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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

Licenciatura em História da Arte


História da Arte e Civilizações do Mundo Antigo

ARTE MESOPOTÂMICA:
Escultura, Simbologia e Escrita

Marlene Borges Félix


Janeiro 2011
Marlene Félix 1

Introdução..................................................................................................p.3

1. A Escultura na Mesopotâmia...............................................................p.4

2. Escultura do Período Dinástico


2.1. Grupo Escultórico de Tell Asmar: Descoberta e preservação..............p.7
2.2. Simbologia das estátuas votivas...........................................................p.9
2.3. Escultores, Materiais e técnicas............................................................p.14
2.4. Análise dos aspectos formais................................................................p.18

3. Escultura e Escrita
3.1. Selos Cilíndricos...................................................................................p.19
3.2. As estátuas de Gudea............................................................................p.23
3.3. A estela do código de Hammurabi........................................................p.26

4.Escultura Neo-Assíria
4.1. Relevos e escultura de vulto..................................................................p.28
4.2. Guardiões de templos............................................................................p.29
4.3. Figuras míticas: Lammassu e Shedu.....................................................p.30

Conclusão....................................................................................................p.32

Anexos
Cronologia ...................................................................................................p.33
Ilustrações.....................................................................................................p.34

Bibliografia..................................................................................................p.38
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Introdução

A escultura é a arte de produzir em três dimensões representações de formas naturais, ou


imaginadas, apresentadas sob a forma de relevos ou em vulto redondo. As primeiras
manifestações artísticas, sendo elas através de pinturas rupestres ou objectos esculpidos,
nasceram de necessidades mais profundas do que do simples acto de decorar. Na pré-
história essas manifestações destinavam-se a servir um rito mágico e a preocupação em
preservar o objecto de culto era evidente. Muitos artefactos eram enterrados. Nas cavernas
as pinturas rupestres encontravam-se afastadas da entrada, escondidas de eventuais
intrusos.1 A necessidade de criar, como forma de expressar as mais variadas preocupações
humanas, está aliada ao desejo de perpetuar essa mesma motivação.
Por volta do 4º milénio a.C. os Sumérios inventaram a escrita cuneiforme. Este facto marca
o inicio de uma civilização onde se criam instituições políticas, se institui uma hierarquia
social diversificada e se assiste à construção de templos e santuários. As cidades
desenvolvem-se e a população aumenta. Desses desenvolvimentos nascem novas
necessidades das quais a arte e a escrita não se podem dissociar, passando a ser dois
sistemas de comunicação fundamentais na compreensão do ser humano.
O grupo escultórico de Tell Asmar sobre o qual grande parte das páginas seguintes
incidirá, suscita curiosidade, não só pelo seu carácter enigmático mas também pelas
interpretações que se tecem a seu respeito. Saber de que materiais eram feitas estas
esculturas e o que representavam, pareceu ser um bom ponto de partida para o estudo da
arte Mesopotâmica. No entanto, focar o estudo da arte Mesopotâmica apenas num período
balizado entre 2750-2600 a.C. tornar-se-ia muito pouco abrangente. A escultura do período
enunciado marcou o seu tempo, mas a partir dela, outras direcções foram tomadas. Para
exemplificar essa evolução, produções de outros períodos serão abordadas. Pretende-se
contextualizá-las, situando-as no tempo, compreender o seu significado, relacioná-las com
a escrita e verificar em que aspectos evoluíram.
1 JANSON, H.W. - História da Arte. 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
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1. A Escultura na Mesopotâmia

No início do 3º milénio a.C. a escultura, mais do que a pintura, que ainda se encontrava em
fase embrionária, começou a ganhar uma nova dimensão. Além do tamanho monumental
que adquire, é-lhe atribuída outras funções que não a religiosa ou mágica. As estatuetas e
outras representações escultóricas de pequeno porte, como amuletos, passam a coexistir
com esculturas de tamanho considerável, também elas configurando elementos
zoomórficos e antropomórficos. Esta concepção na arte é mais vincada no Egipto do que
na Mesopotâmia. Ali, a escultura monumental e não só, serviu propósitos religiosos mas
também funcionais, com fins políticos e até propagandistas. Na Mesopotâmia, onde a vida
quotidiana era marcadamente pautada pela religião e magia, todas as manifestações
artísticas versavam sobre temáticas religiosas. Por essa razão não se pode falar da arte
mesopotâmica sem compreender o modo de vida do seu povo, a sua localização e
sobretudo as tradições religiosas.
Um das explicações para a ausência de escultura de vulto redondo em grandes dimensões
na Mesopotâmia do 3º milénio a.C., poderá ser de nível técnico. Devido à escassez de
materiais tão resistentes como a pedra, a sua produção foi relativamente limitada mas
permitiu que houvesse uma diferenciação estilística relativamente à escultura egípcia. Os
escultores mesopotâmicos aprenderam a trabalhar materiais mais frágeis. Souberam dar
realce ao detalhe naturalista, através da acentuação dos músculos e membros, revelando,
num período mais avançado, grande domínio na representação do pormenor.
Exemplo dessa pormenorização são os vários tipos de relevo mesopotâmico, principal
expressão artística da região. Muitos deles, de tamanho monumental, foram aplicados na
arquitectura. Distinguem-se não só pelas suas qualidades artísticas, mas como documento
para a compreensão da história, da iconografia religiosa e do cerimonial dos povos
mesopotâmicos. Neles exaltam-se reis, narram-se batalhas, representa-se a guerra e a paz.
A mensagem transmitida nestes relevos, quer sejam adossados às paredes dos templos,
quer sob a forma de placas de argila, permitem vislumbrar aspectos desta civilização.
O desenvolvimento da escultura de vulto não deve ter sido tão prolífico como no relevo.
Da prática escultórica restam poucos testemunhos e como tal, torna-se difícil analisar o seu
propósito. Parte destas esculturas, sobretudo as de imagens votivas, destinava-se aos
templos, locais vedados à população e de acesso limitado a sacerdotes e altos dignatários.
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Muitas das esculturas do início do 3º milénio a.C. aparecem isoladas, sem qualquer
inscrição que permita identificar o protagonista. Foram executadas em materiais tão
delicados como argila e betume que, com o peso da terra que as cobriu durante milhares de
anos, ficaram muito deterioradas e fragmentadas.
Porém, alguns exemplos dessas representações chegaram aos nossos dias num estado de
conservação assinalável, sendo exemplo disso um grupo escultórico constituído por doze
figurinhas de olhos estilizados, com mãos unidas em pose de adoração. As peças datam de
2.750-2600. a.C. Foram descobertas na década de 1930, durante uma expedição ao vale
Diyala liderada por Henri Frankfort a convite do Oriental Institute of the University of
Chicago. O resultado destas escavações produziu as bases para a compreensão da cultura
Mesopotâmica.
Dos inúmeros objectos e peças escultóricas encontradas em Tell Asmar estas estátuas de
olhar fixo distinguiram-se por terem sido enterradas junto de um altar, agrupadas em
pequenos conjuntos. Qual seria a sua importância de modo a justificar o cuidado com que
foram enterradas? Teriam sido escondidas com o propósito de serem protegidas de
possíveis saqueadores? Outro facto intrigante é a diferença de proporção que as estátuas
apresentam entre si. Algumas seguram uma taça entre as mãos, outras não. Uma das
figuras apresenta-se de cabeça rapada, enquanto o resto do conjunto usa cabeleiras. Estas e
outras diferenças serão apenas por razões estilísticas ou antes intencionais de forma a
demarcar hierarquias e diferenciar raças?
Progressivamente na Mesopotâmia, a escultura vai ganhando mais autonomia. A sua
importância na vida quotidiana, a introdução de materiais mais resistentes e mais fáceis de
trabalhar leva a uma evolução desta prática. As representações tornam-se mais detalhadas e
a escultura em redondo passa a ser uma constante na representação da realeza ou de altos
dignatários, como atestam as estátuas de Gudea, referente ao período neo-sumério. Aí
aparecem gravadas inscrições que tornam a identificação do protagonista mais eficaz,
assim como as suas motivações. De certa forma, o carácter enigmático do grupo
escultórico de Tell Asmar vai-se perdendo. Por outro lado o papel da escultura vai-se
afirmando, tornando o significado das representações mais clara e eficaz muito à
semelhança do que acontece com os relevos.
Um exemplo paradigmático da associação da arte e escrita é a representação numa estela
de um dos primeiros conjuntos de leis, o código de Hammurabi. Dele podemos retirar
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várias informações que não sendo apenas visuais, se complementaram a partir da


decifração da escrita cuneiforme. Aqui a arte mesopotâmica passa a extravasar o domínio
religioso, assumindo outras funções.
Quase dois mil anos depois das estátuas de Tell Asmar, assistiu-se a uma grande evolução
na escultura. As composições tornaram-se mais arrojadas, os materiais usados eram mais
resistentes e a sua função alterou-se. A escultura deixou de ser destinada apenas a locais
pouco acessíveis, impondo-se por sua vez, no exterior, atestando a sua importância como
um símbolo de poder. A monumentalidade das esculturas Neo-Assírias de guardiães de
templos, os Lamassi, confirma essa imponência.2

2. Escultura do Período Dinástico Primitivo


2.1 O Grupo Escultórico de Tell Asmar: Descoberta e Preservação.
No diário de escavações de 17 de Novembro de 1930, Henri Frankfort3 descreve o
primeiro dia de trabalho no vale Dyala em Tell Asmar “O trabalho começou após o almoço
com 12 homens de Shergat. Uma trincheira foi cavada a norte e extremo sul da fossa, a fim
de descobrir...” Ninguém poderia predizer que nos anos seguintes estas descobertas se
tornassem num dos mais importantes achados arqueológicos no Próximo Oriente.4
O grupo escultórico de Tell Asmar (2750-2600 a.C.) foi descoberto num templo fundado
nos finais do período de Jamdat Nasr (antes de 3000 a.C.) e que continuou em uso até 2500
a.C.5 A partir de inscrições em cilindros, placas em relevo e numa taça de cobre, em

2
FRANKFORT, Henri - Sculpture of the Third Millenium B.C From Tell Asmar and Khafajah. Chicago:
University of Chicago Press, 1939.
MALLOWAN, M.E.L. – Mesopotâmia e Irão: Biblioteca das Civilizações Primitivas. Lisboa: Editorial
Verbo, 1971.
JANSON, H.W. - História da Arte. 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
MOSCATI, Sabatino – Como Reconhecer a Arte Mesopotâmica. Lisboa, Edições 70, 1985
3
(n. 24. Fev, 1897, Amsterdão, Holanda.— m. 16 Jul, 1954, Londres, Inglaterra.), Arqueólogo americano
que documentou a cultura mesopotâmica,estabeleceu a relação entre o Egipto e a Mesopotâmia e descobriu
muita informação destas duas civilizações. [citado em 2010-11-19]. Disponível em: <
http:www.britannica.com >
4
CLEMENS, Reichel, An Ancient Mesopotamian Palace Reinvestigated, The Oriental Institute News and
Notes, No. 159, Fall 1998)
5
DIMAND, Maurice S. - A Sumerian Sculpture of the Third Millenium B.C. The Metropolitan Museum of
Art Bulletin 1945 p.253
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conjunto com materiais encontrados na área circundante, foi possível determinar qual a
principal divindade que aqui era adorada. A entidade personificava as forças geradoras da
6
natureza (como a tempestade, a fecundidade, a fertilidade, a Terra, árvore, etc.) e era
conhecida por entre outros nomes, Abu, Ningirsu e Ninurta. O templo inicial, de
proporções modestas e construído em seu nome, possuía apenas um santuário. Aqui não
foram encontradas nenhumas esculturas, apenas fragmentos de vasos e algumas figurinhas
de gesso. Frankfort designou-o como o “templo Arcaico” fazendo-o corresponder no
tempo à Dinastia I. Na segunda parte do período dinástico primitivo (Dinastia II), todo o
templo foi reconstruído, passando a ter três santuários com mais andares. Devido à forma
da sua planta atribuiu-se-lhe o nome de “Templo Quadrado”.
Debaixo do terceiro andar do santuário, a expedição descobriu um grupo de esculturas
cuidadosamente armazenadas numa cavidade com cerca de 60 cm escavada no chão, perto
do altar (Fig.1).7 De acordo com algumas teorias, quando as estátuas se tornavam obsoletas
(o que poderia ser explicado por uma mudança de culto 8 ou pela reconstrução do templo)
eram enterradas no solo dos santuários.9 Estes enterros intencionais sugerem que estas
oferendas, pela sua dedicação aos deuses, adquiriam uma condição sagrada. Como as
estátuas votivas se destinavam a perpetuar a presença do doador, quando os inimigos
tomavam a cidade não se coibiam de mutila-las, de forma a destruir para sempre o seu
valor. Isto explica o estado de degradação de muitas obras de arte trazidas à luz pelas
escavações.10
No entanto e no caso de Tell Asmar, Frankfort põe de parte a possibilidade de terem sido
enterradas com esse intuito. No templo Quadrado não existiam sinais de destruição nem de
intervalos de abandono, por isso, e dado o estado de conservação das esculturas, a hipótese
de pilhagem tem de ser posta de parte. Ao que tudo indica, estas estátuas não podiam ser
muito antigas quando foram enterradas. Se fossem, o seu extraordinário estado de
preservação, com todas as saliências e cantos intactos, incrustações no lugar, cor do cabelo
e da barba preservada, seria totalmente inexplicável. Tudo indica então que este grupo de

6
CONTENAU, Georges - L’Antiquité Orientale. In MÂLE, Emile - Histoire Génerale De L’Art.
Flammarion, 1950. p.42.
7
FRANKFORT, Henri - Sculpture of the Third Millenium B.C From Tell Asmar and Khafajah. Chicago:
University of Chicago Press, 1939. p.3; DIMAND, op.cit. p.253.
8
MOOREY, Peter R. - Ancient Mesopotamian materials and industries: the archaeological evidence. Oxford
University Press, 1994. pt.1.
9
FRANKFORT, op.cit., p.4
10
CONTENAU, op.cit., p.43
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obras relativamente contemporâneas entre si, por razões desconhecidas, tenha sido
enterrado pouco depois de terem sido feitas. O que pode ter ocorrido durante ou depois da
segunda reconstrução do Templo Quadrado.11 As doze estátuas do tesouro foram
empilhadas em três ou quatro camadas, de três ou quatro estátuas, lado a lado. A cobertura
e o espaço vazio que havia entre elas foram preenchidos com gesso. 12 A pressão do solo
causou algum estrago nas partes mais frágeis destas esculturas como os pés, braços e
cabeça mas apenas a figura ajoelhada13 (Fig.2) sofreu danos consideráveis.14
O local onde estas estátuas foram descobertas não permite determinar os lugares que
originalmente ocuparam. No santuário, poderiam ter sido alinhadas ao longo das paredes e
dispostas em cima de tapetes e esteiras que cobriam o chão, mas também noutros locais
como nas antecâmaras.15
De acordo com os escavadores, o grupo escultórico de Tell Asmar, “esculpido no novo
estilo arcaico” denota a importância que os templos de Abu devem ter tido. Estas
esculturas não encontram paralelo entre as descobertas feitas noutros locais. Frankfort
relacionou o estilo geométrico do grupo de uma estilização vigorosa e com um acentuado
carácter experimental ao do templo Quadrado que representava a arquitectura mais
marcante da sequência do templo de Abu.16

2.2 Simbologia das estátuas votivas.

Na Mesopotâmia, a relação do homem com os seus deuses era distante e formal, sendo
feita essencialmente através de rituais elaborados. Todos os dias era oferecido alimento e
bebida às divindades. As libações geralmente de água, vinho, cerveja, óleo ou sangue de
11
FRANKFORT, op.cit., p.4-17
12
EVANS, Jean - The Square Temple at Tell Asmar and the construction of early dynastic Mesopotamia, ca.
2900-2350 B.C. 1939 - American Journal of Archeology .vol.111. No 4 (October 2007) p.28.
13
Esta estátua que faz parte do mobiliário do templo, representa um herói ou uma figura semi-divina.
Destaca-se das outras no tema, no material (alabastro translúcido) e na finalidade. A sua função era a de
suportar, (à maneira de um candelabro) as oferendas feitas aos deuses. Outra particularidade desta figura e
que não é nada comum nas representações da arte measopotâmica é a nudez. Só em casos raros como os
sacerdotes derramando as libações aos deuses, é que a figura humana é representada nua. Muito
provavelmente esta figura ajoelhada foi produzida numa oficina que não estava situada em Tell Asmar
(antiga Eshnunna). Frankfort, op.cit., p.12-25.
14
FRANKFORT, op.cit., p.4..
15
Ibid, p.10.
16
EVANS, op.cit., p.5. Cf. Delougaz and Lloyd 1942.
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um animal sacrificado, eram entornados no altar ou num receptáculo sagrado. Em adição


aos rituais diários à volta da figura de culto, o calendário Mesopotâmico estava cheio de
dias especiais em que particulares rituais tinham que ser observados pelo rei e pelos
sacerdotes. O acontecimento mais significativo era o festival de Ano Novo. A função
primordial do Homem antigo na Terra era a de servir os deuses, cujas decisões e acções
determinavam todas as consequências e o destino da humanidade.17 Os seres que
governavam o universo deviam ter mais poder e mais dons do que os humanos. Estes
deuses eram omnipotentes, invisíveis e imortais. Sempre que necessário os mesopotâmicos
criavam novos deuses para combater as inúmeras adversidades do mundo físico e
espiritual. 18
Apesar desta visão que os mesopotâmicos tinham dos deuses, estes eram representados sob
a forma humana, o que torna difícil distingui-los dos comuns mortais. Poder-se-ia fazer
esta distinção com auxílio a referências textuais mas tanto em Tell Asmar como em
Khafajah (do período dinástico primitivo), as inscrições são extremamente raras. Contudo,
duas das estátuas do grupo apresentam algumas evidências que levam a considerar a
possibilidade de se tratar de representações de deuses.
Se bem que neste período (e não só) os olhos das estátuas apresentem um formato
desproporcionado, no caso da estátua da deusa-mãe são de um tamanho excepcional. E
talvez por estarem inscritos num rosto tão pequeno, o carácter anti-natural seja acentuado.
Esta particularidade da figura, que aparece representada ao lado de uma criança (da qual só
restam os pés) distingue-a das outras estátuas. A estátua masculina, a de maior dimensão
do grupo pensa-se representar Abu,19 deus da vegetação. O relevo da sua base mostra uma
20
águia de grandes asas, com cabeça e corpo de leão, conhecida por Imdugud e que está
representada no meio de uma gazela e de um ramo de folhas. Uma gravação idêntica é
conhecida, e encontra-se no Louvre na base de uma figura feminina que representa Ishtar

17
HARPER, Prudence - Ancient Near Eastern Art. The Metropolitan Museum of Art Bulletin, vol. 41, No 4.
(Spring, 1984). p.22-23.
18
Ct. Kramer, op.cit., p.106.
19
Abu saído da cabeça de Enki, era uma das oito divindades destinadas a aliviar a doença do deus da criação.
20
Imdugud é provavelmente a leitura correcta do nome sumério para esta criatura, que mais tarde na tradição
acádia e na literatura passa a ser designada por Anzu, o principal oponente do deus da guerra Ninurta.Esta
águia é uma divindade menor, associada ao rei dos demónios Pazuzu. É conhecida por criar turbilhões,
trovões e tempestades de areia com as suas asas. Determinada a decidir o destinos do universo, Imdugud
roubou a tabuinha do Destino a Enki deus da criação e patrono dos artesãos. Abusch, Tzui – Riches Hidden
in Secret Places. Ancient Near Eastern studies in memory of Thorkild Jacobsen. Eisenbrauns, 2002. p.263.
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(a deusa da fertilidade). Por essa razão, pensa-se que Abu também representa o deus da
fertilidade.21
Leonard Woolley, responsável pelas escavações de Ur e contemporâneo de Frankfort,
sustentava que as estátuas representavam “governantes humanos, as suas mulheres e
família” mas o último refuta esta crença, argumentando que o carácter excepcional das
duas estátuas, não foi tido em conta e que as restantes são figuras votivas.22 Também as
analogias de Frankfort são mais tarde postas em causa por outros estudiosos que defendem,
que apesar da diferença de tamanho e do emblema na base, “os outros atributos e
propriedades destas imagens colocam-nas na categoria de estátuas votivas e não de
deuses.”23. No grupo só quatro das figuras é que seguram num cálice. (Fig.3 a,b,c,d) Estes
recipientes, assim como os ramos de folhas que aparecem na estatuária Mesopotâmica,
destinavam-se a ofertar o deus. Este era representado sentado de frente para os adoradores,
fossem eles reis, sacerdotes ou leigos. Por essa razão, as estátuas do deus Abu e da deusa-
mãe não se enquadram nas convenções de representação de divindades. Correspondem
mais às estátuas votivas.
Uma das explicações recorrentes para justificar os olhos enormes das estátuas votivas de
Tell Asmar, resulta de características estilísticas. Mas a razão para esta convenção é bem
mais profunda. O propósito destas estátuas era o de oferecer, em nome do doador, orações
eternas ao deus. Esta atenção expressa nos rostos e acentuada pelo olhar das estátuas pode
simbolizar um estado de vigília permanente, necessária para dar continuidade ao seu
dever.24
As figuras predominantemente masculinas são representadas num estado de admiração, ou
talvez de medo provocado pela confrontação com o poder divino. Os olhos enormes e as
pupilas desproporcionadas não são resultado de um trabalho amador, antes pelo contrário,
estas características foram deliberadamente representadas para exprimirem a angustia dos
devotos, na presença do infalível.25
Estas experiências visuais, ocorrem paralelamente em vários textos literários e históricos,
onde o acto de olhar é descrito e o convite à inspecção visual é feito. A importância do

21
FRANKFORT, op.cit., p.13.
22
Ibid, p.14.
23
WINTER, op.cit., p.433.
24
Ibid, p.453.
25
KRAMER, Samuel. N. – Mesopotâmia, O berço da Civilização. Rio de Janeiro:Livraria José Olympio
Editôra, 1969. p.12.
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contacto visual é tal que leva a uma representação cuidada do rosto e sobretudo dos olhos
que assumem um significado muito especial. Datadas do final do período Neo-Súmerio até
ao Babilónico, cerca de 30 pedras, na sua maioria ágatas, destinadas a representar os olhos
das estátuas, continham algumas inscrições. As mais comuns tinham o nome do doador e
ocasionalmente mensagens dedicatórias destes para as entidades.26
No grupo de Tell Asmar, os olhos das estátuas são incrustados com conchas, betume e em
menor número, com pedra calcária ou lápis-lazúli. O lápis, como outras pedras preciosas,
era usado na maior parte das encomendas da realeza, sendo altamente valorizado como
complemento para o trabalho final. Os textos sobre medicina e magia atribuem-lhe
propriedades mágicas, em adição à sua qualidade visual e ao valor económico a que está
associado. Por essa razão, não deixa de ser interessante a preocupação em incrustar uma
pedra tão rara como o lápis-lazúli nas pupilas de uma das estátua que, paradoxalmente,
apresenta uma modelação bastante grosseira, se comparada com o resto do grupo.(Fig.3 d)
O tratamento do rosto e particularmente dos olhos, evidencia uma tradição em que a
atenção visual é realçada. Esta surge como um complemento à atenção verbal contida nas
oreções escritas e nas instruções dadas á estátua para “falar” à divindade.27 A importância
dada à visão, não é exclusivamente suméria, ela aparece representada ao longo da arte
antiga. Aristóteles afirmou que a humanidade é distinguida dos outros animais pela
racionalidade, sendo a vista a parte mais importante e racional dos sentidos.28
A interpretação de alguns estudiosos de que as estátuas de homens com barbas e cabelos
representavam os semitas e imberbes os sumérios, foi reconhecida como sendo demasiado
simples. A partir do período de Uruk encontram-se os dois tipos, lado a lado e parece que
essa diferença se prende com funções puramente profissionais e não raciais. Originalmente
os sumérios usavam cabelos longos e barbas, só mais tarde é que tinham a cabeça rapada e
o rosto imberbe. Apesar disso, os reis continuavam a ser representados em relevos com
longas barbas e cabelos o que não significa que não tivessem a cabeça rapada e no
exercício das suas funções usassem cabeleiras. Num dos túmulos do cemitério Real de Ur,
Woolley descobriu restos de uma peruca.29 Por sua vez, os sacerdotes aparecem
representados em selos cilíndricos com a cabeça rapada. À medida que se avança no
26
WINTER, op.cit., p.434-436.
27
Ibid, p.434
28
KLEINER, Fred – Gardner’s Art Through The Ages: The Western Perspective. 13th ed. Thomson
Wadsworth, 2006. vol. 1
29
BOUCHER, François – Histoire du Costume: en Occident de l’antiquité a nos jours. Flammarion, 1965.
Marlene Félix 12

período dinástico, as estátuas vão sendo progressivamente representadas de cabeça rapada


como atestam as esculturas de Mari. Ao que parece, os leigos iam copiando os usos dos
sacerdotes e essa poderá ser uma explicação.30
As esculturas mesopotâmicas, encomendadas pelas elites, contêm grande expressividade e
sentimento religioso. Mas nem todas conseguiam manter essa qualidade. As multidões que
acorriam aos templos, também elas desejavam perpetuar a sua presença perante os deuses.
Colocar as estátuas aos pés da divindade era um momento há muito aguardado pelos
peregrinos. Por essa razão, a produção em massa de figurinhas nas oficinas, procurava dar
resposta a uma clientela menos abastada.31 Mas à excepção das festividades, o templo não
era acessível a todos. Ali as imagens dos deuses tinham ao seu serviço sacerdotes que
vestiam-nas, abrigavam-nas e lhes ofereciam-lhes alimento, pois de acordo com a crença
partilhada pelos sumérios, babilónios e assírios, o bem-estar da comunidade dependia
inteiramente do favor dos deuses.32 Como as relações com o deus apenas tomavam lugar
mediante a intervenção dos sacerdotes, esta religião confere um aspecto hierático pouco
favorável à piedade pessoal ou ao misticismo do fiel.33

2.3. Escultores, Materiais e Técnicas

Apesar de no norte da Mesopotamia haver abundância de rochas metamórficas como


granito, mármore ou quartzo, no sul estas pedras eram quase inexistentes. Aqui havia
outros materiais como o gipto, o calcário e o arenito. A estatuária desta zona mostra muitas
vezes sinais de ter sido elaborada a partir de pedregulhos em erosão e não de blocos
extraídos. Existem registos de importação de pedras negras e decorativas para a Suméria,
mas a sua proveniência é muitas vezes obscura. A quantidade em que chegavam não é
conhecida. Também é pouco provável que quantidades significativas de pedra tenham sido
para aqui transportadas, excepto nos locais onde o transporte por água era possível.34

30
FRANKFORT, op.cit., p.49-50
31
PARROT, André – Sumerian Art. New York: The New American Library,Unesco Art Book , 1970. p.11
32
KRAMER, op.cit., p.86.
33
PETIT, Paul – História Universal, O Mundo Antigo. Circulo de Leitores, 1977, p.24.
34
MOOREY, op.cit., p.21.
Marlene Félix 13

Mais acessível ao Este eram materiais como o calcário, a calcite, o gipto e rochas
sedimentares como o arenito e o xisto. Na Assiria além destas pedras, abundava o
alabastro, que sendo muito suave, era facilmente esculpido. Quando retirado da pedreira,
apresentava uma cor esverdeada que quando exposta muda para um tom mais escuro.35
A terracota, mais sujeita às intempéries do tempo do que a pedra, era um material comum
na estatuária e na representação de figurinhas. Foram encontrados nos depósitos dos
templos e túmulos privados, objectos nesse material que datam do fim do período pré-
histórico e de Uruk. A escultura, independentemente do seu tamanho e material, não era
uma arte popular era um luxo.36 Quando executada em pedra, por encomenda de reis ou
altos dignatários, toda a estatuária Mesopotâmica era destinada aos templos. A forma
humana era traduzida para a pedra com o propósito de confrontar os deuses.37
A escultura tridimensional e os relevos ganham importância no período dinástico inicial,
cerca 2750-2305 a.C. no sul e no período Neo- Assirio, cerca 883-612 a.C. Os textos, mais
do que os achados arqueológicos, sugerem que as imagens mais valorizadas e de materiais
mais caros eram representações compósitas de deuses. A representação dos reis era
regularmente feita em grande escala, em esculturas de pedra de vulto redondo ou em
relevos.38
Nas cidades-estado da antiga suméria, alguns trabalhos assumiam uma importância tão
grande que a sua construção/ dedicação era assinalada nalguns eventos. Gudea chamou ao
seu terceiro ano de reinado o “ano da lira – Grande predador da Terra”. Ur-Namma de Ur
assinalou o seu sexto ano como governador, depois da construção do templo de Ninsun em
Ur.39 A atribuição destes nomes a anos de reinados, sugere não só o valor atribuído às
obras realizadas em materiais raros mas também o do investimento feito na construção de
templos e de esculturas de destinada a eles.
Tanto nos edifícios como nas esculturas, eram apenas os reis que tinham à sua disposição
meios para obter quantidades substanciais de pedras, tão raras como as de cor negra ou
pedras resistente que provinham de sítios distantes. A maior parte das peças de escultura
até ao período Acádio no terceiro quarto do 3º milénio eram de rochas sedimentares e

35
Ibid., p.22. Cf. Layard 1849.
36
Ibid., p.45
37
Ibid., p.45. apud Frankfort.
38
Ibid., p.23
39
WINTER, Irene. J. – On Art in the Ancient Near East. Boston: Leiden, 2010. vol. II, p.276. Disponível em
< http://avaxhome.ws/ebooks>
Marlene Félix 14

metamórficas. Mais suaves e coloridas, eram mais acessíveis no oeste da Mesopotâmia. As


pedras mais leves foram populares durante o período dinástico. Tanto na produção real
como na estatuária privada, o gipto era preferido à calcite. Pode-se assumir que as
esculturas eram destinadas a serem mantidas dentro dos templos e não expostas ao clima.
Apenas menos de 5% das estátuas votivas eram feitas de pedra. A cidade de Mari, tinha
acesso por rio a variadas pedras do norte, onde os minerais invulgares eram explorados
para serem utilizados na estatuária.40
Comparando as produções “artísticas” da primeira dinastia com textos do mesmo período,
pode-se concluir que atributos como mestria, perfeição e embelezamento faziam parte do
léxico sumério e acádio. Nos textos documentais, uma variedade de verbos referenciam o
acto de criar: desenhar, construir, esculpir e moldar metais preciosos.
Alguns autores debruçaram-se no estudo do campo das actividades artesanais do terceiro e
segundo milénio. Pouco se sabe, ainda, acerca deste tema mas, nos textos acádios
provenientes de Mari, encontram-se algumas distinções, nomeadamente na descrição de
artesãos qualificados e especializados e de outros tidos como experientes ou sendo de
confiança. No cilindro A de Gudea, uma combinação de termos “sanga simug” levou á
tradução para “chefe dos ferreiros”. São também descritas diferentes categorias como
lapidários, caldeireiros e escultores. Ao artesão “ummânu” eram-lhe atribuídas qualidades
como “possuidor de um saber ou ofício especializado, escriba, artista, artesão.”41 Muitos
desses artesãos serviam o proprietário mais rico da cidade e o templo e, como retribuição
pelo seu trabalho, ou lhes eram concedidos pequenos lotes de terra cultivável ou recebiam
rações de alimentos e de lã para as vestes. Além disso, existiam os artesãos que
trabalhavam por conta própria, vendendo os seus artigos no mercado.42 Também as
tabuinhas de barro do período proto-literário mencionam as profissões de artesão e
carpinteiro, assim como uma série de documentos em pedra encontrados em Uruk,
conhecidos por Monumentos azuis. Um desses exemplares (Fig.4.) é a reprodução de um
cinzel onde aparecem artífices ajoelhados a trabalhar e operários com bigornas. Supõe-se
que se trata de um registo de oferendas feitas ao templo por artífices a ele vinculados.43

40
MOOREY, op.cit., p.25. Cf. Parrot 1967.
41
WINTER, op.cit., p. 273 – 278.
42
KRAMER, op.cit., p.89.
43
MALLOWAN, M.E.L. – Mesopotâmia e Irão: Biblioteca das Civilizações Primitivas. Lisboa: Editorial
Verbo, 1971, p.66.
Marlene Félix 15

Apesar destes exemplos, é difícil determinar a posição hierárquica que os artesãos


ocupavam. Estes eram frequentemente mencionados em textos como simples indivíduos,
sem fazer referência a outras qualidades. Os textos que nos foram preservados, não
permitem obter descrições coerentes da vida dos artesãos, da organização das oficinas, do
44
treino e da sua prática. Sabe-se, no entanto que as técnicas usadas pelos escultores e
lapidários mesopotâmicos pouco diferiam das desenvolvidas desde o início da história
humana.
A informação acerca das ferramentas de trabalho utilizadas pelos escultores, fossem elas
em pedra, ligas de cobre ou ferro não é vasta. Alguns instrumentos foram encontrados mas
não directamente nas ofícinas. Apesar disso, em Khafajah e Tell Asmar foram encontradas
um grande número de esculturas inacabadas que permitiu conhecer alguns dos métodos
adoptados pelos escultores mesopotâmicos .45
Em Kahafajah foram encontradas peças escultóricas completas, partidas ou incompletas e
algumas serviam para substituir partes deterioradas de estátuas originais. 46 Este parecia ser
um procedimento recorrente como atesta a estátua de Inanna do templo de Nippur,
composta por fragmentos de outra estátua.47 Da raridade da pedra, advinha a escultura
elaborada por acrescento, combinando-se materiais como madeira, lápis-lazúli e folhas de
ouro.48
O método de trabalho dos escultores mesopotâmicos divergia do método egípcio. Estes,
como dispunham de grandes blocos de pedra, tinham uma tendência para a forma cúbica.
Na Mesopotâmia, o material era explorado ao máximo, o escultor contornava as arestas da
pedra, ao contrario dos egípcios que a escavavam trabalhando as quatro direcções
separadamente. Huyghe compara as diferentes intenções do escultor egípcio e do
mesopotâmico. O primeiro trabalha matérias sólidas e puras, prefere as formas nítidas,
gosto pela monumentalidade. Por sua vez o mesopotâmico adequa as suas realizações aos
materiais que dispõe: “(...) privado muito mais radicalmente de pedra e de madeira,
dedicado à argila, terá um sentido da forma mais maleável, que se encontra tanto na
escultura como na arquitectura (...) 49

44
WINTER, op.cit., p. 278. apud Moorey, 1994, p.16.
45
FRANKFORT, op.cit., p.37.
46
MOOREY, op.cit., p.22-31.
47
Ibid., p. 31 apud Hansen and Dales 1962.
48
JANSON, H.W. - História da Arte. 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. p.74
49
HUYGHE, René –Sentido da Arte I. Lisboa, Edições 70, 1998, p.116.
Marlene Félix 16

A simplificação cónico-cilindrica das estatuas de Tell Asmar é propria do escultor que


talha as formas num bloco compacto eliminando a materia necessaria.Os escultores
mesopotâmicos pareciam não atribuir o mesmo valor que os egípcios às estátuas
monolíticas 50 e quando representavam uma pessoa, não era tanto no sentido de reproduzir
uma imagem fiel dela mas idealizá-la, conferindo-lhe uma espiritualidade e dignidade
particular. Essa representação era essencialmente de pessoas isoladas e não de grupos.51
Mas a verdadeira perícia dos escultores mesopotâmicos encontra-se nos trabalhos em
metal. Descoberta a potencialidade do material que tornava as formas plásticas mais
agradáveis, os escultores ilustraram a qualidade da modelação produzida na
Mesopotâmia.52 Infelizmente como se trata de um material reutilizável, são raros os
trabalhos que subsistiram mas estes exemplificam o nível técnico a que estes artistas
chegaram.

2.4. Análise dos aspectos formais

O grupo escultórico de Tell Asmar apresenta um estilo diferente do resto das esculturas da
região. Estas características podem-se encontrar no norte, não muito longe da fronteira
Turca e por isso, poderiam ter sido importadas para Dyala ou serem obra de escultores
trazidos para a província.53 Foram modeladas em gipto através de uma técnica antiga que
consistia em aquecer a pedra a cerca de 150ºC até que ficasse reduzida a um pó fino
(chamado gesso de Paris). O pó era depois misturado com água e procedia-se à modelação
54
Seguindo-se a pintura das figuras.55 Nelas, o corpo é reduzido a formas plásticas
abstractas e a clareza da composição são as características mais surpreendentes destes
trabalhos.
A parte inferior é reduzida a um cone truncado acentuado pela forma dos saiotes
pregueados (os kaunakés, que eram feitos de pele de ovelha) enquanto que a parte de cima

50
FRANKFORT, op.cit., p.39
51
MOSCATI, Sabatino – Como Reconhecer a Arte Mesopotâmica. Lisboa, Edições 70, 1985, p.19.
52
FRANKFORT, op.cit., p.41
53
PARROT,op.cit, p.13
54
Tell Asmar Sculpture Hoard –Disponível em: <http://archaeology.about.com/od/apthroughasterms/g
/asmar_hoard.htm>
55
MOOREY, op.cit., p.33.
Marlene Félix 17

do corpo corresponde a uma secção quadrada evidenciando uma consciência primária de


representação do peito, costas e flancos. O cabelo comprido é separado em duas metades
simétricas pondo em evidência partes do rosto sobretudo os olhos. O método artístico
revela grande consistência e faz parte de um processo mais intuitivo do que critico ou
intelectual. Existem diferenças óbvias na execução destas esculturas, se algumas
apresentam pormenores, outras parecem um aglomerado de massas mal definidas. Apesar
dessas diferenças técnicas, o grupo não deixa de apresentar uma homogeneidade que
permite atribuir a sua execução a uma mesma “escola” que se estende por várias fases do
período dinástico.56

3. Escultura e Escrita
3.1. Selos Cilíndricos

A escrita desenvolveu-se na Mesopotâmia pela necessidade prática de registar vários tipos


de informação. O respeito que os babilónios e assírios devotavam às palavras, levava-os a
acreditar que a sua sorte era traçada por elas. Sentiam a morte quando um escriba divino
lançava o seu nome num livro do destino, onde tudo era anotado. 57
Exemplos da aplicação dessa escrita datam de 3100 a.C. onde pequenas placas de argila
com inscrições serviam para selar jarras, caixas e cestos que continham cereais e outros
produtos agrícolas.
Estas “etiquetas” apresentavam gravações de desenhos muito simplificados conhecidos
como pictógrafos, que registavam a quantidade e o tipo de material contido nas sacas.
Inicialmente as gravações destas placas eram feitas com um estilete de caniço, onde finas
linhas eram cuidadosamente desenhadas em colunas verticais, começando no canto
superior à direita de cada placa. Já no 3º Milénio a.C. os escribas sumérios começaram a
modificar esta técnica para escrever mais rapidamente e de modo mais legível. Escreviam

56
FRANKFORT, op.cit., p.16-21.
57
KRAMER, op.cit., p.146.
Marlene Félix 18

em fileiras horizontais, evitando desta forma sujar o texto com as mãos. Mas o estilete
pontiagudo, que deixava riscos imprecisos na argila húmida, foi substituído por outro de
extremidade triangular, que era fincado na argila, em vez de riscá-la, permitindo
impressões mais nítidas em forma de cunha.
Destas inovações resultou um sistema de escrita de símbolos mais abstractos conhecido
como cuneiforme (a palavra latina para “em forma de cunha” e que caracterizou a cultura
da Mesopotâmia nos 2500 anos que se seguiram58. O sentido de hierarquia e de
propriedade bastante acentuado neste período da hegemonia suméria é manifestado no uso
do selo cilíndrico para o registo de documentos. Esta arte da glíptica encontrou em Uruk
IV uma notável capacidade de representação de animais com tendências para o realismo,
atingindo o seu apogeu no Dinástico Primitivo III e na época de Sargão.59
Os selos cilíndricos não foram os primeiros selos produzidos pelos povos do Próximo
Oriente. Na Anatolia e no norte da Siria do período Neolitico (cerca de 6500 a.C) já
existiam selos carimbos, alguns sugerindo formas fálicas, outros representando a figura
feminina. Esta temática sugere que os selos tinham propriedades amuléticas, sendo por isso
muito valorizados pelos possuidores.60 Os materiais de que eram feitos também eram
relevantes para completar essas propriedades: “se alguém carregar um selo de lapís- lazúli,
terá protecção, enchendo o se deus de contentamento”61. Outros selos de pedras específicas
também eram usados como protecção ou tinham acção curativa nos encantamentos
médicos/mágicos. Isso pode ajudar a explicar a prevalência de selos em lápis nos
enterramentos dos Cemitérios Reais.
A forma cilíndrica destes selos só apareceu cerca de 3500 a.C. em Uruk, no sul da
Mesopotâmia, e em Susa no Irão. Para certos usos o manuseamento deste tipo de selo era
mais problemático se comparado com os selos carimbos cuja impressão era feita
directamente em pedaços de gesso e se destinavam a selar jarros e outros recipientes.
Por outro lado os cilindros permitiam cobrir grandes superfícies em placas de argila. Um
dos processos consistia em fazer rolar o cilindro na placa seguindo-se a inscrição de

58
Ibid., op.cit., p.137.
59
MALLOWAN, op.cit., p.75-76.
60
PORADA, Edith – Why Cylinder Seals? Engraved Cylindrical Seal Stones of the Ancient Near East,
Fourth to First Millennium B.C. - The Art Bulletin, vol.75, no 4 (December, 1993)
61
WINTER, op.cit., p.299.
Marlene Félix 19

símbolos. O que implica que a escrita e os selos cilíndricos foram desenvolvidos ao mesmo
tempo.62
A técnica dos entalhadores mesopotâmicos é desconhecida. Os escalpelos de bronze ou de
cobre, podem ter servido para a gravação dos selos de calcário mas não eram apropriados a
materiais tão resistentes como diorite e o basalto, nos quais foram executados a maior parte
dos selos que chegaram até nós. Até à descoberta tardia da liga de ferro, as incisões eram
provavelmente feitas com rochas mais duras como o sílex e o quartzo. Apesar disso, a
execução não foi afectada, sendo feita com grande minucia e exactidão em toda a face
cilíndrica.63 O uso destes selos cilíndricos, formam padrões que habituam o olhar às linhas
regulares. Este gosto pelo simétrico repercute-se na temática da arte mesopotâmica., a
repetição das cenas e dos temas.64
Apesar do gosto pelo simétrico, ornamentalismo e simbolismo, esta arte da glíptica não é
uniforme, contendo antes, vários estilos que foram rapidamente desenvolvidos permitindo
identificar diversas épocas.65 Exemplo disso são as diferenças de estilo dos cilindros
assírios e babilónicos. A postura das figuras é estática na versão assíria e dramaticamente
violenta na babilónica. Enquanto no desenho Assírio um dragão em fuga é representado no
chão, no caso Babilónico, está em fúria, parecendo querer escapar no ar.66
Antes destes dois períodos, na época Acádia (2334-2154 a.C.), produziram-se vários tipos
de selos. Alguns dos quais são dos exemplos mais belos e iconográficos do Próximo
Oriente.67 Nas cenas narrativas deste período, a representação dos deuses torna-se mais
68
inteligível pois reflectem algumas das caracterizações feitas nos hinos e noutros textos
(no período dinástico arcaico, essa identificação não era possível dada a escassez das
descrições nos textos). O propósito dos desenhos destes selos, parecia ser o da glorificação
dos deuses, tratados com extraordinária beleza e dignidade. Em adição aos símbolos
destinados aos deuses, como os raios de sol, os artistas acádios criaram novos monstros

62
PORADA, op.cit., p.563.
63
MOSCATI, op.cit., p.53.
64
HUYGHE, René – Sentido e Destino da Arte I, Lisboa: Edições 70, 1998. p.113.
65
HARPER, op.cit., p.49.
66
PORADA, op.cit., 581
67
HARPER, op.cit., p.54.
68
PORADA, op.cit ., p.570.
Marlene Félix 20

desenvolvidos a partir de formas artísticas anteriores.69 Dessas combinações imprevistas


terá provavelmente nascido na Mesopotâmia a ideia do monstro:

“ (...) isto é, a ideia de criar seres irreais pela junção de elementos pertencentes a
animais diferentes ou até de seres humanos. A popularidade desta invenção foi
enorme, saída da Suméria, perpetuar-se-à sem o fio condutor de transmissão se
ter perdido, até à nossa arte medieval. O Egipto com a esfinge, por exemplo, e a
Grécia, a ele se vão ligar, de passagem. (...)” 70

Outros temas aparecem com particular frequência nestes selos cilíndricos como o herói que
domina as feras vencidas, a derrota dos inimigos por parte do soberano, filas de animais e
figuras mitológicas.71 Mas nem sempre os cilindros narram uma história, apresentando por
vezes, um aspecto mais geométrico onde prevalecem figuras esquematizadas e formas
ornamentais que respeitam uma organização simétrica. Estes trabalhos em miniatura,
considerados como uma das melhores realizações artísticas da Mesopotâmia, são também
uma fonte de informação fundamental para a compreensão da História.

3.2 As estátuas de Gudea

Gudea de Lagash ( 2144 a.C. a 2124 a.C.), é provavelmente o segundo governante mais
conhecido da Mesopotâmia, a seguir a Assurbanipal. A cidade-estado que governou foi
uma das mais importantes cidades mesopotâmicas. O seu reinado foi documentado durante
cerca de 11 anos. Gudea (Fig.5.) manteve consistentemente o título de ensi (governante ou
administrador em sumério) em vez de lugal (rei). Só numa das suas numerosas estátuas é
que é descrito como rei. O título que dispunha, não era de forma alguma menor do que o de

69
Ibid., p.570.
70
HUYGHE, op.cit., p.115.
71
MOSCATI, op.cit., p.53.
Marlene Félix 21

rei. Antes pelo contrário, como ensi, ocupava o topo da hierarquia administrativa da sua
cidade. Esta prática de diferentes tradições na nomenclatura era comum na Mesopotâmia.
Independentemente disso, é durante o seu governo que as esculturas se tornam
indissociáveis da escrita. A quantidade de inscrições que nelas começam a aparecer é
privilégio de todos os que ocupam um lugar de topo e ali são manifestadas as suas
vontades e preocupações. Todas as estátuas do governante foram inscritas com o nome da
divindade a que foram dedicadas e, nalguns casos, é-nos dito o lugar do templo onde
deviam ser colocadas. Estas figuras incluem também dedicatórias e descrições do material
de que eram feitas, sabendo-se, por isso, que a diorite era uma pedra altamente valorizada,
destinada principalmente à realeza.
Segundo Winter72, Gudea deveria ser relativamente narcisista, senão como se explica que
haja pelo menos vinte estátuas delas tão idênticas entre si? Para Frankfort bastaria um
exemplo para representar adequadamente todo o grupo mas as pequenas variações,
nomeadamente nos textos, permitem distinguir um trabalho do outro e que dava
continuidade à sua forma. Gudea era o patrono das artes e as suas inúmeras estátuas não
podem ser vistas como expressões de pura ambição pessoal. Com elas marcava as suas
intenções de piedade e permanência. Do governante justo e eficaz que actua no interesse
do seu povo.73
As imagens votivas com pequenas inscrições identificando os governantes existem pelo
menos desde 2500 a.C. Nesses textos aparecem descrições da manutenção das estátuas e a
forma como foram produzidas. Mas a documentação mais completa e que melhor ilustra
essas preocupações, são as estátuas e os cilindros de Gudea. Aqui as várias inscrições
permitem reconstruir o significado e a função das imagens. A elas foram-lhe associados
vários rituais que passavam por três etapas: o ritual da consagração, que consistia na
“animação da imagem” ou nascimento (dava-se quando a sua forma física ficava
concluída) e atribuição de um estatuto sagrado. Este ritual prolongava-se desde as oficinas
onde as imagens eram feitas até ao templo para onde eram transportadas durante a noite.74
O segundo ritual, o da instalação, acompanha a entrada da imagem no santuário. Aqui, já
tendo passado pelo processo de “animação” ela é alimentada e adornada. A instalação só
72
Irene J. Winter é uma historiadora da arte. Ensina na Universidade de Harvard desde 1995 e foi directora
do Departamento de Belas-Artes. Através dos seus trabalhos publicados contribuiu para uma visão mais
alargada da cultura mesopotâmica.
73
WINTER, op.cit., p.152.
74
Ibid., p.175.
Marlene Félix 22

fica completa na altura em que a divindade é colocada num trono coberto por uma espécie
de baldaquino. O último ritual consiste na manutenção da figura instalada. Algumas fontes
sugerem que na Mesopotâmia havia pelo menos três locais onde as imagens da realeza
eram colocadas: o santuário do deus, o ki-a-nag (literalmente lugar da libação ou a capela
funerária do falecido governante) e, por último, o templo destinado ao governante em vida.
As estátuas sentadas de Gudea, e também de outros governantes, indicam nas
representações mesopotâmicas, o seu estatuto dominante. A sua função era a de “falar”
directamente com os deuses e serviam ao mesmo tempo como objecto de culto. Quando o
governante estava em presença de uma divindade era representado levantado perante o
deus sentado, em sinal de respeito.
Várias estátuas atribuídas a Gudea foram descobertas em Tello entre 1877 e 1933, e são
magníficos exemplos da escultura Neo-suméria, que inaugura um estilo que será
desenvolvido nos períodos seguintes. As estátuas apresentam um polimento, onde não se
encontra nenhum traço dos instrumentos usados e talvez devido à influência dos acádios, a
severidade típica dos sumérios é suavizada75. Estas figuras são esbeltas e representam a
magreza da adolescência, outras a maturidade imposta pela idade. 76 Nelas, a forma
cilíndrica bastante acentuada corresponde ao gosto e à prática dos escultores
mesopotâmicos de manterem a figura no bloco. Estes pareciam estar familiarizados com o
diorite pela forma como talharam a pedra e trataram as massas em formas geométricas. Os
braços de Gudea são musculados como expressão de força e poder. As suas mãos, unidas e
imobilizadas em gesto de adoração lembram as estátuas votivas de Tell Asmar. Também os
olhos grandes demonstram a continuidade da simbologia inerente ao acto de olhar (Gudea,
dá instruções às estátuas para falarem directamente com o deus, relembrando que o seu
objectivo é o de estarem constantemente atentas à divindade - “os seus olhos pertencem ao
deus”) mas agora em vez de incrustados como nas estátuas anteriores, aparecem finamente
esculpidos.
Algumas estátuas são relativamente altas e essa grandeza poderá ser a expressão da
capacidade de liderança do governante. Quase todas foram decapitadas na Antiguidade,
provavelmente por um conquistador de Lagash e só recentemente é que as cabeças foram

75
PARROT, op.cit., p.21.
76
CONTENAU, op.cit., p.49-50.
Marlene Félix 23

reunidas ao resto do corpo.77 A maior parte são cobertas por um chapéu de lã e as longas
vestes de lã e tecido de linho substituem as saias (kaunakés) que aparecem representadas
nas figuras de Tell Asmar e Mari. A rígida quietude e a abstracção das roupas, acentuam o
papel místico destas figuras.78 As bases das estátuas tornam-se mais arredondadas, algumas
delas contendo relevos.
O propósito do culto a Gudea torna-se claro quando nas estátuas o governante deixa
expressa a vontade de que o seu nome não seja esquecido. “Esta estátua é de Gudea, o
homem que construiu o templo: que lhe traga uma vida longa”. 79 O desejo de perpetuar o
nome, está assim aliado a uma prática comemorativa onde os sucessivos governantes vão
investir fortemente.

3.3. A estela do código de Hammurabi

Uma estela em diorite datada de 1760 a.C., encontrada em Susa em 1902, é um dos
documentos mais importantes da história universal e um contínuo esforço do homem na
procura de justiça. A sua descoberta permitiu o estudo da sociedade, economia e
monarquia na Mesopotâmia do 2º milénio. Nela está inscrito parte do Código do Rei
Hammurabi da Babilónia, onde aparecem enumerados vários crimes e as respectivas penas
aplicáveis.80 As medidas energéticas empreendidas neste código são contrárias à tradição
jurídica de todo o Oriente, por proteger o devedor contra o usurário e o agricultor locatário
dos seus campos contra o credor que o forçou a vender-lhe as suas terras.81 Na realidade
este texto não é um código de leis no sentido moderno, mas apenas uma compilação de
casos destinados sem dúvida, a unificar a legislação das cidades da baixa Mesopotâmia.
Nele reconhece-se os estatutos hierárquicos das categorias que compõem a sociedade: o
homem notável, o homem livre e o escravo que pode ganhar dinheiro e desposar uma
mulher livre. Em caso de ofensa ou danos cometidos, as sanções eram diferentes para cada

77
CRAWFORD, Vaughn E. - The Third Millenium B.C. - Metropolitan Museum of Art Bulletin, New ser., v.
18, No. 8 (Abril 1960).
78
URDANÉZ, C.; Garcia, R.;Gracia, J. - Da Arte Mesopotâmica à Pré-Helénica. Ediclube, [19?]. p. 45.
79
CRAWFORD, op.cit., p.251.
80
KRAMER, op.cit., p.178.
81
LAFFORGUE, op.cit., p.91-93.
Marlene Félix 24

membro destas três categorias. Por exemplo, se um aristocrata agredisse outro a lei82
aplicada seria a de “olho por olho, dente por dente”. O criminoso iria desta forma sofrer os
mesmos danos que causou à vítima. Se um aristocrata magoasse um escravo, a pena era
bem mais leve, tendo apenas que pagar uma multa.
Registado em caracteres cuneiformes e na língua semítica, o código contem um prólogo
glorificante, um texto com cerca de 300 leis e um epílogo carregado de maldições para os
violadores.83 Este código destinava-se a firmar a reputação do rei como defensor dos
oprimidos mas não deixa de ter um carácter propagandístico quando refere os salários dum
certo número de comerciantes e o preço dos alimentos que na realidade eram
substancialmente mais elevados.84
Na parte superior da estela o relevo representa o rei Hammurabi que aparece perante o
deus-sol Samash. Este oferece a Hammurabi uma vara e um cordel como simbolos da
autoridade divina, para que o rei administre a justiça.85 Em sinal de respeito, Hammurabi
leva a mão à boca e o contacto visual com a divindade, evidencia a atenção que lhe é
prestada.
Este monumento de 2,25 m em diorite negra é um dos raros exemplos da escultura
monumental do 2º milénio. Talvez o seu significado, o de conter as leis ditadas de um deus
a um rei, tenha levado à escolha de um material tão resistente e à representação num só
bloco que confere perenidade à obra:

” (...) O que se chamou a “estátua-bloco” responde às mesmas preocupações. Se


o escultor procura fechar o seu conjunto num volume geométrico tão simples
quanto possível é para reduzir as oportunidades que ela terá de partir-se. Se a
estátua, efectivamente, perdesse um dos seus fragmentos, o ser a que equivale
seria afectado com a mesma mutilação (...)”86

82
A lei de talião (do latim lex talionis: lex: lei e talis: tal, aparelho que reflete tudo).
83
KRAMER, Samuel N. - A História começa na Suméria. Lisboa: Circulo de Leitores, [19-?]. p.77
84
LAFFORGUE, op.cit., p.91-93
85
URDANÉZ, C.; Garcia, R.;Gracia, J. op.cit., p.56.
86
HUYGHE, René –Sentido da Arte I. Lisboa, Edições 70, 1998, p.106.
Marlene Félix 25

4. A Escultura monumental Neo-Assíria


4.1. Relevos e escultura de vulto

Foram os reis vitoriosos que permitiram a construção de grandes monumentos que


constituem, com a sua decoração e conteúdo, o essencial da arte assíria. Depois de um
período difícil de lutas constantes com os Araméus, donde praticamente nada restou,
assiste-se ao empreendimento de grandes encomendas reais. Estas obras constituem uma
revelação brusca de uma arte clássica, onde certas convenções são aplicadas no plano dos
edifícios e na iconografia, permitindo a evolução do gosto artístico. Para as suas
residências, os reis construíam, nas cidades confinadas ao interior de sólidas muralhas,
vastos espaços que as construções vinham pouco a pouco ocupar. Estes soberanos
reservavam sempre um espaço, fosse ele interior ou exterior à vila para os parques com
paisagens artificiais, plantações de árvores e reservas de animais selvagens para a caça. A
água que lhes era indispensável era conduzida por aquedutos e canais que se ligavam aos
grandes edifícios, santuários e ao palácio e suas dependências. A guarda dos palácios e dos
santuários era assegurada pela presença de estátuas colossais de Lamassi que se
encontravam à entrada destes edifícios.87
Os assírios aprenderam a arte da escultura e do relevo através do povo hitita. A pedra da
Assíria era boa para o corte de lajes delgadas que eram utilizadas nos relevos mas não se
prestava à produção de estátuas em vulto redondo. Assim, a arte assíria manifesta-se
principalmente nos relevos coloridos que adornam as salas dos palácios e templos. Além
dos motivos decorativos que também são símbolos religiosos, os temas tratados
correspondem à dupla função do rei, grande sacerdote e chefe de guerra. São representadas
libações, cenas de caça, a guerra com as suas atrocidades e a chegada de dignatários ao
palácio. Os artistas deste período manifestam um gosto pela cor viva, pela representação
harmoniosa dos animais. É sobretudo uma arte que visa representar o poder mágico da
evocação da vitória e da glorificação da realeza.88

87
LAFFORGUE, Gilbert – La Haute Antiquité: l’Asie Occidentale. Paris: Librairie Larousse, 1979. p.111-
113
88
Ibid., op.cit., p.113
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4.2. Guardiães de templos

Os Lamassi / Shedu (Fig.6), guardiães dos templos com formas híbridas (representadas
pelo leão e o touro) e com cabeça humana, eram estátuas monolíticas que chegavam a
atingir 5,7m de altura. Eram feitas de vários blocos de pedra (em alabastro) e a sua
monumentalidade contrastava com o pormenor do talhe das barbas, do cabelo
elaboradamente encaracolado e das penas delicadamente gravadas. Tinham várias
inscrições e padrões complicados que imitavam tapetes. Durante os séculos IX e VIII a.C.
estes touros alados eram representados intencionalmente com cinco pernas para darem uma
visão geral do tema: quando vistos de frente pareciam imoveis dando a ideia de que
estavam de vigília; vistos de lado pareciam movimentar-se. A partir do reinado de
Sennacherib (704-681 a.C.) a perna adicional é dispensada e esta nova versão passa a ser
adoptada pelos Persas.89 Este tipo de estátua que guardava os palácios tem a sua origem
fora da Assíria. Os exemplos mais antigos foram encontrados na capital hitita de Hattusas,
localizada num planalto montanhoso do leste da Turquia. Ao que parece, os assírios não
tinham problemas em apoderar-se das formas de arte de outros povos, desde que elas
servissem o seu propósito. Essa apropriação poderia ser vista como uma forma de
reconhecimento pela Assíria do valor das tradições culturais dos povos vizinhos. Também
podia estar ligado a um gosto pelo exótico e à tradição de coleccionismo pelos reis da
Mesopotâmia.90

89
COLLON, Dominique – Ancient Near Eastern Art. California: University of California Press, 1995,
p.136.140.
90
TAKLA, Philippe. R – Desenvolvimento do esquema decorative das salas do trono do período Neo-Assírio
(934-609 a.C.) São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008, p.163.
Marlene Félix 27

4.3. Figuras míticas: Lamassu e Shedu

Lamassu e Shedu já eram figuras conhecidas do panteão de Lagash, desde o período


dinástico. O seu culto ganhou popularidade na Babilónia, onde as inscrições nos dizem que
um ou mais Lamassi residiam nos templos principais. Apareceram representados em
cilindros, introduzindo o crente ao grande deus. Na Assíria tornaram-se espíritos
protectores.
Dos textos deste período depreende-se que na imaginação popular, todos tinham dois
espíritos protectores; a deusa suplicante ou lamassu e o espírito masculino sedu. A
identificação de lamassu na arte é facilmente reconhecida devido ao seu típico gesto de
suplicação sugerido através das mãos levantadas. Em adição, ela usa sempre uma mitra
com chifres e um robe cerimonial feito de pele de carneiro. A sua missão na Terra é a de
acompanhar os mortais no caminho da vida e augurar boa sorte, saúde espiritual e
assegurar uma boa aparência física aos seres humanos. É também a protectora dos templos.
Como suplicante ela é, mais do que tudo, uma mediadora entre os reinos celestiais e os
mortais e é nessas funções que ela aparece, na maior parte das vezes, representada nas
placas de terracota. O shedu é o companheiro masculino de lamassu e também ele aparece
nas fontes escritas e visuais. A sua função como espírito protector é a de interceder, através
das altas entidades, pelos comuns mortais. Representa a força dos indivíduos e ajuda na
recuperação das doenças. Estas duas divindades, ainda que menores, têm como função
regular o que se passa dentro e fora de portas. A sua representação em placas é sempre de
perfil integrado numa narrativa sequencial. Nos selos o seu perfil aparece em acção.
Lamassu levanta as mãos em suplicação ou guia alguém pela mão enquanto shedu avança
segurando o bastão. Nas orações para ajuda e boa sorte eles são chamados para
acompanhar a pessoa pela vida fora. A expressão babilónica de felicidade pessoal: “que um
bom shedu e um bom lamassu caminhem ao meu lado diariamente” denota a importância
destas divindades.91

91
ASSANTE, Julia - Images and gender: Contribution to the Hermeneutics of Reading Ancient Art. Orbis
Bibilicus et Orientalis. Silvia Schroer (ed). vol.220, p. 200-202.
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Conclusão

No início deste trabalho ficou lançada a questão de identificar o grupo escultórico de Tell
Asmar. Dadas as convenções da arte Mesopotâmica na representação dos deuses, tudo
indica que este grupo se enquadra na categoria de estátuas votivas.
As suas características formais não são puramente estilísticas. Sendo altamente simbólicas,
vão-se estender por toda a produção do período mesopotâmico. O acto de preservar a obra
criada parece, também ele, acentuar-se à medida que o tempo avança. As cidades tornam-
se mais complexas, as tensões políticas crescem, desenvolve-se o comércio e a economia e
constroem-se templos e imagens para cumprir as mais variadas funções. Tudo isto passa a
ser registado numa escrita cada vez mais simplificada. Esta alia-se à arte para perpetuar a
presença do Homem na Terra. Graças a essa junção, é-nos hoje permitido conhecer um
pouco melhor esta civilização tão antiga.
Esta arte, onde a função religiosa e ritualística é preponderante, vai progressivamente
assumindo outras funções. Com a construção de templos e palácios, ela passa a intervir
mais firmemente na sociedade e servindo a glorificação de Reis. Chega a ter um carácter
propagandístico (nunca comparável ao Egipto) que se inicia com Gudea, Hammurabi e
atinge o seu apogeu na arte Assíria com Assurbanipal.
Das figuras “toscas” mas bastante expressivas do período dinástico, evolui-se para um
estilo mais cuidado e arrojado só possível com uso de materiais mais nobres. A dinâmica
da composição dos relevos babilónicos e assírios dá a ideia de que as figuras se querem
libertar da pedra. Do estático passa-se ao movimento. Mas todas elas, independentemente
da sua função, destinam-se a perpetuar uma presença. A escultura como substituição do ser
ou da acção que representa.
Marlene Félix 29

Cronologia (Acontecimentos significativos na antiga Mesopotâmia desde 3500 a.C. a 500 a.C.)

a.C. História Cultura

Pré- Sumérios

3500 Nómadas semitas da Síria e da peninsula da Arábia,

invadem o território da Mesopotâmia meridional e

misturam-se com a população.


Selos cilíndricos são usados para marcar a propriedade de

documentos e vasos.

Sumérios

3000 Os sumérios estabelecem-se às margens do Eufrates, Escultores começam a fazer estátuas com três dimensões como a

provavelmente depois de emigrarem da Ásia Central. cabeça de Warka.

Assembleias democráticas cedem lugar a monarquias de Um templo em Eridu, o mais antigo precursor do zigurate é

autoridade limitada, que depois se tornam hereditárias. construído sobre um pequena plataforma. Palácios pequenos e

Kish torna-se a cidade predominante da Suméria no simples começam a ser edificados. Estátuas votivas de Eshunna

reinado de Etana (Tell Asmar) indicam o uso de técnicas expressionistas para mostrar

o sentimento religioso.

2500 Gilgamesh, herói de legendas sumerias, governa como

rei de Erech. Estátuas religiosas e vários artefactos de ouro e prata são sepultados

As cidades-estado da Suméria lutam pela hegemonia nos túmulos de Ur. Sargão constroi Agade, a capital acádia.

num período de 200 anos

2250 Os Gutianos atacam e saqueiam Ágade, a caminho da

Suméria. Não obstante a dominação gutiana, Gudea sob

ao poder em Lagash. Gudea principe de Lagash, torna-se protector da arte e

Ur-Nammu funda a terceira dinastia sumeriana de Ur. literatura. Magnificas estátuas são feitas em sua honra.

Durante o reinado de Ibbi-Sin, em Ur, declína o poder Ur-Nammu dedica um zigurate em Ur, ao deus-lua Nanna e também

sumério. institui um primitivo código de leis.

2000 Os elamitas atacam e destroem Ur. Com a queda de Ur, a arte e a arquitectura Mesopotâmica declinam

em força criadora e espontaneidade.


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Babilónios e Assírios

1700 Hammurabi sob ao trono da Babilónia e coloca sob o Hammurabi lança o seu código de leis.

seu control a maior parte da Mesopotâmia.

1500 O fim da dinastia Hammurabi é marcado pela invasão Baixos-relevos, de tijolo cozido aparecem como uma forma

dos hititas vindos da Turquia. Os Cassitas dos montes dominante de arte no Templo Karaindash, em Erech.

Zagros assumem control da Babilónia nos quatro

séculos subsequentes. A Assíria é conquistada por

hurritas da Anatólia.

1300 Assuraballit recupera a independência da Assíria. O Rei Construção da cidade fortificada de Dur-Kurigalzu, dominada por um

Kurigalzu ascende ao trono babilónico. altaneiro zigurate.

1000 O Rei Tiglath-Pilser I conduz a Assíria a uma nova era O ferro é introduzido pelos hititas, é usado de maneira considerável

de poderio, expande a sua influência na Àsia Menor. na Assíria para instrumentos e armas.

800 Salmanasar III ascende ao trono assírio como sucessor Assurnasirpal II, da Assíria, edifica uma nova e esplêndida capital,

do seu pai, Assurbanipal II, e comquista ricas áreas de Calah (presentemente Nimrud) substituindo a velha capital, Assur.

ferro e madeira. Os baixos-relevos da Assíria passam de temas religiosos à

glorificação dos reis.

600 O Rei Assurbanipal assume o governo da Assíria, Nebuchadrezzar II, da Babilónia, constri a “Torre de Babel” e um

destruindo Ninive e Assur e implantando o império templo dedicado a Marduk.

neobabilónico.

500 Ciro, o Grande, guerreiro persa, conquista a Babilónia. O último rei da Babilónia, Nabonidus, reconstroi o zigurate de Ur-

Nammu.

Fonte: KRAMER, Samuel. N. – Mesopotâmia, O berço da Civilização. Rio de Janeiro:Livraria José Olympio Editôra, 1969.
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Figura 1. – Vala onde foi descoberto o grupo escultórico de Tell Asmar.

(http://www-news.uchicago.edu)
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Figura 2. – Herói ou figura semi-divina do Templo Quadrado de Tell Asmar.


MALLOWAN, M.E.L. – Mesopotâmia e Irão: Biblioteca das Civilizações Primitivas. Lisboa: Editorial Verbo, 1971
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Figura 3. – Grupo escultórico de Tell Asmar (Museu de Bagdad, Iraque) e (Metropolitan Museum of Art)
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Figura 4 – Cinzel de cobre proveniente do cemitério real de Ur (direita) e Monumentos Azuis.

MALLOWAN, M.E.L. – Mesopotâmia e Irão: Biblioteca das Civilizações Primitivas. Lisboa: Editorial Verbo, 1971
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Figura 5 – Estátua de Gudea de Lagash, ou do seu filho Ur-Ningirsu (British Museum)

MALLOWAN, M.E.L. – Mesopotâmia e Irão: Biblioteca das Civilizações Primitivas. Lisboa: Editorial Verbo, 1971
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Figura 6 – Estátua de Lamassu/ Shedu 883-859 a.C. (Metropolitan Museum of Art)


Marlene Félix 37

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