Professional Documents
Culture Documents
Walter Hugo Khouri - 20 Anos Depois
Walter Hugo Khouri - 20 Anos Depois
Mesmo assim, as entidades midiáticas, mais uma vez, optaram, em sua maioria,
por reverenciar o cinema nacional recuperando um cânone estabelecido há
décadas, que parece não se alterar, a despeito dos esforços de novos
pesquisadores para resgatar momentos menos incensados e pouco valorizados
nessa história. Pergunto-me as razões pelas quais a este cânone não se pode
somar uma espécie de “paidêuma”, uma releitura sincrônica de obras e diretores
tão significativos quanto os mais conhecidos. Sem dúvida, se existe o cânone, ele
deve ser reverenciado porque encerra valores inestimáveis ao desenvolvimento da
fatura cinematográfica no Brasil. Porém, não seria hora de ressignificar algumas
poéticas que foram se perdendo ao longo do tempo?
O cineasta nasceu em São Paulo, mas passou uma fase de sua juventude no Rio de
Janeiro, na casa de seu avô materno, onde tomou contato com a literatura, as artes
visuais, a música erudita e o cinema. No início da vida adulta, chegou a cursas dois
anos de Filosofia na USP, mas se desinteressou do que considerava raso e
reacionário tanto nos professores quanto nos colegas. Na mesma época, sendo um
cinéfilo inveterado e com sólido repertório, apesar da idade, conseguiu um emprego
como assistente de direção na Companhia Cinematográfica Vera Cruz, projeto
faraônico de cinema industrial paulista. Entre as funções de segundo assistente de
direção para Lima Barreto nas filmagens de O Cangaceiro (1952) e o contato
travado com profissionais do meio que o estimulavam a debutar na direção de
longas, Khouri realizou uma experiência juvenil, O Gigante de Pedra (1953), filme
que revelava certa imaturidade estética e técnica, mas que chamou a atenção da
mídia de sua época. Quando exibido na programação do Festival Internacional de
Cinema do Quarto Centenário, em São Paulo, no comemorado ano de 1954,
algumas publicações saudavam aquele que consideravam uma promessa para o
futuro do cinema brasileiro. “Despedíamos de Walter Hugo Khouri confiantes de
que tínhamos conhecido uma das maiores esperanças da nova geração de
cineastas brasileiros”, relatava uma reportagem de Cena Muda, publicada em 3 de
março de 1954, a respeito do evento.
Tal disputa pela alma do cinema nacional só fez Khouri investir num estilo pessoal,
que se intensificaria no hermético e poético O Corpo Ardente (1966) e em As
Amorosas (1968), este último baseado numa antiga ideia sobre um rapaz
deslocado de seu meio, questionador e desiludido com o mundo. O filme veio como
resposta aos discursos revolucionários e apresentou ao espectador a primeira
versão do personagem Marcelo, espécie de avatar que falaria em nome do diretor
em muitos de seus filmes futuros.
As Amorosas (1968)
Em seguida, veio Amor, Estranho Amor (1982), que se não fosse pela polêmica que
geraria anos depois, poderia ter sido visto como o que de fato é: um drama
histórico, passado às vésperas do golpe do Estado Novo, em que o sexo se torna
moeda de troca na política do Café com Leite, enquanto um garoto descobre quão
perverso é o mundo dos adultos.
Ao longo da década de 1980, o cinema brasileiro passou por uma crise crescente
que culminaria no fim da Embrafilme, na diminuição do número de filmes
produzidos e no esgotamento de velhas fórmulas. Nesse período, Khouri também
oscilou significativamente. Seu Amor Voraz (1984) não foi bem recebido e deu
margem a novos questionamentos sobre a forma da poética khouriana. Por seu
turno, Eu, de 1987, é até hoje uma das maiores bilheterias da década.
Amor, Estranho Amor (1982)
A partir dos anos 1990, entre a morte do cinema brasileiro e sua retomada, Khouri
já se encontrava física e emocionalmente fragilizado. Produziu Forever (1991) a
duras penas. O filme despertou pouco interesse. Em 1995, na aurora de tempos
melhores para o filme nacional, recuperou um antigo curta que estava pronto e
engavetado havia cerca de quinze anos e realizou As Feras. A obra só seria lançada
em 2001, após problemas de entendimento entre diretor e produtor. Infelizmente,
quando As Feras chegou aos cinemas (apenas duas salas de pouca visibilidade, em
São Paulo), o público já não aceitava um modelo considerado ultrapassado. E este
problema assolou não somente Khouri, mas outros cineastas que aguardavam
numa longa fila a oportunidade de lançarem suas obras congeladas desde 1990,
pelo menos.
Em 1998, o diretor lançou o último longa que dirigiu, Paixão Perdida. Neste trabalho,
mais intimista e minimalista do que nunca, vemos não somente um Marcelo já
mais velho e esgotado, mas também um diretor adoentado e frágil, lutando para
continuar fazendo o que sabia de melhor, sempre com as mínimas condições
possíveis. Embora melancólico, o filme é belo e, hoje, mostra que a poética
khouriana se encerrou de forma condigna, com coerência e amor pelo ofício. Khouri
faleceu, vitimado por um enfarto, às cinco horas da manhã do dia 27 de junho de
2003, deixando ao menos dois roteiros inéditos e várias ideias rascunhadas.
Assista à live do canal “Uma Teia de Ideias”, dia 28 de junho, às 19h, sobre a vida e
obra de Khouri, com informações exclusivas, no link
https://www.youtube.com/watch?v=w_6_WOtVl8k
(https://www.youtube.com/watch?v=w_6_WOtVl8k)
A Ilha (1963)
As Amorosas (1968)
As Deusas (1972)
O Desejo (1975)
Eu (1987)
Forever (1991)
As Feras (1995)