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Capitulo XXIV A Preocupa¢ao Materna Primaria (1956) APRESENTE CONTRIBUICAO encontrou o seu estimulo na diseussdo publicada em The Psychoanalytic Study ofthe Child, vol. IX, sob titulo: ‘Problems of Infantile Neurosis’. As diversas contribuigdes da Sta. Freud nessa discus- so perfazem uma importante declaragdo sobre o estado atual da teria psi- canalitca no que tange a0s estigios muito inicais da vida da crianga e & construgdo da personalidade Gostaria de discutir a questdo do relacionamento me-bebé em sua eta- pa inical, questio esta de importéncia maxima nessa fase, € que s6gradual- mente passa a segundo plano em relaeio a questio do bebé enquanto um ser independente, Sinto necessidade de em primeir lugar apoiaro quediza Sra, Freud no item *Mal-entendidos Atuais’: Os desapontamentos es frustragBes so in- separiveis da relagdo mae-criang.(...) Langara culpa pela neurose infantil sobre as falhas da mae na fase oral constitu no mais que uma generalizagio enganosa e superficial. A anise deveria ir mais longe e mais fundo em sua busca pelas causas da neurose.’ Com estas palavras, a Sra. Freud expressa ‘um ponto de vista geralmente acsito pelos psicanalistas. ‘Apesar disto, seria muito proveitoso levarmas em conta o lugar da mae, Existe algo que chamamos de ambiente ndo suficientemente bom, que dis- torce o desenvolvimento do bebé, assim como existe o ambiente suficiente- mente bom, que possibilita ao bebé aleancar, a cada etapa, as satisagies, ansiedades e conflits inatos e pertinentes. ‘Arta, Freud nos faz embrar que € lcito pensar sobre os padres pré- {enitais em termos de duas pessoas que, juntas, tentam aleangaro que pode- tia ser chamado, resumidamente, de ‘equilibrio homeostitico’ (ver Mahler, 1954). Omesmo fendmeno recebe o nome de “relacionamento simbidtico Diz-se freqdentemente que a mie de um bebé ébiologicamente condicions- 400 0. MINNICOT a para a sua tarefa de lidar de modo todo especial com as necessidades do bebé. Em linguagem mais eomum, existe uma identifieagio — consciente ‘mas também profundamente inconsciente —quea mie tem com 0 seu bebé. Acredito que esses varios conceitos e nogdes deveriam ser reunidos ‘mum conjunto, ¢ que 0 estudo da mie deveria ser trazido para fora do campo ‘puramente bioldgico. O termo simbiose iio nos leva mais longe que a com= pparagio entre o relacionamento da mae e o bebé com outros exemplos da vida animal e vegetal — a interdependéncia fisica. As palavras equilibrio homeostitico evitam certos aspectos mais sutis que surgem a0 nosso olhar, quando observamos esse relacionamento com a atengio que Ihe ¢ devida (© que nos interessa & a enorme diferenga psicolégica entre, por um lado, a identificago da mie com o bebé, e por outro, a dependéncia do bebé ‘em relagio a mie. A dependéncia ndo implica em identificagdo, pois esta ‘ilkima constitui um fendmeno complexo demais para que o localizemos nos primeiros estagios da vida do bebé. A Srta, Freud deixa claro que ja estamos bem longe daquela desajeitada fase da teoria psicanalitica em que falévamos da vida do bebé como se esta tivesse inicio com as suas experiéncias instintivas orais. Atualmente encon- tramo-nos engajados no estudo do desenvolvimento inicial e do eu pris tivo que, quando o desenvolvimento alcanga um grau suficientemente ele- vvado, é fortalecido pelas experincias do id em vezde prejudicado porelas. ‘A Srta, Freud afirma, ao discutiro termo ‘andclise’, de Freud: °O rela- ‘cionamento com a mae, embora seja o primeiro com um outro ser humano, nil € o primeiro relacionamento do bebé com um ambiente. Precede-o uma fase anterior, na qual no o mundo objetivo mas as necessidades corporais, sua satisfagto e frustrago desempenham o papel principal.” ‘A meu ver, aintrodusao do termo ‘necessidade’ no lugar de “desejo” foi muito importante do ponto de vista te6rico, mas eu preferiria que a Srta Freud nfo tivesse usado as palavras ‘satisfagio"e frustrago' nesse ponto:a necessidade ou ¢ resolvida ou nfo, ea conseqiéncia ndio a mesma que a sa- tisfagio ou frustragto de um impulso do ‘Caberia mencionar agora a afirmagio de Greenacre (1954) sobre o que cla chama de ‘aspecto acalentador’ do prazer ritmico. Encontramos aqui um exemplo de necessidade que ¢ ou ndo resolvida, ¢ seria err6neo dizer que 0 bebé no ninado reage como reagiria a uma frustragao. Certamente no ha- vverdraiva,¢ sim alguma forma de distorgiio do desenvolvimento numa fase primitiva. DA PEDIAIRI A PSICANALISE 401 ‘Seja como for, um estudo aprofundado da fungio matema nas fases mais primitivas parece-me extremamente necessério, ¢ eu gostaria de reunir aqui as ‘diversas pistas existentes a fim de formular uma proposta para o debate. ‘A preocupacao materna ‘Minha tese € a de que na primeira de todas as fases estariamos lidando com um estado muito especial da mie, um estado psicol6gico que merece ‘um nome, tal como Preocupagdo Materna Primaria, No meu entender, no foi dada ainda a devida atengdo em nossa literatura, etalvez em parte algu- ‘ma, para uma condigo psiquidtrica muito especial da mfe sobre a qual eu poderia dizer o seguinte Gradualment,esse esta passa. sero de uma sensiblidade exacerbada du- ranteeprinipalmente ao falda graves, Sua duragdo € de lgumas semanas apésonascimento do bebé Difickmente as mies o recordam depois que o lirapassaram. Eu dara um pessoammaisedira queameméria dasmies nese respeitoten- dd a ser reprimida Essa condiglo organizada (que seria uma doenga no caso de nfo & ‘uma gravidez) poderia ser comparada a um estado de retraimento ou de dis- sociago, ova uma fuga, ou mesmo aum distirbio num nivel mais profindo, ‘como por exemplo un episodio esquizdide, onde um determinado aspecto dapersonalidade toma o poder temporariamente. Gostaria muito de encon- ‘rar um bom nome para essa condigio, e propor que ele seja adotado como algo a set levado em considerago toda vez que fosse feitareferéncia & fase inicial da vida do bebg. Nto acredito que seja possivel eompreender o fun- cionamento da mie no inicio mesmo da vida do bebé sem perceber que ela deve aleangar esse estado de sensibilidade exacerbada, quase uma doenga, © recuperat-se dele, (Introduzo aqui a palavra‘doenga’ porque a mulher deve tersaide suficiente tanto para desenvolver esse estado quanto para recupe rar-se dele a medida que o bebé a libera, Caso o bebé morra, oestado da mae repentinamente revela-se uma doenga. A me corre esse isco.) Deixei est idéia implicitano termo ‘devotada’ na expresso ‘ame de- votada comum’ (Winnicott, 1949). Muitas mulheres so com certeza boas ines em todos os outros aspectos, ¢levam uma vida rica e produtiva, mas ‘lo tm a capacidade de contrar essa ‘doenca normal’ que Ihes possibilita- ria a adaptagio sens{vel e delicada is necessidades do bebé jénos primeiros ‘momentos. Ou conseguem fazé-lo com um fitho e nfo com outro. Tais mu- 402 D.W.MINNICOTT Iheres nfo conseguem preocupar-se com 0 seu bebé a ponto de excluirem quaisquer outros interesses, de maneira normal etemporéria. E possivel in-

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