Diversas são as concepções de consciência nas distintas áreas do conhecimento responsáveis pelo estudo e entendimento dessa, entre elas, pode-se destacar como a principal a definição neurofisiológica de consciência, a qual se estabelece a partir da relação desta com o chamado estado de vigília, dessa forma, estar consciente é poder vivenciar a experiência como ela se apresenta ao indivíduo. A inconsciência, portanto, seria o estado pelo qual somos incapazes de nos relacionarmos com o mundo, como se não pudéssemos apreender aquilo que se destina a nós (metáfora do palco iluminado, no qual a consciência é a luz e o inconsciente seria o escuro). Diferentemente da proposta fisiológica, a psicanálise utiliza o conceito de inconsciente de uma forma completamente diferente, não como um espaço vazio, sem qualquer tipo de saber que possa ser compreendido, mas como um âmbito psíquico rico em informações e que possui suas próprias regras e mecanismos de funcionamento, fazendo com que se diferencie da consciência. Freud inaugura esse pensamento na obra “A Interpretação dos Sonhos”, na qual ele propõe um esquema do aparelho psíquico, dividido em inconsciente, pré-consciente e consciência. A partir dessa elaboração ele deixa de lado o discurso de soberania da consciência, de modo que esta seria a representação do Eu, o qual é regido a todo tempo pelas demandas do inconsciente e entende que uma vez que a plena consciência já não é mais o padrão buscado, tal qual como anteriormente (apenas pela consciência é que se obtém a verdade), o tratamento do psiquismo não deve se basear a partir de uma adequação aos padrões impostos por ela. O indivíduo, portanto, seria fruto do embate entre as forças pulsionais do inconsciente e censura proveniente da consciência, a qual se estabelece a partir das regras sociais em que o indivíduo se insere. Dessa forma, Freud não tenta entender a consciência como um aspecto natural dos indivíduos, ou seja, biológico, inerente a eles, mas como o fruto de uma relação desse com a sociedade em que se insere (apenas a partir da inserção no discurso é que se torna possível a imposição de restrições morais pela própria consciência e a comunicação do desejo pelo inconsciente). Ao entender o Eu como intermediário na luta entre inconsciente e consciência, Freud renega também a concepção até então desenvolvida sobre as patologias da mente. Essas eram classificadas como a perda de consciência, o que na teoria freudiana não faria o menor sentido, já que o oposto de consciência não necessariamente consiste em um quadro de enfermidade. Para a psicanálise os sintomas característicos das psicopatologias derivam justamente da luta entre os âmbitos opostos do aparelho psíquico, o inconsciente, com suas pulsões perversas e imorais encontra-se constantemente digladiando com a consciência, que busca de inúmeras maneiras censurar esses desejos e impedi-los de escapar. Os sintomas seriam, portanto, manifestações do inconsciente disfarçadas pelo processo de repressão do Eu sobre o inconsciente, a partir de sua inserção em um discurso. Semiologia da consciência do eu Até agora fora tratado que a consciência é um âmbito do aparelho psíquico responsável por receber os diversos estímulos, provenientes das fontes externas e internas (ambiente e inconsciente) e filtrá-los de acordo com o discurso no qual o indivíduo se insere, responsável pela ordenação e concepção de realidade deste. A partir de agora será tratada a forma como o indivíduo adquire consciência de si próprio, ou seja, como ele passa a se perceber como algo inserido em uma realidade. De início, vale ressaltar que Lacan contraria a teoria fenomenológica de unidade do indivíduo, na qual a consciência de si próprio não depende de qualquer fator externo ao indivíduo, ela se daria a partir de uma concepção puramente natural e autônoma, evidenciando uma unidade entre o Eu e a consciência. Ao valer-se da teoria freudiana explicitada anteriormente, Lacan entende que essa consciência do eu não se dá de modo arbitrário e isolado do mundo exterior, pelo contrário, ela depende fortemente dos processos repressivos da consciência, que permitem ao indivíduo se perceber de uma maneira específica de acordo com os diferentes discursos que o perpassam. Para ilustrar essa proposição, é necessário recorrer à tese de Wallon que indica que o indivíduo, durante o início de sua formação não é capaz de se conceber como um todo (unidade), visto que sua experiência perceptual é dependente exclusivamente do outro. Nesse momento específico, a criança é incapaz de se reconhecer em uma imagem, uma vez que não admite aquilo como sua representação, é a partir do momento que é comunicado a ela que aquilo que ela visualiza não é um outro, mas sim ela mesma é que o indivíduo passa a ter consciência de si, ou seja, a tomada de consciência do Eu não se estabelece de maneira natural e arbitrária, por si só, ela necessita da figura do outro que insere o indivíduo em um discurso para que este possa tomar conhecimento de si próprio. O Eu se forma anteriormente à consciência do Eu, visto que aquele se estabelece a partir do entendimento de que não se é o outro com o qual se estabelecem as diferentes interações libidinais na infância, já este se estabelece a partir da inserção do indivíduo em um discurso (a comunicação dos outros de que a imagem representa o próprio indivíduo). É a partir disso que o indivíduo passa a diferenciar aquilo que não representa ele, o outro, portanto, seria tudo aquilo que não se assemelha à construção de Eu realizada pela consciência. A apreensão da realidade seria realizada da mesma forma pelos indivíduos, ou seja, a partir de relações de semelhança entre os diversos estímulos aos quais estão expostos, contudo, a realidade não se estabelece a partir desse tipo de relacionamento. O indivíduo, portanto, conhece o mundo a partir de uma projeção errônea de si mesmo sobre os objetos da percepção e, por ser deficitária não é produtora de conhecimento verdadeiro, o que é responsável por produzir uma realidade completamente distorcida, característica da patologia. Cabe ao processo analítico buscar entender a forma como o indivíduo se projeta na realidade e a entende a partir da concepção de si mesmo e produzir o conhecimento verdadeiro na consciência desse. As psicopatologias são derivadas dessa incapacidade de se conhecer provocada pelo Eu no próprio indivíduo, o chamado desconhecimento ativo atua a partir da censura da consciência sobre os desejos pulsionais, é pelo recalcamento do inconsciente que o Eu exclui o Isso e, assim, promove o escape das pulsões por meio de sintomas (o sintoma é derivado da negação do Isso pelo Eu, o qual tem horror em encará-lo). O processo analítico atua justamente na liberação do inconsciente de maneira pura, de modo que a consciência terá contato com ele em seu estado original, sem qualquer tipo de repressão ou censura, permitindo que o indivíduo conheça verdadeiramente a realidade na qual se insere. Para isso, a psicanálise introduz a figura do Outro no processo, visto que a apreensão verdadeira não se dá por si mesmo, depende de um aspecto exterior, o qual é caracterizado justamente como aquilo que não se tem conhecimento e, portanto, é excluído pela consciência. Esse Outro é responsável por fazer a consciência confrontar aquilo que deseja tanto apagar e que se personifica na figura do analista, o qual não busca puramente compreender o sofrimento do indivíduo gerado pelas repressões do inconsciente, mas sim convoca-o a dizer aquilo que está sendo reprimido e, dessa forma, permitir que o conhecimento da realidade não se estabeleça da maneira como vinha se estabelecendo, isto é, por meio dos diversos sintomas decorrentes do embate entre os âmbitos do aparelho psíquico. Por isso a psicanálise se baseia em uma visão científica nesse aspecto, diferentemente da fenomenologia, que busca compreender o sofrimento do indivíduo e, assim reforçar seu entendimento de mundo a partir do estabelecimento de relações de semelhanças onde não existem, a psicanálise se vale da concepção científica, a qual entende que o objeto de conhecimento é entendido a partir daquilo que o diferencia do restante, ou seja, a psicanálise busca dissociar a concepção da realidade a partir da concepção do Eu no aparelho psíquico dos indivíduos (o outro não sou Eu porque não se assemelha a mim). É a partir disso que não se pode entender o sujeito para a psicanálise como algo dissociado do discurso em que ele se insere, já que é a partir da manifestação desse discurso pela linguagem e comunicação que o indivíduo expressa a sua compreensão da realidade a partir dos filtros de sua própria consciência. Não se pode, portanto, entender o pensamento a partir de suas qualidades, deve-se analisa-lo de maneira pura, tal qual o objeto de estudo da ciência, definido apenas por uma relação explicitada em uma fórmula, para que seja possível aflorar as pulsões inconscientes e, dessa forma, levar o indivíduo à percepção correta da realidade.