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MATRIZES DO

PENSAMENTO III:
PSICOLOGIA
COGNITIVA
Histórico da
abordagem
cognitiva-social
Tatiana Lima de Almeida

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Reconhecer os antecedentes teóricos da psicologia cognitiva.


> Relacionar funcionalismo, behaviorismo e cognitivismo no desenvolvimento
da psicologia cognitiva.
> Identificar as contribuições da psicologia da gestalt e do cognitivismo para
a psicologia cognitiva.

Introdução
Neste capítulo, veremos como a filosofia discutiu o dualismo mente-corpo, fo-
mentando os estudos sobre a consciência humana em diferentes visões, desde
a Antiguidade até a Idade Moderna. Em seguida, à luz das ideias trazidas pelo
funcionalismo, pelo behaviorismo e pelo cognitivismo, passando por estudos sobre
comportamento humano, pensamentos, emoções e experiências, chegaremos ao
entendimento de que o ser humano está em constante mudança e busca formas
de se adaptar ao ambiente em que vive. Por fim, vamos apresentar o conceito de
percepção, amplamente investigado pela gestalt e utilizado pela psicologia em
estudos sobre cognição social, que deu base para a compreensão da importância
do meio na formação do conhecimento.
2 Histórico da abordagem cognitiva-social

Antecedentes teóricos da psicologia


cognitiva
Nesta seção, você vai conhecer autores dos campos da filosofia e da psicologia
que refletiram sobre os fenômenos mentais e forneceram as bases teóricas
para o desenvolvimento da psicologia cognitiva.

Contribuições da filosofia para a psicologia cognitiva


Platão (428–348 a.C.) já fazia referência ao mundo das ideias quando afirmava
que a verdade só é alcançada por meio dos pensamentos, e não dos sentidos.
O filósofo grego defendia sua teoria das ideias descrevendo a realidade como
um fenômeno composto por objetos concretos que representam as formas
abstratas, ou seja, as ideias (RODRIGUES, 2004).

Segundo Platão, são a reflexão, a meditação e a introspecção racionais; por es-


tes meios, pode-se discernir a verdade e chegar a conhecer-se a si mesmo [...], a
propósito há um curioso paralelo entre a recomendação de Sócrates “Conhece-te
a ti mesmo” e as tentativas de alguns métodos psicoterápicos de hoje em dia
(WERTHEIMER, 1985, p. 21).

Décadas mais tarde, Aristóteles (384–322 a.C.), também filósofo grego,


afirmou que as ideias são adquiridas a partir das experiências, e, portanto, o
conhecimento deveria passar por métodos empíricos de investigação. Diferen-
temente de Platão, Aristóteles acreditava na realidade relacionada ao mundo
concreto, aos objetos que são percebidos pelo homem (RODRIGUES, 2004).
Quase dois mil anos depois, René Descartes (1596–1650), filósofo raciona-
lista, contesta as ideias de Aristóteles ao afirmar que o método introspectivo
e reflexivo está acima do empírico (RODRIGUES, 2004). Por sua vez, John Locke
(1632–1704), também filósofo, porém empirista, declarou que o homem nasce
sem conhecimento prévio e que, por meio das experiências, das tentativas
e dos erros, aprende durante o seu desenvolvimento. A essa teoria atribuiu
o nome de “lousa em branco”. Com isso, Locke afirmava que todas as ideias
têm origem na experiência, e, dessa forma, a reflexão seria “[...] o processo
pelo qual a mente olha para dentro de si mesma” (WERTHEIMER, 1985, p. 48).
No século seguinte, Immanuel Kant (1724–1804) afirmava que, quando
percebemos um objeto, obrigatoriamente encontramos nossas próprias
características psicológicas e que, ao observar o mundo, o sujeito estabelece
uma relação com o objeto observado. Assim, o pensador entendia que a
percepção humana é uma organização daquilo que é percebido, não sendo
Histórico da abordagem cognitiva-social 3

possível perceber o todo, mas, sim, as partes que fazem sentido para o
observador (REALE; ANTISERI, 2005).
Desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e pela Idade Moderna,
a filosofia forneceu contribuições para diferentes áreas de conhecimento,
inclusive a psicologia. Grande parte dos alicerces teóricos da psicologia se
embasaram em teorias filosóficas de diferentes tempos. Veja na Figura 1 um
esquema com o nome dos filósofos cujas reflexões ajudaram a fundamentar
a psicologia cognitiva.

Platão Aristóteles Descartes Locke Kant

Figura 1. Filósofos que ofereceram contribuições para a psicologia cognitiva.

Contribuições da psicologia para o desenvolvimento


da psicologia cognitiva
Pensando especificamente nos antecedentes históricos do campo da psi-
cologia, destaca-se o primeiro laboratório de psicologia, criado em 1879,
na Alemanha, por Wilhem Wundt (1832–1920), cuja proposta era estudar e
compreender a estrutura e as configurações dos elementos da mente, assim
como suas percepções. Assim, teve início a primeira escola da psicologia, o
estruturalismo (WERTHEIMER, 1985).
Em oposição ao estruturalismo, William James (1842–1910), precursor do
funcionalismo, afirmava que o objeto da psicologia deveria ser os mecanis-
mos de adaptação dos seres humanos ao seu ambiente, e não a estrutura
da mente. Ele relacionava fisiologia e psicologia considerando os aspectos
adaptativos do ser humano ao meio em que vive (RODRIGUES, 2004). Ainda
no século XIX, William James definiu a psicologia como:

[...] a ciência da vida mental, abrangendo tanto seus fenômenos como as suas
condições. Ele descreve o sujeito formado por três “eus”: o primeiro, denominado
eu material, é composto por todas as coisas que pertencem à pessoa, desde seu
próprio corpo até suas roupas, propriedades, etc. [...]. A segunda instância é de-
nominada eu social e se refere às diferentes relações possíveis entre as pessoas,
envolvendo os grupos sociais a que pertença [...]. E, por fim, há o eu espiritual, que
envolve as capacidades intelectuais, os sentimentos, as vontades e as faculdades
psíquicas (CARPIGIANI, 2010, p. 67).

No início do século XX, John B. Watson (1878–1958), antes funcionalista,


fundava o behaviorismo, baseando-se em estudos sobre a aprendizagem de
4 Histórico da abordagem cognitiva-social

ratos. Com base no conceito de tábula rasa, ele utilizava métodos experimen-
tais de investigação desconsiderando os conteúdos dos processos mentais
internos. Sua passagem pelo funcionalismo trouxe para o behaviorismo a
busca pela compreensão da ação e de suas consequências. Opondo-se ao
estruturalismo e ao funcionalismo, Watson considerava o homem um orga-
nismo em interação com o ambiente, em uma perspectiva evolucionista. Fez
uso, ainda, de estudos com a psicologia animal (GOODWIN, 2005).
Na década de 1930, Edward Chace Tolman (1886–1959), eletroquímico e
psicólogo norte-americano também behaviorista, escreveu a sua teoria da
aprendizagem. Na década de 1950, publicou seu livro sobre os princípios do
comportamento intencionado (GOODWIN, 2005).
No entanto, foi com o behaviorismo radical de Burrhus Frederic Skinner
(1904–1990) que os comportamentalistas passaram a compreender o homem
como capaz de assimilar novos repertórios, considerando como comporta-
mentos os fenômenos introspectivos e conseguindo considerar aspectos
subjetivos de forma coerente, como possibilidades de respostas ao meio.
Mesmo assim, Skinner não dava grande destaque aos sentimentos, além de
não acreditar na liberdade individual (GOODWIN, 2005). Uma de suas maiores
contribuições foi o conceito de condicionamento operante, quando propôs
o estudo e a manipulação do comportamento do organismo que opera no
ambiente. Nessa relação, surge a díade comportamento-consequência. Skinner
entende que o comportamento e suas consequências são associados, e, dessa
forma, o organismo se condiciona e aprende ao buscar a satisfação de suas
necessidades no ambiente (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Veja na Figura 2 a relação
entre ação e consequência aplicada ao condicionamento operante de Skinner.

Relação
ação-consequência Consequência
Reforçadora Punitiva

Reforço Punição
Positivo
positivo positiva

Punição Reforço
Negativo negativa negativo

Figura 2. Quatro tipos de relação que dão origem ao comportamento operante.


Fonte: Adaptada de Baum (2019).
Histórico da abordagem cognitiva-social 5

Um comportamento é reforçado ou não de acordo com os objetivos da


intervenção. O reforço por si só é uma forma de oferecer uma satisfação ao
organismo para que ele repita o comportamento.
A oposição ao behaviorismo surgiu com a consolidação da gestalt como
área de conhecimento que postulava o entendimento dos fenômenos da
psicologia a partir da observação do todo, e não apenas de suas partes. Essas
ideias foram fundamentadas por Max Wertheimer (1880–1943), considerado
um dos pais da gestalt. Além de Wertheimer, outros psicólogos se dedicaram
ao estudo da chamada “psicologia da forma”, como Kurt Koffka (1886–1941),
Kurt Lewin (1890–1947) e Wolfgang Köhler (1887–1967) (GOODWIN, 2005).
Paralelamente, o cognitivismo crescia pelo mundo como resposta às
abordagens psicanalíticas e behavioristas, propondo o estudo da consciência
e do conhecimento humano a partir da compreensão das funções da mente.
Em 1967, Ulric Neisser (1928–2012) publicou o livro Cognitive psychology (em
português, psicologia cognitiva), tornando o termo público pela primeira vez
e dando início ao movimento denominado “revolução cognitiva”. O cogniti-
vismo passa a contar com contribuições da antropologia, da psicobiologia,
da linguística, da inteligência artificial e de outras ciências que forneceram
subsídios para a compreensão das funções mentais (GOODWIN, 2005).
Albert Bandura (1925–2021), psicólogo canadense, estudou a psicologia
social, a psicologia cognitiva, a psicoterapia e a pedagogia. Ele defendeu
a ideia de que há uma relação entre o indivíduo e o ambiente, afirmando
que a aprendizagem pode ocorrer por observação, sem necessariamente
haver imitação ou ação sobre o objeto — essa aprendizagem ocorre pela
observação de um modelo, chamada “modelação”. Bandura deu ênfase aos
estudos da cognição social, que originaram sua teoria do aprendizado social
(GOODWIN, 2005).
Jean William Fritz Piaget (1896–1980), biólogo, Henri Wallon (1879–1962),
médico, psicólogo e filósofo, e Lev Semionovitch Vygotsky (1896–1934), psicó-
logo, contribuíram com o campo da psicologia ao destacarem a importância
da interação com o meio no desenvolvimento das capacidades mentais. Para
além do cognitivismo, esses autores se tornaram referências tanto na psico-
logia cognitiva quanto na psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
(GOODWIN, 2005).
Estudos sobre o corpo e a mente sempre estiveram presentes na história
da humanidade. Nesta seção, você conheceu as contribuições da filosofia e da
psicologia para o nascimento da psicologia cognitiva, identificando a maneira
como os fenômenos mentais passaram a ser considerados importantes para
a compreensão, a avaliação e a intervenção no processo adaptativo dos seres
6 Histórico da abordagem cognitiva-social

humanos ao mundo. A seguir, trataremos da relação entre três importantes


escolas teóricas nesse processo: o funcionalismo, o behaviorismo e o cog-
nitivismo no contexto da psicologia cognitiva.

Funcionalismo, behaviorismo, cognitivismo


e psicologia cognitiva
Nesta seção, analisaremos de forma mais aprofundada alguns pontos do
funcionalismo, do behaviorismo e do cognitivismo, buscando compreender
a relação entre esses diferentes pensamentos e o desenvolvimento da psi-
cologia cognitiva.

Funcionalismo
Como vimos anteriormente, William James, precursor do funcionalismo, tinha
como foco compreender a consciência humana. Para tanto, ele estudou as
emoções, os pensamentos, as crenças e as religiões presentes na vida do
indivíduo, chegando à conclusão de que as crenças e os desejos pessoais
interferem no processo racional e na formação de conceitos. A partir de
seus estudos, o autor publicou, em 1890, o livro Os princípios da psicologia
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
Em suas pesquisas sobre a consciência humana, William James descreveu
a capacidade dos indivíduos de buscar a resolução de problemas para se
adaptar melhor ao meio, tendo um papel ativo e autônomo nesse processo. A
consciência, então, passa a ser compreendida como um fluxo, um movimento
dos seres humanos em direção ao mundo (GOODWIN, 2005).
Para William James, o ser humano não é totalmente racional. Apesar de ser
munido de aspectos individuais, subjetividade, e ter intencionalidade em suas
ações, ele nem sempre age de maneira consciente. Existe uma diferenciação
entre a escolha e o hábito: na primeira, há consciência e intencionalidade;
no segundo, há o ato involuntário ou automático (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
Nesse ponto, é possível encontrar uma importante contribuição à psicologia
cognitiva, uma vez que essa abordagem supõe a existência de pensamentos
involuntários, que invadem a mente sem uma ação reflexiva, ou seja, pen-
samentos automáticos.
De acordo com Aaron Beck, precursor da psicologia cognitiva compor-
tamental, os pensamentos automáticos são um fluxo de pensamentos que
coexiste com um fluxo de pensamentos mais manifestos. Na maior parte
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do tempo, quase não temos conhecimento desses pensamentos, embora,


com apenas um pouco de treinamento, possamos facilmente trazê-los à
consciência (BECK, 2022).
A terapia cognitiva propõe a identificação, a avaliação e o enfrentamento
dos pensamentos automáticos. Para Judith Beck (2022, p. 372), “a habilidade
de identificar pensamentos automáticos é análoga à aprendizagem de qual-
quer outra habilidade. Alguns clientes (e terapeutas) entendem isso muito
facilmente e rápido. Outros precisam de muito mais orientação e prática”.
Willian James afirmava que orientar alguém sobre a necessidade de tomar
determinadas decisões para sua adaptação ao meio, quando feito de maneira
eficiente, poderia trazer bons resultados. Considerando a teoria dos três
“eus”, James afirmava que seria possível uma pessoa tomar decisões que a
prejudicassem fisicamente como forma de reafirmar um aspecto social, ou
seja, o ambiente é um fator importante nesse processo (GOODWIN, 2005).

Behaviorismo
Para compreendermos a contribuição do behaviorismo para a psicologia
social, inicialmente vamos retomar e explorar um pouco mais o pensamento
de Edward Tolman. O psicólogo norte-americano acreditava que a descrição
do comportamento deveria incluir o fator mental e, então, reformulando o
que era proposto na equação E-R (estímulo-resposta), sugeriu a fórmula E-
-O-R (estímulo-organismo-resposta). Tolman considerava a mente humana
como um sistema capaz de comandar comportamentos e aprender novos
repertórios (GOODWIN, 2005).
Em 1932, Tolman afirmou que o comportamento aprendido teria como
característica a intencionalidade, objetivando uma meta, e, para ele, o com-
portamento que visa a uma meta é, consequentemente, adaptativo. Assim, a
adaptação do homem ao ambiente é um dos objetos de estudo da psicologia
cognitiva (GOODWIN, 2005).
Já Skinner propõe o uso de reforços positivos para “[...] controlar ou mo-
dificar o comportamento individual ou coletivo” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009,
p. 303). Para tanto, lança-se mão da modelagem, ou método de aproximação
sucessiva, em que o reforço é dado em fases de ações (simples) que vão
gradativamente aproximando o comportamento atual do comportamento
final desejado (complexo). Para Skinner, é assim que crianças aprendem a
falar: primeiro elas emitem sons aleatórios, que vão sendo reforçados pelas
pessoas ao redor quando se aproximam de uma palavra real, até que a criança
consiga falar como as outras pessoas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
8 Histórico da abordagem cognitiva-social

Os conceitos de reforço positivo, reforço negativo, punição positiva e


punição negativa podem ser compreendidos da maneira apresentada
a seguir, conforme Schultz e Schultz (2009).
„ Reforço positivo: acrescentar algo prazeroso ou que satisfaça uma necessidade.
„ Reforço negativo: retirar algo desagradável.
„ Punição positiva: acrescentar algo aversivo.
„ Punição negativa: retirar algo prazeroso ou que satisfaça uma necessidade.

Para se trabalhar com o condicionamento operante, Skinner defende o uso


do reforço na aprendizagem. O comportamento pode, então, ser controlado
por meio do reforço de suas respostas. A recompensa proporciona uma
influência mais forte que a punição na aprendizagem. Na educação, Skinner
elaborou a instrução programada, que traz os seguintes princípios: o orga-
nismo é ativo (operante); o organismo é apresentado progressivamente, do
simples para o complexo; e as diferenças individuais são consideradas. Uma
vez que o ambiente está envolvido no processo de aprendizagem, observa-se
a relação entre a cognição e a adaptação ao meio (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).

Cognitivismo
O cognitivismo também vai considerar o ambiente um elemento essencial
para o desenvolvimento humano. A relação da pessoa com o meio em que
vive se estabelecerá de acordo com os significados que ela atribui aos obje-
tos, às pessoas e aos eventos (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). A aprendizagem é
um produto da interação entre ambiente, indivíduo e fatores externos, que
proporcionam uma rede de significados. Moreira e Masini (1982, p. 3) definem
cognição como:

[...] o processo por meio do qual o mundo de significados tem origem. À medida
que o ser se situa no mundo, estabelece relações de significação, isto é, atribui
significados à realidade em que se encontra. Esses significados não são entidades
estáticas, mas pontos de partida para a atribuição de outros significados. Tem
origem, então, a estrutura cognitiva (os primeiros significados), constituindo-se
nos pontos básicos de ancoragem dos quais derivam outros significados.

Um dos autores que contribuíram com a ideia de rede de significados foi


David Ausubel (1918–2008), para quem a aprendizagem pode ser significativa
se os novos conteúdos forem relacionados a conceitos relevantes disponíveis
Histórico da abordagem cognitiva-social 9

na estrutura cognitiva do indivíduo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). Ausubel


(1963) define a aprendizagem significativa como o mecanismo humano que
adquire e armazena a vasta quantidade de ideias e informações representadas
em qualquer campo de conhecimento.

Relacionando os conceitos
O funcionalismo, o behaviorismo e o cognitivismo contribuíram para a cons-
trução de uma visão de indivíduo capaz de se desenvolver a partir da relação
com o ambiente. Para o funcionalismo, o ser humano precisa se adaptar ao
meio e aprende a representá-lo mentalmente. Já o behaviorismo compreende
que fatores genéticos, associados às tarefas atribuídas pelo ambiente, mol-
darão a forma como a pessoa se comporta, em uma relação causa-efeito, sem
considerar os processos mentais. O cognitivismo, por sua vez, contribui com
a ideia de que o ser humano atribui ao ambiente, a si mesmo e aos eventos
significados que vão orientar seus pensamentos e comportamentos. Nas
três abordagens, o sujeito é entendido como um organismo ativo que, em
sua interação com o meio, modifica elementos necessários à sua adaptação
para sobrevivência.
A psicologia cognitiva herdou desses pensamentos a compreensão de
que os processos de aprendizagem permitem ao indivíduo modificar a si e ao
ambiente em que vive. E esse é um ponto fundamental da abordagem. Assim,
por meio da compreensão dos processos mentais, a psicologia cognitiva for-
nece subsídios para os sujeitos regularem seu comportamento, enfatizando
a importância do desenvolvimento das capacidades de identificar, manipular
e adequar o comportamento a partir de informações sociais percebidas e
interpretadas. A esse processo atribui-se o nome “cognição social”.
Nesta seção, você conheceu as contribuições do funcionalismo, do beha-
viorismo e do cognitivismo para a psicologia cognitiva. A seguir, veremos um
pouco mais sobre a ideia de cognição social fundamentada pela psicologia
da gestalt.

A psicologia da gestalt e a abordagem


cognitiva
A psicologia cognitiva social contou com contribuições de estudos desen-
volvidos por pesquisadores como Max Wertheimer (1880–1943), Kurt Lewin
(1890–1947), Fritz Heider (1896–1988) e Solomon Asch (1907–1996), que aplicaram
10 Histórico da abordagem cognitiva-social

a teoria perceptiva da gestalt ao estudo de processos cognitivos em contexto


social. Gestalt, no que diz respeito à percepção, pode significar organização,
isto é, a forma como a percepção organiza determinado contexto. Em outros
momentos, pode significar forma, como a forma do objeto em si, estrutura
ou padrão (GOODWIN, 2005).
A teoria da gestalt é contra a ideia de que a percepção se dá por meio da
soma de elementos. Para os pesquisadores da gestalt, a combinação entre
as coisas percebidas é realizada pela percepção, podendo surgir algo que
não pode ser encontrado na simples acumulação dos elementos. E por que a
escolha da palavra “forma”, além do significado de organização? Os psicólogos
da gestalt elaboraram a teoria de que nós temos tendências perceptivas que
nos fazem buscar pela “boa forma”. Isso significa que simplificamos, unimos
e completamos aquilo que observamos para torná-lo mais familiar e conhe-
cido, de modo que faça sentido em relação ao conteúdo que já conhecemos
(GOODWIN, 2005). Assim, é possível concluir que o mundo social percebido pelo
indivíduo não é independente de suas características, seus conhecimentos,
suas atitudes e motivações, abrindo espaço para a compreensão da relação
entre os processos mentais e os sociais.
De acordo com Schultz e Schultz (2009), a gestalt compreende as sensa-
ções dos diferentes órgãos dos sentidos, que se misturam em um sistema
complexo de organização. Haveria, então, algumas características gerais da
percepção, descritas a seguir.

„ Proximidade: temos a tendência de agrupar as partes que estejam


próximas no tempo ou no espaço.
„ Continuidade: tendemos a seguir uma direção para ligar os elementos
de forma que pareçam sem interrupção.
„ Semelhança: as partes parecidas tendem a ser unidas, criando um
agrupamento.
„ Preenchimento: completamos os espaços faltantes das figuras para
que se aproximem de formas mais conhecidas.
„ Simplicidade, ou pregnância: buscamos a “boa gestalt”, simétrica,
simples e estável, mesmo que ela esteja apenas sugerida e com vários
detalhes ao redor.
„ Figura-fundo: o objeto observado, ou parte do objeto observado, ao
receber mais atenção e foco da percepção, é chamado “figura”. Porém,
os outros objetos, ou suas partes, não deixam de existir, tornando-se
o que se denomina “fundo”. Podemos, contudo, alternar o foco, trans-
formando em figura outros objetos ou partes, tornando fundo todo o
Histórico da abordagem cognitiva-social 11

restante. Os estudos da gestalt geraram várias figuras ambíguas (ou


seja, que podem ser diferentes a depender da parte eleita como foco),
como é possível observar na Figura 3.

Figura 3. Figuras ambíguas.


Fonte: Akermariano (2011, documento on-line).

Por considerar a percepção do todo, a gestalt também se opôs ao beha-


viorismo e ao reducionismo em geral (STRATTON; HAYES, 2003). Essa lógica
de organização perceptiva também inclui aspectos cognitivos.
A gestalt considera que a percepção se dá pelas relações entre os ob-
jetos, e não pela sensação individual de cada elemento. É fácil perceber,
por exemplo, que a mudança do ângulo de observação de um objeto não
nos faz acreditar que estamos diante de um objeto diferente. O mesmo
também pode ser dito sobre a alteração do tom de uma música, ou sobre
uma mudança no tamanho ou no brilho de algo. Isso se chama “constância
perceptual”, ou seja, a alteração de algumas qualidades do objeto devido ao
ponto de vista não implica a impressão de que o objeto é outro (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2009).
12 Histórico da abordagem cognitiva-social

Os pesquisadores da gestalt estenderam para estudos sobre a aprendi-


zagem, a memória, as reações motoras, etc. seu lema de que o todo é que
define as partes, isto é, de que a percepção se dá do todo para as partes.
Na década de 1950, Asch aplica a teoria da gestalt ao estudo da percepção
interpessoal, em que as impressões são formadas como um processo de
construção coletiva. Seus estudos demonstraram que determinados aspec-
tos importantes das informações organizam a impressão em todos globais
(GARRIDO; AZEVEDO; PALMA, 2011).
Em 1950, George Alexander Kelley (1905–1967), considerado o pai da psi-
cologia clínica cognitiva, lança mão da teoria da construção pessoal, na qual
descreve a influência das preconcepções na interação social, fundamentando
pesquisas em cognição social. Em 1958, Asch, Kelley e Heider reforçam a ideia
de que os indivíduos não são receptores passivos, defendendo que eles
processam ativamente a informação. Essa é uma importante contribuição
da psicologia da gestalt para a psicologia cognitiva. Assim, entende-se que
a forma como a pessoa percebe essa informação na relação com o meio vai
constituir a sua estrutura cognitiva (GOODWIN, 2005).
A psicologia cognitiva considera a percepção uma função primordial na
relação do ser humano com o ambiente. É a partir dessa relação que ocorre
a identificação do ambiente e das necessidades para a adaptação da pessoa
ao meio em que vive. E as demandas podem ser trabalhadas, pois o sujeito
percebe suas emoções, seus comportamentos, seus pensamentos e suas
reações fisiológicas. Assim, destaca-se que, para a psicologia cognitiva, a
mudança ocorre a partir de alterações na percepção, na interpretação dos
fatos. Para isso, é necessário assumir a existência de mais de um lado em uma
história, ou seja, compreender que cada um vê de acordo com os recursos de
que dispõe e a partir da perspectiva em que se encontra.
Neste capítulo, foram apresentadas as principais contribuições teóricas
para a construção da psicologia cognitiva social. Você conheceu os estudos
do funcionalismo sobre as funções mentais e o seu entendimento da cons-
ciência como um fluxo contínuo, a perspectiva pragmática do behaviorismo
na compreensão do comportamento humano, além da abordagem do cog-
nitivismo, que considera o indivíduo como um ser consciente, ativo, movido
por causas e razões. A partir desses elementos, você pôde compreender
as bases teóricas que possibilitaram o desenvolvimento de uma psicologia
cognitiva que considera o ser humano na relação com o seu ambiente. Por
fim, abordamos as contribuições da psicologia da gestalt para o pensamento
cognitivo-social, enfatizando a compreensão da percepção, sua importância
Histórico da abordagem cognitiva-social 13

para a psicologia cognitiva e o modo como ela está entrelaçada em uma


relação de coletividade.

Referências
AKERMARIANO. Gestalt principles composition. Wikimedia, 2011. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/wiki/File:Gestalt_Principles_Composition.jpg. Acesso em:
30 jan. 2022.
AUSUBEL, D. P. The psychology of meaningful verbal learning. New York: Grune and
Stratton, 1963.
BAUM, W. M. Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. 3. ed.
Porto Alegre: Artmed. 2019.
BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 3. ed. Porto Alegre:
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BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo
de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CARPIGIANI, B. Psicologia: das raízes aos movimentos contemporâneos. 3. ed. São
Paulo: Cengage Learning, 2010.
GARRIDO, M. V.; AZEVEDO, C.; PALMA, T. Cognição social: fundamentos, formulações
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https://revista.appsicologia.org/index.php/rpsicologia/article/view/282/45. Acesso
em: 30 jan. 2022.
GOODWIN, C. J. História da psicologia moderna. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2005.
MOREIRA, M. A.; MASINI, E. A. F. S. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel.
São Paulo: Moraes, 1982.
REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia. 7. ed. [S. l.]: Paulus, 2005.
RODRIGUES, E. W. Um breve olhar sobre a história da psicologia. In: RIES, B. E.; RO-
DRIGUES, E. W. (org.). Psicologia e educação: fundamentos e reflexões. Porto Alegre:
EdiPUCRS, 2004. p. 17-28.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. São Paulo: Cengage, 2009.
STRATTON, P.; HAYES, N. Dicionário de psicologia. São Paulo: Pioneira, 2003.
WERTHEIMER, M. Pequena história da psicologia. 7. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1985.

Leituras recomendadas
AZZI, R. G. Introdução à teoria social cognitiva. São Paulo: Casa do Psicologo, 2014.
(Série Teoria Social Cognitiva em Contexto Educativo, v. 1).
STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
14 Histórico da abordagem cognitiva-social

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