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associacao foruns do campo lacaniano stilus al TeV SCR an seit liisa nil out. 2005 as escolhas do Sujeito no sexo, na vida e na morte associacao foruns do campo lacaniano stylus revista de psicanalise | Rio de janeiro | n.1 [stylus _| p.1-152 | out. 2005] © 2005, Associagdo Foruns do Campo Lacaniano (AFCL) ‘Todos os direitos reservados, nenhuma parte desta revista podera ser reproduzida ou. transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissio por escrito, Stylus Revista de Psicanilise € uma publicagdo semestral da Ass0ciAAO FORUNS D OCAMPO LACANIANO. Rua Humberto de Campos, 144 - Centro Médico do Vale sala 901 40.150-130 - Graca ~ Salvador ~ BA ~ Brasil Tel. [71] 3245-5681 Fax [71] 3247-4585 hutp:/ /www.campolacaniano.com,br ComissAo pz GestAo pa AFCL Diretor: Ida Freitas Secretario: José Antonio Pereira da Silva Tesoureira: Amélia Almeida Eouire pe Pusticagao pe Styius Angela Mucida (coordenadora) Angela Diniz Costa Dominique Fingermann Eliane Z. Schermann Assissonia DE EDiGAo. Clarice Gatto INDEXAGAO INDEX Psi Peridicos (BVS-Psi) cure bus. psi.org. br ProjeTo Gririco Paulo de Andrade e Sérgio Antinio Silva Revisko £ EprTorako ELeTRONIcA Contra Capa Imacem Da Cara Enfeite intigena brasileiro, de pena de arara Forouros Huguenacolor InpRessio Grifica Edit FIGHA CATALOGRAFICA Consetno Eprrortat ‘Ana Laura Prates (EPFCL) Andréa Fernandes (EPFCL/UFBA) Angela Diniz Costa (EPFCL) Angela Mucida (EPFCL/Newton Paiva) ‘Angelia Teixeira (EPFCL/UFBA) Bernard Nominé (EPFCL-Fran¢a) Clarice Gatto (EPFCL/Fiocruz) Christian Ingo Lenz Dunker (EPECL/USP) Daniela Scheinkman-Chatelard (EPFCL/UnB) Edson Saggese (IPUB/UERJ) Eliane 2. Schermann (EPFCL) Etisabete Thamer (Doutoranda da Sorbonne ~ Paris) Eugenia Correia Krutzen (Psicanalista/Natal - RN) Gabriel Lombardi (EPFCL/U. Buenos Aires) Gilberto G. Gobbato (EPFCL/U. Tuiuti) Graca Pamplona (EPFCL) Helena Bicatho (EPFCL/USP) Henry Krutzen (Psicanalista/Natal ~ RN) Kitia Botetho (EPFCL/PUC-Minas) Luiz Andrade (AFCL/UFPB) Mariefean Sauret (U. Toulouse le Mirail) ‘Nina Araiijo Leite (UNICAMP) Raut Albino Pacheco Fitho (PUC-SP) Sénia Alberti (EPFCL) Vera Pollo (EPFCL) Tinacem 500 exemplares STYLUS : revista de psicanalise, n. 11, outubro de 2003. Rio de Janeiro: Associagio Féruns do Campo Lacaniano, 17 x 24cm. Resumos em portugués € em inglés em todos os artigos, Periodicidade semestral, ISSN 1676-157%, 1. Psicandlise. 2. Psicanalistas ~ Formacdo. 3. Psiquiatria social. 4. Psicanilise lacaniana, Psicanilise ¢ arte, Psicanalise ¢ literatura, Psicanilise e politica EDD : 50.195, sum4rio 7 Editorial: Angela Mucida ensalos 13 Colette Soler: Mudanga na amarragao da angiistia 26 Colette Soler: Clinica diferencial da angiistia trabalho critico com os conceitos 47 Angela Mucida: Vithice: do destino ds escolhas, um caso cldssico de ewtandsia 58 MarieJean Sauret: As escolhas da subjetividade de nossa época 73 Bernard Nominé: O ato analitico, a tarefa analisante ¢ 0 “fazer analitico” diregdo do tratamento 85 Angela Diniz Costa: Que escolha é essa? 92 Fulvio Marone: O Homem dos lobos, entre objeto anal e olhar 105 Maria Helena Martinho: Escolher 0 sentido: 0 caso Ana entrevista 119 Oscar Cirino entrevista Fernando Grossi: A escalha da droga resenhas 131 Sonia Alberti: A ligdo de Charcot, de Antonio Quinet 134 Leandro Alves Rodrigues dos Santos: O dia em que Lacan me adotou: minha anilise com Lacan, de Gerard Haddad 137 Paulo Marcos Rona: Por causa do pior, de Dominique Fingermann e Mauro Mendes Stylus Rode Janeito 11 out 2005 contents 7 Editorial: Angela Mucida essays 13 Colette Soler: Change in the anguishes’ link 26 Colette Soler: The differential clinic of anguish critical paper with the concepts 47 Angela Mucidla: Elderliness: from destiny to choices, a clinical case of euthanasia 58 Marie-Jean Saure 73 Bernard Nomi “the analytic-step” The subjectivity’s choices of our times The analytic act, the anatysant’s task and the direction of the treatment 85 Angela Diniz Costa: Which choice is that? 9 Fulvio Marone: Wolfimann, between anal object and sight 105 Maria Helena Martinho: To choose thedirection: the case Ana interview 119 Oscar Cirino interviews Fernando Grossi: The choice by drug reviews 131 Sonia Alberti: A ligdo de Charcot, by Antonio Quinet 134 Leandro Alves Rodrigues dos Santos: O dia em que Lacan me adotou: minha andilise com Lacan, by Gerard Haddad 137 Paulo Marcos Rona: Por causa do pior, by Dominique Finger- mann and Mauro Mendes Stylus Riode Janeiro m1 out, 2005 editorial Surox 4 exisTéncia pe “escolhas” na vida, na morte € no sexo implica de imediato, como mostra Lacan, a introdugio de uma escolha anterior, primordial, como fato de estrutura, No- meada como “forgada”, ela indica que ndo se trata de qual- quer escotha nos moldes de um possivel “livre-arbitrio”. Ao con- trario, sendo por esséncia perdedora, assinala o encontro de duas mortes, aquela da reprodugao sexuada pelo qual todo vivo perde parte de sie a dependéncia do sujeito aossignificantes do Outro. A metafora “a bolsa ou a vida" indica que nao existe vida que nao seja decepada pela entrada na linguagem. Neste niimero de Stylus, o leitor encontrara artigos iné- ditos e bem formalizados que discutem as escolhas na vida, na morte, no campo social, na toxicomania, no sexo, assim como 0s efeitos da escolha na diregdo do tratamento. Na abertura desse interes feréncias de Colette Soler sobre a angiistia que tocam direta~ mente o tema da escolha. A primeira retoma a tese lacaniana de que a angiistia, a0 contrario de todos os outros afetos, é amarrada. Soler trabalha essa amarracao na civilizagao e na anilise, indicando que o discurso capitalista atual, ao reduzir 0 sujeito ao objeto, provoca mais irrupgées de angiistia. Malgrado aanilise também promova o surgimento da angtistia e da des- titui¢ao subjetiva, ela mobiliza, a diferenca do discurso capita- lista, o objeto a no campo do Outro. Na segunda conferéncia, a énfase incide sobre a clinica diferencial da angiistia na parti- 40 sexual. Retomando algumas teses lacanianas concernentes a castracio, Soler aborda sob dticas diversas 0 porqué da an- gtistia incidir de maneira muito mais fecunda nas mulheres que nos homens. - Na seco Trabatho critico com os conceitos, Angela Mucida retoma a concep¢ao de velhice como destino, versa sobre su relagao com 0 conceito de escolha ¢ localiza a questao da euta- nisia 4 luz do caso Freud. O que dizer da eutandsia involuntaria € da legalizacao sobre o direito de vida e morte? Como deter- minar a intencionalidade do ato médico, sempre passivel de erros de diagnéstico ¢ de prognéstico? Que é o impossivel da vida quando esto em jogo o sujeito ¢ a pulsio? Qual a relagio entre eutandsia, escolha ¢ ato? ‘ante debate, temos duas con- Stylus Riode Janeiro. 11 out, 2005 Em As escolhas da subjetividade de nossa época, Marie-Jean Sauret focaliza 0 laco da subjetividade de nossa época com base no conceito de escolha, na teoria de lago social ¢ no discurso do capita- lista, tal como formalizados por Lacan. Interroga, problematizando, © sentido da escolha no contexto atual ¢ ainda se © passe no seria um sintoma de resisténcia “aos perigos que a contem- porancidade leva ao coracao da propria psicandlise”. Por fim, Bernard Nominé expoe algumas teses que bus- cam distinguir 0 ato analitico, a tarefa analisante ¢ © “fazer analitico” a partir do conceito de ato psicanalitico de Lacan nos anos 1966-1968. Valendo-se das operagSes do grupo de Klein para pensar os conceitos de alienagao, separagao e ato, o autor problematiza a proposta de Lacan: o analista, porque situa seu ato pela topologia ideal do objeto a, s6 opera sob a forma do “eu nao penso”. Em Diregdo do tratamento, tres textos expoem a problema- tica da escolha na clinica e seus efeitos sobre a direcao do trata- mento. Angela Diniz Costa problematiza a escolha sexual em. um fragmento de uma histéria clinica, bastante instigante, de uma homossexual feminina, A autora assinala como 0 consen- timento com 0 campo do Outro ~ identifica 10 com os significantes do Outro —tem efeitos visiveis na forma como esse sujeito trata sua escolha sexual. Maria Helena Martinho focali- za como a escolha incide no drama histérico, ao apontar para © ndo-senso ¢ a divisio, expondo alguns de seus efeitos (sofri- mento, sentimento de vazio, escravizagao pelos significantes do Outro) em um caso clinico de histeria em que a entrada em anillise se di pela escolha do sentido, Fulvio Marone, por sua vez, retoma 0 caso clinico O Homem dos lobos para problematizar © diagnéstico feito por Freud sob o valor do fantasma anal (neurose obsessiva) ¢ os comentarios de Lacan que priorizam © fantasma esc6pico — 0 olhar fascinado dos lobes é o préprio sujeito -, indicando que essa escolha tem efeitos decisivos na condugao do tratamento ¢ que, assentando-se entre diferentes objetos do fantasma, repete a escolha de estrutura, Na segao Entrevista, temos um didlogo instigante entre Oscar Cirino e Fernando Grossi sobre a escolha da droga. Ao instaurar uma relagao de objeto fora da castragao € provocar uma ruptura com a ordem falica, essa escolha se posta fora da alienagao fundamental. Trata-se de uma relacio que nio se deixa captar pelas interpelacdes do outro sexo: “a garrafa ja- mais coloca questées ao sujeito, pois sera sempre a mesma, estar sempre a disposi¢ao”. A complexidade da escolha da droga impée a psicanilise questdes importantes quanto a con- As escolhas do sujeito no sexo, na vida e na morte dugao do tratamento, indicando que ai nao se trata da busca de um sentido. A entrevista versa ainda sobre a toxicomania no campo das neuroses ¢ das psicoses. O leitor pode usufruir ainda de indicagées precisas de ués obras, duas das quais publicadas neste ano. Sénia Alberti apresenta 0 novo livro de Antonio Quinet, A liga de Charcot Ao retomar intimeras referéncias hist6ricas da clinica do fim do século XIX, seguidas de uma “pega”, Histeria em quatro alos, a obra exibe rigorosa pesquisa bibliografica e assinala o papel politico do discurso histérico diante do capital atual ¢ da “histeros a”, suporte da relacdo do sujeito com a lingua gem. Outra obra importante publicada recentemente ¢ com- posta por dez palestras 6a de Dominique Fingermann e Mauro Mendes: Por causa do pior. Paulo Marcos Rona demonstra como essa obra, sob diferentes Angulos, propde um tratamento do pior: a conquista do pior constitui seu atravessamento. O pior em causa é aquele do qual no se pode fugir, pois esta implica- do na prépria constituigao do sujeito: “Quanto mais se afasta do pior, mais esse retorna potente”. Por fim, Leandro Santos exibe O dia em que Lacan me adotou: minha andilise com Lacan, de Gerard Haddad, do qual o leitor podera tirar conseqiiéncias da conducao de uma andlise por Lacan a luz do relato de um de seus analisantes, bem como interrogagées sobre o fim de anillise e relatos de passe. Deixo ao leitor a escolha das trilhas a serem percorridas nessa viagem marcada por letras, proposicdes, idéias ¢ interro- gagdes, sabendo que o real de cada escrita faz acordar e que seus efeitos so sempre imprevisiveis. soma 81a MUcIDA, Stylus Riode Janeiro nm. 11 out, 2005 ensaios ow Mudanga na amarracao da angistia CotetTe Sou ENFATIZ1 D4 ULTIMA vex QUE, A diferenga dos demais afe- tos, “a angtistia era um afeto amarrado”. Por que falar, entao, de uma mudanga na amarracao da angistia? Acxpressio nao é minha, mas de Lacan, ¢ esta no fim do comunicado do Ato analitico, texto de junho de 1969". Lembroa data prque, em razio de sua importancia, voltarei a ela. A partir dela, podem ser feitas duas questées. Onde interveio essa mu- danca? No contexto em que Lacan fala, é bem claro que ele se refere a uma mudanga na civilizagao, mas podemos também nos perguntar se ela ndo existe na teoria analitica no que diz respeito 4 conceituagao da angtistia. Farei, entao, dois desenvol- vimentos: um que concerne A civilizagao, para tentar ver de que mudanga se trata, e, em seguida, outro sobre a mudanca na psicandlise, © segundo desenvolvimento é 0 que mais me interessa. Para falar de uma mudang lizar um tema em que ainda nao toquei, ou seja, as condigdes de discurso da angtistia. Pelo que pude evocar na primeira parte desse seminario, a angustia esta ligada as condigdes de linguagem, ao ser falante, ao fato, como diz Lacan, de o falante “aspirar no nascimento a linguagem do Outro”. O que Freud chamava “a civilizagio” e Lacan, “discurso”, uma ordem do mundo, uma ordem dos lagos sociais. Dito de outra forma, uma regulamentagao coletiva dos desejos ¢ dos gozos admissiveis ou prescritos no laco social. Pois bem, essa regulamentacdo tem a linguagem como condi¢ao: se um discur- so regula os desejos € os goz0s, ele evidentemente regula tam- bém as oportunidades de angiistia, as conjunturas da angistia. Por essa razio, intitulei um dos desenvolvimentos: Os discursos- ‘ela. Fiz isso precisamente para dizer que os discursos, de acordo com as épocas, produzem mais ou menos conjunturas de ang O discurso do mestre antigo nao era um discurso angus tiante. Havia violéncias, desigualdades ¢ guerras, mas isso é uma coisa diferente das conjunturas da angtistia. JA no que diz respeito ao discurso capitalista, parece relativamente claro que cle multiplica nao somente os traumas, mas também as condi des de angtistia. Por qué? Creio que essa particularidade do na civilizagio, é preciso visua- Stylus Rio de Janeiro n. 11 p.13-25 out. 2005 "acan, Oato psicaaltica (1969, p. 378) * Lacan, Q saber do psicanali (1971-1979) Qhédito, alade 6 ddejanero de 1972). discurso capitalista esta ligada ao fato de ele produzir a preca- riedade em todos os niveis. Por exemplo, no trabalho, fala-se do trabalho precario, mas fala-se também, positivamente, da mobilidade social, das reconversdes possiveis; tudo isso perten- ce ao ambito da precariedade; na vida conjugal, é visivel que 0s casais estio completamente separados do que diz respeito ordem social, cultural, econémica ¢ familiar. Eles s6 respon- dem por suas escolhas individuais, algo que resulta na contin- géncia ¢ na fragilidade dos lacos conjugais, ameagados pela precariedade das familias, que se evidencia em familias dilace- radas, recompostas € instaveis. Como resultado, cada indiv duo é permanentemente ameacado pela iminéncia de um “dei- xar cair”. No fundo, todos so ameagados pela possibilidade de se reduzirem a um objeto dejeto. Sim, um objeto, seja no trabalho, na vida conjugal, na familia, nas amizades etc. Refi- ro-me, portanto, a iminéncia dessa ejecdo, que no fundo reduz cada individuo ao seu corpo, mas 0 reduz de fato, ¢ nao fantasmaticamente. Acredito que o fundamento estrutural desses fatos que descrevi pode se referir, ou melhor, eu mesma me refiro as anlises que Lacan fez sobre o discurso capitalist, sobre sua leitura e sua critica de Marx. & Ss, Feet s, a Figura 1: Discurso Capitalista! Voces véem que Lacan escreveu esse discurso invertendo as posicdes S, e $, em rela¢do ao modo como estao no Discurso do mestre. Mas essa nao é a principal mudanga desse matema. O essencial sao as flechas, que conformam um circuito fechado em que cada termo é comandado pelo precedente ¢ comanda © seguinte. Isso faz com que vocés possam dizer que 0 sujeito comanda a cadeia da linguagem S, , $,, produzindo os produtos (a), mas vocés também podem dizer que os produtos coman- dam 0 sujeito para que ele comande a cadeia que produzira os objetos que comandarao 0 sujeito, ¢ assim por diante. Com isso, pode-se fazer um longo desenvolvimento so- bre o fato de que esse circuit fechado suprime o lugar dos demais discursos. Em todo caso, vocés podem ver que 0 tinico laco que esse discurso faz é o laco entre © sujeito em falta e os As escolhas do sujeito no sexo, na vida e na morte objetos que Lacan denomina objetos a. Sem diivida, é um laco, mas um laco pouco social, pois nao se realiza entre individuos. Isso deixa cada sujeito sozinho com suas buscas, buscas estas bem pouco sublimatérias. Nesse sentido, pode-se dizer - mas preciso refletir se é possivel sustenta-lo— que é uma ordem sem Outro, sem grande Outro. Certamente, ha o Outro da lingua- gem, mas a fungao da linguagem nesse discurso se reduz a um instrumento de mercado, um aparelho a ser produzido pelas ciéncias e pelas técnicas. Um aparelho, porém, que tanto pro- duz quanto faz consumir, pois € preciso incentivar o apetite. igo sem Outro, mas no sentido do Outro barrado. Sabe-se 0 que o discurso capitalista quer gracas a Freud, que soube destacar a causa, a mais-valia, ea Lacan, que no fundo Ihe homenageia. Digo, entdo, que esse discurso nio esta belece lago e é nisso que ele reduz o ser do sujeito ao objeto, ja que sao esses objetos que causam seu desejo. E por isso, por exemplo, que Lacan diz que “é um discurso que destitui 0 su- jeito e que o destitui de forma bem diferente que o discurso analitico, que o destitui realmente (...]". Na andlise, a destitui cao do fim de analise de que falamos passa pela via dessa ali nagdo artificial que é a transferéncia e que certamente mobil za 0 objeto a, mas no campo do Outro. O discurso capitalista sabe que cle reduz 0 sujeito ao objeto, seja pela via de comen- lar essa reducao ao objeto, seja produzindo cada vex mais su- jeitos ejetados dos circuitos de producao-consumo, aumentan- do os dejetos sociais que existem sobre essas margens. Mas em segundo lugar, de maneira mais geral, fazendo de cada um 0 que Lacan chamou de “um proletario”. Essa tese esta em A terceira.’ Para compreender o que ele cita como “proletario”, é preciso ir até o antigo sentido do termo. Ele designava, na Antigiiidade grega, os sujeitos mais pobres, que s6 dispunham de sua forga de reproducao e que cram reduzidos unicamente ao estatuto de serem genitores Quando Marx usa o termo “proletirio” alguns séculos mais tarde, refere-se 4 classe dos trabalhadores explorados, que ele define como “aqueles que tém somente sua forga de trabalho para vender”. Lacan, porém, redefine o proletirio. Segundo sua tese, somos todos proletarios, nao tendo o termo nada a ver com riqueza. Ele diz: “somos todos proletarios, pois nin- guém tem algo garantido para fazer lago social”, Para fazer laco social ~ nao desenvolverei esse ponto ~ é preciso nao so- mente 0 objeto a, mas também uma cadeia significante da qual se podem definir os pares: o mestre ¢ 0 escravo, o professor € 0 estudante, a histérica ¢ o mestre, o anali Stylus Rio de Janeiro n 11 p.l3-25 out. 2005, Lacan, latercera(1988), 15 Marx acreditou que poderia falar do par capitalista-pro- letario, e 6 nesse ponto que Lacan o critica e 0 refuta de uma forma que eu acho bastante convincente, apesar dos anos de simpatia marxista que pude ter, Explico. O que quer dizer 0 que ele chama de a ideologia das classes? Quer dizer que Marx convidava os proletirios a recuperar a mais-valia subtraida pelo capitalismo, Toda a teoria da revolucao proletaria se traduz nisso, ndo havendo mais que um tinico desejo ou, mais exata- mente, uma tinica causa de desejo: a mais-valia que foi subtra- ida de um lado ¢ que se procura recuperar do outro. Nao ha, entio, par capitalista-proletario, 0 que certamente nao acaba com a divisio entre ricos ¢ pobres, ¢ também com a explora~ cho. Mas, enfim, a economia capitalista faz da maisvalia seu principio tinico ¢ isso é uma destituigao real e generalizada, A angiistia de que o discurso contemporaneo multiplica as conjunturas também nao é sem objeto. Ela tem um objeto que, na verdade, possui uma consisténcia de realidade. Essa angiistia entra na formula geral produzida por Lacan concer- nindo @ amarragao da angiistia ao objeto a. Voltando ao desen- volvimento que eu fazia, posso dizer que, para cada sujeito em particular e para os sujeitos do capitalismo em geral, a amarra- do da angiistia ocorre em relacao ao objeto a. A civilizacao capitalista produziu a emergéncia de um objeto ageneralizado. Isso, contudo, nao é uma mudanga. Lacan © péde analisar no momento em que escreveu sua formula, mas essa tese nos obriga a perguntar: a que a angiistia estava amarrada antes? Se a amarracao ao objeto é uma mudanca, a que ela estava amarrada? Na passagem do comunicado sobre o ato que citei, Lacan € bem explicito, ao dizer que “a angiistia nio é sem objeto”. Eucito: “conseguimos um pouco apreender 0 que ja passa além de um pico”. O que comeca a emergir,entio, na civilizagao? E a que estava amarrada a angtistia até ai? Desenvolvi uma tes que retomo aqui, pois, para dizer a verdade, nao vejo outra: a angtistia estava amarrada a um grande Outro. E, para situar a mudanca na amarragio da angiistia, poder-se-ia utilizar o tit lo do seminario de Lacan De wm Outro ao outro, de um grande Outro a um pequeno outro, Lembrem-se que esse seminario é dos anos 1968 ¢ 1969, e é em junho de 1969 que ele fala da mudanga na amarragao na angustia. E apaixonante, ao menos para mim, seguir na historia da cultura a queda progressiva desse Outro. Quanto mais o grande Outro € consistente, menos ha conjunturas de angiistia. Creio poder dizer que 0 Outro é consistente em uma cultura {As escolhas do sujeito no sexo, na vida € na morte ou ulm civizacao em que o discurso sutura o X; quando 0. discurso preenche ou amarra a questio do enigma ¢ da amea- ¢a do desejo do Outro, quando a cultura constréi um Outro de quem praticamente sabe-se 0 que quer. Enfatizei, em um curso que dei ha alguns anos, que a angistia do penitente na Idade Média, do cristio dessa época, a angistia atual do sujeito nao tém nada a ver uma com a outra. Diria que o penitente da Idade Média sabia 0 que espe- rar. Podemos pensar que era uma crenga, pois para ele os pro- fetas durante séculos emprestaram sua voz a Deus para que 0 pecador e também o castigo fossem precisamente definidos € nomeados. Havia, entao, maior possibilidade de pavor que de angiistia. Acredito que a angustia se reduzia 4 iminéncia do castigo esperado, ¢ é por isso que escrevi um pequeno texto intitulado O apocalipse ou pior a partir de um comentario do Apocalipse, de So Joao. Vocés compreendem o sentido do “ou pior”? E que 0 sujeito pés-moderno, como se diz hoje, perdeu h muito tempo esse Outro que podia ser ameacador, mas que, em tiltima instincia, eralhe prometide como um Outro de amor. E por isso que eu digo que ha destituigao quando 0 Outro inconsistente, se 0 comparamos com o momento histérico que evoco em que © sujeito participava do pavor. Atualmente, a angistia participa demais da derrelicio. Derreli¢ao é uma palavra muito boa, mas é preciso en- contrar a tradugio adequada! Ela designa a sorte da criatura perdida no mundo, sem criador, sem Outro. Quero dizer de- samparo, desespero, € nao abandono, porque abandono é uma palavra que ainda supde o Outro. Podemos seguir esse fato na historia. Acredito que seu inicio tem alguma ligag4o com a emergéncia da ciéncia. Comegando com Pascal, vai até Heiddeger, passando por Kierkegaard; e é preciso fazer refe- réncia também a Lutero ou considerar os meandros da Con- tra-reforma. Em todo caso, creio que comega com Pascal, de quem eu sempre cito esse verso que gosto muito e que Lacan evoca em alguma parte. Ele diz: “O siléncio desses espagos infi- nitos me apavora”, e compreende-se que a falha ja estava pre- sente para Pascal, que era um mistico, mas nao estava bem certo de que os céus nio estivessem vazios. Termino essas con- sideragGes mais historicas, mas, em todo caso, Lacan retoma esse fio que vem de Pascal a Heidegger com sua idéia de que a angiistia nao é sem objeto e surge do encontro com 0 Outro barrado. Nao com 0 Outro consistente, mas com o Outro barrado. O paradigma dessa mudanga, que eu encontro no espa- 0 da clinica, é aquilo que intervém no que se chama “o panico”, Stylus Riode Janeiro on. 11 p.13-25 out. 2005 “Lacan, OSeminstio, 0 10. Aangisiat 962-3). Vocés sabem que temos a descri¢do de um panico freudiano. O panico que Freud descreve é aquele que intervém quando o chefe, o lider, o Fiihrer, esse um falha, desaparece. Pode-se ap car a tese freudiana as crises na psicandlise. A angtistia nas cri ses das comunidades analiticas aparece no momento em que 0 chefe faz forfait, seja porque ele se eclipsa, seja porque ele morre. E uma angiistia de desligamento, uma angtistia que sur- ge do fato de que um laco social se desfez. Ele se desfaz porque 05 laos com o chefe desaparecem e, conseqiientemente, 0 laco entre cada um dos membros também desaparece; entio, é 0 “salve-se quem puder", 0 um a um imposto. Em outras pala- vras, trata-se da passagem do um mestre a0 wm a um imposto. As atuais crises de panico, que sao tao freqiientes e fala- das por todos os psiquiatras, sio totalmente diferentes. Nao so panicos. Para comecar, nao so panicos coletivos, mas pa- nicos que se produzem sem o regime do um da coesao. Elas se produzem no regime do individualismo capitalista, em que a afirmacio mais frequente entre os clinicos é que se trata de panicos incompreensiveis. Com efeito, constata-se que eles acon- tecem de forma irregular, inesperada, sem que nada tenha acon- tecido ao sujeito. Freqiientemente, ele est na rua, no metré, em qualquer lugar e, de repente, panico! Trata-se de crises de derreli¢ao em que o sujeito é repentinamente tomado pelo fato de se reduzir a seu corpo. Elas acontecem mesmo que nada o ameace. Todas as ameagas imagindrias do corpo fervi- Iham, ¢ isso certamente nao é um signo de psicose, contraria~ mente ao que alguns afirmam sobre isso. Isso no é bastante para tomar em andlise alguns sujeitos. Percebo, todavia, que alguns sujeitos que procuraram andlise em decorréncia de uma crise de panico acabam demonstrando, ap6s um longo tabalho analitico, que havia circunstancias situacionais. Constata-se que essas crises se reproduzem mais frequentemente em sujeitos para os quais a insereao profissional ¢ afetiva é precaria ou inexistente. Nesses sujeitos, observa-se verdadeiramente o afe- to do desligamento. Bem, concluo meu primeiro desenvolvimento que, em resumo, diz que passamos da civilizagéo da amarragao da ar gtistia ao grande Outro & amarragao da angiistia ao objeto a. Chego, entao, ao que me interessa mais: a mudanga na psicanilise, a mudanca na concepcao da amarragao da angtistia para a psicandlise. Penso que, a partir do seminario A angistia', pode-se ver aparecer uma homologia, mais que uma identidade, com © que eu evoquei para a civilizagdo. Em Freud e mesmo em Lacan até os anos 1960, a angustia se refere essencialmente As escolhas do sujeto no sexo, na vida € na morte ao pai. E intitil insistir sobre os temas freudianos, eles sio bem conhecidos: 6 pai porta a ameaca de castracao para os filhos, € © niicleo do Edipo e, além disso, o pai de Totem e Tabu é um pai que despoja e faz tremer todos os filhos. Em seu retorno a Freud, Lacan inicialmente nao recusa esse lago intimo que Freud estabeleceu entre 0 pai ¢ a angtistia. Se vocés se lembr: rem dos desenvolvimentos de Lacan € de suas polémicas com seus contemporaneos para distinguir privacdo, frustracao e cas- tragdo, notarao que culminam na idéia do pai como agente real da castracao. Ha também o grande tema do lago intrinse- co entre o Nome-do-Pai ¢ a lei, Sim, a lei do interdito. Lem- brem-se da analise do pequeno Hans que Lacan faz e do que podemos ler ai que diz respeito ao pai de Hans, aquele que nao representou suficientemente a lei E preciso dizer que todos esses temas continuam a circu- lar no que dizemos com Lacan, e quando eu digo “nés”, digo “os que se referem a Lacan”. Repete-se isso apesar de Lacan ter se afastado disso. E verdade que, até o fim, ele continua a dizer que € a castragio o que se uransmite de pai para filho, s6 que, como ele mudou toda a construgao, isso nao quer dizer a mes- ma coisa. Greio que é preciso se dar conta de que ha uma virada a partir do seminario A angristia. Isso ja foi dito e posto em questao! O que é bem marcante nessa primeira tese ¢ 0 pai como agente da castragao desde o inicio. Fiquei surpresa quan- do li, e devo dizer que quanto mais eu leio, mais me surpreen- do que toda a construgao proposta por Lacan sobre a angtistia nesse semindrio curto-circuita com a referéncia ao pai. No fun- do, ele faz uma deducao da angiistia sem passar pelo pai, como havia feito anteriormente algumas vezes ao tentar indicar como tanto 0 sujeito quanto o objeto asao efeitos do Outro, da entra- da no Outro. Nes em suas articulagdes, apesar de existirem passagens no semind- rio A angiistia em que ele evidentemente fala do p: detalhadamente por que é assim. Em primeiro lugar, 0 chofar. Ha um capitulo sobre 0 chofar, essa quinta elementar, esse chifre que produz uma quin- cal, enfim, um chofar de verdade! O mesmo chofar que Stylus Rio de Janeiro n 11 p.l3-25 out. 2005 19 nas cireunstancias rituais é utilizado para “levar 0 clamor da humanidade”- belo termo, “o clamor” ~ que representa a cria- tura em face de Deus. O que Lacan diz. sobre isso? Ele diz: “De jeito nenhum!”, o chofar representa para nds a voz como algo destacado, € nao é absolutamente para fazer os homens se lem- brarem de Deus; seria talvez 0 contrario, Deus poderia muito bem ter esquecido suas criaturas, isso poderia ser parte do sa crificio, um problema nas falhas do Outro. Essa voz que deixa ouvir entre Deus e a criatura nao pertence ao registro do pai castrador ou do Deus castrador, mas sobretudo ao registo do Deus que esquece € que esta em vias de desapari¢do. Em seguida, neste seminario, hi os capitulos que eu intitularia “O pai revisitado”, em que se vé Lacan produzir esta frase que surpreen- deu seus auditores: “O desejo é a lei”, Atentem para a utilizagio do verbo ser! E entao ele explicita: “O desejo do pai é a lei”. Assim, se estivermos muito habituados ao termo “pai sim- bélico”, portador da lei ¢ da castra¢ao, diremos talvez. que nada mudou. Mas atengio! Quando ja havia aprecido 0 desejo do pai sob a pluma de Lacan? O Nome-do-Pai, depois do inicio da releitura de Freud, passa a ser um significante, e um significante nao tem desejo. Mesmo quando Lacan apresenta sua metifora paterna, 0 tinico desejo presente ¢ 0 desejo da mae. Um leitor atento pode assinalar que, nos tempos de Subversdo do sujeito, ha alguma coisa relacionada a isso quando Lacan diz: “O dese- jo nao se motiva pela lei; € 0 contrario, a lei que se motiva pelo desejo”, € nao s6 se motiva como é motivada. Ja se percebe ai que 0 desejo do pai é a lei, Ha inclusive uma balancada geral em relagdo ao problema da metfora paterna, Nao ha diivida a esse respeito quando ele fala nesse seminario: “o desejo do pai é 0 desejo sexual do pai", Voltarei a isso daqui a pouco. Em terceiro lugar, ereio que, quando Lacan comenta no seminario A angiistia diferentes casos clinicos, particularmente © de Lucy Tower, ele, entre outras coisas, faz ver a referénci edipiana. £ realmente delicioso se tomamos a coisa com hu- mor! Vocés lembram que ele conta um caso em que tenta mos- tar que em um determinado momento, no curso da anilise, chega a mobilizar 0 desejo da paciente. O que ele diz entao? Que a partir dai se comega a entrar na comédia do Edipo, na qual cla diz: “Foi papai quem fez tudo isso”. Ele cagoa disso, falando da anilise: "Se ele é castrado, é por causa da lei € vamos brincar com a comédia da lei”. Isso chega a ser meio forte, mas serve para nos indicar que a referéncia ao pai nao é especialmente oportuna quando a castracao € © desejo apare- cem. As escolhas do sujeto no sexo, na vida e na morte Antes de passar ao tema central, que tem a ver com 0 pai revisitado e que seria a castragio revisitada, gostaria de evocar uma passagem que esta no fim do texto Kant com Sade, em que Lacan se interroga sobre a seguinte questi: “O que haveria nas obras de Sade que nos apresentariam um verdadeiro trata- do dos desejos?”, a que responde: “Nada!” Cito de meméri *Violada ou costurada, a mae permancce interdita”, o que quer dizer que lei do interdito nao é o que funda verdadeiramente ‘os desejos como freqiientemente constatamos na clinica. E ver- dacle que os sujeitos tiram proveitos das proibigdes para sus- tentar seus desejos, ponto sobre o qual Lacan citou algumas vezes Sao Paulo: “E preciso a lei para ser imensamente pec: dor”, ou seja, se nao thes proibissem nada, seria muito mais dificil desejar os pecado: Em todo caso, a tese de Lacan é que 0 tratado do desejo nao pode ser escrito apenas com a referéncia ao interdito da lei, Voltarei, entio, ao quinto ponto sobre esse tema, a castra- cdo, tal qual Lacan a redefiniu a partir do seminario A angis- fia: um corte real que destaca um pedaco do corpo, que, diga- mos, sacrifica uma parte da satisfagdo. Aqueles que estavam presentes na universidade, lembram-se que acentuei o fato de que Lacan faz da detumescéncia do érgio falico em seu ato sexual a representacao paradigmatica do que € 0 corte da castra- ¢éio, € que isso se refere a uma castragio sem agente’, Nao 6 por causa do pai, é por causa da subtragao real que se opera a partir do reencontro do Outro e, especialmente, da demanda do Outro. Deixando a questio do pai de lado, quero acrescentar alguns pontos ao que disse sobre a ang(istia em sua relago com © objeto, Lacan utilizou varias expressdes utilizadas para carac- terizar 0 objeto a, ¢ é preciso observar que nem todas querem dizer a mesma coisa. Ha trés termos utilizados por ele: *r que eu ja mencionei, “queda de a” e “cessio”, Cada um dos trés indica coisas diferentes. “Resto” designa a consisténcia logica do objeto, o fato de que, no fundo, esse objeto é inescriptivel - nao € de forma alguma indescritivel; ele ¢ impossivel de se inscrever no Outro. Prossigo. No esquema da divisio que escrevi no quadro, em baixo de A Lacan escreve Zero (0), © justifica dizendo que € assim em razio do que chama: “o ponto de falta do significante”. Ele insiste: “é uma falta irredlutivel”, 0 que quer dizer também que o Nome-do-Pai nao esta inscrito ai. A queda © a cessiio do objeto, entdo, ndo querem dizer somente que o objeto é impossivel de se inscrever no Outro, mas também que Stylus Rio de Janeiro 11 p.l3-25. out. 2005 Lacan. Kantcom Sade (1962). *N.doE Vero texto Clinica iterenca da angi, 0.96.43 deste nimero da rent " Toumetsme: neoogémo com ajungdo de trou bureco;€ ‘raumatme: traumas, hd primordialmente uma referéncia a consisténcia corporal do objeto; uma referéncia ao que do ser corporal nao passa de jeito nenhum para o significante. Mas como vocés véem, esses termos evocam uma temporalidade, referem-se aos avatares, aos acidentes da libido. Vejamos 0 préximo ponto: qual é a fungao da angiistia nessa queda, nessa cessio do objeto? Eu jé a mencion mente, mas podemos dizer que a anguistia tem uma fun¢ao causal. E certo, ao menos, que é preciso situé-la em uma ante- cedéncia légica em relacao a esse objeto “causa de desejo”. Por is que Lacan hesite um pouco dizendo “causa de desejo”, € nao “causa da angiistia”, é preciso se referir a forma como relé Inibicéo, sintomaeangistia, de Freud. Ele reformula o que Freud chamava de perigo real, fazendo da angiistia um sinal de per go real, Lacan diz explicitamente que “o perigo real é a cessio do objeto, a queda do objeto". A angiistia é primeira, primordial; surgiu em face desse Outro barrado que é, as vezes, um Outro demandador e questionador, e, no fundo, é ai que é preciso localizar 0 que Freud chama de trauma, 0 abandono em face do buraco do Outro, 0 trowmatisme’, a falta de recursos em face desse Outro. E essa angiistia surgida nesse nivel primordial que produz a ces- sio do objeto. Como deixar de evocar aqui 0 caso do Homem dos Lobos. O Homem dos lobos € 0 que Freud diz. sobre a resposta pela defecacao; 0 objeto deixado, cedido pelo sujeito, e petrificado, excedido pelo que vé. Lacan aplica a seguinte expressao: “a ces- sdo, o momento da cessio 6 constitutivo do objeto”. Nao esque cam 0 que citei da fungao de separagio desta cessio, retomada por Lacan nas partes iniciais do semindrio, para dizer que 0 sujeito nao é desmamado do ponto de vista oral, mas que ¢ ele que se desmama. No que toca a castrag4o do érgio na relacio sexual, Lacan fala que, no fundo do desejo de castracao, ha sem- pre a mesma construgio: a cessiio do objeto. E o recurso contra a angiistia primordial que se produz no lugar do X. Ele nao é sem objeto, mas também no é sem fungao na constituicao desse objeto, Com esse esquema, entio, podemos conceber facilmen- te a repetigao da situagao de perigo primordial ¢ até evocar as cesses tipicas para cada sujeito confrontado com a angiistia. Onde esta o pai nisso? Em nenhuma parte! Se quisermos, po- deremos localizé-lo no alto, fora desse esquema, pois, alias, como termina 0 seminario? Com 0 antincio de Lacan de que falara sobre os Nomes-do-Pai no ano seguinte. Dizer Nomes do-pai, no plural, ja é um questionamento profundo e evidente ma {As escolhas do sujeito no sexo, na vida e na morte para o proprio Lacan de que tudo o que ele acabara de fazer havia posto o pai em questao. A prova de que essa questao esta em xeque é que ele termina a tiltima li¢ko sobre 0 problema do pai dizendo: “No proximo ano, eu thes falarei dos Nomes- do-Pai no plural’, Imediatamente apés, ele evoca 0 “mito freudiano do pai”, ¢ diz: “o desejo do pai submerge, se esma- ga, se impée aos outros”, acrescentando: “isso é uma contradi ao completa aos fatos clinicos” ja que, segundo ele, consta se que © pai tem uma fungao de normatizacio do desejo. En- to, “por que manter esse mito?", perguntase, para tentar en- contrar uma resposta dizendo algo bem interessante: “a manu- tengao do mito, ao contrario dos fendmenos, talver. esteja ai para nos dizer que, na manifestagao do seu desejo, o pai sabe a que se refere esse desejo”. Além disso, ele fala do analista que tem o dever de fazer entrar seu desejo no objeto a para poder ser analista, para poder dar sua garantia 4 angtistia do paciente. Por fim, isso nao quer dizer que um pai nao tenha fungao, pois ja se pode falar dos Nomes-do-pai e do desejo do pai. Digo “ja”, pois em 1975, no R.S.L, ele fala do desejo do pai. Kis af a tese de que 0 pai, no fundo, funciona sobretudo como um modelo, para usar © termo empregado em 1975, mas nao no sentido de ser um pai modelo, ¢ sim o pai do um; o modelo de wm pelo qual 0 desejo é causado pelo obejto a. Trata-se, portanto, de um pai singular, endo de um Pai da lei, Paro aqui. Maria Célia Delgado de Carvalho referencias bibliograficas Lacan, Jacques. O Semindrio, livre 10: A angiistia (191 Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005 3). Rio de Lacan, Jacques. (1969). O ato psicanalitico. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 371-379. Lacan, Jacques. (1975) Latercera. In: Intervenciones y textos 2. Buenos, Aires: Manantial, 1988. Lacan, Jacques. O saber do psicanal 1a (1971-1972). Inédito. Stylus Rio de janeiro 11 p.13-25 out. 2005 24 resumo Nesta conferéncia, aborda-se a amarracio da angiistia em dois contextos: 0 da civilizagao e o da anilise. O discurso capi- talista aumenta as conjunturas propicia- doras de angiistia, ao reduzir o sujeito ao objeto, destituindo-o de uma mancira totalmente diferente da que ocorre na destituicio propiciada pela andlise. Neste discurso, nota-se que os lagos sociais sao frouxos; 0 tinico laco possivel € entre © sujeito em falta e os objetos produzidos pelo préprio discurso para encobrir essa falta. O discurso analitico também tended destituicio subjetiva; por isso, nao evita a angtistia, mas mobiliza 0 objeto ano campo do Outro. Em relacio aesse objeto a, causa de desejo, aangiistia tem uma fungao causal ligada ao “trou- matisme”;aoabandono do sujeito em face do buraco do Outro que propiciara o terreno para a queda ou cessio necessiria Ainscrigao no corpo des 020. ‘a causa como palavras-chave angiistia, civilizacio, discurso capitalista, objeto, troumatisme As escolhas do sujeito no sexo, na vida e na morte abstract In this lecture the anguishes’ link is treated in two contexts; civilization and analysis. The capitalist discourse in- creases the anguish possibilities reduc- ing the subject to the object, dismissing him in a totally different way from the destitution in analysis. In this discourse, we notice that the social bondsare weak; the only link is between the subject in a missing condition and the objects pro- duced by this discourse to cover the subject's missing. The analytical dis- course also leads to the subjective dis- missal and for that doesn’tavoid the an- guish; but claims for the object a, cause of desire, the anguish has a causal fune- tion linked to the troumatisme, or to the abandonment of the subject facing the Other's hole that is the opportune situa tion for the chute or cession that is nec- essary for the inscription of this cause in the body as enjoyment. key words anguish, civilization, capitalist object a, troumatisme, recebido 15/09/2005 aprovado 05/10/2005, Stylus Rio de Janeiro n. 11 p.l3-25 out, 2005 "Helena Bia, psicanast, professre do Departamento Pscolgia Circa do nstuto de Psicologia da Unerscde de S50 PauioemenirodeEscolade Psicerlse dost Grunsco Camo lecerano ~ So Pao, ecebeu Colette Soerro Program de is Grad.acio emPscoioga CicsdeUnversclice de Si0 Pau, na condo de primera comicadsestengerado Laborato dePscanlse _acayes Lacan, petencente & esse depararento, A cote rnc ce Colette Solera seguir foiproens no da 11 de rnoverbro de 9004, porocasiio do WEncontodaéscols de Pacandise dos éruns do Cameo Lacantaro rs reaizado em ‘tou, sobos auspicos dt Ag. tacan, O Seminsio- lino 10 Aangistia (1962-3) Freud, Inbicdes, sntomas € angisio (1997) 26 Clinica diferencial da angustia' Couette Sour FALARE SOBRE OS HOMENS € as mulheres angustiados ¢, 6 claro, de suas diferengas. Poderia ter como epigrafe dessa mi- nha conferéncia a seguinte observacao de Lacan em seu Seminé- rio: Mais, ainda: tudo o que se pode dizer por quem quer que seja sofre as conseqiiéncias da parcialidade do sexo. Isso signifi- ca que 0 que dizemos se formula unicamente pelo ponto de vista sexual, No que diz respeito as mulheres, é preciso dizer que Lacan nunca agiu como Tirésias. Tirésias, como vocés sa~ bem, acreditou que o gozo das mulheres era mais importan- te; dizia inclusive que este era sete vezes mais importante! No que se refere 4 angustia, houve alguém que agiu como Tirésias: Kierkegaard, Considerado 0 primeiro dos filésofos existenciais, que escreveu uma obra intitulada O conceito de angi stia e nao hesitou em dizer que as mulheres eram mais angustiadas. Lacan faz muitas referéncias a Kierkegaard em sua obra, especialmente em O Semindrio, livro 10: A angiistia.® Dei um curso sobre esse seminario ha quatro anos e voltei a lé-lo ago- ra, pensando em vocés. Nesse seminario, Lacan se refere duas veres a essa observacao de Kierkegaard. Na primeira delas, ele a poe em dhivida, ao se perguntar “sera que isso é verdade?”, para, no fim do seminario, afirmar que era, tendo inclusive utilizado o titulo do livro de Kierkegaard em um de seus esque- mas. Nao me estenderei nisso, pois me dou conta de que n nha exposigio ¢ muito longa, Entrarei diretamente no tema da conferéncia. Em Freud, a referéncia da questio da angustia a0 comple- xo de castracao é conhecida. E verdade que ele, em Inibicées, sin- tomas e angistia’, de 1927, faz uma generalizagao, mas é da castra- Go que ele parte. O mais simples, portanto, é retomar seu ponto de partida. Digamos que ha, inicialmente, um Freud contra Kierkegaard, Ainda que eu ndo ache que Freud cite Kierkegaard muitas vezes, gostaria de enfatizar inicialmente um contraste, ou melhor, nao exatamente um contraste, mas uma inversio da pi do de Freud para ade Lacan sobre a clinica diferencial da angiis- tia, Para Freud, wata-se de algo simples, ainda que ele sempre seja As escolhas do sujeito no sexo, na vida e na morte mais complexo do que parece. A tese que defende é esta: nas mulheres, 0 complexo de castracio nao toma a forma de angtistia © aparece como inveja. Na tese freudiana, portanto, as mulheres sio menos angustiadas porque nada tém a perder. Ja que a anguis- tia da castracao 6, segundo Freud, o temor pela perda do érgio, esta s6 pode afetar aqueles que o tém, Assim, enquanto ao ho- mem cabe a angiistia, a mulher permanece com a inveja. Freud insiste. Nas mulheres, nao haveria nem mesmo a angtistia superegdica decorrente do supereu paterno € que sem- pre comanda as sublimagées na cultura. Também é verdade que Freud nuan¢a um pouco essa tese em 1927, ao dizer que ha nas mulheres algo homélogo a anguistia de castracao, que nao tém o temor pela perda de um érgao que nao possuem, & claro, mas, em vez disso, possuem, diz ele, angiistia pela perda do amor do homem, ou seja, a angtistia de perder © falo de que dispdem por procuragio por intermédio de um homem. Reformulo essa posicao freudiana desta forma: ele nuanca sua questao “O que querem as mulheres?” e confessa que nao entendeu nada sobre as mulheres, que continuam sendo um enigma até o fim de sua obra. Mesmo assim, ratifica a primeira tese em Anilise terminivel e intermindvel', ao afirmar que, en- quanto a analise dos homens esbarra na angiistia de castragao, a das mulheres esbarra na reivindicagao. Freud, portanto, en- cerra as mulheres em um triangulo formado pela inveja, pela reivindicacao ¢, no fim da analise, pela depressao, uma vez que a reivindicagdo nao é alcancada, Como vocés sabem, essas teses so muito evidentes e produziram indignacao na cultura, especialmente nas correntes feministas, mas nao somente ne- las. Entre os posfreudianos, houve tentativas de corrigir esse ponto de vista. Seria preciso indagar a respeito do que levou Freud a defender essa tese. Tinha pensado em dizer alguma coisa sobre isso, mas também nao o farei. Gostaria de dizer, de imediato, que Lacan defende teses totalmente opostas a essa, € nao somente a partir dos anos 1970, do famoso seminario Mais ainda, em que traz algo novo sobre a feminilidade. Ele reformula essa problematica freudiana des- de 1958, como mostrei em meu livro O que Lacan dizia das mu- theres. Lacan formula a dissimetria entre homens e mulheres da seguinte maneira: no fim de seu texto sobre a sexualidade feminina®, em Escritos, ele chama os homens de detentores do desejo, e as mulheres de apelantes do sexo. Na origem dessa palavra em francés, ha apelo, mas também apito. Em francés, ouvem-se apelo e apito. Ele considera explicitamente o homem como aquele que deseja ¢ que, desejando, é castrado. Trata-se, Stylus Riode Janeiro. on. 11 p.26-43 out. 2005 “Freud. Andiseterminivel intend (1937), * Soler Ogu lacandize cas mmalheres (9005) ‘acon Deettzespareum congtessoscbreasensidade feria (1960) portanto, da inversio da afirmagao freudiana. As mulheres, que nao tém o pénis, sdo as ndo-castradas. Evidentemente, é preciso explicar isso porque sendo pode parecer algo arbitra- rio. Lerei uma frase que é muito importante sobre isso € que est na pagina 744 da edi¢ao brasileira dos Escritos. Nessa frase, ele fala sobre a posicéo das mulheres no par sexual, no corpo- a-corpo sexual, no plano do que ele proprio designa como concorréncia sexual, j4 que atribui as mulheres um gozo que diz ser rival do desejo do homem. Vejamos, entéo, 0 que ele diz sobre as mulheres: ha nas mulheres “um esforgo de gozo envolto em sua propria contigiiidade para se realizar rivalizan- do com 0 desejo que a castracio libera no macho [...}”. ‘Traduzi esse esforgo feminino no nivel sexual pela seguinte io: “gozar tanto quanto ele deseja”. A 0 é bem cla- ? E aquele que tem o 6rgio que se depara com 0 -p da castragao, que é uma forma de escrita que procura definir a pala- vwra castragao: é ese menos, essa subtracio, que é a condigao do desejo como vetor em direcao ao objeto complementar. $6 se pode desejar a partir de um menos. A partir do mais se pode fazer muitas coisas, mas nao se pode desejar. Por outro lado, para Lacan, © menos nao caracteriza a mulher no nivel sexual. Essa inversio de perspectiva exige uma explicagio. Se- nao, poderiamos dizer, como a partir de uma mesma experi- éncia analitica se pode chegar a formulas tao opostas? dente que introduzo aqui um primeiro paréntese. Lacan dizer que a mulher nao é castrada no exclui o fato de que, na con- digao de ser falante, como todos os demais seres falantes, ela seja marcada pela falta, Nao é como sujeito universal que ele diz que a mulher nao é castrada, mas sim como ser sexuado que possui um corpo implicado na relagao sexual. Do mesmo. modo, quando ele diz que o desejo liberado pela castragao no macho ~ tratse de um termo etoldgico, macho — acentua © portador do érgao, introduz uma outra maneira de conceber tragdo ¢ de supor uma relacao de solidariedade entre a existéncia do érgao no macho e do que se chama, em psicana. lise, castragao. Na verdade, Lacan nao esta longe da conclusio de que a castrag4o nao é o que Freud acreditou ser, ou seja, que a castragio é a falta do érgao. De fato, as mulheres sio privadas desse 6rgio, ¢ nao é a psicanalise que diz nao ha pe nis. Desde o nascimento, quando se diz que nao ha pénis, ates- ta-se que é uma menina. Trata-se, portanto, nao de uma castra- ¢4o, e sim de uma privacio real Para Lacan, a castragio no é a castragdo do complexo de castracao freudiano, nao é o que Freud descreveu como Wwers eve aca As escolhas do sujeito no sexo, na vida ena morte temor pela perda do érgao ou a inveja do érgao. Para enten- der a questio, é preciso perceber que Lacan, especialmente apés © Seminério, livro 10: A angistid?, reformula a castracio em termos reais, Nao entrarei em muitos detalhes sobre isso, mas rei algumas coisas. A castracio nao é uma perda do érgio porque, em geral, o homem nao perde o drgao. A castragao é uma perda real de vida, de um pedago de vida. Freud teve uma pequena intuicao a esse respeito quando falou sobre 0 objeto perdido originario, e 0 que Lacan chama objeto a é 0 nome dessa perda, ou melhor, a designacao dessa perda. Em outras palavras, como diz Lacan, 0 fato de o sujeito ser um ser falante nplica um corte real sobre o corpo vivo que subtrai uma par- te de vida sob a forma de um érgao. Nesse contexto, mas sem justificar esse ponto, é preciso procurar entender como Lacan, a partir disso, explica por que o detentor do érgao a partir do qual se fabrica o significante falico (que nio 0 érgao) sofre as, conseqiiéncias da castragao definida pela queda do objeto. Ele oexplica no Seminario: a angistia, ao se referir ao que acontece em uma relacdo sexual entre um homem e uma mulher. Voces verao, ao ler esse seminario, que ele acentua bastante a fungao da detumescéncia do érgio no momento do orgasmo. Ele vol- taa isso em muitas passagens, para dizer 0 que o funcionamen- to do érgao masculino na relacao, especificamente no momen- to da detumescéncia, realiza repetidamente, uma vez que ge- ralmente esse ato se repete, a queda desse objeto, desse peda- go de corpo, na abordagem do Outro do desejo € do gozo. Ora, isso explica o fato de Lacan dizer que a castracao se refere especialmente ao homem. Como sujeito, o homem esti em pé de igualdade com as mulheres: sujeito barrado, falta a ser. Na condicio de ser sexuado, de corpo sexuado, todavia, cle experimenta essa queda do objeto falico. Ha muitos exem- plos disso na clinica tanto das mulheres quanto dos homens, a ponto de Lacan ter dito que, na relacdo sexual, a subjetividade esta focalizada sobre o momento da queda do objeto. Existem, alids, intimeros fatos acumulados na histéria da psicanalise des- de Freud sobre os efeitos do coito interrompido e sobretudo sobre 0s efeitos da ejaculacao precoce, ou seja, sobre os casos em que o momento da detumescéncia é caracterizado por cer tas anomalias. Ao frisar que 0 orgasmo é 0 préprio local da angistia, abrimos uma questo de saber por que o orgasmo é satisfatorio. Nesse contexto, Lacan toma a detumescéncia do objeto falico como paradigma, no plano sexual, dos outros cortes que desta- cam 0 que a psicanalise chama de objetos parciais, e que s4o, Stylus Rio de Janeiro n 11 p.26-43. out, 2005 "Lacan, O Seminitio- Iwo 10: Aangista (19623) 30 todos eles, pedacos do corpo: o seio, o excremento, o olhar €a voz. Vocés entendem, entio, por que Lacan diz que a mulher nao € castrada na relacao sexual. E porque a detumescéncia esti do outro lado, isto é, ela nio tem o Sérgio que remete precisamente A queda do objeto félico. Ela pode registrar essa queda, isso tem efeitos para ela, mas € © homem quem sofre 0 golpe. Lacan tem esta formula, que levei muito tempo para apreender, mas que agora me parece evidente: na sexualida- de, gozo da mulher nao depende de seu desejo, mas sim do desejo do Outro, concluindo-se desse fato sua superioridade em matéria de gozo. Vocés véem aqui a inverséo em relacao as ressonancias freudianas. Toda vez. que Freud fala das mulheres ha uma nota pejorativa; em Lacan, ocorre 0 oposto, ainda que ele tenha falado um pouco mal das mulheres. No momento em que se percebe que a castracao nao é imaginaria, pois nao se trata de algo que foi tomado, cortado ou dado, nem simbélica, pois nado ha autor, nem agente, estamos no nivel real, no nivel de um efeito de linguagem sobre um vivente que fala. Nesses ter~ mos, aangiistia do homem é muito mais simples que a angiistia da mulher. O problema, portanto, nao é saber se representa , pois como isso poderia ser mais angtistia ou menos angiist medido se as conjunturas precisas nao sao as mesma: A angiistia masculina se situa inteiramente no nivel da queda da poténcia: ela é produzida pela iminéncia dessa que- da. Digo poténcia, mas deixo o termo meio vago propositada- mente. A poténcia é prioritariamente sexual, mas se desloca metonimicamente para campos que nao sio aparentemente sexuais, como © campo do poder, da politica, e 0 campo do saber, Quando Lacan diz que o gozo falico é 0 gozo do poder, isso abarca 0 que se passa nao sé na relacdo sexual, mas em todos os campos da realidade. Na verdade, Lacan zomba de Hegel a esse respeito, do Hegel que vocés conhecem: 0 cam- pedo da negatividade criativa da civilizacao em seus efeitos cul- turais. Lacan 0 ironiza ao dizer que, para o homem, a negatividade comega na parte inferior de seu ventre, sendo lalvez esta a razdo de ele se interessar bastante pelas reali 0es da civilizacao. Em relagao as mulheres, que nao sao castradas no nivel da relagao sexual, qual a relacio de sua angiistia com a queda do objeto filico? Ha uma relagio que © proprio Freud perce beu na questao da ejaculacao precoce ¢ do coito interrompi- do: é possivel que a interrupcao da ere¢4o de um homem an- gustie uma mulher, Para Lacan, isso nao é um defeito de seu As escolhas do sujeito no sexo, na vida e na morte

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