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INSPER

LL.C. – DIREITO EMPRESARIAL

JOÃO GABRIEL GARCIA DA SILVA MATTOS

OS REFLEXOS NA CADEIA DE CONSUMO, SOB A ÓTICA DOS


FORNECEDORES, EM DECORRÊNCIA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE
EMPRESAS

SÃO PAULO
2020
JOÃO GABRIEL GARCIA DA SILVA MATTOS

OS REFLEXOS NA CADEIA DE CONSUMO, SOB A ÓTICA DOS


FORNECEDORES, EM DECORRÊNCIA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE
EMPRESAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao programa LL.C. em direito empresarial como
requisito parcial para a obtenção do título de
pós-graduado em direito empresarial.

Orientadora: Prof. Pamela Gabrielle Romeu


Gomes Roque

SÃO PAULO
2020
Mattos, João Gabriel Garcia da Silva.
Os Reflexos na Cadeia de Consumo, Sob a Ótica dos Fornecedores, em
Decorrência da Recuperação Judicial de Empresas.
João Gabriel Garcia da Silva Mattos – São Paulo, 2020.
25 f.

Trabalho de conclusão de curso – LL.C. de Direito Empresarial – Insper,


2020.
Orientadora: Pamela Gabrielle Romeu Gomes Roque
1. Cadeia de Consumo. 2. Recuperação judicial. 3. Responsabilidade Civil do
Fornecedor. I. João Gabriel Garcia da Silva Mattos. II. Os Reflexos na
Cadeia de Consumo, Sob a Ótica dos Fornecedores, em Decorrência da
Recuperação Judicial de Empresas.
Resumo

Ante a crise econômica que o Brasil inegavelmente está vivenciando, evidente que
os consumidores procuram as mais variadas maneiras capitalizarem, e para tanto,
uma das situações explicitadas é a busca por indenizações junto ao Judiciário, em
decorrência de prejuízos causados por empresas insolventes que ajuizaram pedido
de recuperação judicial. Nesse sentido, uma situação fática concreta está
provocando discussão no tocante a responsabilidade civil do fornecedor que, ao
permitir – através de campanha promocional ou não – que o consumidor realize a
transferência de seu ativo (pontos de fidelidade) a outro fornecedor, para usufruir os
serviços daquela empresa que, futuramente entrará em recuperação judicial, razão
pela qual o consumidor pretende o recebimento de indenização junto ao primeiro
fornecedor. Perante este entrave jurídico, são diversas a decisões emanadas do
Poder Judiciário, desde a responsabilização objetiva e solidária do fornecedor que
não informou corretamente o consumidor, até a convalidação do negócio jurídico
perfeito (transferência de pontos) e a consequente ausência de responsabilidade do
fornecedor, razão pela qual será realizado um cotejo dos julgados trazidos a título
exemplificativo. Assim, o objetivo do presente trabalho, que adota metodologia
hipotético-dedutiva, é diferenciar, dentro de um mesmo panorama fático, as
situações da responsabilidade civil do fornecedor, quando outro fornecedor da
mesma cadeia de consumo necessita ajuizar recuperação judicial. Além disso,
pretende-se analisar os impactos que tal responsabilização plena ou individualizada
pode causar em uma empresa, tendo como lastro as premissas utilizadas na
jurisprudência e doutrina, de forma a concluir a relevância de tal questão.

Palavras-chave: Cadeia de Consumo. Recuperação judicial. Responsabilidade Civil


do Fornecedor.
Abstract

In the face of the economic crisis that Brazil undeniably has been going thru, the
consumers look for the most varied ways to capitalize, and for this purpose, one of
the situations that exemplify that is the pursuit for judicial indemnities, due to the
damage caused by the insolvent companies. Therefore, one concrete situation is
causing discussions in terms of the civil liability of the supplier that allows – through
marketing or not – the consumer to transfer his active (fidelity points) to other supplier
in order to benefit from the services of this company, that later on will be in judicial
recovery, reason why the consumer requests indemnities to the first supplier. In the
face of this judicial obstacle, the are many decisions rendered by the judiciary
branch, since the objective and joint liability of the supplier that did not informed
correctly to the consumer up to the validate of the perfect juristic act (transference of
points) and the resulting lack of liability of the supplier, reason why it will be made a
comparison of the decisions brought to exemplify. Therefore, the goal of this work,
that adopts the hypothetic – deductive methodology, is to distinguish, in the same
overview scenario, the situations of civil liability of the supplier, when other supplier,
in the same consumption chain, needs to fill a request of judicial recovery. Besides
that, this work intends to analyze the impacts that the complete liability or
individualized liability could cause to the company, having as a base the arguments
used in jurisprudence and doctrine, in order to conclude the relevance of this matter.

Keywords: Consumer chain. Judicial reorganization. Civil liability of the supplier.


Sumário

1 Introdução ........................................................................................................... 7
2 Posição do Judiciário sobre a recuperação judicial na relação
consumerista ............................................................................................................. 9
3 O papel do fornecedor na cadeia de consumo .............................................. 15
4 Impactos da recuperação judicial entre fornecedores .................................. 17
5 Responsabilidade civil objetiva e solidária x Negócio jurídico perfeito ...... 19
6 Conclusão ......................................................................................................... 21
1 Introdução

Passados 30 (trinta) anos da promulgação da Lei nº 8.078/1990 (Código de


Defesa do Consumidor – “CDC”), evidente que é possível vislumbrar uma evolução
do cenário consumerista no Brasil, além dos consequentes desdobramentos
jurídicos que lhe são peculiares deste microssistema, com o volumoso acesso à
justiça de causas de menor complexidade junto aos Juizados Especiais Cíveis 1 faz
com que a aplicação do CDC seja bastante recorrente.
Na mesma linha, após 15 (quinze) anos da vigência da Lei nº 11.101/05 (Lei
de Recuperação de Empresas – “LRE”), somados ao período de crise econômica-
social instaurada – e majorada diante da pandemia mundial da Covid-192, evidente
que as empresas sofrem diversos impactos – inclusive no âmbito consumerista – no
momento em que há a concretude de recuperação judicial.
Basta uma breve análise junto ao tema de processos de reestruturação
empresarial, para constatar o atual período crítico que a economia brasileira vive,
que leva a uma projeção de um elevado aumento nos pedidos de recuperação
judicial e falência no ano de 20203.
Por via de consequência do aumento vertiginoso dos pedidos de recuperação
judicial e falência, os quais possuem procedimento próprio e totalmente recente,
traz-se uma gama de discussões acerca dos institutos criados por tal regramento,
mas não somente.
Neste cenário, de incertezas trazidos pelas recuperações judiciais, bem como
necessidade de restituição dos prejuízos causados aos consumidores, estes buscam
junto ao Judiciário, formas de serem indenizados sem a necessidade de participar
do moroso processo de recuperação judicial – que é resguardado o stay period que
suspende as ações e execuções em face da sociedade empresária, como expôs

1
DIAGNÓSTICO dos Juizados Especiais/Conselho Nacional de Justiça. Brasília: CNJ, 2020. p. 46
2 LINDER, Larissa. Brasil caminha para maior crise econômica de sua história. Economia UOL, 19
mai. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/19/brasil-caminha-
para-maior-crise-economica-de-sua-historia.htm. Acesso em: 04 set. 2020.
3 MEDEIROS, Israel. Pedidos de recuperação judicial devem triplicar em relação a 2019. Correio

Braziliense, 23 mai. 2020. Disponível em


https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/05/23/internas_economia,857601/p
edidos-de-recuperacao-judicial-devem-triplicar-em-relacao-a-2019.shtml. Acesso em: 04 set. 2020.
7
Marcelo Barbosa Sacramone4, posto que tal procedimento não costuma ser célere e
ter êxito ao final.
Por certo, o Código de Defesa do Consumidor respalda e protege os
interesses daquele mais frágil dentro da relação de consumo, e institutos jurídicos
como, a responsabilidade civil objetiva, e a solidariedade entre os fornecedores, são
utilizados para reequilibrar a relação entre as partes na relação de consumo – na
qual segundo Antonio Herman V. Benjamim5 após a massificação de produtos e
serviços vulnerou o consumidor, facilitando a este a obtenção da reparação de um
dano que lhe foi causado.
A controvérsia reside na responsabilização ou não daquela empresa solvente
que participou da mesma cadeia de serviço, em favor do consumidor hipossuficiente
que sofreu um prejuízo com a empresa insolvente. Por se tratar de construção
jurisprudencial sem previsão legal direta, não existe uma posição sedimentada a
respeito de tal problemática, fato este que pode gerar uma certa insegurança
jurídica.
Posto isso, através de uma pesquisa jurisprudencial de decisões singulares e
colegiadas, será possível identificar as questões que estão sendo avaliadas pelo
Judiciário ao julgar demandas sobre esta temática.
De forma ampla, após cotejar as sentenças e acórdãos trazidos, fez-se
necessário aplicar conceitos doutrinários para uma compreensão dos fundamentos
contidos nos julgados, desde o conceito do fornecedor, ao conceito econômico da
recuperação judicial de empresas, até o conflito entre a responsabilização civil
objetiva e solidária do fornecedor e o negócio jurídico perfeito realizado de forma
genuína pela consumidor.
Neste contexto, o presente trabalho visa explicitar os entendimentos diversos
do Judiciário quanto ao tema, bem como demonstrar os possíveis impactos
decorrentes da recuperação judicial de empresa em face de outro fornecedor
presente na cadeia de consumo.

4
Conforme: SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e
falência. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
5
Conforme: BENAJMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de direito do consumidor. 8. ed. ver., autal. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017.
8
2 Posição do Judiciário sobre a recuperação judicial na relação
consumerista

Como premissa ao desenvolvimento do presente estudo, necessário


colacionar ao presente determinadas decisões judiciais, tanto primeira, quanto de
segunda instância, que abordam a temática em questão para ilustrar a problemática
que empresas podem perceber em sua rotina.
Os julgados a seguir expostos, e que serão pormenorizadamente
comentados, versam sobre a eventual responsabilidade civil da fornecedora de
serviços, em restituir o consumidor de seu prejuízo em razão da recuperação judicial
de empresa parceira comercial (outro fornecedor dentro da macro relação de
consumo).
Importante salientar, que os consumidores trazidos a título ilustrativos,
sofreram prejuízos em razão da recuperação judicial (Processo nº 1125658-
81.2018.8.26.0100) da companhia aérea nacional OCEANAIR - Linhas Aéreas Ltda.,
comercialmente conhecida como “Avianca”, mas com o fito de obter uma célere
reparação, se valeram de alternativas jurídicas para tentar estabelecer o status quo
em face de outro fornecedor – parceiro comercial da Recuperanda, que permeou
aquela cadeia de consumo.
Primeiramente, insta destacar a respeitável sentença prolatada nos autos do
processo nº 1008896-66.2020.8.26.0114, que tramitou à 1ª Vara do Juizado
Especial Cível da Comarca de Campinas/SP, a qual abordou o tema de maneira
ampla e entendeu, ao final, por julgar o pedido improcedente6, veja-se:
SENTENÇA PROCESSO DIGITAL Nº: 1008896-66.2020.8.26.0114
CLASSE – ASSUNTO: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL -
RESCISÃO DO CONTRATO E DEVOLUÇÃO DO DINHEIRO
REQUERENTE: MOACIR CARLOS SILVEIRA MARTINS REQUERIDO:
LIVELO S/A JUIZ(A) DE DIREITO: DR(A). RENATA OLIVA BERNARDES
DE SOUZA. [...] Trata-se de ação ajuizada por MOACIR CARLOS
SILVEIRA MARTINS em face de LIVELO S.A., alegando, em suma, que
realizou transferência de pontos da Livelo para um programa da Avianca.
Ocorre que a empresa aérea entrou em recuperação judicial, de modo que

6
BRASIL. Juizado Especial Cível de Campinas/SP. Processo 10088966620208260114. Juíza:
Renata Oliva Bernardes de Souza. Campinas, 21 mai. 2020. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjpg/pesquisar.do?conversationId=&dadosConsulta.pesquisaLivre=&tipoNumer
o=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=1008896-
66.2020&foroNumeroUnificado=0114&dadosConsulta.nuProcesso=1008896-
66.2020.8.26.0114&dadosConsulta.nuProcessoAntigo=&classeTreeSelection.values=&classeTreeSel
ection.text=&assuntoTreeSelection.values=&assuntoTreeSelection.text=&agenteSelectedEntitiesList=
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osConsulta.dtFim=06%2F10%2F2020&varasTreeSelection.values=&varasTreeSelection.text=&dados
Consulta.ordenacao=DESC. Acesso em: 12 set. 2020.
9
ficou impossibilitado de utilizar os pontos que transferiu. Diante do ocorrido,
requer a condenação da requerida: I) em obrigação de fazer, consistente
em devolver os pontos para o programa Livelo, efetuando o estorno de
335.000 mil pontos; II) Subsidiariamente, requer a reparação dos danos
patrimoniais, no importe de R$ 23.450,00; III) ao pagamento de indenização
por danos morais, na quantia de R$ 10.000,00. (...) Insta considerar,
portanto, que para que haja a configuração de um dano indenizável, mister
o preenchimento de quatro requisitos: a existência de uma ação ou omissão
por parte do agente causador; um dano, ou seja, um prejuízo resultante da
ação ou omissão; o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano
sofrido; e a existência de culpa lato sensu, a depender de quem seja o
agente causador. De acordo com a documentação amealhada aos autos
(fls. 18/22), a parte autora beneficiou-se dos serviços prestados pela
requerida, de modo que conseguiu efetuar a transferência da pontuação
desejada, sem quaisquer transtornos. Importante salientar que a Avianca
entrou com pedido de recuperação judicial em dezembro de 2018 e seu
plano foi aprovado em abril de 2019, sendo que o autor realizou a
transferência de seus pontos em agosto de 2018. Assim, não há como se
impor à requerida o dever de informação posto que sequer comprovado que
tinha ciência da situação da empresa aérea. Por sua vez, o fato da empresa
aérea destinatária dos pontos ter entrado em recuperação judicial não pode,
de maneira alguma, ser atribuído à requerida Livelo, que cumpriu sua
obrigação a contento. O requerente, espontaneamente, solicitou a
transferência de seus pontos para o programa Amigo da companhia aérea
Avianca. Obviamente, concluído o resgate dos pontos, a ré Livelo não
possui mais qualquer ingerência sobre eles. Desta feita, a ré prestou os
serviços nos moldes do que fora pactuado, não restando caracterizada
conduta ilícita por parte dela, nos termos do art.14, § 3º, inciso I, do Código
de Defesa do Consumidor. De rigor, portanto, a improcedência dos pedidos.
[...].
No, aludido decisum, imperioso destacar a fundamentação no tocante ao
dever de informação do fornecedor dentro da cadeia consumerista, pois, na
hipótese, o fornecedor solvente, de boa-fé, que não possui informação sobre a
situação financeira de seu parceiro comercial - e que, posteriormente, ajuíza pedido
de recuperação judicial -, não deve ser responsabilizado de um dano causado
exclusivamente pelo fornecedor insolvente.
Outrossim, e seguindo a linha de raciocínio da primeira decisão exposta,
colaciona-se a respeitável sentença proferida no processo nº 3000600-
80.2019.8.06.0221, em trâmite perante o 24º Juizado Especial Cível da Comarca de
Fortaleza/CE7, a qual entendeu que, não houve falha na prestação de serviço por
parte do fornecedor (empresa do Programa de Fidelidade), em razão da inexistência
de falha na prestação de serviço do fornecedor solvente, pois apenas atendeu o
comando do consumidor que solicitou a transferência de pontos, devendo a
Recuperanda responder pelo prejuízo ocasionado.

7
BRASIL. Juizado Especial Cível de Fortaleza/CE. Processo 30006008020198060221. Juíza: Ijosiana
Cavalcante Serpa. Fortaleza, 17 jul. 2019. Disponível em: Disponível em:
https://pje.tjce.jus.br/pje1grau/ConsultaPublica/listView.seam. Acesso em: 12 set. 2020.
10
SENTENÇA AÇÃO DE RESTITUIÇÃO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. PROCESSO Nº 3000600-80.2019.8.06.0221. PROMOVENTE:
JOSÉ AFRO LOURENÇO FERNANDES. PROMOVIDAS: OCEANAIR
LINHAS AÉREAS S.A e LIVELO S.A. Trata-se de Reclamação Cível
ajuizada por JOSÉ AFRO LOURENÇO FERNANDES em desfavor de
OCEANAIR LINHAS AÉREAS S.A e LIVELO S.A, na qual alegou que aderiu
ao programa de recompensa proposto por seu cartão de crédito, o qual
converte em pontos os valores financeiros pagos, podendo ser trocados por
passagens aéreas ou outros prêmios. Arguiu que, acumulou 81.500 (oitenta
e um mil e quinhentos) pontos através da LIVELO S.A e os transferiu para o
programa “FIDELIDADE AMIGO” desenvolvido pela OCEANAIR LINHAS
AÉREAS S.A, a fim de adquirir passagem aérea partindo de Fortaleza-CE
para Orlando-EUA. Declarou que ao tentar comprar as passagens não
existia disponibilidade de voos. Diante disso, requereu a restituição de
81.500 (oitenta e um mil e quinhentos) pontos e uma indenização por danos
morais. (...) Após análise minuciosa dos autos, observou-se que não restou
configurada nenhuma falha na prestação de serviço da 2ª ré e sim o pleno
atendimento por parte da promovida no sentido de repassar para a 2ª ré os
pontos acumulados pelo autor. Neste jaez, não restou caracterizada
conduta ilícita da empresa LIVELO, porquanto, o serviço fora prestado
adequadamente, isto é, sem defeito, nos termos do art.14, §3º, I, do CDC.
Por conseguinte, julgo improcedente os pedidos em face da promovida
LIVELO S.A. Quanto à promovida revel, OCEANAIR LINHAS AÉREAS S.A,
é de conhecimento público, notório e incontestável que a mesma encontra-
se em recuperação judicial, estando com sua operação reduzida. Ademais,
é indubitável a existência de 81.500 pontos no “Programa Amigo”, conforme
se constatou do extrato acostado ao ID 14947630. Assim, considerando a
indisponibilidade de realizar a compra das passagens aéreas, determino
que a promovida restitua os pontos acumulados pelo promovente. [...].
Percebe-se, ao cotejar a sentença aqui trazida, que mesmo existindo prejuízo
inequívoco do consumidor em razão da recuperação judicial de um dos fornecedores
da cadeia de consumo, é necessário verificar se realmente houve falha na prestação
de serviço daquele que não está em recuperação judicial, posto que não poderá ser
responsabilizado pela falha de outrem – ainda que pela ótica da responsabilidade
civil objetiva e solidária.
Interessante, por sua vez, trazer um contraponto aos ulteriores julgados, com
a íntegra do venerando aresto da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais
do Distrito Federal que negou provimento ao recurso do fornecedor e manteve a
sentença de procedência8, segue a íntegra:

8
BRASIL. Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Distrito Federal. Acórdão 1218115,
processo 07070443620198070020. Relator: Carlos Alberto Martins Filho. Brasília, 26 nov. 2019.
Disponível em: https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-
web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordao&nom
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1&quantidadeDeRegistros=20&totalHits=1. Acesso em 12 set. 2020.
11
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CONSUMIDOR. PROGRAMA DE
FIFELIDADE. OFERTA DE PONTOS PARA AQUISIÇÃO E
TRANSFERÊNCIA, COM BÔNUS, PARA O PROGRAMA AMIGOS
AVIANCA, VEICULADA NO SITE DA RÉ. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES. IMPOSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO DOS PONTOS. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO. FALHA NA
PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
OBJETIVA E AO DIREITO DE INFORMAÇÃO. RESTITUIÇÃO DEVIDA.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Na origem, os autores
narraram que, em 20/02/2019, ao tomarem conhecimento de promoção
veiculada no site da ré, adquiriram 300.000 pontos para posterior
transferência, com bônus de 100%, para a promoção do programa Amigo
Avianca. Relataram que, em maio de 2019, tomaram ciência da situação
financeira da empresa Avianca, razão pela qual solicitaram a devolução dos
pontos junto à ré, mas não obtiveram êxito. Requereram a condenação da
ré à obrigação de devolver 600.000 pontos e indenização pelos danos
morais. 2. Trata-se de recurso interposto pela ré contra a sentença que
julgou parcialmente procedente o pedido constante na inicial para condená-
lo na obrigação de restituir a cada um dos autores os pontos utilizados para
a aquisição dos pontos da promoção ofertada pela ré (300.000 pontos). 3.
Nas suas razões, alega a inexistência de ato ilícito praticado e a
impossibilidade de devolução da pontuação, de acordo com o regulamento
previsto e previamente informado, do qual os autores/recorridos possuem
ciência e estão de acordo. 4. Assevera que caberia exclusivamente à
Avianca a devolução dos pontos aos autores/recorridos. Pondera que eram
várias as notícias da situação da companhia aérea Avianca e que cabe aos
recorridos a responsabilidade pelo risco da aquisição. Pugna pelo
provimento do recurso para reformar a sentença, a fim de julgar
improcedentes os pedidos iniciais. 5. A relação jurídica estabelecida entre
as partes é de natureza consumerista, haja vista as partes estarem
inseridas nos conceitos de fornecedor e consumidor previstos no Código de
Defesa do Consumidor. Aplicam-se ao caso em comento as regras de
proteção do consumidor, inclusive as pertinentes à responsabilidade
objetiva na prestação dos serviços. 6. Não obstante a alegação de que era
de conhecimento geral a situação financeira da companhia aérea Avianca,
verifica-se que a ré/recorrente não se desincumbiu de seu ônus de
demonstrar que informou previamente aos autores/recorridos sobre o risco
da aquisição de pontos do programa de fidelidade de empresa que se
encontrava em recuperação judicial (art. 373, II do CPC). 7. Constitui direito
básico dos consumidores a informação clara e adequada atinente aos riscos
da aquisição de produto, no caso concreto, pontos do programa de
fidelidade de empresa em recuperação judicial. 8. A ausência de
comunicação prévia e transparente a esse respeito afronta o princípio da
boa-fé objetiva, que rege as relações jurídicas contratuais em todas as suas
fases (art. 422, CC e Enunciado nº 25 das Jornadas de Direito Civil). 9. Na
situação sob exame, resta evidente que houve falha na prestação dos
serviços, ante a violação ao direito da informação, razão pela qual é de se
manter na íntegra a sentença. 10. Recurso conhecido e improvido.
Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 11. Condenada a parte
recorrente ao pagamento das custas processuais. Sem condenação aos
honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 12. A súmula do
julgamento valerá como acórdão, na forma do art. 46 da Lei n.º 9.099/95.
Na ótica deste último precedente, em razão da relação de consumo prever a
responsabilidade civil objetiva, ou seja, aquela que prescinde de culpa do agente
causador, como dispõe Sérgio Cavalieri Filho9, era dever do fornecedor a obrigação

9
Conforme: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Atlas, 2010.
12
de informar ao consumidor todos riscos que ele teria ao realizar a transferência à
empresa que estava em recuperação judicial.
Interessante notar que na referida decisão colegiada, imperou-se sob a
premissa do direito à informação ao consumidor – consoante art. 30 do CDC, sendo
que havendo uma rusga neste ponto, foi suficiente para que ao final fosse julgado
procedente o pleito consumerista.
Na mesma toada, colaciona-se recente julgado da Segunda Turma Recursal
dos Juizados Especiais do Distrito Federal10:
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. CONSUMIDOR. PROGRAMA DE
MILHAGEM. PUBLICIDADE PROMOCIONAL. LIVELO E AVIANCA.
FALÊNCIA DA EMPRESA PARCEIRA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAR
SERVIÇOS CONTRATADOS. INEXECUÇÃO CONTRATUAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. INDENIZAÇÃO. PERDAS
E DANOS. RESTITUIÇÃO AO STATUS QUO ANTE. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. Trata-se de recurso inominado
interposto pela parte ré em face de sentença que julgou parcialmente
procedente o pedido da autora FRANCINETE DE OLIVEIRA SANTOS
CAVALCANTE para, com base no art. 6° da Lei 9.099/95 e 7° da Lei
8.078/90, CONDENAR a empresa ré LIVELO S.A a devolver a autora
300.000 para a conta da requerente junto a Livelo S.A. Nas razões do
recurso, alega a parte recorrente inexistência de danos materiais, ao
argumento de ausência de ato ilícito praticado pela Livelo, bem como a
impossibilidade do cancelamento da transferência de pontos para o
Progama de Fidelidade Amigo Avianca. Pugna pela reforma integral da
sentença e improcedência do pedido (ID 16655544). II. Recurso próprio,
tempestivo e com preparo regular (ID 16655547 e 16655548).
Contrarrazões não foram apresentadas (ID 16655553). III. A relação jurídica
estabelecida entre as partes é de natureza consumerista (art. 2º e 3º, do
CDC), devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do
microssistema do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990). IV.
A responsabilidade dos fornecedores de serviços, em regime de parceria
empresarial, é solidária, conforme preconiza o art. 7º, parágrafo único, e 25,
§1º, do CDC, pois estatuem claramente que, havendo mais de um
responsável pela causa que deu origem ao dano, todos responderão pela
reparação prevista nesta e nas Seções anteriores. V. No caso, a publicidade
promocional ofertada vincula a empresa que gerencia programa de pontos e
benefícios (Livelo) e torna-se parte integrante do contrato de prestação de
serviços que eventualmente for descumprido por empresa parceira
(Avianca), nos termos do art. 30 do Código de Defesa do Consumidor, como
ocorreu no caso dos autos. VI. O consumidor impossibilitado de utilizar dos
serviços contratados (inadimplemento da obrigação), em razão da
interrupção das atividades da companhia aérea parceira da empresa que

10
BRASIL. Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Distrito Federal. Acórdão 1275918,
processo 07308363120198070016. Relator: Almir Andrade de Freitas. Brasília, 26 ago. 2019.
Disponível em: https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-
web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordao&nom
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esembargador=&dataInicio=&legislacao=&orgaoJulgador=&numeroDaPaginaAtual=1&quantidadeDe
Registros=20&totalHits=1. Acesso em: 12 set. 2020.
13
ofertou publicidade promocional vinculada a programa de pontos, faz jus à
indenização por perdas e danos. A responsabilidade é objetiva, ou seja,
independe da demonstração da culpa, porque fundada no risco da atividade
econômica. VII. Comprovado o prejuízo patrimonial decorrente do evento
danoso, é devida a indenização por danos materiais com o retorno ao status
quo ante. Por isso não merece reforma a sentença recorrida. VIII. Recurso
conhecido e não provido. Sentença mantida. Custas recolhidas. Deixo de
arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. IX. A
súmula de julgamento servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46
da Lei nº 9.099/95.
Neste último exemplo, restou claramente demonstrada a posição do Judiciário
ao responsabilizar todos os fornecedores da cadeia, porquanto entendeu que ambas
as empresas foram responsáveis pelo dano causado ao Consumidor.
Considerando os julgados colacionados para ilustrar o tema, é possível
identificar semelhanças, tais quais o direito a informação do consumidor, a
responsabilidade civil objetiva e solidária, bem como constata-se diferenças no
resultado efetivo do processo – com interpretações desfavoráveis e favoráveis aos
fornecedores.
Parece-me que a controvérsia cinge-se em verificar a eventual
responsabilidade da fornecedora de serviços – que possuía parceria comercial coma
empresa Recuperanda – sobre a impossibilidade de os consumidores se valerem da
utilização de suas milhas aéreas em decorrência da falência de empresa parceira,
bem como, os limites de eventual responsabilidade solidária por perdas e danos
sobre o negócio jurídico perfeito (transferência de pontos).
Posto isso, forçoso dissecar os fundamentos primórdios das decisões
judiciais, para entender qual o possível reflexo da recuperação judicial de um
fornecedor a outro fornecedor que possuíam uma parceria comercial e figuravam
dentro da mesma cadeia de consumo.

14
3 O papel do fornecedor na cadeia de consumo

A relação de consumo, consoante dispõe Luis Antônio Rizzatto Nunes11, pode


ser definida como o negócio jurídico no qual o vínculo entre as partes se firma pela
compra ou utilização de um produto ou serviço, sendo o comprador, na qualidade de
destinatário final, o consumidor e o vendedor figura como o fornecedor.
Seguindo esta linha de raciocínio, destacam-se os termos centrais para a
definição de relação de consumo são: produto, serviço, consumidor e fornecedor.
Bem por isso, o conjunto de todos esses elementos são requisitos para que seja
aperfeiçoada uma relação consumerista.
Necessário trazer à baila, o enfoque da definição de quem são os
fornecedores na relação de consumo.
O art. 3º do CDC transparece uma definição restrita: “Fornecedor é toda
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Neste sentido assevera Claudia Lima Marques12:
Como se vê, há uma diferenciação nos critérios para o fornecimento e
produtos e serviços, que vêm definidos nos parágrafos dos art. 3º do CDC,
também de maneira ampla. Quanto ao fornecimento de produtos, o critério
caracterizador é desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a
comercialização, a produção, a importação, indicando também uma certa
habitualidade, com a transformação, a distribuição de produtos. Essas
características vão excluir a aplicação das normas do CDC todos os
contratos firmados entre dois consumidores, não profissionais, que são
relações puramente civis às quais se aplica o CC/2002. A exclusão parece-
me correta, pois o CDC, ao criar direitos para os consumidores, cria
deveres, e amplos, para os fornecedores.
Outrossim, basta um debruçar de olhos no art. 12 e seguintes do CDC, para
distinguir o conceito de fornecedor, o qual é gênero, sendo o fabricante, o produtor,
o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador, assim como o comerciante,
são espécies. Neste espeque, ressalta-se que o sistema de proteção ao consumidor
pressupõe que todos sejam responsabilizados quando utiliza o termo fornecedor, e
especifica ao entender que deve personalizar a responsabilização.

11
NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 13. ed. rev. e atual. São Paulo:
SaraivaJur, 2019.
12
BENAJMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de
direito do consumidor. 8. ed. ver., autal. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p.
133.
15
É essencial, portanto, numa relação de consumo a observância da livre
contratação, devendo o consumidor ser livre para negociar com qualquer fornecedor,
e isso, por certo, pressupõe a boa-fé nas relações e a transparência das ofertas.
Na hipótese em questão, a boa-fé do fornecedor, cumulada com a
disponibilização de uma clara informação, é o que está em voga para a correta
delimitação de responsabilidade. Faz-se, aqui, um paralelo com a teoria contratual
que vem observar o compromisso das partes com o justo, é como aduz Humberto
Theodoro Júnior13, segurança e justiça passaram a ser os dois valores a serem
perseguidos em plano de harmonização efetiva.
Para que os fornecedores não sejam responsabilizados de uma maneira
ampla e genérica, é fundamental a observância da justeza nas relações
consumeristas, onde devem ser respeitadas as obrigações de cada parte, buscando
sempre evitar o desequilíbrio das relações e da própria segurança jurídica.

13
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equ
ilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do Direito Civil e
do Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
16
4 Impactos da recuperação judicial entre fornecedores

Para que haja uma visão ampla de como a recuperação judicial de uma
empresa pode afetar a cadeia de consumo, necessário de início trazer o conceito da
recuperação judicial, que assim está estipulado no art. 47 da Lei nº 11.101/2005:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de
crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da
fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos
credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social
e o estímulo à atividade econômica.
De plano, tem-se que a recuperação judicial possui o escopo de preservar a
entidade empresária, pois com isso mantém possibilidade da manutenção da
economia daquele microssistema.
Sobre o tema, dispõe Marcelo Sacramone14:
Diante de uma crise econômico-financeira do empresário devedor, a Lei nº
11.101/2005 procurou criar instrumentos para que diversos interesses
envolvidos na condição da atividade empresarial, sejam eles do devedor,
dos credores, dos consumidores, da nação, pudessem se compor para
obter a melhor solução comum a todos.
Por sua vez, o doutrinador Gladston Mamede15 aduz:
A intervenção do judiciário para permitir a recuperação da empresa,
evitando sua falência – se possível -, faz-se em reconhecimento da função
social que as empresas desempenham. São instituições voltadas para o
exercício da atividade econômica organizada, atuando para a produção e
circulação de riquezas, pela produção e circulação de bens e/ou pela
prestação de serviços. Essa riqueza, por certo, beneficia o empresário e os
sócios da sociedade empresária, por meio da distribuição de lucros. Mas
beneficia igualmente todos aqueles que estão direta e indiretamente
envolvidos: não só os empregados, mas os fornecedores (seus empregados
que tem trabalho), os clientes (outras empresas ou consumidores, que tem
bens e serviços à sua disposição), o próprio mercado, que ganha com a
concorrência entre as diversas empresas, bem como com a complexidade
dos produtos – bens e serviços – que compõem o Estado, com os impostos,
a região a região em que a empresa atua, com os benefícios decorrentes da
circulação de valores etc..
Por certo, que a recuperação judicial de empresas resulta em um abalo na
confiança mercadológica de todos os agentes com relação a ela, bem por isso,
aqueles que vislumbram uma brecha legal, se propõe a tentá-la antes de participar
do processo de recuperação judicial.
Entretanto, trazendo esta realizada à problemática do presente estudo, em
relação à responsabilidade solidária das empresas, já foi decidido pelo Colendo

14
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência.
São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 188.
15
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 441.
17
Superior Tribunal de Justiça16 que a proteção que é proporcionada ao consumidor,
jamais poderá blindá-lo dos efeitos e consequências do processo de reestruturação
financeira do fornecedor.
Na mesma esteira, e segundo a mesma linha de raciocínio quanto a uma
eventual blindagem do consumidor, ponderou a aludida decisão judicial que:
O compromisso do Estado de promover o equilíbrio das relações
consumeristas não é uma garantia absoluta, estando a sua realização
sujeita à ponderação, na hipótese, quanto aos múltiplos interesses
protegidos pelo princípio da preservação da empresa.
Ora, neste viés, evidente que há um grande impacto social no momento que
uma empresa ajuíza pedido de recuperação judicial, razão pela qual, não podem ser
diferentes as consequências decorrentes de tal cenário nas relações consumeristas.
Por conseguinte, especificamente ao cenário dos casos concretos
colacionados neste trabalho, percebe-se que a responsabilização deve ser
singularizada, sendo que se o causador do dano for a empresa Recuperanda, os
créditos dos consumidores não podem fugir da recuperação judicial ao argumento
de responsabilidade solidária das empresas que participam da cadeia de consumo,
pois, desta maneira, estar-se-ia alterando a finalidade da equação perquirida do
estado de crise econômico-financeira da entidade, punindo injustamente a outra
empresa.

16
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1598130/RJ. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, Terceira Turma. Brasília, 07 mar. 2017. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1598130&b=ACOR&p=false&l=10&i=8&oper
ador=mesmo&tipo_visualizacao=RESUMO. Acesso em 19 set. 2020.

18
5 Responsabilidade civil objetiva e solidária x Negócio jurídico perfeito

São elementos essenciais à análise da hipótese trazida no presente estudo, a


responsabilidade civil, objetiva e solidária, do fornecedor que disponibilizou ao
consumidor a transferência de pontos - e a revisão deste negócio jurídico perfeito –
a outro fornecedor que, porventura, veio a pleitear a recuperação judicial.
Inegavelmente, pela situação estar devidamente enquadrada em uma relação
consumerista, a responsabilidade civil dos fornecedores é inegavelmente objetiva e
solidária.
Preconiza o art. 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”.
Neste diapasão, dispõe Carlos Roberto Gonçalves17:
Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do
agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é
presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a
responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura).
Quando a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova. O autor da ação
só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu,
porque sua culpa já é presumida. Trata-se, portanto, de classificação
baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido
ônus. Mas, como se baseia em culpa presumida, denomina-se objetiva
imprópria ou impura. É o caso, por exemplo, previsto no art. 936 do CC, que
presume a culpa do dono do animal que venha a causar dano a outrem.
Mas faculta-lhe a prova das excludentes ali mencionadas, com inversão do
ônus probandi. Se o réu não provar a existência de alguma excludente, será
considerado culpado, pois sua culpa é presumida. Há casos em que se
prescinde totalmente da prova da culpa. São as hipóteses de
responsabilidade independentemente de culpa. Basta que haja relação de
causalidade entre a ação e o dano.
Já a solidariedade está normatizada, de uma forma ampla, no parágrafo único
do art. 7º do CDC: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão
solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”.
Neste sentido, é forçoso concluir que, em regras gerais – salvo exceções
legais constantes na própria Lei nº 8.078/90 -, o fornecedor responde objetiva e
solidariamente.
Ocorre que, dentro de uma cadeia de consumo, existem diversos negócios
jurídicos que são realizados entre o consumidor e diferentes fornecedores, como na

17
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 21/22
19
hipótese trazida no presente, em que um consumidor opta por transferir seus pontos
de um fornecedor para outro fornecedor.
Neste sentido, destacasse que o negócio jurídico presente na relação de
consumo está lastreado no princípio da boa-fé, com o objetivo maior de proteger os
interesses econômicos daquele consumidor hipossuficiente na relação.
Sobre o negócio jurídico, é certo aduzir que é “uma manifestação de vontade
qualificada, ou uma declaração de vontade” 18 que produz efeitos no plano jurídico.
Sob esta ótica, é crível que a causa do negócio jurídico é a produção de
determinados efeitos típicos do plano do direito.
Nos casos em apreço – em que o objeto é o resgate e transferência de pontos
por solicitação do consumidor, evidente que há concretização de um negócio jurídico
perfeito, de modo que não deveria ser possível, salvo em casos de fraude ou
situações previstas enquadradas nos termos de uso do fornecedor, a restituição
dessa negócio a bel prazer do consumidor.

18
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3 ed. São
Paulo: Saraiva, 2000. p. 17.
20
6 Conclusão

A temática trazida no presente trabalho foi considerada em razão da crise


econômica em que passa o Brasil, e por via de consequência o aumento na
quantidade de pedidos de recuperação judicial e falência no país, ocasionando
assim, reflexos em diversas áreas do direito, inclusive na seara consumerista.
Como o microssistema consumerista vislumbra proteger e defender o
consumidor, por vezes este último lança meios oblíquos, para, de toda forma, ter
reparado o seu prejuízo, o que, por certo, gera impactos ao fornecedor.
Se valendo de institutos legais, como a responsabilidade civil objetiva e
solidária do fornecedor, os consumidores, mesmo tendo agido por ato próprio e sem
qualquer coação, buscam a reparação do prejuízo junto aquele fornecedor que está
solvente.
Entende-se que, ainda que haja uma clara parceria comercial entre os
fornecedores, não parece certo imputar a reparação ao fornecedor que efetivamente
não deu causa ao dano. Até porque, basta, para ensejar o dever de reparar, que o
consumidor comprove o efetivo prejuízo e o nexo de causalidade entre este e a
conduta ilícita efetivamente praticada pelo fornecedor.
Neste diapasão, com o devido acatamento a entendimentos contrários, é
necessário delimitar quais foram os serviços de cada um dos fornecedores, para,
então, identificar corretamente aquele que deu causa, e, destarte, seja
responsabilizado civilmente a restituição do status quo.
Evidente que os institutos jurídicos da responsabilidade civil objetiva e
solidária tem razão de ser, principalmente diante de todo o contexto de
vulnerabilidade que o consumidor está inserido, contudo, tais elementos precisar ser
sopesados com a análise do caso concreto para verificar se o fornecedor solvente
prestou o seu serviço sem falhas ou ressalvas, o que constituiria um negócio jurídico
perfeito.
Ademais, necessário observar que, também deve ser imputado, ainda que de
forma relativa, responsabilidade ao consumidor no comando de seus atos, posto
que, por vezes, a situação de insolvência empresarial é pública e notória, não
devendo ser imputada exclusivamente ao fornecedor falha no direito de informação
neste viés.

21
Isto posto, além de necessidade de uma profunda análise nos casos
concretos, e das suas respectivas peculiaridades, devem ser considerados o
possível reflexo – econômico – que a posição do Judiciário pode gerar ao
responsabilizar inadvertidamente de forma solidária, os fornecedores que, a priori,
não falharam no serviço prestado ao consumidor e agiram de total boa-fé.
Diante disso, considerando as decisões conflitantes do Judiciário, é preciso,
na visão dos fornecedores, sopesar com cautela as parcerias comerciais firmadas,
pois em última análise, poderá, sim, responder pelas possíveis perdas e danos
ocasionados pela empresa insolvente que ajuizou pedido de recuperação judicial o
fornecedor que não deu causa ao problema .

22
Referências

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e


eficácia. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BENAJMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo
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23
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25

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