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A VIOLACAO DE DIREITOS DE PERSONALIDADE PELA COMUNICACAO SOCIALEAS FUNCOES DA RESPONSABILIDADE CIVIL. RECENTES DESENVOLVIMENTOS JURISPRUDENCIAIS. UMA BREVE COMPARACAO LUSO-ALEMA Luis VasconceLos ABREU* «Tratando-se, porém, de violagio de «direitos de personalidade» Pensamos que a fungio reparadora da responsabilidade civil no serd to saliente nem a sua finalidade preventiva tio esbatida.» A. Penha Goncalves, Direitos de personalidade e sua tutela, Luanda: ed. do Avtor, 1974, 33 Na Alemanha, algumas decisdes recentes do BGH vieram colocar na ordem do dia a discussdo, numa perspectiva das fungGes da responsa- bilidade civil, em torno da indemnizagao das ofensas a direitos de perso- nalidade levadas a cabo pela comunicagio social! 2, * Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa. ‘ Tal jurisprudéncia encontra-se referenciada pela nossa doutrina, como se pode ver em Anténio Menezes Cordeiro, Da responsabilidad civil dos administradores das sociedades comerciais, Lisboa: Lex, 1996, 483 nota (54), e, mais recentemente, do mesmo Autor, Tratado de direito civil portugués, I, Parte geral, tomo Ill (Pessoas. Exercicio jurfdico), Coimbra: Almedina, 2001, 34/35. * Indicam-se, a titulo meramente exemplificativo, alguns contributos doutrindrios publicados na Alemanha. Assim, comegando pelas vozes criticas em relagdo & jurispru- déncia, Claus-Withelm Canaris, Gewinnabschépfung bei Verletzung des allgemeinen Persénlichkeitsrechts, in Festschrift fir Erwin Deutsch: Zum 70. Geburtstag, Col6nia: Heymanns, 1999, 85-109, Autor que afirma claramente que a solugdo perfilhada pelo 458 Estudos em Homenagem a Professora Doutora Isabel de Magathies Collago Recordemo-las entao: BGH 11-Nov.-1994 (Carolina I): tratou-se da publicagdo, por duas revistas, de “entrevistas-exclusivas” com a Princesa Carolina do Ménaco, em que esta falava sobre problemas da sua vida pessoal, mas que a “entrevistada” efectivamente nfo concedeu. Foram-lhe, assim, atribuf- BGH vai contra o direito vigente e aponta como adequada a via do enriquecimento em causa; manifestando igualmente preferéncia pelo recurso a este instituto, embora acabe por revelar compreensio pela forma como 0 BGH decidiu e elogie até os fins pelo mesmo prosseguidos, Walter Seitz, Prinz und die Prinzessin - Wandlungen des Delikirechts durch Zwangskommerzialisierung der Persénlichkeit, NIW 1996, 2848- 2850; critico, mas sem seguir o mesmo caminho do Professor Canaris, Georgios Gounaiakis, Persénlichkeitsschutz und Geldersatz, AfP (Archiv fir Presserecht) 1-98, 10-25. Do lado oposto, destaca-se 0 Autor que mais vem defendendo ¢ explorando os caminhos trilhados pelo BGH, tendo alids intervindo nos processos judiciais em causa na qualidade de advogado da Princesa Carolina: Matthias Prinz, Der Schiitz der Persdnlichkeitsrechte vor Verletzungen durch die Medien, NJW 1995, 817-821, Geldentschadigung bei Persénlichkeitsrechtsverletzungen durch Medien, NIW 1996, 953-958, artigo em que € feita uma sistematizacao dos critérios para a determinagio do montante da indemnizagio, nos casos de ofensas a direitos de personalidade através da comunicagéo social, & luz das fungdes que o institute da responsabilidade civil desempe- nha neste sector. Assim, quanto } reparagio, o Autor refere a intensidade e duragiio da ofensa, ponderando-se, por exemplo, o grau de divulgag%io do meio de comunicagio social em concreto utilizado. No que concerne & satisfagtio a proporcionar ao lesado, assume primazia o grau de culpa do agente, justificando o dolo ou a nogligéncia grosseira a atribuigo de uma indemnizagio mais elevada. Por dltimo, em sede de prevengao, temos, por exemplo, o risco de repetigiio da ofensa e o lucto com ela obtido. V. também Matthias Prinz/Butz Peters, Medienrecht: die zivilrechtlichen Anspriiche, Munique: Beck, 1999, 492-494 e 505-509. Igualmente sobre o tema, Andreas Heldrich, Persén- lichkeitsschutz, und Pressefreiheit, in Recht im Spannungsfeld von Theorie und Praxis. Festschrift flir Helmut Heinrichs zum 70. Geburtstag, Munique: Beck, 1998, 319-333, ¢ Privates Gliick in der Medienwelt, in Medien zwischen Spruch und Informationsin- teresse. Festschrift fir Robert Schweizer zum 60. Geburtstag, Baden-Baden: Nomos, 1999, 29-44; Joachim Rosengarten, Der Priiventionsgedanken im deutschen Zivilrecht, NIW 1996, 1935-1938; Erich Steffen, Die Aushilfeaufgaben des Schmerzengeldes, in Festschrift fiir Walter Odersky zum 65. Geburtstag am 17. Juli 1996, Berlim/Nova Torque: de Gruyter, 1996, 723-736, ¢ Schmerzensgeld bei Persdnlichkeitsverletzung durch Medien, NJW 1997, 10-14; Rolf Stlirner, Personlichkeitsschutz und Geldersatz, AP 1-98, 1-10; e Harm-Peter Westermann, Geldentschiidigung bei Persénlichkeitsverlet- zung — Aufweichung der Dogmatik des Schadensrechts?, iz Einheit und Folgerichtigkeit im Juristischen Denken. Symposion zu Bhren von Claus-Wilhelm Canaris, Munique: Beck, 1998, 125-149. 3 NIW 1995, 861-865. A violagdo de direitos de personalidade pela comunicagdo social ... 459 das, em discurso directo, todo um conjunto de afirmagées sobre a sua vida fntima, que a Princesa Carolina nfio proferiu, para além das “entre- vistas” terem tido direito a destaque na capa das revistas que as publicaram e haverem sido acompanhadas de fotomontagens, bem como de fotogra- fias tiradas pelos chamados paparazzi. O BGH afirmou ser entendimento pacffico da jurisprudéncia atribuir uma indemnizagdo em dinheiro quando existir uma violagdo do direito geral de personalidade grave e que néo possa ser compensada por outro modo. A gravidade da infracgiio depende do significado e extensfo da ofensa, da sua justificagio, do grau de culpa do agente. Considerou também que o desmentido ou retractagio nio cumprem adequadamente a fung’io de conceder uma satisfagao ao lesado, constituindo um meio fraco de tutela do direito geral de personalidade, que, por isso, n&o exclui a indemnizagéo em dinheiro. Hd também, se- gundo o mesmo Tribunal, que ponderar as vantagens comerciais, concre- tamente o aumento das vendas, conseguido através do recurso ao sensa- cionalismo. No caso concreto, atento o contetido das “entrevistas” e o respectivo grau de divulgagio, bem como a intensa culpabilidade de quem assim actuou, entendeu-se ser justificada a atribuigio de uma indemnizagao em dinheiro. Para o BGH nao se trata da indemnizagao por danos nfo patrimoniais prevista no § 847 do BGB, mas sim de um meio de tutela que faz apelo aos direitos consagrados nos artigos 1.° e 2.° I da Lei Fundamental de Bona. Porque sem o arbitramento de uma indemni- zagéo em dinheiro, a violagiio da dignidade e honra da pessoa humana ficaria muitas vezes sem sangao. Diferentemente do que sucede na comum indemnizagao de danos nfo patrimoniais, 0 que esté em jogo no caso das ofensas ao direito geral de personalidade é proporcionar uma satisfagio A vitima. Ora este fim especifico da pretensdo indemnizatéria por violagio do direito geral de personalidade permite que, ao graduar-se a indemni- zacdo, seja ponderado, de par com a gravidade da ofensa, o facto de a mesma ter sido feita para, desse modo, se obter um lucro, bem como que sejam considerados quer o fim de prevengao quer o dolo do lesante. Nio se visa pura e simplesmente eliminar 0 lucro obtido, mas sim realizar, através da condenagao pecunifria, os fins referidos. H4 designadamente que levar em conta, ao fixar-se 0 montante a atribuir ao lesado, 0 ganho auferido por quem violou o seu direito geral de personalidade. O BGH sublinhou também a ideia de o montante da indemnizagao dever ser ade- quado a desencadear um efeito de certa forma paralisador relativamente & exploragao comercial dos bens da personalidade alheia. Quanto ao 460 Estudos em Homenagem & Professora Doutora Isabel de Magalhdes Collago exacto valor a atribuir, remeteu para as insténcias competentes. Vieram a ser atribufdos 180.000 marcos*; BGH 5-Dez.-1995 (Carolina IN)’: dois semanarios publicaram noti- cias em que, aproveitando o facto de a Princesa Carolina do Ménaco ter apoiado instituigdes que realizam investigagio com vista a desenvolver os meios de combate ao cancro no seio, davam a entender que a prépria Princesa Carolina padecia dessa doenga. As referidas noticias tiveram direito a manchetes na primeira pagina. Num caso, o titulo era este: “Carolina — ela luta corajosamente contra o cancro no seio”; no outro, o titulo foi o seguinte: “Esperanga para milhdes de mulheres - Carolina luta contra o cancro no seio”. No interior, verificava-se que as noticias tinham a ver com o apoio dado pela Princesa a instituigées de combate Aquela doenga. O BGH considerou estar-se perante violagdes graves ao direito geral de personalidade da ofendida, afirmando que a publicagio, nas primeiras paginas, de manchetes tao enganadoras demonstrava uma actuagio com negligéncia grave. Por outro lado, o facto de serem jornais com tiragens elevadas aumentava a intensidade da violagdo cometida. A primeira instancia atribuira uma indemnizagdo de 15.000 marcos num dos casos e de 5.000 marcos no outro. A este propésito, o tribunal de segunda instancia entendeu que montantes mais elevados ultrapassavam as fungées de reparagiio e satisfagio préprias da indemnizagio por danos nao patrimoniais, no Ambito da qual nao cabiam nem a ideia de eliminar 9 lucro obtido nem o cominar de uma sango. O BGH retomou a ques- téo, manifestando entendimento diferente. Para este Tribunal, a conces- so de uma indemnizaciio pecuniaria no caso de uma ofensa grave ao direito geral de personalidade assenta na ideia de que, a nfo ser assim, muitas dessas violagdes a dignidade da pessoa humana e @ honra ficariam impunes, © que constituiria um retrocesso em termos de tutela da per- sonalidade. Por isso, relativamente a esta indemnizagio por ofensa ao direito geral de personalidade, o fim de proporcionar uma satisfagio 4 + OLG Hamburgo 25-Jul.-1996, NTW 1996, 2870-2874, numa decisio que deu clara primazia As finalidades de satisfago da vitima e de prevencio, afirmando que a quantia a arbitrar devia ser de molde a desencorajar novas priticas do género. A ponde- ragdo dos lucros efectivamente obtidos foi desvalorizada como critério para a fixagdo do montante da indemnizacdo, porque tal conduziria a fazer com que esta ficasse dependente dos ganhos auferidos, sendo reduzida sempre que eles néo tivessem lugar, 0 que © Tribunal considerou nfo ser de aceitar 4 luz dos mencionados objectivos. S NIW 1996, 984/985. A violagdo de direitos de personalidade pela comunicacdo social ... 461 vitima assume a primazia, ao contrério do que acontece na comum indem- nizag&o por danos nao patrimoniais. A referida indemnizagao por leséo grave do direito geral de personalidade serve também objectivos de pre- vengao, A compensacao fica, portanto, relegada para plano secundario. Seguindo jurisprudéncia anterior, o BGH ponderou igualmente o facto de a violagdo do direito geral de personalidade alheio ter sido feita para obter um lucro, o que releva para efeitos de fixagio do montante indem- nizatério, de par, por exemplo, com a gravidade da ofensa. Nio porque se pretenda pura e simplesmente eliminar todo ¢ qualquer lucro, mas apenas por se tratar de um factor a tomar em consideragao, de modo a que © montante a conceder seja suficiente para ter 0 efeito de obviar a este tipo de actuagdes, assim se realizando uma prevengio eficaz. Tam- bém neste caso a fixagdo, em concreto, de um valor foi remetida para as instancias competentes; BGH 12-Dez.-1995 (Carolina IIT ou caso do Filho da Princesa Caro- lina)®; um jornal continuou a publicar fotografias do Filho mais velho da Princesa Carolina do Ménaco apés ter sido obtida injungio judicial no sentido da no publicagao de fotografias do mesmo. O BGH, afirmando que embora a publicacao isolada de fotografias do visado nas suas activi- dades do dia-a-dia nao fosse ilfcita, o facto de se tratar de uma violagao repetida, levada a cabo com intuitos lucrativos, configurava uma violagao grave do direito geral de personalidade, justificando a pretensdo indemni- zatéria. O Tribunal sublinhou a especificidade das violagées do direito & imagem, em que nao ha lugar a desmentido ou rectificagio, pelo que apenas resta a tutela indemnizatéria. Dai, em seu entender, os pressupos- tos do arbitramento de uma indemnizagao deverem ser aqui construidos de forma menos exigente, Também nesta decisao se referiu que nao se trata da comum pretensio indemnizatéria por danos nao patrimoniais, mas antes de um meio de tutela para realizar os direitos consagrados nos artigos 1.° e 2.° I da Lei Fundamental. Acrescentando-se que sem a atribuigio de uma indemnizag&o pecunidria muitas ofensas ao direito geral de personalidade ficariam impunes, com 0 consequente retrocesso em termos de tutela dos bens da personalidade. A finalidade de proporcio- nar uma compensagio 4 vitima adquire primazia, realizando igualmente. esta indemnizacao pecuniéria por violacao grave ao direito geral de per- sonalidade uma fungiio de prevengao. *NIW 1996, 985-987. 462 Estudos em Homenagem @ Professora Doutora Isabel de Magathdes Collago Vejamos agora a forma como esta matéria tem sido tratada pelos nossos tribunais’. Numa primeira fase, até ao final dos anos oitenta, as indemnizagées concedidas eram de montante muito reduzido: Ac. STJ 10-Jul-1984 (Vasconcelos Carvalho) (caso do General Ramalho Eanes)*: indemnizagao de 50.000$00 numa condenagao por crime de abuso de liberdade de imprensa em que a vitima fora o General Ramalho Eanes, o qual, na altura dos factos em questdo, era candidato presidencial ¢ Presidente da Reptiblica em exercicio; Ac. STI 6-Nov.-1985 (José Lufs Pereira) (caso do Dr. $4 Carneiro)’: indemnizagio de 50.000$00 aos sucessores do ofendido num crime de abuso de liberdade de imprensa. A vitima exercia as fungdes de Primeiro- -Ministro aquando da publicagao do artigo de jornal que o difamou; Ac, STJ 7-Out.-1987 (Manso Preto) (caso do General Lemos Fer- reira)'®: arbitramento de 60.000$00, como indemnizagio, ao ofendido em crime de abuso de liberdade de imprensa. Curiosamente, a viragem deu-se quando foi visado um magistrado: Ac. RLx 18-Mai.-1988 (Fernando Lopes de Melo) (caso do Dr. Parracho, magistrado do Ministério Priblico)'": os réus foram condenades pela co-autoria de um crime de difamagao, cometido através da imprensa, na pessoa de um magistrado, tendo ficado provado que os danos morais softidos pelo ofendido eram muito graves e extensos — “gravissima lesio na sua honra e reputagao” e “enorme desgosto, com imenso desgaste do seu sistema neurolégico, com dolorosas consequéncias relativamente 4 sua situacdo profissional e familiar’. Com efeito, havia-lhe sido infunda- damente imputada, em escrito iniciado na primeira e continuado na Ultima pagina de um conhecido semandtio, a autoria de um ilicito criminal, no 7 Para um resumo da jurisprudéncia portuguesa sobre direitos de personalidade, Menezes Cordeiro, Os diteitos de personalidade na civilistica portuguesa, ROA, ano 61, Dezembro 2001, 1229-1256, 1245 ss.. Este Autor tipifica a evolugdo da referida jurispru- déncia em quatro fases: anterior ao Cédigo Civil (1967); reconhecimento pontual (1967 a 1982); implantagao dos direitos de personalidade (1983 a 1992); e aplicagiio corrente dos direitos de personalidade (1993 em diante). 5 BMJ 339, Outubro 1984, 242-250. ° BMJ 351, Dezembro 1985, 183-187. '© BMJ 370, Novembro 1987, 292-297. CJ XI (1988) 3, 180-184. A violagao de direitos de personalidade pela comunicagdo social ... 463 caso 0 ter proferido, no processo “D. Branca”, determinado despacho a troco de dinheiro. A sentenga da primeira instAncia arbitrara 7.000.000$00 de indemnizagao, considerando os réus como indemnizagao adequada 5.800.000$00. No seu acérdao, a Relag&o manteve a condenacio solidéria dos réus no pagamento dos 7.000.000$00 ao ofendido, referindo, a pro- Ppésito, nio sé a escassa diferenga entre o montante fixado na decisdo recorrida e aquele que os réus entendiam ser de arbitrar, como também a ent&o recente actualizagio para 12.000.000$00 do capital obrigatoria~ mente seguro, por lesado, no 4mbito do seguro obrigatério de responsa- bilidade civil automével. Da-se em seguida nota da jurisprudéncia posterior: Ac. STJ 24-Mai.-1989 (Joao Solano Viana) (caso de Cristina Sena)'*: o STJ considerou evidente o dano causado com a publicagéo, num jornal de grande divulgacdo, de uma fotografia da autora em topless, obtida, sem 0 respectivo consentimento, quando a mesma se encontrava numa praia em que se pratica nudismo. A determinagao do montante indemni- zatério ficou para execugao de sentenga; Ac. STJ 17-Mar-1993 (César Marques) (caso de Anténio Joaquim Morais)'*: foi concedida uma indemnizag&o de 2.000.000$00 a um subinspector da Policia Judicidria, vitima de abuso de liberdade imprensa, pois viu o seu bom nome e reputagao serem atingidos no ambito da cobertura jornalistica do caso que ficou conhecido por “Sdobentogate”. O Supremo considerou excessiva — “bastante para além do que é norma na jurisprudéncia nacional” — a indemnizagao de 5.000.000$00 fixada pela Relagao, pelo que a reduziu para 2.000.000$00; Ac. RCb 3-Jul.-1993 (Ferreira de Sousa) (caso de Fernando Martins e de Ros4ria Maria)'*: o Tribunal deu como provada a pratica do crime de difamagfo através da imprensa e, porque se trata de um crime doloso, afirmou nao ser possivel reduzir, em fungao da situago econdémica da vitima e do arguido, a indemnizagao arbitrada pelos danos nao patrimo- niais resultantes do referido crime. Dois dos arguidos haviam sido solida- riamente condenados a pagar 1.500.000$00 a cada um dos dois assistentes. "2 BMJ 387, Junho 1989, 531-537. ° BMJ 425, Abril 1993, 491-500. '§ CJ XVII (1993) 4, 71-73. 464 Estudos em Homenagem & Professora Doutora Isabel de Magathdes Collaco A Relagiio sublinhou o facto de o mébil dos arguidos ter consistido em obter maiores lucros com o sensacionalismo da noticia; Ac. RLx 20-Jan.-1994 (Moreira Camilo) (caso do Dr. Miguel Cadi- lhe, envolvendo O Independente)': foi feita uma andlise desenvolvida, a propésito do requisito da ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, sobre a articulagao entre a liberdade de imprensa e 0 direito ao bom nome e reputaciio, verificando-se também quais os escritos que se enqua- dravam dentro dos limites da referida liberdade de imprensa. Quanto A fixagio da indemnizag&o por danos nao patrimoniais, remeteu-se, de acordo com os competentes normativos do Cédigo Civil e, concretamente, em fun¢io do preceituado pelo respectivo art. 496.°, n.° 3, para critérios de equidade e para o grau de culpabilidade do responsdvel, sua situagao econémica, bem como a do lesado e titular do direito A indemnizagio. A Relagdo arbitrou uma indemnizagao de dois milhdes de escudos; Ac. STJ 26-Abr.-1994 (Carlos Caldas) (caso do Dr. Miguel Cadilhe, envolvendo o Expresso)'®: a acgdo fora julgada improcedente na primeira instancia, tendo depois a Relag&o confirmado essa sentenca. O STJ, dando © seu assentimento 4 forma como o acérdio da Relagio identificara a quest&o técnico-juridica a resolver, que era a do relacionamento entre dois direitos fundamentais, com tutela constitucional, como sAo o direito de liberdade de imprensa, por um lado, e o direito ao bom nome e reputacdo, pelo outro, discordou da colocag’o dos mesmos em idéntico plano ¢ afirmou expressamente que “‘o direito ao bom nome e reputagao esté acima e sobrepée-se ao direito de informagio e critica da imprensa”. Os réus, sociedade editora e jornalista autor dos artigos em causa, que era também director do jornal, foram condenados a pagar 2.000.000$00 ao autor, tendo igualmente sido determinada a publicacdo da sentenca; Ac. RLx 20-Out.-1994 (Silva Salazar) (caso do Dr. Fernando No- gueira e do Dr. Marques Mendes)”: mais uma vez foi analisado o problema do conflito entre 0 direito ao bom nome e reputagao, por um lado, e a liberdade de imprensa e informacao, pelo outro, considerando-se existi- rem limitag6es para 0 exercicio de ambos. Quanto aos factos provados, entendeu-se ter havido abuso do direito de informar e, mesmo, intengdo ' CJ XIX (1994) 1, 106-111. ‘© BMJ 436, Maio 1994, 370-384, '7 CJ XIX (1994) 4, 117-123. A violagdo de direitos de personalidade pela comunicagdo social ... 465 de achincalhamento. Os danos provocados, de cardcter nao patrimonial, foram considerados graves, merecendo consequentemente a tutela do direito (art. 496.°, n.° 1 CC), Relativamente ao montante indemnizatério, fez-se apelo, de acordo com as normas legais aplicdveis (ex. art. 496.°, n° 3 ¢ art. 494.° CC), a “critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsdvel, 4 sua situag&o econdémica e & do lesado, e demais circunstancias do caso”. A Relagao confirmou a sentenga recorrida, que concedera uma indemnizacao de 1.500.000$00 pelos danos provoca- dos por uma das noticias e outro tanto pela outra; Ac. STI 27-Jun.-1995 (Torres Paulo) (caso de Alexandre de Maga- Ihdes)'*: estavam em causa o desgosto e vexame sofridos por um dirigente desportivo e empresdrio pelo facto de outro dirigente do mesmo clube o ter acusado, com ampla divulgagao na comunicagao social, de haver sido © autor de um telefonema anénimo ameagando com a ocorréncia de distirbios durante um desafio internacional de futebol, que iia ter lugar no estAdio da clube, Neste acérdio, o STJ discorreu sobre 0 art. 496.° do Cédigo Civil, norma que limita a ressarcibilidade dos danos nao patrimoniais Aqueles que, pela sua gravidade, meregam a tutela do direito, afirmando o Tribunal, a este propésito, que tal se deverd medir por “pa- drdes objectivos frente as circunstancias de cada caso”. Uma vez que ja depois de 0 lesado ter vindo a publico declarar serem falsos os factos que The haviam sido imputados pelo réu na accio, este ultimo repetiu, em conferéncia de imprensa, as suas afirmagées, o STJ deu como assente ser grave e intenso 0 respectivo dolo. E que “mesmo a haver retractagao, ela nao seria compensatéria frente ao vexame, desprestigio e desgosto sofri- dos”. Quanto ao montante da indemnizagao, o Tribunal aplicou os crité- tios dos arts. 496.°, n.° 3 e 494.° do Cédigo Civil, ou seja, de graduacao equitativa, tendo em conta 0 grau de culpabilidade do responsdvel, a situagdo econémica do lesante ¢ do lesado ¢ as demais circunstancias do caso, pelo que considerou ajustado o valor de 3.000.000$00 arbitrado pela Relagdo, em lugar dos 4.000.000$00 concedidos pela primeira ins- tancia; Ac. STJ 20-Set.-1995 (José Sarmento da Silva Reis) (caso da Dra. Fatima Azevedo Jorge)": tratava-se de um crime de difamagio através da 18 BMJ 448, Julho 1995, 378-389. '9 BMI 449, Outubro 1995, 51-65. 466 Estudos em Homenagem a Professora Doutora Isabel de Magathdes Collacgo imprensa e, ndo obstante ter afirmado ser manifesto que “neste caso, como em tantos outros, nada repara o mal causado”, o STJ reduziu de quinze mil para duas mil e quinhentas patacas a indemnizagio concedida por danos nfo patrimoniais, louvando-se, para o efeito, “nos padrées da jurisprudéncia corrente em casos semelhantes”, que elencou; Ac. STJ 5-Mar-1996 (Fernando Fabiaio) (caso do Dr. Monjar- dino)”: neste seu aresto, 0 STJ abordou o conceito de honra, enquanto objecto de protecgao juridica, e tratou igualmente do problema da harmoniza¢iio entre o direito ao bom nome e reputagio e o direito A liberdade de expressio e informagio, fazendo apelo ao principio da proporcionalidade, por forma a se alcancar uma solugao para o caso concreto. No que concerne ao arbitramento de uma indemnizacio, o Tribunal entendeu que os danos, dada a natureza da ofensa feita e o facto de © ter sido através de um meio de comunicacio social, revestiam a necesséria gravidade para merecerem a tutela do direito e aplicou os critérios dos arts. 494° e 496.°, n.° 3 do Cédigo Civil, de fixago equita- tiva do montante indemnizatério, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, A sua situag&o econémica e A do lesado, bem como As demais circunstancias do caso. Afirmou ent&éo o STJ que a ofensa a honra do autor nao atingira “uma gravidade por af além”, que as culpas nfo eram muito graves e que a situagéo econémica do autor e dos réus era, pelo menos, boa, Para concluir assim: “e a este propésito, sem embargo de a indemnizagao pelos danos nao patrimoniais se destinar a atenuar os danos sofridos pelo lesado, proporcionando-lhe uma quantia pecunidria que lhe permita alegrias e prazeres compensatérios, importa ter presente que 0 lesado, no nosso caso, seguramente nao precisaré do dinheiro da indem- nizagao para desfrutar de alegrias e prazeres que minorem o dano da sua honra ofendida e antes é de crer que ele, com esta acgao, visou sobretudo obter a condenagao dos réus, pouco lhe interessando o montante da indemnizagao atribuida, de tal maneira que para ele a principal satisfagdo do dano sofrido consistiré na mera condenag&o dos réus, sendo pouco televante aquele montante indemnizat6rio. Nesta conformidade, um jul- gamento equitativo, baseado no bom senso pratico e na justa ponderagio das realidades da vida, aponta para uma quantia indemnizatéria pelos danos nao patrimoniais pouco mais que simbdlica e, por isso, muito inferior aos 10.000.000$00 pedidos. Assim, afigura-se-nos ajustada a indemnizag&o de 750.000$00”; 2 BM) 455, Abril 1996, 420-440, A violagdo de direitos de personalidade pela comunicagéo social ... 467 Ac. STJ 29-Out.-1996 (Aragiio Seia) (caso do Dr. Lilaia, envolvendo o Expresso)"': 0 STJ teceu importantes consideragdes sobre a liberdade de imprensa e 0s titulares de cargos ptiblicos, concluindo que os artigos em causa no ultrapassaram os limites e restrigdes colocados a liberdade de informagao, tendo deixado incélumes 0 bom nome e reputagéo do deputado neles visado. Isto porque, no essencial, ao mesmo nao foi em concreto imputada a pratica de qualquer irregularidade. Com efeito, a ligagao do seu nome ao stand de automéveis onde actuaria a rede de contrabando em investigagao resultou do facto de o visado ser um dos gerentes da sociedade proprietéria do referido stand. Consequentemente, o STJ conclufu nao se encontrar preenchido o requisito da ilicitude, pressuposto necessdrio da responsabilidade civil; Ac. STJ 27-Mai.-1997 (Cardona Ferreira) (caso de Anténio Oliveira)”: o STJ aproveitou para exteriorizar alguma perplexidade pela frequéncia com que € chamado a decidir situagGes desta natureza — “este processo faz. subir ao Supremo, mais uma vez, 0 problema dificil dos limites do exercicio de direitos constitucionais fundamentais, B lamentavel que este tipo de questdes venha proliferando. Com efeito, tem custado a interiori- zar ¢ a reflectir-se numa s4 convivéncia que constitui factor sine qua non de qualquer regime democrdtico que o direito de exprimir e divulgar, livremente, o pensamento néo est4, nem pode estar, sujeito a qualquer tipo ou forma de censura, mas, simultaneamente, h4 que entender que, tratando-se de um corolério da liberdade imanente a uma vivéncia civica, ela nfio pode deixar de, na prética, ter limites que, muito simplesmente, radicam nisto: a liberdade de um cidadao termina onde comega a liberdade de outro”. Para resolver os problemas resultantes do que apelidou de “dificil convivéncia entre o direito da liberdade da comunicago social e 0 direito ao bom nome e reputagio”, o STJ fez apelo ao “respeito do homem pelo homem” e ao princfpio da proporcionalidade, reflectido no art. 37.° da Constituigao. Referindo que mesmo a expresso de facto verdadeiro, se ofensivo e de revelacio injustificada, pode ser passivel de sangio legal, bem como que “esta problemitica tem sido mais estudada no campo penal, mas esses estudos sdo ponderdveis na vertente civel, ainda que mutatis mutandis”, aquele Tribunal conclufu que “havendo 21 BMJ 460, Novembro 1996, 686-699. 2 BMI 467, Junho 1997, 577-587. Também acessfvel através do site da Direcgio- -Geral dos Servigos Informaticos — htip://www.dgsi.pt! 468 Estudos em Homenagem & Professora Doutora Isabel de Magathdes Collaco meta culpa (e os demais elementos proprios da responsabilidade civil) existe dever indemnizatério; tratar-se de dolo ou de mera culpa concorre, sim, para a graduagao indemnizatéria”. Pelo que foi negado provimento ao recurso e mantido o acérdao da Relagiio do Porto que condenara os réus, solidariamente, a pagarem uma indemnizacao de 1.500.000$00 ao autor; Ac. RLx 14-Mai.-1998 (Noronha Nascimento) (caso de Joaquim Oliveira e da Olivedesportos)”: a sentenca de primeira instAncia havia condenado dois dos réus em parte dos pedidos formulados pelo autor, arbitrando-lhe uma indemnizagio de 500.000$00. Os réus condenados recorreram, Entendiam nao ter sido feita prova dos danos morais e consi- deravam a indemnizagao excessiva e desajustada. A Relagio confirmou a sentenga recorrida, nos seguintes termos: “Quando num programa radiofénico ouvido por milhares de pessoas em Areas metropolitanas, se sugere que alguém est4 envolvido em negécios suspeitos, de honora- bilidade duvidosa, sem se adiantar factos concretos que sustentem a suspeigao, tudo se passando e tudo se mantendo no campo especulativo, quando isto acontece 0 visado é obviamente atingido na sua integridade e personalidade moral; s6 isto, aliado & difuséo do programa, chega para concluirmos que estamos perante um grave dano moral. E nao € 0 facto de as frases lesivas corresponderem a menos de um minuto de duragdo do programa total ou de outros 6rgaos de informacao calarem o teor desse programa, que se climina ou se anula a produgio de danos; a gravidade da lesio pode nada ter a ver com a extensdo do tempo da lesao, e a reprodugao da les&o noutros érgdos potencia-a mas nao a cria geneticamente”. Para de imediato concluir: “no caso vertente, se algo est desajustado é 0 montante indemnizatério. Na verdade, fixar um quantitativo de 500 contos para casos deste género, é algo que est4 abaixo de todos os “plafonds” accitdveis de ressarcimento. Numa sociedade ¢ num tipo civilizacional onde toda a ofensa, todo o bem, todo o produto e todo o interesse é redutivel a uma mercadoria de referéncia, onde tudo tem o seu valor e o seu custo, as violagées dos direitos de cidadania e de personalidade nao podem ser ostracizados. E se a violagao se projecta ou Perpetua através de um meio de globalizacZo e de massa, menos ainda se compreende que os critérios de quantificagio da ofensa se rejam por regras desadequadas”. Tém também muito interesse as consideragdes finais: “segundo supomos, j4 se defendeu mesmo que em certos casos os * CJ XXHI (1998) 3, 101-105. A violagdo de direitos de personalidade pela comunicagdo social ... 469 danos morais dos lesados devem ser quantificados, em parte, segundo os lucros advenientes para o lesante do teor da propria violagao (posig&o defendida, pensamos, em Espanha) consagrando a indemnizag4o puni- tiva. Do que acabamos de dizer, o que se infere é tio sé a pequenez da indemnizagao fixada; indemnizagiio que néio pode ser alterada para mais porque n&o houve recurso da parte interessada neste particular”; Ac. STJ 3-Fev.-1999 (Garcia Marques) (caso do Professor Eduardo Coelho): 0 Supremo reafirmou a sua jurisprudéncia sobre estas matérias, concretamente no que respeita a dar por assente, por um lado, que o direito de livre expressdo nao é absoluto, devendo respeitar o direito @ honra e ao bom nome, pelo que mesmo a expressao de facto verdadeiro, se injustificada, pode ser passivel de ser sancionada, e, por outro lado, afirmando que o dever de indemnizar nao est dependente de intenciona- lidade ofensiva, sendo suficiente a mera culpa, o que faz com que a diferenga entre culpa e dolo releve apenas para a graduagio indemniza- t6ria. Considerando que os danos nao patrimoniais mereciam, no caso, a tutela do direito, o STJ passou depois, como noutros acérdaos, & graduagaio equitativa da indemnizacao, atendendo ao grau de culpabilidade do agen- te, A situag&o econémica do mesmo e a do lesado, bem como as demais circunstAncias do caso (arts. 496.°, n.° 3 e 494.° do Cédigo Civil). Recor- dam-se as ponderagées efectuadas: “no caso em apreco ha que reconhe- cer, por um lado, que a ofensa ao bom nome e reputacao do Professor Eduardo Coelho nao atingiu especial gravidade. E, por outro, que nfo é particularmente grave o grau de culpabilidade do réu. Com efeito, tor- nou-se evidente que 0 escrito do Professor Vasconcelos Marques se inse- riu numa querela jornalistica, visando responder a um texto anterior em que, a partir de afirmacées atribufdas ao Professor Eduardo Coelho, se yisava minimizar a importincia do papel assumido pelo réu na interven- co cirirgica de Salazar. Se bem que nao desculpabilizantes, tais antece- dentes sao de molde a constituir um contexto de atenuagao da culpabili dade do agente”. O Supremo considerou ainda que “A data da publicagao dos referidos escritos j4 tinham decorridos vinte anos sobre a verificagao dos factos relativos doenga e operacaio de Salazar. O tempo decorrido contribuiu, pois, para um inevitével amortecimento do impacte da querela que opés os principais protagonistas “haqueles eventos histéricos. Para muitos leitores, tratava-se de acontecimentos tao distantes e longinquos * BMI 484, Margo 1999, 339-351. 470 Estudos em Homenagem & Professora Doutora Isabel de Magalhdes Collago que haviam perdido grande parte do enquadramento politico e social que, a data da sua verificagao, os tornou factos centrais na vida do Pafs. O seu impacte reduziu-se a franjas mais circunscritas da populagao que, pela sua idade, interesse cultural ou profissional (a comunidade médica, aci- ma de tudo) continuavam a acompanhar com curiosidade a troca de relatos (e de mimos) entre partiddrios e amigos dos dois vultos da medi- cina”. Atento o exposto, o STJ conclufu que “um julgamento equitativo baseado no bom senso e na justa ponderagéio das realidades da vida aponta para uma quantia indemnizatéria pelos danos n&o patrimoniais pouco mais do que simbélica ¢, por isso, muito inferior aos 5.000,000$00 pedidos. Pelo que se afigura ajustada a indemnizacao de 300.000$00”; Ac. STJ 24-Fev.-1999 (Torres Paulo) (caso do Dr. Lilaia, envolvendo a RTP)*: o Tribunal, discutindo o requisito da ilicitude, referiu que o grau de prioridade de uma noticia e o tempo de emissdo que lhe corres- ponde sio indicios da importancia que 4 mesma foi atribuida no alinha- mento de um noticiario televisivo. No caso, ficou provado que os réus haviam sabido, quinze minutos antes do telejornal em causa, através de comunicado oficial emitido pela Direcg&o-Geral da Policia Judicidria, que © autor nao estava detido nem era arguido. Mas, mesmo assim, foi para o ar um bloco de imagens associando o autor, como um dos proprie- térios de determinado stand, a uma rede de tréfico de automéveis, que teria sido desmantelada. Daf se ter concluido que os réus agiram com dolo directo. Por outro lado, o STJ nao teve dividas quanto a existéncia de dano nao patrimonial merecedor, pela sua gravidade, da tutela do direito ~ “a honra do A. foi profundamente ofendida”, “o A. foi vexado, como homem, como docente universitério, no exercicio das elevadas fungdes puiblicas que exerceu € como profissional liberal”. Pelo que os réus foram condenados no pagamento ao autor de 3.000.000$00 a titulo de indemnizagao pelos danos nao patrimoniais pelo mesmo sofridos, bem como em promoverem a publicagio da decisao; Ac. STJ 29-Abr.-1999 (Noronha Nascimento)**: uma agéncia noti- ciosa difundira, através de diversos 6rgdos da imprensa escrita, factos graves de cardcter difamatério de um determinado artista, imputando-lhe, muito concretamente, a qualidade de cabecilha de uma rede de droga. 28 C/STI VII (1999) 2, 118-122. 28 Dispontvel em http://www.dgsipt/ A violagdo de direitos de personatidade pela comunicagao social ... 47 Essa noticia foi depois profusamente divulgada. O STJ nao hesitou em afirmar que a falta de elementos sérios de suporte para a referida noticia mostrava ter-se tratado de um verdadeiro abuso do “direito 4 informagdo e 8 liberdade de imprensa”, verificando-se igualmente 0 necessdtio nexo de causalidade entre a conduta dos réus e os danos sofridos pelo autor. Deste modo, o STJ considerou adequada a aplicagio de uma “sangio (civil, é certo)”, confirmando a condenagio soliddria dos réus no paga- mento ao autor de 10.400.000$00 (sendo 7.400.000$00 por danos patrimoniais e 3.000.000$00 relativos a danos néo patrimoniais), acresci- dos da quantia, a liquidar em execugiio de sentenga, referente a danos patrimoniais pela diminuig&o de espectaculos e cancelamento dos j4 con- tratados e marcados para o Rio de Janeiro e Sio Paulo; Ac. STJ 12-Jan.-2000 (Lourencgo Martins) (caso do Professor Sousa Franco)”: citando a doutrina, o STJ reconheceu a autonomia dos titulos e subtitulos em termos de atentado a honra do visado, independentemente de a respectiva carga difamatéria ser infirmada pelo texto da notfcia. No caso, considerou-se que apesar de serem relatados factos verdadeiros e de relevo social, logo cuja publicagao poderia ser legitimada pelo direito de informagio, certos titulos utilizados eram desnecessdrios para a reali- zagio da fungao piiblica da imprensa, com a qual nao tinham qualquer conex4o. As expressées empregues foram, isso sim, julgadas ofensivas da honra e reputagdo do ofendido. No que respeita ao montante da inde- mnizagio, o STJ confirmou os 5.000.000$00 que haviam sido arbitrados, estabelecendo como padrio comparativo a indemnizagio de 7.000 contos atribuida pelo j4 analisado Ac. RLx 18-Mai.-1988 ao magistrado a quem haviam sido infundadamente imputados factos susceptiveis de constituir ilfcito criminal. E o Supremo afirmou mesmo o seguinte: “nao parece ajustado que os tribunais prossigam uma “tradicional” ‘tendéncia para decretar indemnizagées inferiores as que resultam de critérios de equi- dade, nos quais nao pode deixar de pesar o lucro pela venda conseguida & custa da inclusdo de matérias ofensivas da dignidade das pessoas visadas ea capacidade econémica dos demandados”; Ac. STI 26-Set.-2000 (Silva Salazar) (caso de Teresa Ferreira)”: 0 STI considerou ilicita a divulgagio ptiblica, n&o consentida, de factos pertencentes 4 vida privada da autora, assumindo mesmo natureza intima, ® CYSTI VIII (2000) 1, 169-178. 8 CUSTI VII (2000) 3, 42-45. 412__ Estudos em Homenagem a Professora Doutora Isabel de Magathdes Collaco pois tratava-se do relato da sua vida sexual antes do casamento. O Tribu- nal sublinhou, a propésito, o facto de a visada no ser figura ptiblica, pelo que sé a “mera curiosidade serédia” poderia justificar a publicagio do escrito em causa. Relativamente ao montante indemnizatério pelos danos no patrimoniais sofridos, a primeira inst&ncia arbitrara 800.000$00 ea Relacfo 1.500.000$00, montante que as rés pretendiam fosse reduzido para 200.000$00. Considerando que esta ultima importancia seria irris6- ria e sem “qualquer eficdcia indemnizatéria da situagdo dos autos, face & intensidade da culpa das rés e 4s circunstancias indicadas”, o Supremo, que ponderou também comparativamente a situago econémica das rés e a da autora, confirmou o montante fixado pela Relagao; Aé. STJ 17-Out.-2000 (Azevedo Ramos) (caso da Partex)*: nos seus noticidrios, a SIC imputara A Partex a colocagio de um microfone no gabinete do Procurador-Geral da Reptiblica, isto quando decorriam investigag6es sobre o uso por aquela empresa de verbas do Fundo Social Europeu. Uma vez que o tinico facto confirmado fora o da colocagio do microfone, o Supremo entendeu que a estacio televisiva nao tinha usado, no caso, de rigor e objectividade, desrespeitando a presungio de inocén- cia e indo contra o bom nome e reputagéo da visada. Dai que o STJ decidisse assim: “considerando 0 intenso grau de culpa (quase raiando 0 dolo), a enorme publicidade dos factos e todas as demais circunsténcias ocorrentes, fixa-se em dez milhées de escudos 0 montante a pagar pela SIC a Partex, como indemnizagao pelos danos nao patrimoniais por esta sofridos, por ofensa ao seu bom nome”. Deste conjunto de acérdaos podem retirar-se, pelo menos, trés con- clusGes: 1° — Desde logo, que os nossos tribunais, & semelhanga do que sucede na Alemanha, manifestam sensibilidade e abertura para o problema das ofensas a direitos de personalidade cometidas pela comunicagiio social, considerando os danos em causa suficientemente graves e extensos para serem merecedores de tutela. A jurisprudéncia nao tem dividas em afirmar que 0 modo como determinados factos sao levados ao conhecimento do ptiblico e a ampla divulgagao que Ihes é dada causam um profundo vexame e desgosto nos * CISTI VIII (2000) 3, 78-82. A violagao de direitos de personalidade pela comunicagdo social ... 473 visados, s6 muito dificilmente compensdveis, independentemente de uma eventual retractagao. Assim se compreende também a frequente conde- nagao dos lesantes em promoverem a publicag&o, a expensas suas, da decisdo condenatéria. E uma primeira nota positiva, que parece nao sofrer contestagio, apesar de, como a seguir ir ser referido, nao se poder acompanhar uma ou outra decisao. Acrescente-se nao ter sido também esquecido pelo poder judicial que estamos perante um fenédmeno que se encontra verdadeiramente na ordem do dia, tendo até o préprio STJ manifestado a sua perplexidade e desagrado pelo crescente ntimero de casos deste tipo que os tribunais so chamados a resolver; 2* — Por outro lado, a nossa jurisprudéncia considera que o jornalismo de escdndalo surge desligado da fungao ptiblica da imprensa, néio mere- cendo, desse modo, a tutela que a esta é concedida pelo ordenamento juridico. A ponderag&o relativa entre a liberdade de imprensa, de um lado, e os direitos de personalidade das pessoas atingidas, do outro, surge como uma constante, fazendo os tribunais apelo ao princfpio da propor- cionalidade para resolver esse conflito. Algo que releva para o efeito do juizo acerca da ilicitude da conduta em questio. Assim, os tribunais comuns, ao julgarem as acgées de indemni- zagio, vio tragando o ponto de equilibrio entre liberdade de imprensa e respeito pelos direitos de personalidade. Do conjunto dessas decisdes podem retirar-se parametros de actuagao cujo alcance ultrapassa as situa- Ges concretas submetidas a juizo. H4 quem fale a este propésito de uma fungiio delimitadora da responsabilidade civil, 3° — No que concerme propriamente 4 indemnizagao dos danos nao patrimoniais causados pela comunicagdo social, os tribunais recorrem & equidade, ponderando a culpabilidade do responsdvel, o mébil lucrativo da respectiva actuagdo e os lucros que com ela obteve, a sua situagio econémica, bem como a do lesado. O binémio dolo/culpa do lesante é aqui um factor muito importante na fixagio do montante a ser atribuido a vitima pelos danos morais sofridos, de par com a ideia da irreparabili- dade deste tipo de dano. - * Cf, Pablo Salvador Coderch/Maria Teresa Castifieira Palou, Prevenit y casti- gar. Libertad de informacién y expresién, tutela del honor y funciones del derecho de dafios, Madrid: Marcial Pons, 1997, 103. 474 Estudos em Homenagem & Professora Doutora Isabel de Magalhaes Collago Mesmo quando foi arbitrada uma indemniza¢io simbélica, constru- indo-se, a partir da boa situagio econémica de que gozava o lesado, uma sua vontade hipotética no sentido de se contentar com a simples conde- nacao dos réus, pode ver-se nessa deciséo o emprego, pela jurisprudén- cia, de critérios diferentes dos tradicionais. Com efeito, é manifesto que uma indemnizagiio simbélica nao realiza uma fungio ressarcitéria®. Esse aresto nfo é, porém, isento de censura. A publicagao da deci- so condenatéria contribui para reparar a honra, mas nfo o desgosto e o vexame sofridos. O ofendido viu-se injustificadamente privado do direito & indemnizag&o que legalmente the assiste. Sublinha-se ainda que ja foi feita expressa alusao 4 fungio sancio- natéria ou punitiva, nesta sede, do instituto da responsabilidade civil. Merece também ser destacada a circunstfncia de a indemnizagao mais vultosa haver sido atribuida a uma pessoa colectiva de caracter nao institucional, num acérdao que nao se cansou de censurar o modo de actuagao, no caso, de determinada estago televisiva. Em suma: as especificidades deste sector da responsabilidade civil, respeitante as violagées de direitos da personalidade cometidas pela co- municag&o social, séo patentes. Sem prejuizo de algum aprofundamento dogmético”, por forga das ligagdes 4 responsabilidade penal ¢ ao enri- ™ Destacando a funcdo punitiva do “franco simbélico”, Suzanne Carval, La res- ponsabilité civile dans sa fonction de peine privée, Paris: L.G.D.J., 1995, 30. Mas a indemnizagéo simbélica ou foi uma opgio deliberada de quem intentou a acco ou resultou de determinados comportamentos do visado, como, por exemplo, uma exagerada exposigdo da sua vida privada A imprensa, que atenuam os efeitos da ofensa softida. Cfr. André Bertrand, Droit a la vie privée et droit a l'image, Paris: Litec, 1999, 200/201. 2 A nossa doutrina reconhece que a indemnizagio de danos néo patrimoniais néo reveste natureza exclusivamente ressarcitéria, desempenhando também uma fungdo pre~ ventiva e uma fungo punitiva, sendo o montante a atribuir fixado com recurso & equi- dade, ponderando-se, por exemplo, a culpa do agente ¢ a sua situagdo econémica, bem como a do lesado. Cfr. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, Reparagio do dano nao patrimonial, BMY 83, Feverciro 1959, 69-111, 69-86, Jodo de Matos Antunes Varela, Das obrigagées em geral, vol. I, 10° ed., Coimbra: Almedina, 2000, 605-608, 906 ¢ 934, Mario Jilio de Almeida Costa, Direito das obrigag&es, 9° ed., Coimbra: Almedina, 2001, 549-554 ¢ 723, ¢ Luis Manuel Teles de Menezes Leito, Direito das obrigagées, vol. 1, Coimbra: Almedina, 2000, 297-299. V. também Rabindranath Capelo de Sousa, O direito geral de personalidade, Coimbra: Coimbra Editora, 1995, 458 ¢ 466. A violacdo de direitos de personalidade pela comunicagdo social .. 475 quecimento sem causa™, bem como da ponderag&o, por exemplo, da necessidade de se prever um regime especial para as figuras publicas, o caminho parece estar suficientemente amadurecido para uma intervencio legislativa, Assim j4 sucedeu na vizinha Espanha, onde a Lei Organica 1/1982, de 5 de Maio, de protec¢Zo do direito a honra, 4 intimidade pessoal e familiar e 4 propria imagem, nao sé consagra uma presungio de existén- cia de prejuizo™ sempre que haja uma intromiss4o ilegitima nos direitos por si tutelados, como manda atender, ao graduar-se a indemnizagao, as circunstancias do caso, 4 gravidade da lesdo — entre os critérios para a fixar refere expressamente o grau de difusao ou audiéncia do meio utili- zado ~, e ao beneficio econémico obtido pelo autor da lesio em consequéncia da mesma*. % Sobre a matéria, Jtilio Manuel Vieira Gomes, O conceito de enriquecimento, 0 enriquecimento forgado e os varios paradigmas do enriquecimento sem causa, Porto: U.CP,, 1998, 226/227, 735-759, 790-816, 855 e 857/858, e Menezes Leitdio, O enrique- cimento sem causa no direito civil, Lisboa, 1996 (Cademos de Ciéneia e Técnica Fiscal, n° 176), 700-710, 741-751, 909-911, e 985/986. ™ Esta presungiio de prejuizo reporta-se aos danos morais. Cir. Tomds Vidal Marin, El derecho al honor y su proteccién desde la Constitucién Espafiola, Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales ¢ Boletin Oficial del Estado, 2000, 218/219. % Sobre o art. 9° da LO 1/1982, Salvador Coderch/ Castifieira Palou, ob. cit., 63-66, Ana Azurmendi Adarraga, El derecho a la propria imagen: su identidad y aproxi- macion al derecho a Ia informacién, Madrid: Civitas, 1997, 160 e 229, e Vidal Marin, ob. cit., 215-225.

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