridngulo, tinico lugar onde as ruas eram planas, fato que dé uma medida 2713, ACIDADE DETAIPA ie ee Fe ag do que se entendia por ‘cidade’ em meados do século wut (4) todas as paredes, incluindo as “altas torres” eram de (er ra; (5) a expressao “recolhimento de mulheres” é um cule mismo para convent, género de construgao malvisto por Pombal; (6) somente as ruas principais tinham “casas gran des e sobrados”; (7) chama atengao para o Tieté com meio de atingir a Nova Colénia do Sacramento; ¢ |S Convento do Carmo estava sendo reedificado e 0 de Sin Bento em obras que se arrastariam até 1774 € 1775, quanto esteve hospedado no mosteiro o brigadeiro José Custidi de $4 Faria, que corrigiu os defeitos na nave nova da is e desenhou as plantas para construgao de nova capela decoragao em talha, elaborou 0 projeto para uma torre: e deixou o risco para um novo mosteiro com bela fuch para o Largo de Sao Bento. A torre ficou conclufda em 1797 € 0 novo mosteir 1800, encerrando, juntamente com as obras do Mos da Luz, 0 século em que mais se construiu durante o p: do colonial. O proprio colégio, que havia sido edilic “desde os alicerces” entre 1667 e 1671, teve sua torre cc trufda no inicio do século e a nave renovada em 1 depois do desabamento da cobertura. A Igreja do Cold como hoje vemos por seus alicerces, gozava de uma exc cionalidade: era construfda de pedra e barro, técnica representa um sincretismo, como observa Lucio Cos No século xviii, as construgdes novas em templos. sua total reconstrugdo, chegam a dezoito, das quais dezes- seis no Tridngulo. Nao é de se admirar que os primeiros Viajantes do século xix, como Arnaud Julien Palligre, cha- massem a atengdo para a quantidade de torres que ponti- thavam o perfil da cidade visto de longe. D. Lufs mandou proceder a um recenseamento que nos di uma excelente idéia da distribuigdo das casas e da populagdo na zona urbana. Nesse trabalho constam deck rages de bens. A rua mais rica da cidade era a Direit com 94.065$200. O total da zona urbana era 209,200$800. Uma descrigdio amena da cidade de Sao Paulo foi-nos legada por Francisco José de Lacerda e Almeida, que che- gou a cidade no dia 10 de janeiro de 1789 depois de ter per- corrido as capitanias do Paré, Rio Negro (Amazonas) Mato Grosso, conforme registro em seu didrio de viagem: Cheguei a cidade de tarde, tendo vindo por toda esta estrada com grande satisfagao do meu espirito pelo muito que é aprazivel todo aquele terre- no, cheio de regatos e de moradores todos lavradores, dois dos quais me hospedaram magnificamente mas duas noites que pousei no caminho. Viveriam estes homens na maior felicida- de se chegassem a persuadir-se que realmente sio felizes, pois 6m a dita de respirarem ar doce, os campos sustentam as suas vacas ¢ animais de carga, e dio boa relva para os de estreba- ria, que so muito bons, e bem arreados por ser esta a sua pai- xd0 dominante, as terras produzem abundantemente tudo ao Paulo no dia 10 pelas 4 horas da que lhes é necessério nao sé para terem as suas familias na abundancia como para o negécio, a laranja, 0 limio doce e azedo e a lima é tanta que por ndo terem consumo, apodre- com debaixo das drvores ¢ assim & proporgao 0 mais A pagina, a que nao falta certa poesia, é compreensivel de quem veio do vero amaz6nico. Nao passou despercebida ao visitante a paixdio dominante dos paulista- nos: os animais de carga e os de estrebaria, bem arreados como convinha a uma cidade que na verdade era um pouso de tropeiros. Da figura do tropeito ex-bandeirante, o Cone- go Luiz Castanho de Almeida nos dé um excelente peri Ora, houve um brasileiro que no terceiro s ‘um papel importantissimo na unificagio nacional, pondo em endas do interior — depois vilas na boc: ‘culo exerceu comunicagio com as fe cidades — os micleos civilizados do Atlantico e as vilas mineiras: 0 tropeiro. Essa funcao de unificador continua evidentemente até ‘meados do século XIX, quando nascem as primeiras vias férreas, e de certo modo aleanga o século XX em mais de uma grande 0 Paulo, 0 que era zona, por maneira de excegiio porém. senao um ponto de convergéncia de caminhos de tropas?® re Denis, em 1911, observava’ Nesse ponto do planalto comodamente acessivel em relagiio 4 costa se eruzam e se entlagam o caminho do Rio pelo Parat- ba, 0 caminho de Minas pelo passo de Braganga, o caminho do norte em diregao a Goids, que segue 0 rebordo ocidental da Mantiqueira; na depressio permeiam 0 caminho de Mato Grosso pelo Tieté ¢ 0 caminho dos campos meridionais por Sorocaba. De geragiio em geragio o trdfico multiforme man- tido em todas estas vias alimentou a cidade de Sao Paulo. lade de tropeiros era, & época da visita de Lacer- Essa da ¢ Almeida, governada por Bernardo José Maria de Lo- rena (1788-97), que logo depois entregaria ao piiblico a melhor estrada de tropeiros do Brasil, a calgada ligando Sao Bernardo a Cubatdo, pavimentada com lajes de pedra € que passou a histéria com seu nome. Da mesma forma, 0 primeiro plano diretor da cidade de Sao Paulo ou “um pla- ro para guiar a cidade em seu crescimento” foi mandado executar por esse governador em 1792. Lorena pode se dar a esse luxo porque viera ao Brasil acompanhado por uma equipe do Real Corpo de Enge- nheiros, cuja missio original era participar dos trabalhos de demareagao de limites do pais, dando cumprimento ao Tratado de Santo Ildefonso. Como nao foram necessarios em tal missao, Lorena aproveitou-os muito judiciosamen- te. A esses engenheiros, cartégrafos ¢ astronomos devemos 0s primeiros mapas rigorosos do Estado, onde pela primei- ra ver aparece com exatidio as coordenadas geogrificas da cidade de Sao Paulo. O sitio urbano impressionou Lor. colina na por sua irregularidade; se imaginarmos que s central era totalmente cercada por varzeas inundéveis, entenderemos o oficio que enviou a Camara em 1792 14.+15,ACIONDE OF NPA Para a Camara desta Cidade, E tdo grande a repli de que se encontra em quase todas as rua desta Cidle nao pode ter emenda sem a destruir; ainda para se formar w projeto para a continuagao de novas ruas com até baw mente dificultoso, por ser a mesma Cidade unt Pein mada pelo Rio e por um Ribeiriio que corre em wn Ponta certamente muito nocivo a sade do poro, send oot i ‘um terreno montuoso e desigual. Por estas m le cer o zelo com que Vmces, se empregan no ben pit, também 0 é do servigo de Sua Majestade, mane taro Be ‘no Topogrifico da Cidade e justamente formar os Poets no mesmo se acham, para a sua continu; ete 0 de oferecer a Vices. na fotha que com esta hes we. Si Paulo a 17 de junho de 1792. Bernardo José le Lo As margens pantanosas dos rios que abraga gulo comegavam a ser incdmodas & cidade que «is ke es, ¢ pr tamente germinando e as razdes que ditaray) «eh desse sitio no século xvi ja nao prevale Pierre Monbeig: Dentre todas as colinas, os fundadoresescolh ‘ seu colégio as que dominam de um lado o Tm 7 tro as barrancas do Anhangabaai. Em pare alg: 0 que se precipita sobre as wirzeas 6 ta0 bem mas te alguma parece haver tantas garantias de seguro: foi nessa ponta triangular que se fixow durant Sao Palo, a 750 metros de altitude, no Pio do E mais adiante: As primeiras casas paulistas eram protegidas a um tempo pela rispidex. das encostas e pelos brejos das virzeas, Por tras, era o caminho de Santos, bastante conhecido para nao ofere- cer perigo, & margem do qual estavam postadas pessoas segu- ras. As circunsténcias histéricas decidiram a escolha de um sitio estratégico, escolha que foi admiravelmente feita. Mas se convinha a aldeia dos primeiros tempos, se depois contribuin para concentrar as habitagdes da cidadezinha colonial, esse sitio jd nao tem, hoje, 0 mesmo valor.'' Lorena foi o primeiro a registrar a dificuldade em ela- borar “um projeto para a continuagtio de novas ruas com arte”, principalmente pelo fato de haver “do outro lado um terreno montuoso e desigual’. Este terreno, 0 Morro do Chi, seria o bergo da “cidade nova’. Foi o proprio Lorena quem promoveu a unio das duas encostas do ribeiro, construindo uma ponte de pedra sobre o mesmo. Assim, o nticleo histérico ficou ligado ao Piques, de onde saia a estrada para Sorocaba, estrada de tropa de mulas, por exceléncia A cidade de Sao Paulo conheceu varias obras no opero- so governo de Lorena, entre elas o Chafariz da Misericor- dia, projetado pelo brigadeiro Jodo da Costa Ferreira e exe- cutado pelo lendério pedreiro Tebas. Por ser uma obra em granito em plena “cidade de barro”, passou a ser olhada como um monumento da cidade. Das obras dessa época cabe destacar 0 Quartel da Le- gido dos Voluntérios Reais, edificado no local onde hoje se encontra 0 frum, 0 maior edificio da cidade e superando em area construfda até as grandes edificagdes conventuais. Dele nos dé conta Lorena em seu oficio de 20 de maio de 1790, dirigido a Martinho de Melo e Castro, informando-o de sua conclusao: Com efeito fica inteiramente concluida esta obra até 0 S. Joao préximo e nao me resolvi até agora a falar a V. Excia. nesta matéria porque ndo so projetos 0 que vale mas sim 0 que se acaba. Quanto a autoria do projeto, escreve: Remeto a V, Excia. a planta iconogréfica com a vista dos quariéis, dentro do olho de pdssaro e 0 prospecto do lado prin- cipal, tudo delineado pelo engenheito Joao da Costa Ferreira, que até tem feito o servigo de mao-de-obra com o maior zelo, economia e atividade.!* A situacao do quartel na cidade obedeceu claramente a prine{pios de log{stica. Colocado num ponto elevado, fica- va na confluéncia de trés importantes caminhos: Rua da ‘Tabatingtiera, Caminho para a Mooca e altemnativa de sai- da para Santos; Caminho do Bras, ligagdo com o Rio de Janeiro e do“caminho novo” para Santos, que contornava 0 Morro da Forea, O Arquivo Militar do Ministério da Guerra guarda 0 “Projeto dos Quartéis da Legiio dos Voluntarios Reais Nesse documento, o frontio triangular € arrematado por pindculos, numa composigao que merece uma considera- se o professor José Augusto Franga afirma que o pom- balino representou 0 protoneoclassico em Portugal, esse quartel, projetado e executado por um engenheiro militar cuja formagao se fez em obras pombalinas, é inequivoca mente um exemplar do protoneoclassico no Brasil, mesmo com as limitagdes que o meio lhe impés. O professor Mario Barata, por outro lado, chama a atengao para outro grande edificio paulistano dessa época: a Casa de Camara e Cadeia com seu ar de grande edificio, regular e equilibrado, com muitas janelas e frontao triangu- lar, que 0 parece colocar — caso confirmar-se a data de 1786 — como a primeira manifestagdo do neoelassico en Sao Pan loe, talvez, no Brasil." Sabemos que 0 “risco e planta” do prédio, segundo um edital, estava pronto a 25 de agosto de 1783, e que a 9 de dezembro de 1787 a Camara mudou-se do Piitio do Pakicio Episcopal” para o “Patio de $. Gongalo Garcia” (atual Praga Jodio Mendes), como registram as atas. O que nao sabemos é se por essa época jé apresentaria a aparéncia registrada no desenho de Miguelzinho (Miguel Dutra), de 1835, ou se 0 frontio triangular nio teria sido fruto de reforma posterior. De qualquer forma, é licito perguntar se esse frontao com sineira, assentado sobre pilastras, é suficiente para classifi cé-1o como neoclissico, mesmo porque no resto do edificio 16-17 AcioaDE DE TWA ‘as portas e janelas ostentam as vergas recurvadas, novidade trazida ao Brasil em meados do século xvii pelo engeahei 10 militar José Fernandes Pinto de Alpoim. Mas, é para o hospital da capitania de Sio Paulo que Jon da Costa Ferreira elabora um projeto, cujo original pester ce ao Arquivo Ultramarino de Lisboa, onde a elevago pin cipal apresenta idade, modenatura ¢ um frontio cuja perfilatura obedece a um geometrism cos tumeiramente classificado como neoclassico. Dessa form: imetria, regula € precedendo de muitos anos as obras da Missio Frances trazida por D. Joao vi, vemos na capitania de Sao Paulo 0 nifestagdes pioneiras do neoeléssico no Brasil. Esse edificios — 0 Quartel da Legido dos Voluntarios I Hospital Militar e a Casa de Camara ¢ Cadeia parte, segundo interpretagio de Roger Bastide, de de edificios avantajados que em fins do século Xi com alguns tracos novos a fisionomia do burgo pu Todos de iniciativa do governo. Talvez porque enti Paulo como em Minas, regides afastadas da metrépol _guesa e habitadas por gente de sentimentos nativsias ciados, fosse mais necesséria do que no Nordeste, por a construgao de monumentos que fizessem sentira pre absolutismo de Lishoa."* Paradoxalmente, foram os desses edificios os construtores da Calgada do | Estrada da Independencia, Nao s6 as obras pibliea giu-se 0 colaborador de Lorena, como este mesmo « Nesse documento, o frontdo triangular é arrematado por pind ‘gio: se 0 professor José Augusto Franga afirma que o pom- ulos, numa composigao que merece uma considera- balino representou 0 protoneoclassico em Portugal, esse quartel, projetado e executado por um engenheiro militar cuja formagio se fez em obras pombalinas, ¢ inequivoca- mente um exemplar do protoneoclassico no Brasil, mesmo com as limitagdes que o meio lhe impés. professor Mario Barata, por outro lado, chama a atengdo para outro grande edificio paulistano dessa época: a Casa de Camara e Cadeia com seu ar de grande edificio, regular e equilibrado, com muitas janelas e frontao triangu- las, que 0 parece colocar — caso confirmar-se a data de 1786 — como a primeira manifestagdo do neoclassico em Sao Pau- Toe, talvez, no Brasil.!* Sabemos que 0 “risco e planta” do prédio, segundo um edital, estava pronto a 25 de agosto de 1783, e que ag de dezembro de 1787 a Camara mudou-se do ‘Pétio do Palécio Episcopal” para 0 “Patio de 8. Gongalo Garcia” (atual Praga Jotio Mendes), como registram as atas. O que nao sabemos 6 se por essa época jé apresentaria a aparéncia registrada no desenho de Miguelzinho (Miguel Dutra), de 1835, ou se 0 frontao triangular nao teria sido fruto de reforma posterior. De qualquer forma, ¢ licito perguntar se esse frontao com sineira, assentado sobre pilastras, é suliciente para classili- ci-lo como neoclissico, mesmo porque no resto do edilic 1617 neaDADe oe TaN as portas e janelas ostentam as vergas recurvadas, novidade trazida ao Brasil em meados do século xvut pelo engenkei ro militar José Fernandes Pinto de Alpoim. Mas, é para o hospital da capitania de Sio Paulo que Jato da Costa Ferreira elabora um projeto, cujo original prt ce ao Arquivo Ultramarino de Lisboa, onde a elevagi pi cipal apresenta simetria, regularidade, modenatura ¢ um frontao cuja perfilatura obedece a um geometrismo cs tumeiramente classificado como neoelissico. Dess: forms, e precedendo de muitos anos as obras da Missio Frances trazida por D. Jodo vi, vemos na capitania de Si Paulo nifestagbes pioneiras do neoeldssico no Brasil. Esses is edificios — 0 Quartel da Legit dos Voluntitios Reais, Hospital Militar e a Casa de Camara e Cadeia — favem parte, segundo interpretacdo de Roger Bastide, dl de edificios avantajados que em fins do século \\\ com alguns tragos novos a fisionomia do burgo pu ‘Todos de iniciativa do governo. Talvez porque e Paulo como em Minas, regides afastadas da met guesa e habitadas por gente de sentimentos nativsi« ciados, fosse mais necessiria do que no Nonlest, a construgao de monumentos que fizessem sentir « absolutismo de Lisboa." Paradoxalmente, foram 0s | desses edificios os construtores da Calgada do Estrada da Independéneia, Nao s6 as obras publi -se 0 colaborador de Lorena, como este mesin Jodo da Costa Ferreira tem sido muito itil nesta capita- nia, ndio s6 ao servigo de S. Majestade, mas ao priblico. Tem ensinado a este povo 0 modo de fazerem os seus edificios com bom gosto, ¢ menos despesas, ensinando igualmente os pinto- 1s. Tem dirigido o modo de se calgarem as ruas desta cidade, ¢ jd muitas delas esto acabadas, e ficario excelentes, por estas razies & estimado até do povo."® Joao da Costa Ferreira ensinou ao povo novas técnicas, como 0 uso do granito, construiu a primeira estrada calga- da de pedra, mas no volumoso edificio dos quartéis esse profissional, formado na dura escola da reconstrugao de Lisboa, mostrou-se sensivel a uma realidade: construiu 0 edificio usando a técnica introduzida nas primeiras cons- trugdes paulistas por seu primeiro arquiteto, o Padre Afon- so Brés: a taipa de pilio. No inicio do século x1x, Sa0 Paulo, como o resto do Bra sil, comecou a receber a visita de viajantes ilustres, cientis- tas, que nos legaram preciosos depoimentos. Até a abertu- 1a dos portos os relatos restringiam-se praticamente correspondéncia oficial e & dos religiosos, particularmente dos jesultas. Na correspondéncia ofi ial vernos a preocupagao de mostrar servigo e na religiosa, as afligdes de cada momen- to. E preciso, como alertaram varios historiadores, muito discernimento para ler a correspondéncia jesuitica, parti cularmente na fase de apresamento do indigena, na qual 0s padres da Companhia descrevem os paulistas como uns tipos facinorosos capazes de toda maldade do mundo. E nao ficaram nas palavras: algumas imagens jesutti sentam Sio Miguel pisando um paulista em figura de de- monio, agachado como se fosse um animal doméstico. 0 curioso, como observa Sérgio Buarque de Holanda, é que 6 arcanjo aparece vestindo um gibao acolchoado (escupil), como eta habito dos sertanistas de Sao Paulo. Nao foi essa a impressio que teve dos paulistas D, Luts de Cespedes Xeria, govemnador do Paraguai, que aqui esteve em julho de 1628 a caminho de seu pafs e a quem devemos o mais anti- go mapa conhecido de penetragao do Brasil. Afirma que Fuy may bien recebido y regalado por todos los moradores: estaré siempre reconocido."® J4 0 Padre Justo Mansilla Van Surck, que juntamente com 0 Padre Simao Maceta devotadamente acompanhou seus catectimenos cativos até a Bahia, quando, em 1628 "as apre- 1629, Manuel Preto e Antonio Raposo Tavares destruiram as primeiras reduces de Gua Toda aquella villa de San Pablo es gente desalmada y ale- vantada, que no hace caso ni de las ley del Rey ni de Dios. Y mas digo que cuando se vieran apertados con alguna mano poderosa «que no pudiessen resistr, desamparen sus casas y herdades y se fueran con sus mujeres, hijos, esclavos y toda su ra, escreve: hacienda a meter-se por aquellos desiertos y montes y buscar rmevas ierras; porque dejar sus casas non se les da nada; por- que no son sino de tierras y de tapias, y en cualquier parte que estieren pueden hacer otras semejantes.'” Esta altima informagao é valiosa, as casas dos paulistas eram de “tierras e de tapias” ¢ onde fossem levavam essa téc- s semelhantes. Nada mais verdadeiro. nica e construfam c Mas, sao informagées esparsas tudo 0 que conseguimos na literatura colonial. Em um de seus textos, nota Rubens. Borba de Mora portuguesa sao insignificantes e esse autor da a razao A investigagao cientifica sem resultados praticos nao As colé- s que as publicagées cientificas de origem podia interessar a uma nagao de comerciant nias, para essa gente pratica, serviam para fornecer ouro e mercadorias. E. para isso era preciso governé-las com mui- | como foram bem administradas. ta prudéncia. Assim, a primeira metade do século x1x foi a época da exploragao cientifica do Brasil. Até entao, quase nada se sabia sobre a flora, a fauna e a geografia fisica e humana deste vasto pais. Uma riqueza de informagdes pode-se obter dos escritos desses viajantes estrangeiros que aqui estiveram nas pri- meiras décadas do século, como o inglés John Mawe, aqui chegado em 1807, 0 sueco Gustavo Beyer (1813), 0s gran- des naturalistas alemaes Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius (1817) e © minucioso natura- lista francés Auguste de Saint-Hilaire (1816). Como reco- mendou Taunay, “de Saint-Hilaire é preciso ler tudo” 18+ 19, AcipADE DF TAWA Para o inglés Mawe os paulistas eram muito polidos, mais educados que os hispano-americanos, bem vestidos, desein baracados e obsequiadores. Achou a cidade prdspera e com muitas lojas. As ruas eram “extraordinariamente limpas’ Ayres de Casal, na sua Corografia brasilica, aponta Sao Paulo como cidade medtocre, embora vistosamente assentula em terreno pouco elevado.'* Jé nos seus alegres subsirbios, havia grande mimero de quintas ou chdcaras, entre cujas drvores frutiferas nao si desprezadas nem taras as jabuticabeiras, cujo fruto é foros e excelente. Essas chdcaras, nas cercanias da cidade, foram elogi das por todos os viajantes. Spix e Martius afirmam ai ter encontrado toda a variedade possivel de campinas verdejc tes e frondosas matas, de colinas, alternantes com bow i vales. Nao era de se admirar que a bela natureza eo cli feliz houvessem fomentado o gosto dos paulistas pelo de jardins e hortas, encontrando-se alguns destes, de efi bastante agraddvel, perto da cidade2° Nao foi outra a impressao do oficial-engenheiro | D’Alincourt em 1818. Como sao extremamente coinc os depoimentos, é desnecessario insistir em transcrigo: Mas 0 mais cuidadoso, bem informado e compree dos nossos visitantes do inicio do século xix foi Saint-| re. Seu Quadro resumido da provincia de Sao Paulo ai uma das melhores sinteses ja feitas da nossa historia sem razio que em sua Viagem a provincia de Sao Paulo cita (salvo erro de contagem) 71 autores e um total de 78 obras. Chegando a Sao Paulo, observou que Lindas casas estiio espalhadas de todos os lados. Araucd- rias ¢ algumas palmeiras se elevam acima dos matos, resul- tando, de todo esse conjunto, panoramas extremamente agra- déveis & vista. O Hinhangabahit, simples fio de dgua, vere abaixo do Convento dos Beneditinos, no Tamandatahy, e este, serpenteando através das pastagens timidas, dé maior varieda- de e mais encanto a paisagem. A situagdo de Sao Paulo é encantadora e & puro o ar que ali se respira. Vé-se um grande mimero de lindas casas e as ruas ndo sao desertas como as de Vila Rica.?! As ruas da cidade, situadas no flanco da colina e pelas quais se desce ao campo, sito as tinicas em declive; as outras se estendem sobre terreno plano. ‘Todas sao largas, bastante retas ¢ os veiculos podem pelas mesmas circular facilmente As mais belas sao as ruas Direita e Antonio Luiz. Algumas sto inteiramente calgadas, mas o calgamento é imperfeito; outras 56 0 sao diante das casas. Hé em Sao Paulo varias pracas piiblicas, por exemplo, a do Paldcio, a da Catedral e a da Ca- sa da Camara Municipal, mas todas sto pequenas e nenhu- ma delas é perfeitamente regular, A pouca distancia da cida- de existe, entretanto, uma praga muito espagosa denominada do Curro, cujo nome, que significa a arena em que se reali- zam touradas, indica o fim a que a mesma se destina.22 Esta tiltima praca é a atual Praga da Republica que, co- mo se observa, nao ficava na cidade. A arquitetura é assim descrita pelo naturalista: As casas, construidas de taipa muito sélida, so todas brancas e cobertas de telhas céncavas; nenhuma delas apre- senta grandeza e magnificéncia, mas hd um grande niimero que, além de andar térreo, tem um segundo andar e fazem-se notar por um aspecto de alegria e de limpeza. Os telhados nao avancam desmesuradamente além das casas, mas tém bastante extensio para dar sombra e garantir as paredes con- tra as chuvas. As janelas ndo se fecham umas contra as outras, como é comum no Rio de Janeiro. As das casas de um andar possuem quase todas vidragas, e sto guarnecidas de baledes e postigos pintados de verde. As otras casas 12m venezianas, que se erguem de baixo para cima, formadas de travessas de madeira cruzada obliquamente.?® O interior das residéncias causou igualmente boa im- pressio: Vi moradias dos principais habitantes tao lindas por dentro como por fora. As vistas sao recebidas em um salao muito limpo e mobiliado com gosto. ‘A iconografia paulista colonial € paupérrima, para tan- to contribuindo decididamente seu afastamento do litoral. As cidades maritimas beneficiavam-se das vistas tomadas a bordo de navios para ilustrar as cartas de marear. Algu- mas de: razdo pon- vistas so pegas notiveis e por ur deveria 0 piloto identificar 0 local. Si deravel: por ela Paulo terd que esperar pelo século xix para receber artistas como Hercules Florence, Jean-Baptiste Debret, Thomas Ender, Amaud Julien Pallidre, Charles Landseer e William John Burchell, ao lado dos quais vai se colocar o ituano autodidata Miguelzinho. O reverendo Fletcher trouxe seu daguerrestipo e tomou algumas vistas de Sao Paulo, a partir da quais foram feitas gravuras que aparecem no seu notdvel Brazil and the Bra- zilians. A comparacao da obra desses viajantes com as fotos do primeito grande fotégrafo de $0 Paulo, Militdo Augus- to de Azevedo, de 1862 a 1887, vem comprovar a afirmagao inicial deste capitulo, ou seja, que no tltimo quartel do século xix a Imperial Cidade de $0 Paulo guardava ainda sua feicdo colonial 21 ACIOADE OF TAP © NUCLEO HISTORICO O magistral desenho de Landseer mostra niicleo de Sao Paulo em 1827 com inigualdvel resolucao grafica. A “marcacdo” do desenho foi feita com uma cémara clara, aparelho inventado por Wollaton no inicio do século XIX, do qual os ingleses, com sua larga tradicao de paisagistas, tomaram-se fervorosos aficionados. Landseer e Burchell integravam a missio de Charles Stuart, vinda a0 Brasil em 1825 para cuidar do reconhecimento da Indepen- déncia, Seus desenhos ficaram inéditos por quase 150 anos e s6 recentemente foram divulgados, apesar de seu imenso interesse Landseer realizou uma vista, presumivelmente, de um ponto da Rua do Paredao (atual Xavier de Toledo), talvez da janela de alguma residéncia, De todo o desenho, a tinica obra que sobre- vive 6 a Igreja de Sao Francisco, no alto a direita ‘Ao centro, no Vale do Anhangabaii, destaca-se monumental araucéria, género de drvore que encantou os viajantes que visi taram Sao Paulo no século XIX. A Ponte do Lorena é vista na continuagao da Rua do Ouvidor (atual José Bonifacio). Essa pon- te unia o centro histérico a estrada para Pinheiros e Sorocaba, conhecida como a Estrada do Piques, um caminho de tropeiros. CChegando por essa via, apés cruzar a ponte, o viajante ditigia-se ao Pouso do Bexiga, a direita, embaixo no desenho. A volta fica- ‘vam as pastagens, os Campos do Bexiga. Da Ponte do Lorena para a esquerda vemos a Chécara do Bario de ltapetininga. Na ilustragao seguinte, Burchell postou-se face 4 Ladeira da Meméria dando grande destaque ao Convento de Sao Francisco, a0 alto. O desenho permite a andlise da arquitetura civil, cuida- dosamente registrada pelo artista Militio de Azevedo retratou 0 niicleo histérico da Rua do Pareddo, em um Angulo semelhante ao de Burchell cerca de trin- ta anos depois. A frente a Ladeira do Piques, 8 esquerda, a pirimi- de com sua bacia semicircular, cercada de grade. Pouco abaixo, © chafariz. Numa das casas, & direita, funcionava a fabrica de chapéus de Jodo Adolpho Schritzmeyer, com duzentos emprega- dos. Nesse local abre-se, hoje, a rua com seu nome. Bem ao cen- tro, aparece a Ponte do Lorena, para a qual convergem a Ladeira de Sao Francisco, a Rua do Ouvidor (atual José Bonifacio) e a Ladeira de Sao José (atual Dr. Falcdo). No alto, & direita, vemos a Igreja e Convento de Sao Francis- coe, a0 fundo, o telhado do Teatro Sao José. A esquerda, ao alto, podemos ver o campanério da Igreja da Sé, as torres gémeas da Igreja de Sao Pedro dos Clérigos e a torre da Igreja do Colégio. Sobre esse mesmo quadro viério, foram edificados volumo- sos edificios. Por essa razo, as ruas descritas no século XIX como “largas” so vistas hoje como excessivamente estreitas, a tal ponto que as do Tridngulo espontaneamente vém se transfor- mando em ruas de pedestres. 2425, ACIOADE DETAIPA 2 Cidade de Sto Paulo, 1827. Lapis de Charles Landseer. Candido G. P, Machado (ed). Landseer. Sao Paulo, 1972. 1 Campanério da Igreja do Colégio 2 Torre da Igreja da Misericérdia 3 Ponte do Lorena 4 Ipreja da Sé 4 Casario do Brigadeiro Luis Antonio 5 Toe da Igreja do Carmo 6 Igreja de Sao Francisco 4 Ladeira da Meméria €oPiqus, 1827. Lapis e aquarela de William John Burchell, Gilberto Ferrez. O Brasil do Primeiro Reinado visto pelo boténico William john Burchell. Rio de Janeiro: Fund. Joo Moreira Salles, 1981. 4 Ladeira da Meméria e o Piques, 1860. Foto de Militgo Augusto de Azevedo. (ZH) Winn Eo Pitiaeaeeregs diel : 4 6 Vista da cidade de Sio Paulo, 1827. Aquarela de Jean Baptiste Debret, JF de Almeida Prado. J.B. Debret: quarenta paisagens inéditas do Rio de Janeiro, S30 Paulo, Parané e Santa Catarina. io Paulo: Ed, Nacional, 1970. 30° 31 ACIDADE De TARA A LADEIRA DO CARMO. Em 1821, Pallidre elaborou uma aquarela da cidade de Sao Pau- lo mostrando a Ladeira do Carmo, entrada da cidade para quem vinha do Rio de Janeiro. ‘Além da Ponte do Carmo, vista & base da ladeira, aparece tuma ponte mais precéria, de madeira, a “ponte do meio” , sobre uum canal que se abriu na vérzea numa das tentativas de seu sa- neamento. Fica evidente, todavia, a natureza alagadiga da regido. Dois edificios religiosos, além do Carmo, sio visiveis: 0 Con- vento de Santa Teresa e a Igreja da S direita. 10 Varzea do Carmo, 1821 ‘Aquarela de Arnaud Julien Palliére. Col. Yan de Almeida Prado. Palimpsesto A cidade de Sao Paulo é um palimpsesto — um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos, para receber outra nova, de qualidade literéria inferior, no geral. Uma cidade reconstruida duas vezes sobre si mes- ma, no século xix. Uma cidade capaz de gerar um parque como o Anhan- gabati, um dos mais belos centros de cidade das Américas, para destru‘-lo em poucas décadas, e sem necessidade, ape- nas por imediatismo e imprevidéncia. Capaz de criar uma Avenida Paulista, tinica por sua posigio na cidade e insubs- titufvel em sua elegdncia, para aos poucos destruf-la minu- ciosa e repassadamente. E, sem remorso. Essa historia comega com um silvo de trem. So Paulo estava deixando de ser uma cidade de tropeiros. Agora, 0 {fé chegava a Santos mais rapidamente. A viagem da fa- nda para a capital € répida e confortavel. Sera possivel, sem grande transtorno, passar parte do ano em Sao Paulo e, talvez, por que ndo?, morar na capital. O trem que desceu earregado de café pode, agora, subir com material de construgdo para se fazer uma casa igual Aquela vista em alguma capital européia. E possivel morar com desafogo e conforto na capital. Como na sede de fa- zenda, como na Europa, Frederico Glette ¢ Victor Nothmann compreendem to- das essas aspiragdes. Adquirem a Chécara Maud, no antigo Campo Redondo, e a dividem com ruas largas, bem mais largas que as do Triangulo e com amplos lotes, que lembram as antigas chacaras. O nome evoca Paris: Campos Eliseos. A estagiio, 0 que vale dizer a fazenda, fica proxima e, para se ir ao Tridngulo, hé uma novidade: transporte cole- tivo, a primeita linha de bondes de Sao Paulo. Foi um su- cesso total: depois que o “stidito alemao Frederico Glette” adquitira a Chécara Maud, mandow abrir nos respectivos terrenos as ruas dos Protestantes, Triunfo, Andradas, Piraci- caba, Helvétia, Glette, Nothmann e outras, tendo despendi- do com a abertura dessas ruas e alamedas cerca de cem con- tose apurado na venda de lotes de terrenos das referidas ruas e alamedas perto de oitocentos contos.» Foi 0 que percebe- ram os demais donos de chacaras. Iniciou-se, ento, em Sao Paulo, para usar uma expresso de Monbeig, uma ep demia de urbanizagao, Epidemia pela rapidez de propaga- 40 do processo; epidemia por seus aspectos patolégicos de crescimento desordenado, sem infra-estrutura. Assim, uma a uma, as antigas chdcaras, to apreciadas pelos viajantes que por aqui passaram na primeira metade do século, comecam a ser loteadas, de forma empirica desordenada. Na regio norte da cidade, além da Chiécara Maué, sdo loteadas as chacaras do Miguel Carlos e do Bom Retiro; para leste a da Figueira e do Ferrao; para sul a de D. Ana Machado, do Conego Fidélis, da Gloria, do Fagun- des, do Bardo de Limeira, do Menezes ¢ do Lavapés; para 78-79 eaumesesro este as do Senador Queirés, de Martinho Prado e do Me rechal Arouche de Toledo Rendon. Mais afastados, 0s sitios do Caaguagu, onde seria aberta a Avenida Paulista, o Lapa nhoim, o Ipiranga, a Casa Verde, a Freguesia do 0, 0 Anas técio e a Freguesia da Pena. [a “segunda fundacio & Sao Paulo”, para usar-se a consagrada expressio do pols sor Eurfpedes Simoes de Paula. Qualquer mapa de Sao Paulo de fins do século pass ou inicio do presente nos dé a impressio de inacabao Vemos a rea central jé tomada pelos Joteaments dele saindo caminhos ao longo dos quais vao surgindo ois Joteamentos, deixando entre si largos espagos \a/s. configuragao desses loteamentos é semelhante, sr metro exterior é irregular, formado por uma esti, un rio, ribeirio ou outro acidente natural, como tert hi xos e alagadigos. Dentro desses limite 0 reticu plorio, tendo uma das diregdes das ruas perpendica! va principal. f 0 caso das terras & margem da Estrc! ro Central do Brasil, onde em cada “parada” sir on loteamento, ou da Vila Prudente, contida entre 1 da Mooca ¢ 0 Rio da Mooca, ou do Ipiranga, limi acho do mesmo nome e o Tamanduatet As exigéncias do Cédigo de Postaras da Canar pal de Sao Paulo, de 1875, eram modestas, is v ciosas, as vezes simplérias, Surpreendente é a mc largura das ruas, como se Ié no artigo 1: [ilas as ruas ou travessas que se abrirem nesta cidade, e outras povoagdes do munictpio, terao a largura de 13 uiros ¢ 22 centimetros, salvo quando por algum obstdculo nevtel nio for posstvel dar-lhes esta largura. As pracas e yossertio quadrados, tanto quanto o terreno 0 permitir.”” Em outras palavras, primeiro determina-se uma estra- nha medida que vai até os centimetros excluindo a possi- vldace de sera via mais larga, depois menciona-se “obsta- \oinveneivel” para desobrigar da observagao da medida. belece uma figura geométrica que, igualmente, sera cla quando “o terreno 0 permitir”. A aparéncia da cidade wereceu alguns artigos: \y frentes e outdes da cidade, bem como os fundos que vem para outras ruas, e especialmente para a Varzea do wid, serao caiados durante o segundo trimestre de cada civil; assim como no mesmo tempo serdo pintadas as por- u, jmelas e batentes (artigo 25).* Iolo aquele que fizer dano a uma drvore sofreré a multa lv yoSo00 on oito dias de prisao (artigo 56).3? Os mananciais juilmente cram protegido: as penas para quem destrufs- se malas nos “montes que rodeiam a cidade” eram multa Sooo ou dez dias de priséo. Para prevenir incéndios, s busca-pés eram proibidos e 0 s sineiro que em primeiro \\yurder o sinal de incéndio seré gratificado com 5$o00 pelos jes da Camara, mediante atestado da autoridade policial viistriio da igreja (artigo 242)."° Na parte relativa as injdirias e ofensas 2 moral piblica 0 cédigo estabelecia que ninguém poderd lavar-se de dia nos ios e lugares priblicos (artigo 252), ¢ mais, logo que a Cama- ra estabelecer urinadouros piiblicos, ninguém poderd urinar nas ruas e pragas da cidade (artigo 254)."! Jé 0 regulamento para os cemitérios estabelecia que: Quando acontecer que na sala de observacdes volte @ vida algum individuo levado ao cemitério como moro para ser enterrado, néo sendo indigente, serd obrigado a pagar ao administrador e coveiros a gratificagao de 100$000, dos quais terd o primeiro a metade, e outra metade se repartird igual- mente pelos coveiros que fizerem vigilia; sendo indigente, a gratificagdo sera paga pela Camara Municipal (artigo 35).”” Essa posturas, que previam multa até para a ressurrei- Go, regeram 0 crescimento da cidade por muitos anos. Assim, a cidade foi se xpandindo, seguindo os antigos caminhos como muito bem sintetizou Caio Prado Junior: As linhas pelas quais se fez esta irradiag&o que acompa- nhou, como era natural, as antigas estradas, fixaram o traca- do das grandes artérias de hoje. Desceu para o Tieté seguindo as elevagdes que ficam no angulo formado pelas varzeas deste rio e do Tamanduatei ¢ riscando o tragado atual das ruas Bri- gadeiro Tobias e Floréncio de Abreu. Para o Tamanduater, atravessando-o e seguindo além, sempre para leste, foi mar- geando a estrada que levava as cidades e povoagées do Vale do Paraiba. Em sentido oposto, a expansao da cidade encontra ‘Todas as ruas ow travessas que se abrirem nesta cidade, ¢ em outras povoagées do municipio, terdo a largura de 13 metros ¢ 22 centimetros, salvo quando por algum obstéculo invencivel ndo for possivel dar-lhes esta largura. As pragas ¢ largos serdo quadrados, tanto quanto o terreno o permitin.” outras palavras, primeiro determina-se uma estra- nha medida que vai até os centimetros excluindo a possi- bilidade de ser a via mais larga, depois menciona-se “obsta- culo inveneivel” pata desobrigar da observacio da medida Estabelece uma figura geométrica que, igualmente, seré usada quando “o terreno o permitir’ A aparéncia da cidade mereceu alguns artigos: As frentes e outdes da cidade, bem como os fundos que deitarem para outras ruas, e especialmente para a Varzea do Carmo, serdo eaiados durante 0 segundo trimestre de cada ano civil; assim como no mesmo tempo serdo pintadas as por- tas, janelas e batentes (artigo 25). Todo aquele que fizer dano a uma drvore sofrerd a multa dle 30000 ou oito dias de priséio (artigo 56).” Os mananciais igualmente eram protegidos: as penas para quem destruis- se matas nos “montes que rodeiam a cidade” eram multa de 30$000 ou dez dias de prisdo. Para prevenir incéndios, os busca-pés eram proibidos ¢ 0 sineiro que em primeiro lugar der o inal de incéndio serd gratificado com s$000 pelos cofres da Camara, mediante atestado da autoridade policial do distri da igreja (artigo 242)."" Na parte relativa as injirias e ofensas & moral publica o cédigo estabelecia que ninguém poderd lavar-se de dia nos rios e lugares priblicos (artigo 252), ¢ mais, logo que a Cama- 1a estabelecer urinadouros priblicos, ninguém poderd urinar nas ruas e pracas da cidade (artigo 254).! J40 regulamento para os cemitérios estabelecia que Quando acontecer que na sala de observagdes volte a vida algum individuo levado ao cemitério como morto para ser enterrado, ndo sendo indigente, seré obrigado a pagar ao administrador e coveiros a gratificago de 1008000, dos quais tend o primeiro u metade, e outra metade se repartird igual- mente pelos coveiros que fizerem vigilia; sendo indigente, a ‘gratficagdo serd paga pela Camara Municipal (artigo 35). Essa posturas, que previam multa até para a ressurrei- do, regeram o crescimento da cidade por muitos anos. Assim, a cidade foi se expandindo, seguindo os antigos aminhos como muito bem sintetizou Caio Prado Jtinior As linhas pelas quais se fez esta irradingo que acompa- ‘how, como era natural, as antigas estradas, fixaram 0 traga- do das grandes artérias de hoje. Descen para o Tieté seguindo as elevagdes que ficam no dngulo formado pelas wirzeas deste rio e do Tamanduatere riseando 0 tragado atual das ruas Bri- sgacdeiro Tobias e Floréncio de Abrew. Para 0 Tamanduates, atravessando-o e seguindo além, sempre para leste, foi mar- geanco a estrada que levava as cidades ¢ povoagées do Vale do Paratba, Em sentido oposto, a expansio da cidade encontra obstéculos da topografia acidentada do macigo. Envereda pelos espigaes, acompanhando as estradas que procuram os altos, porque af encontraram um terreno melhor e porque, para irem além, tém de galgar o espigdo mestre do macigo que fecha a cidade para o sul. Trés sto estas estradas principais: a primeira toma o divisor entre o Tamanduater ¢ o Anhanga- baii, ¢ é hoje representada pela Rua da Liberdade, que cont nua pela Rua Vergueiro até a estrada do mesmo nome. A outra, comegando no fundo do Vale do Anhangabait, no pon- to onde este recebe seu afluente Saracura, procura 0 divisor desies riachos, e é nos dias que correm a Rua Santo Amaro prolongada pela Avenida Brigadeiro Luts Antonio (cujo setor mais proximo do centro € de otigem muito mais recente). Finalmente, a tiltina destas estradas que seguem para o sul é a que demanda as aldeias e povoagdes que se formam nas margens dos rios Pinheiros e seus afluentes, bem como 0 oes- te da Capitania: Parnaéba, Porto Feliz, Sorocaba, Esta estra- da, principiando no mesmo ponto que a anterior, alcanca, por uma ladeira ingreme, o alto do espigio que separa 0 Anhangabai do Pacaembu, seguindo por ele; é hoje reprodu- zida pela Rua da Consolagao Ficou assim delineada a cidade ¢ balizado o seu cresci- mento, Este se fez inicialmente, de preferéncia e quase exelu- sivamente, no interior do macigo principal da cidade. As pla- nicies que o cercam, salvo ao longo das estradas que as atravessam para leste ¢ para norte, ficaram desertas; terreno Bo 81 raunsisto ingrato, varzeoso, pouco saudével, ninguéne o queria. E jar recente que thes deu vida e impulsionou para elas 0 eres mento da cidade. Sao as estradas de ferro. Estas nao acon nham as antigas vias de comunicagao, situadas em regia ws altos; instalam-se naquelas baixadas, onde encontrant i reno mais igual e facil, cosendo-se entbora, para ficareo pi ximas, as rampas que limitam 0 macigo onde estava cower trada a cidade.¥ As primeiras grandes transformagées urba ram na presidéncia de Joao ‘Teodoro: Ao Dr. Joao Teodoro Xavier, que presidin Sao Paulo 21 de dezembro de 1872 até 29 de maio de 1875, coube ¢ ais. acorte ria de haver iniciado, no seu patridtico governo, « tnanso ¢ito desta grande capital, havendo 0 mesmo presidente {ul do, em extrema pobreza, a 31 de outubro de 1878. [© que escrevia, em 1910, Antonio Egydio Marti acrescentando: Os methoramentos realizados pelo presidente Di Teodoro foram os seguintes: substituigao dos terrenos pu sos e miasmiiticos, em frente ao antigo Mereado da Ri te e Cinco de Margo, por um dos passeios mais apr saudéveis, a Iha dos Amores, no lugar onde hoje « (1910) 0 Mercado do Peixe ¢ 0 Almoxarifado Municip! 2a e seguranga do Morro do Carmo, medonho our suas altas ¢ ruinosas muralhas de pedra; abertura da | Hospicio até a Ponte da Mooea, tendo sido um dos tn ais dispendiosos pelas grandes e importantes obras de arte consirudas a margem do rio (...); a construgaio da Rua Con- ile d'Eu, hoje General Glicério, de 982 metros de extensio e 13 de largura e os melhoramentos notdveis das ruas do Pari e ilo Gasémetro e do extenso aterrado deste nome, com 2.000 setros de comprimento e 12 de largura, pondo-o em comuni- cagio com o centro da cidade. Uma das ruas acabou, por decisio da municipalidade, ficando com a denominagdo de Joao Teodoro. Essa rua, unindo o bairro da Luz ao Bras, ligava as duas estagies. A Rua Helvétia, por sua vez, punha em comunicagao a Luz com os Campos Eliseos. A Glicério era uma nova safda para Santos contornando o nticleo histérico. Como se vé, o entre novos bairros. foi muito hébil ao promover a liga No niicleo histés lepipedos das ruas do Tridngulo, dos largos do Roséirio e da 0, promoveu 0 calgamento com parale- dda Sé. Foram os primeiros logradouros a receber esse tipo de calgamento As ruas de lazer piblico mereceram sua particular aten- 40, como jd vimos com as obras na Vérzea do Carmo. Mas 1 obra que acabou por the dar maior notoriedade foi 0 replanejamento do Jardim da Luz, que com 0 advento da fervovia adquitira grande importancia, Mandou buscar do Rio de Janeiro mudas de Grvores e plantas, bem como entando as estagdes do ano e uma esculturas, quatro repres outsa Venus. Bem ao centro do jardim edificou uma torre de 20 metros de altura para servir de mirante. Ainda em seu governo, lampides a querosene deram lugar aos de gas. Foi um dos raros governantes a se preocupar com estética urbana. A Assembléia Legislativa Provincial, todavia, en- tendeu terem sido excessivos os gastos com os “melhora- so para verificar suas contas. mentos” e criou uma com Logo apés seriam equacionados alguns servigos ptiblicos. O abastecimento de égua foi problema que sempre desa- fiou a Capital. Em 1814, Daniel Pedro Miller realizou a proeza de levar égua do Tanque Reuno até o Jardim da Luz por gravidade, correndo a égua por valas a céu aberto. Dessa canalizagio safa uma derivagdo que abastecia o Chafariz da Meméria. Havia outros chafarizes pela cidade, cronica- 0 mente secos. A solucao s6 veio mesmo com a constitu Cantareira em 1877. Dez anos depois, cer- ios j4 eram servidos de 4gua. Foi 0 mo- da Companh ca de 5 mil ed mento, como nota Richard Morse, que Siio Paulo contava com o melhor sistema de dgua e esgotos do Brasil.** Por essa 6poca, igualmente, foram inaugurados os trabalhos da Companhia Paulista de Eletricidade (5 de dezembro de 1888). O cronologista J. J. Ribeiro assim registrou o evento: As ruas de Sao Bento, Imperatriz e Boa Vista afluin uma compacta multidao de eidadaos e senhoras, atraidos para con- templarem 0 mégico e deslumbrante efeito da iluminagao. Os convidados que puderam penetrar nas usinas da companhia tiveram ensejo de verificar, como os euriosos aglomerados nas ruas, que esté a nossa capital dotada de um melhoramento extraordindrio. A luz elétrica é Gtima, fixa, brilhantissima e muito mais barata que o gés. A instalagao da usina central comporta trés motores a vapor acionando cada um uma mé- quina dinamo elétrica, e esta calculada para poder fornecer cerca de quinhentas lampadas incandescentes. As méquinas silo fornecidas pela casa Gaz e Comp. de Budapest, ¢ 0 siste- ‘ma empregado & 0 de correntes continuas, As lampadas incandescentes sto de Edison, e é este o sistema que a empre- za vai explorar de preferéncia na distribuigdo as casas parti- culares. As lampadas de arco voltaico, préprias para a ilumi- nagao de grandes espacos, dao una intensidade de mil a duas mil velas. As incandescentes variam, conforme o tamanho, de ito a trinta e duas velas (um a quatro bicos de gas)” Os servigos de hotelaria receberam grandes melhorias com a inaugurago, em 1° de julho de 1878, do Grande Hotel, vistoso edificio projetado por Von Puttkamer ocu- pando uma drea entre as ruas $40 Bento, Lfbero Badaré e a travessa do Grande Hotel, como foi por muitos anos co- nhecida a Rua Miguel Couto. Foi outra iniciativa de Glet- te e Nothmann, sendo Guilherme Lebeis Junior gerente do mesino hotel, que naquele tempo era, no genero, o inico que existia no Brasil e rivalizava com os melhores da Europa.** Foi o primeiro edificio em Sio Paulo projetado para abrigar um hotel. Antes do fim do século (1892) os paulis 2 inauguragao do Viaduto do Cha, com o qual sonhava seu inos assistiram, 82-83 eau se o centro his. construtor Jules Martin desde 1879. Uni torico a “cidade nova’. Como seria Sao Paulo no inicio deste século? Uma notavel foto (ver p. 109) tomada da torre da Ig): do Sagrado Corago de Jesus nessa época nos mostra tim cidade admiravelmente equilibrada. A esquerda, a mon mental Estagio da Luz, cuja torre se destacava como ps to mais elevado da regido. A estagao é moldurada pela vow tagao do Seminério da Luz e do Jardim da Luz, a gran fea de lazer da cidade. O conjunto estacao-jardim foi, muitos anos, 0 mais famoso cartdo-postal de Sio P: Koseritz, que visitou Sao Paulo em 1883, dé-nos uma i da importancia do jardim: tendo deixado para o fim visita foi, apesar do tempo ameagador, de bonde ao |i porque ndo ver 0 jardim seria crime de lesa-majestade Quando chegou, a Banda Alemi retirava-se apress mente por causa da chuva que comegava a cait. Par Visitante o jardim é claramente uma joia. Retine o cari Jardim: ornamental ao de jardim botinico. O arranjo é 0 to dos jardins paisagisticos: hé grupos maravilhosos di res, moitas de arbustos com flores coloridas, lage, « rochedos e grotas: em suma, tudo o que se continka en parque dos primeiros decénios deste séeulo. Na citada foto aparece & frente o baitro de nia, onde Paraguai Campos Eliseos e 8 di anta | ruas trazem alusdes ao término da guer Triunfo, Vit6ria, Aurora. Em primeiro plan a.0 bairro de Santa Ceci, to na Chécara das Palmeiras, que em 1872 ainda possufa casa-grande, senzala, plantagdes e complementos Essa regido ficou mareada pelo seu sentido inovador Quando comesou a ser modificada, alguns jovens recém- formados chegavam da Europa com seus diplomas de arqui- tetos. Otaviano Pereira Mendes, Francisco de Paula Ramos. de Azevedo e outros abrem uma nova pagina na histéria da arquitetura de Sao Paulo, a era do tijolo que sucedeu a tai- pa. Vale a pena lembrar que Ramos de Azevedo, na reforma a Catedral de Campinas, ainda usou a taipa de pilio, do que resultou uma das maiores igrejas do Brasil nessa técni- ca, Mas nos Campos Eliseos sua arquitetura revela um aca- demismo rigido. vemos mais casas com beirais subst- tuidos por platibandas e mansardas. Todas as aberturas sio comadas com coroamentos ao gosto neoclissico. Quando é chamado a organizar 0s cursos de arquitetura na Escola Politécnica em 1894, para li leva essa arquitetura tal como aprendera na Universidade de Gand, na Bélgica Os grandes tratadistas académicos, Vignola, Alberti Philibert Delorme ¢ Mansard formam a base tebrica do curso. Mesmo engenheiros que tinham aulas de arquitetu- ra em seu curso, recebiam esse tipo de formagio. O resul- tado 6 que os bairros novos apresentam notivel coeréncia na lingutagem arquiteténica, Nesses bairros encontramos ainda resid ncias que revelam influéneia saxdnica, conse- givéncia da formagao que Pereira Mendes recebera na Universidade de Cornell Mas 6 Ramos de Azevedo quem vai montar um amplo escritério capaz de responder a todo tipo de solicitagdo tanto particular quanto oficial. O operoso arquiteto organi- za um escrit6rio de importacio de material e, para forma- io de mao-de-obra, funda com outras personalidades 0 Li u de Artes e Oficios, onde lecionam mestres manda- dos vir da Europa. Seus colaboradores so judiciosamente escolhidos, como Domiziano Rossi, co-autor do projeto do Teatro Municipal, Este arquiteto trabalhou 31 anos no escritério, acabando sécio da firma. Além do teatro, proje- tou 0 Palacio das Induistrias, 0 Pakicio da Justiga, o Liceu de Artes ¢ Oficios e intimeros palacetes, os quais aparece- iam sempre como trabalho do escritério, sem mengio do nome do autor do projeto. Esse procedimento, comum na época, por vezes dé uma imagem distorcida da atividade profissional, dando a impressio que toda a atividade é devida a apenas meia duizia de profissionais. Além da linha académica, o Escritério Ramos de Aze- vedo produzia projetos em “estilo colonial”, que na verdade nada tém a ver com a nossa antiga arquitetura e pouco com a portuguesa. Os portugueses aqui enriquecidos, de volta & sua terra, para 1é levaram essa arquitetura, num neomanuelino facilmente identificado por seus patricios como “casa de brasileiro”, expresso pejorativa para desig- nar a casa do torna-viagem enriquecido. Arquitetos estrangeiros também tiveram atuagao desta- cada nessa época, como o alemao Matheus Hatsler, autor

You might also like