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IPRIMEIRAPAGIN: Pesquisa e nao creio Iniciamos neste numero a nossa pesquisa — que publicaremos em duas partes — feita entre os jovens sobre o problema da fé. Nesta primeira parte, focalizamos os motivos de quem ndo cré. Porqu FES ia fe em dia, muitas vezes, as pessoas ja nem querem mais falar de Deus. Em suas con- versas, devem evitar qualquer ‘aceno a realidades _transcendentes para néo serem classificadas imediata- mente como “carolas” ou “quadradas”. Com isso, ha quem seja influenciado ¢ diga: «Nao creio, porque acho que isso é coisa do passado, nao sel para qué serve Deus». (Ménica, 17 anos) Ou ainda: «Nao creio porque nao sou alie- nado». (Roberto, 19 anos). Porémainda existe aqueles que—no desejo de ser coerente — admitem que devem considerar a idéla do absoluto; deste absoluto que emerge sempre © nao se deixa sufocar, como 6 compro- vado inclusive pela historia dos ultimos l «No creio e pronto!» Dentre os que negam a existéncia de Deus, ha varlas categorias, isto é, pare- ce ser possivel atualmente apontar, com base em conversas com os Jovens, quais so os motivos de sua falta de f. Ha, por exemplo, aqueles que ndo se interessam pelo fato e aflrmam: «Nunea tive fé endo sinto falta denada, nao sinto solidao. Nao vou em busca de Deus porque a propria histéria me «Nao acredito em Deus, assim como nao acredito no | jevou a nao erer nele». (Anselmo, 21 homem de outro planeta. Eu preciso de provas | anos). cientificas para isso». | Os¥ovens tém uma grande exigéncia 4 isda Nova 282 ER DSRS FAN erguntamos ao professor José Maria Zanghi, diretor da revista cultural’ “Nuova Umanita”, quais séo, na ‘ua opinido, as causas que provo- ‘caram o fenémeno do ateismo no mundo ocidental. E muito dificil classificar um fenémeno tal como o atefsmo. Teoricamente 0 ateismo consiste em no se aceitar a ‘existéncia de um principio absoluto transcendente. Assim, quando as vezes 0 diz: "Eu no acredito em Deus, mas. cereio nos valores’, j& néo se pode falar ppropriamente de ate'smo. O ateismo ‘como atitude generalizada, como fato cultural, 6 um fenémeno muito recente, principalmente no mundo ocidental. Hoje se faladeuma falta de perspectiva parao futuro. Quais os motivos que levaram a cultura ocidental a tomar esta direcao? ‘Ogrande problema com queohomem ‘sempre s@ defrontou 6 0 problema do absoluto. Sente-se a necessidade de um ‘absoluto que possa “unificar” a experi- @nca da. “multipicidade” em que a humanidade merguihou. O problema do absoluto, desde a antighidade, se colo- ‘cou como o problema do “um” e dos “muitos”. O “um”, por necessidade 16- gica, foi concebido como “transcedent ‘com relagao & “multiplicidade” (dou um cexemplo simples: dizendo a palavra “ar- vore” eu tomo varios elementos — tronco, raizes, ramos, folhas, floes, fru- tos—e.0s unifico em um s6 significado, 0 do “&rvore"). Ao mesmo tempoo homem. advertiu que, entre o “um” que ele pen- ‘sava e 08 “muitos”, havia uma espécie de incompatibilidade subjacente (usta- mente porque o “um” em si, por defini= go, nao 6 “multiplice”; © portanto A rejeicao do “um” Esta posi¢do implcita (ou o “um” ou os “muitos”) aparece com evidéncia nas cuituras cléssicas, cuja expresso mais elevada era.o sactifcio (humano, animal ‘ou vegetal), isto 6, a destruicdo de algo, aio com o qual se afirmava que soments “um” existe, nés no existimos. Poderi- ‘amos dizer portanto que as culturas clés- sicas, para salvar 0 “um” (‘sto 6, 0 sen- tido da vida), quase sempre sacrficaram (© “multiptioe ‘Na cultura moderna nota-se um pro- cesso inverso, que Goethe exprimiu mui- to bem com a frase: "Nao compreendo ‘como pode exiatir Daus, se eu existo”. O problema é basicaments 0 mesmo: ou ‘Deus (entendido ainda como o"um” que ‘no admite diferencas dentro de si) ou eu, isto 6, nés (0 “multiplice”, a diversi- dade). A cultura ocidental humanista se construiu em base a descoberta do valor deste ‘'nés", dos “muitos”. Nasceu, por ‘exemplo, a democracia (anteriormente, ‘la néo tinha sentido, porque o “um” absoluto se impunha também no campo social sobre os muitos”, na figura do im perador). Agora, para salvar os “muitos” sacritica-se o “um”. Melhor seria dizer, entretanto, que 0 “um” fol absorvico nos: “muitos”. Aexigéncia de um absoluto, de fato, permaneceu (tomando outros no- ‘mes: progresso, culto as ciéncias, a rmatéria.a ser transformada, etc); estes valores, absolutizados, se tomaram tam- bem eles destrutivos do "nés” (a ciencia ‘que cria a bomba atomica, o desenvolvi- mento tecnolégico que traz problemas ‘ecoldgices, etc.), tal como o “um” ‘absoluto conduzia, na antiglidade, ao sacritfcio dos “muitos”. ‘Assim colocado, o problema nao tem solucéo. O confit entre 0 "um" monoll- tico € 0 inés” permanece insuperavel. O para uma cultura como a ocidental que, fem sua evolucao histérica, descobriu sempre mais 0 valor dos, “muitos”. Dianto da altemativa: ou 0 “um” ou 0 “n6s", escolhe evidentemente o “nés”. Mas este modo de se compreendet ‘um’, como aquilo que em si mesmonso & multipice, foi, superado no cristia- nnismo. De fato 0 “um” que Jesus revela 6,em si mesmo, Trindade: um Deus que ‘convida o homem a exist realmente de maneira distinta dele, mas a Ele unido, porque Deus 6 unidade @ trindade. O hhomem pode ser realmente distinto e, 20 mesmo tempo, unido a Deus, porque Deus ndo 6 0 “um” monolitico que néo ‘admite, em si, diversidade. Estabelecer relacionamento com Deus significa en- {rar no jogo trintério, de uma Trindade que 6 amor. Com Jesus, a época do sacrficio se encerra no sacriticio que Ele faz de si mesmo, abrindo-se a 6poca do ‘amor. Com.Jesus crucficado superou-se “um” anterior, 0 “um” monolitico, fruto do modo ofuscado (pelo pecado) com ‘que os homens olhavam Deus, ¢ se abre definiivamente uma nova ere, dada pela revelagdo do “Um-Trindade” que é amor, Nao hé mais pretexto possivel para o “um” absoluto de antes. ‘Como 0 humanismo ocidental néo compreendeu a novidade trazida pela Reevelagdo, ndo conseguiu abrir caminho para 0 absoluto. Por isso desembocou no ateismo. Isto se deve também, em ‘grande parte, ao fato de nés cristéos néo ‘etmos sido capazes de apresentar de ‘modo convincente o Deus uno etrino, de Cristo. E um fato dramético, mas 0 pro- blema do atefsmo depende de nés. Ele ‘pode ser resolvido somente se nds cris- ‘Gos formos capazes de “nos organizar” entre nés de modo que a nossa convi- véncia demonstre, tome visivel 0 Deus- Amor em que acreditamos. "Pai, que se- jam um para que o mundo creia’; “disto reconhecerao que sois meus discipulos, se vos amardas uns 20s outros”. ceristas mas ndo agem como tal é motivo de grandes desilusées... «Desde peque- na, apesar da formagéo religiosa que tentaram me dar, sempre notel um enorme contraste entre as agdes das pessoas e aquilo que elas dizem; nao existe coeréncia e, com isso, eu nunca fui capaz de crer, munca consegu acre- ditar em suas palavrass. «Nao sel por que tanta gente val a Igreja e quando sai de ld nem quer saber 0 que esta se passando com 0 outro, e € comum a gente ouvir: "Est4 com fome? Por que ndo vai trabalhar?” A meu ver, esses nao séo cristéos e, para ndo ser mais ‘um deles, prefiro ficar no meu cantinho mesmo, sem crer». ead Nova 2182 Negaria a multiplicidade, e vice-versa). | atefsmoé a Unica saida possivel elégica José Zanghi de autenticidade € por isso a nao coe- é i A oe ae epee oe «Deus 6 uma invengaéo» Deus ¢ ainda apresentado como opressor, que pune aqueles que nao agirem de uma maneira ou de outra. Inés, 18 anos, disse: «Em casa, meus pais sempre me disseram: “Nao faca Isso, menina, néo v4 aquela festa, néo fale essas coisas. Olha que Deus cas- tiga, hein?” Assim, eu sempre const- derei Deus como um ser que exige ¢ re- prime ee no fizermos as coisas exata- mente conforme suas ordens. Como ¢ possivel crer- (Eliana, 23 anos), Para passar da crenga no homem para os seus valores, ndo é preciso mui- toesforco: «Creio no verdadeiro relacio- namento que multas vezes surge em nossos ambientes, com colegas que tém o sentido da solidariedade... Acho 6 © entrevistar grupos de jovens que declararam néo acreditarem Deus, surgiu um debate tao interessante que também oentrevis- «Se Deus é amor...» Ae —Deixei de acreditar em Deus — dtz Paulo (20 anos) — quando per- cebi que ele nao influia mats sobre mim. Deus, como todo mito, existe enquanto tem gente acreditando nele. Ensinaram-me que Deus é uma entidade que injlui sobre as pessoas. mas nao sinto nada, nenhuma influéneia sobre minha vida. —Néo consigo crer— confirma Sofia (17 anos). Para mim Deus € algo que o homem criou. E Sonia (18 anos): —Deus me foi imposto. F 0 introjetet tanto em minha mente que, ao duvidar de sua existéncia, ficava com sentimento de culpa. Mas nao vejo sentido em rezar, dizendo para alguém que ndo conheco: «Te adoro, per- dao pelos meus pecados...» —E muito gosioso e comodo — retoma Paulo — acreditar num ser que nos da o sentimento de seguranca. Por isso, eu gostaria muito de acredi- tar em Deus. Procuret Deus, mas ndo senti a existéncia dele. —E por que nao procurar Deus nas pessoas? — questiona Fatima (18 anos). — Mas por que nao procurar as pessoas, simplesmente? — retruca Paulo. — Para mim — diz Jeff (19 anos) — Deus se manifesta no retactona- mento entre as pessoas. No momento em que criarmos um relaciona- mento com as pessoas, com a natureza, entdo vou acreditar em Deus. — Se Deus simboliza o relacionamento entre as pessoas — retoma Paulo — para mim é simplesmente o relactonamento entre as pessoas. Nao é Deus. 0 que vocé acha, Reinaldo? —Por ui bom periodo—respondo— eu me perguntel: “Serd que Deus realmente existe? Nao serd uma idéia falsa que me tnculcaram?" A um certo momento, percebi que a revelagdo crista diz que "Deus ¢ Amor". E amor significa este relacionamento pelo qual as pessoas se realizam pro- movendo a realizacdo dos outros. Dai penset: 0 amor existe entre muitas pessoas que conheco, e se Deus é amor, entdo Deus existe. B at passei a compreender Deus nao mais como um ser extraterreno que, ld de cima, fiscaliza as nossas acdes e pensamentos. Comecei aver Deus como o amor que se manifesta no relacionamento entre nés. — Este raciocinio — retruca Paulo — pode estar correto, mas parte de uma afirmacao gratuita: Deus é amor» —Na realidade nao é uma afirmacao tao gratuita assim. Em geral, entendemos Deus como aquele que corresponde as nossas necessidades mais profundas. £ me parece que a necessidade mais profunda do ho- até que “o amor ao proximo” é um. tesouro do cristianismo, acredito nis- s0, mas ndojulgo necessério ser cristo para que isto Seja a norma da minha vida». (José Antonio, 25 anos). «Mas 6 mesmo necessario crer?» «Mas, para viver, é realmente neces- sario crer? Discordo. Eu nao creio em nada enoentanto vive do mesmojeito». Assim aflrmou Jussara, 17 anos, ¢ como ela existem muitos outros jovens ‘que negam a necessidade de uma fe, de uum motivo maior pelo qual viver, nao ‘querem nem colocar em jogo a existén- cla de um Deus. Acham realmente que é impossivel crer. itade Nova 282 mem é 0 amor. De fato, quando a gente estabelece com outros este rela- clonamento de doacdo e compreensdo reciproca, a gente se sente reali- zado. —Mas por ser esta uma experiéncia pessoal — interfere novamente Paulo — ela néo pode ser questionada, nem ser comuntcada a outros. ser, para ele, uma pessoal real. Nao deixei de procurar 0 amor, por ter detxado de procurar Deus — diz Paulo, Mas 0 que vocé chama de divino, eu chamo simplesmente de meu. Néo sinto nada dentro de mim, além de mim mesmo. O que esta dentro de mim sou eu. O que esta fora sdo as coisas, os outros e mais nada, da gente e nos ultrapassa. =O que eu recuso —enira Jeff—é um Deus que ndo tem nada a ver com agente. Mas se Deus ¢ Amor, quem é que nao gosta de amar e ser amado, quem é que recusa 0 amor? —Mas entéio— diz. Paulo — tudo ¢ questao de palavras. & sé substituir @ palavra Deus, pela palavra Amor, que ndo mais vamos achar ateus entre os jovens. E ai vou me convencer que no sou ateu. — De fato — retomo — nos primetros tempos do cristiantsmo, as pes- ‘soas passavam a acreditar no Deus dos cristaos observandoo relactona- mento entre eles: «Olha como se amam». E néo: «Olha como falam bonito!» Nao se tratava de idétas ou palavras, mas Deus se manifestava em pessoas que se amavam concretamente. —Entdo—pergunta Fatima — se eu procuro o amor, eu procuro Deus? —Se agente comparar—respondo — a exigéncia de autenticidade e amor, que 0s jovens manifestam., com o que Jesus diz — isse Alberto, 22 anos. Talver aqui e5- ‘eJao ponto central da questao. Deve-se descobrir 0 Deus que, sendo transcen- dente, vive em nds ¢ entre nés, um Deus, por assim dizer, “presente entre os homens”. Descobrir esse Deus € grande aspiracéo do jovem hoje — mesmo se escondida atras das mais variadas expressdes e confusdes ideol6- leas, historicas e teol6gicas. Inegavel- mente, éreala exigéncia dealgoabsolu- to, mas nao se aceita mais que este absoluto exclua o homem, colocando-o num canto desconhecido do nosso unt- verso. E como essa tendéncia a0 absoluto deve transparecer de alguma forma, surge entao essa grande varie dade de expressées em que se desva- nece a fé de centenas de jovens, reflexo de toda a juventude que nao se encon- trou. TExiste, em poucas palavrds, a falta deum ponto de unio entreo humanoe odivino, que seria Cristo. Janaoémais aceita uma religiao que separe esses dois planos. Entéo, desse ponto de vista, muitas das coisas que num primeiro momento poderiam parecer negativas, ou pelo menos insignificantes, adquirem um valor bem diferente, Mesmoas numero- ‘sas reagoes de rejeledo, como a repulsa deum Deus opressor, ou a inseguranga das pessoas que créem, até a separacao ‘de Deus da Igreja... como disse um jo- vem entrevisiado: «Eu ndo vi Deus, mas acho até que me agradaria encon: trio» ‘Dar a conhecer Deus. Deus pode se manifestar principalmente através do testemunho de quem deitou raizes pro- fundas em sua fé, ao ponto de traduzi- -Ia em amor, em vida, em comunhio, ¢ nao em diviséo. E este, pois, ocaminho a seguir. Reinaldo M. Fleuri e Jolanda Maria Gaspar

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