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CENAS IX e X

O Corregedor e o Procurador

Vem um Corregedor, carregado de Faze-lhe essa prancha prestes!


feitos, e, chegando à barca do
Inferno, com sua vara na mão, diz:
Corregedor — Oh! Renego da
Corregedor — Hou da barca! viagem e de quem me há-de
Diabo — Que quereis? levar!
Corregedor — Está aqui o senhor Há 'qui meirinho do mar?
juiz? Diabo — Não há tal costumagem.
Diabo — Oh amador de perdiz. Corregedor — Nom entendo esta
gentil cárrega trazeis! barcagem, nem hoc nom potest
Corregedor — No meu ar esse.
conhecereis que nom é ela do Diabo —Se ora vos parecesse que
meu jeito. nom sei mais que linguagem...
Diabo — Como vai lá o direito?
Corregedor — Nestes feitos o Entrai, entrai, corregedor!
vereis. Corregedor —Hou! Videtis qui
petatis! Super jure magestatis
Diabo —Ora, pois, entrai. tem vosso mando vigor?
Veremos que diz i nesse papel... Diabo — Quando éreis ouvidor
Corregedor - E onde vai o batel? nonne accepistis rapina?
Diabo — No Inferno vos Pois ireis pela bolina onde nossa
poeremos. mercê for...
Corregedor - Como? À terra dos
demos há-de ir um corregedor? Oh! que isca esse papel para um
Diabo — Santo descorregedor, fogo que eu sei!
embarcai e remaremos! Corregedor — Domine, memento
mei!
Diabo —Ora, entrai, pois que Diabo — Non es tempus,
viestes! bacharel!
Corregedor — Non é de regulae Imbarquemini in batel quia
juris, não! Judicastis malitia.
Diabo — Ita, Ita! Dai cá a mão! Corregedor — Semper ego
Remaremos um remo destes. justitia fecit, e bem por nível.
Fazei conta que nascestes
para nosso companheiro. Diabo — E as peitas dos judeus
-Que fazes tu, barzoneiro? que a vossa mulher levava?
Corregedor — Isso eu não o Entrai, bacharel doutor, e ireis
tomava eram lá percalços seus. dando na bomba.
Nom som pecatus meus, peccavit Procurador — E este barqueiro
uxore mea. zomba...
Diabo — Et vobis quoque cum ea, Jogatais de zombador?
não temuistis Deus.
Essa gente que aí está pera onde
A largo modo adquiristis a levais?
sanguinis laboratorum Diabo — Pera as penas infernais.
ignorantis peccatorum. Procurador — Dix! Nom vou eu
Ut quid eos non audistis? pera lá!
Corregedor — Vós, arrais, nonne Outro navio está cá, muito milhor
legistis que o dar quebra os assombrado.
pinedos? Diabo — Ora estás bem aviado!
Os direitos estão quedos, sed Entra, muitieramá!
aliquid tradidistis...
Corregedor — Confessaste-vos,
Diabo — Ora entrai, nos negros doutor?
fados! Procurador — Bacharel som…
Ireis ao lago dos cães e vereis os Dou-me à Demo!
escrivães como estão tão Não cuidei que era extremo, nem
prosperados. de morte minha dor.
Corregedor — E na terra dos E vós, senhor Corregedor?
danados estão os Evangelistas? Corregedor — Eu mui bem me
Diabo — Os mestres das burlas confessei, mas tudo quanto
vistas lá estão bem freguados. roubei encobri ao
confessor...
Estando o Corregedor nesta prática
com o Arrais infernal chegou um
Procurador, carregado de livros, e
diz o Corregedor ao Procurador:

Corregedor — Ó senhor
Procurador!
Procurador- Bejo-vo-las mãos,
Juiz!
Que diz esse arrais? Que diz?
Diabo — Que serês bom
remador.
Porque, se o nom tornais, Anjo — A justiça divinal vos
não vos querem absolver, manda vir carregados porque
e é mui mao de volver vades embarcados
nesse batel infernal.
depois que o apanhais.
Corregedor — Oh! nom praza a
Diabo — Pois porque nom São Marçal com ribeira, nem com
embarcais? rio!
Procurador — Quia speramus in Cuidam lá que é desvario haver cá
Deo. tamanho mal!
Diabo — Imbarquemini in barco
meo... Procurador — Que ribeira é esta
Pera que esperatis mais? tal!
Parvo/Joane — Parecês-me vós a
Vão-se ambos ao batel da Glória, e, mi como cagado nebri, mandado
chegando, diz o Corregedor ao no Sardoal.
Anjo: Embarquetis in zambuquis!

Corregedor — Ó arrais dos Corregedor — Venha a negra


gloriosos, passai-nos neste batel! prancha cá!
Anjo — Oh! pragas pera papel, Vamos ver este segredo.
para as almas odiosos! Procurador — Diz um texto do
Como vindes preciosos, sendo Degredo...
filhos da ciência! Diabo — Entrai, que cá se dirá!
Corregedor — Oh! habeatis
E Tanto que foram dentro no batel
clemência e passai-nos como
dos condenados, disse o Corregedor
vossos!
a Brízida Vaz, porque a conhecia:
Parvo/ Joane— Hou, homens dos
breviairos, rapinastis coelhorum Corregedor — Oh! esteis
et pernis perdigotorum muitieramá, senhora Brízida Vaz!
e mijais nos campanairos! Brízida — Já sequer estou em paz,
Corregedor — Oh! não nos sejais que não me leixáveis lá.
contrairos, pois nom temos outra
ponte! Cada hora sentenciada:
Parvo/ Joane— Belequinis ubi «Justiça que manda fazer....»
sunt? Corregedor — E vós... tornar a
Ego latinus macairos. tecer e urdir outra meada.
Brízida — Dizede, juiz d'alçada:
vem lá Pêro de Lixbõa?
Levá-lo-emos à toa e irá nesta
barcada.

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