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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
MESTRADO

BEL CANTO NO BRASIL COLONIAL: JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA E


MARCOS PORTUGAL

ANTÔNIO PEDRO DE ALMEIDA SANTOS

RIO DE JANEIRO, 2009


BEL CANTO NO BRASIL COLONIAL: JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA E
MARCOS PORTUGAL

Por

ANTÔNIO PEDRO DE ALMEIDA SANTO

Tese submetida ao programa de Pós-graduação


em Música do Centro de Letras e Artes da
Escola de Música da UFRJ, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre, sob a
orientação do Professor André Cardoso.

Rio de Janeiro, 2009


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
ESCOLA DE MUSICA
POS-GRADUA<;AO

BEL CANTO NO BRASIL COLONIAL: JOSE MAURicIO NUNES


GARCIA E MARCOS PORTUGAL

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora,


foi aceita pela Escola de lVlusica e homologada pelo
Conselho de Ensino para Graduados e Pesquisa como
requisito parcial a obten~ao do titulo de

Mestre etn Miisica

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ProLDr. Andre Cardoso (Orientador)
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Prof. Dr. Paulo Peloso (AvaJiador Interno)


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-:Julio Moretsonh (Avaliador Externo)


SANTOS, Antônio Pedro de Almeida. Bel canto no Brasil colonial: José Maurício
Nunes Garcia e Marcos Portugal. 2009. Tese de Mestrado em Música – Programa de
Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal contar as origens do estilo bel canto, suas
principais características e a sua prática no Brasil, no início do século XIX. Após a
transferência D. João VI para o Rio de Janeiro, o estilo bel canto ganha forte impulso,
pois era o gosto predominante entre os membros da Corte portuguesa e da elite cultural
que financiava e freqüentava os espetáculos de ópera. Também são apresentadas
análises estilísticas de trechos de árias de obras sacras de Marcos Portugal (Réquiem de
1816) e do padre José Maurício Nunes Garcia (Missa de Santa Cecília de 1826), onde
identificamos os elementos pertencentes ao estilo bel canto aplicados nessas
composições.

iv
SANTOS, Antônio Pedro de Almeida. Bel canto no Brasil colonial: José Maurício
Nunes Garcia e Marcos Portugal. 2009. Tese de Mestrado em Música – Programa de
Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.

ABSTRACT

The main purpose of the present study is to tell about the origins of bel canto style, its
main characteristics and its practice in Brazil in early 19th century. After Don John VI
moved to Rio de Janeiro, the popularity of bel canto increased due to the predominant
taste of Portuguese court and cultural elite that sponsored and frequented opera
spectacles. Excerpts of sacred arias by Marcos Portugal (Requiem, 1816) and by José
Maurício Nunes Garcia (Missa de Santa Cecília, 1826) were here stylistically analysed
and related elements of bel canto style applied to those compositions could be
identified.

v
Dedico este trabalho a minha querida mãe Olivina de Almeida Santos e a minha
querida irmã Ana Lúcia de Almeida Santos

ii
AGRADECIMENTOS

André Cardoso
Daniel Chiesse Zandonadi
Daisy Ketzer
Danielly Souza
Ernani Aguiar
Grace Castro
Inácio de Nonno
Lúcio Chiesse Zandonadi
Rafael Bezerra
Regina Claudia Barros dos Santos
Roque Costa Souza
Thiago Lemos dos Santos

iii
Sumário

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1
REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................... 7
CAPÍTULO 1. ORIGENS DA MÚSICA VOCAL ITALIANA DOS SÉCULOS
XVII E XVIII ....................................................................................................................................... 28
1.1. O SURGIMENTO DO BEL CANTO ............................................................................... 28
1.2. INSERÇÃO DOS CASTRATI NA ÓPERA ITALIANA DO SÉCULO XVII ............................ 30
1.3. CARACTERÍSTICAS MUSICAIS DO BEL CANTO. ......................................................... 34
CAPÍTULO 2. TIPOS DE ÁRIAS EXISTENTES NA ÓPERA ITALIANA
ENTRE OS SÉCULOS XVII E XVIII ....................................................................... 42
2.1. OS DIVERSOS GÊNEROS DE ÁRIAS ITALIANAS ........................................................ 42
2.2. O CANTO SPIANATO ................................................................................................ 44
2.3. CANTO FLORIDO (CANTO FIORITO).......................................................................... 45
2.4. CANTO DE AGILIDADE............................................................................................ 46
2.5. CANTO DI MANIERA (CANTO DE GRAÇA) ................................................................. 46
2.6. CANTO DI BRAVURA ................................................................................................ 47
2.7. CANTO DECLAMATÓRIO ......................................................................................... 48
2.8. O ESTILO FALADO .................................................................................................. 49

CAPÍTULO 3. CADÊNCIAS DAS ÁRIAS DO ESTILO BEL CANTO ................ 50


3.1. DEFINIÇÕES EM RELAÇÃO A CADÊNCIA .................................................................. 50
3.2. EXECUÇÃO DAS CADÊNCIAS NOS FINAIS DAS ÁRIAS ............................................... 52
3.3. EXECUÇÃO DAS CADÊNCIAS NAS ÁRIAS SACRAS .................................................... 53
CAPÍTULO 4. ORNAMENTAÇÕES DO BEL CANTO ......................................... 55
4.1. DEFINIÇÓES DE ORNAMENTAÇÃO .......................................................................... 55
4.2. APOJATURA ........................................................................................................... 56
4.3. GRUPETO ............................................................................................................... 59
4.4. TRILO .................................................................................................................... 60
4.5. VOCALIZAÇÃO MARTELADA .................................................................................. 65
4.6. VOCALIZAÇÃO EM STACCATO ................................................................................. 66
4.7. ARPEJO .................................................................................................................. 66
4.8. MESSA DI VOCE ....................................................................................................... 68
CAPÍTULO 5. MANIFESTAÇÕES DO ESTILO BEL CANTO NO BRASIL ...... 69
5.1. UMA ABORDAGEM HISTÓRICA ............................................................................... 69
5.2. O ESTILO ORNAMENTADO EM PORTUGAL ............................................................... 70
5.3. MARCOS PORTUGAL COMPONDO AOS MOSDES NAPOLITANOS ............................... 74

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5.4. CHEGADA DE D. JOÃO AO BRASIL IMPULSIONA A INSERÇÃO DO BEL CANTO NO RIO DE
JANEIRO ...................................................................................................................... 78
5.5. OS CASTRATI NO BRASIL ......................................................................................... 80

CAPÍTULO 6. REFLEXÕES SOBRE AS OBRAS ANALISADAS ....................... 87


6.1. MISSA DE SANTA CECÍLIA 1826 ...................................................................... 87
6.2. MISSA DE RÉQUIEM PARA AS EXÉQUIAS DA RAINHA ............................... 103

CONCLUSÃO............................................................................................................. 117
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 122
APÊNDICE PARTITURAS ANALISADAS VERSÃO INTEGRAL ................... 125

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1

INTRODUÇÃO

Este trabalho objetiva estudar o desenvolvimento da arte do bel canto, em

especial os compositores do repertório antigo italiano, compreendido entre as últimas

décadas do século XVII, e todo decorrer do século XVIII, também buscando citar

alguns compositores, que atuaram na música sacra colonial brasileira, do chamado

período joanino, no qual a absorção do estilo bel canto foi intensa. O meu interesse por

este repertório é de muitos anos, em virtude de possuir uma voz com inclinação para

este estilo. Sendo assim, decidi iniciar uma pesquisa neste âmbito a fim de ampliar o

meu conhecimento em relação a este assunto. Busquei enfocar as origens do chamado

estilo bel canto, ou seja, consultar fontes que me dessem informações sobre a sua

origem. Ao iniciar minha minhas investigações comecei a compreender os motivos que

dificultam a definição do termo bel canto. Concluí que sua definição é complexa, em

virtude dos muitos fatos ocorridos, no âmbito social e musical italiano, que geraram o

seu surgimento. Tentei focar os fatos históricos, para que a partir deles, pudesse

compreender as motivações existentes na sociedade da época, que, contribuíram para

que este estilo se tornasse padrão do canto italiano, do final do século XVII, mantendo-

se em evidência por todo o século XVIII. Tendo em mãos os fatos históricos, fez-se

necessário voltar a atenção para as peculiaridades deste estilo, tais como: suas principais

características, seus principais compositores, que tipo de interprete executava este

repertório, que tipo de público apreciava está música, onde era executada.

A partir destas informações, tornou-se mais ampla a minha compreensão, acerca

das vias condutoras que introduziram o estilo bel canto no Brasil, no início do século

XIX. A absorção deste estilo no Brasil foi motivada pela transferência do então,

príncipe regente D. João, e sua Corte para a cidade do Rio de Janeiro. Com a Corte
2

portuguesa vieram também seus costumes e preferências. Dentre suas preferências

constava o estilo operístico italiano, ao qual o estilo bel canto pertence. A figura do

padre José Maurício está relacionada ao bel canto pelo fato dele ter sido mestre de

capela da Catedral e Sé, posteriormente Capela Real. A partir da chegada de D. João ao

Rio de Janeiro, José Maurício torna-se imediatamente um músico de corte, passando a

compor de acordo com a vontade de seu soberano. Por esta razão, o estilo musical

italiano ornamentado, que era da preferência de D. João começa a ser incorporado as

composições do padre José Maurício. A transferência dos músicos da Capela Real de

Lisboa contribui, para o crescimento da adesão ao estilo bel canto no Rio de Janeiro.

Entre estes músicos vieram também cantores castrados, figuras de destaque no

panorama musical da época, pois dominavam os elementos do estilo florido italiano. A

chegada de Marcos Portugal aumenta a apropriação deste estilo na Capela Real do Rio

de Janeiro. Sendo Marcos Portugal, compositor de óperas de estilo napolitano,

consequentemente suas obras sacras também estavam embasadas no estilo florido

italiano, contribuindo com o aumento da evidência do estilo bel canto na Capela Real.

Sendo a Capela Real do Rio de Janeiro cenário dos grandes acontecimentos religiosos e

do Estado, nela era executada música de grande nível, fazendo com que os dois mestres

de capela calcassem suas composições no estilo bel canto.


3

OS COMPOSITORES

José Maurício Nunes Garcia

Compositor brasileiro, nascido da cidade do Rio de Janeiro no dia 22 de

setembro de 1767, filho de Vitória Maria e de Manuel Garcia Rodrigues, ambos

mulatos. O pai tinha ofício de alfaiate e a mãe cuidava dos afazeres do lar. Nasceu na

Rua da Vala atual Rua Uruguaiana. José Maurício veio ao mundo em um Rio de Janeiro

recém elevado ao título de sede do vice-reinado da colônia portuguesa. Ainda criança

Manifestou inclinação para a música, ingressando como aluno na escola de Salvador

José, “O pardo”, em pouco tempo alcançou posição de destaque em relação aos demais

alunos, sendo considerado pelo próprio mestre o melhor de seus discípulos. No ano de

1779, com doze anos de idade, inicia sua carreira, como professor de música. Escreve

no ano de 1783 sua primeira composição a antífona de Nossa Senhora intitulada “Tota

pulchra”, assinando o termo de compromisso para a fundação da Irmandade de Santa

Cecília em 1784. Foi nomeado mestre de capela e organista da antiga Catedral e Sé,

hoje igreja do Rosário, no dia 2 de julho de 1798. Com a chegada da família Real em

1808 ao Rio de Janeiro, passou a compor ao gosto do príncipe regente D. João, sendo

nomeado mestre de capela da Capela Real do Rio de Janeiro, em 26 de novembro de

1808. Com a transferência dos músicos da Capela Real de Lisboa para a cidade do Rio

de Janeiro a partir de 1809, José Maurício começa a compor para músicos de alto nível

(instrumentistas e cantores). Entre os cantores podemos destacar os castrati, que eram

muito apreciados por D. João. Possuindo a Capela Real músicos dotados de

virtuosismo, possibilitou ao padre José Maurício, compor dentro de padrões estilísticos,

jamais vividos antes na antiga Catedral e Sé. O estilo bel canto começa a transparecer

com evidencia na obra de José Maurício a partir da Missa de Nossa Senhora da


4

Conceição 1810. Nesta obra o compositor começa a inserir árias com passagens de

agilidade. O solo laudamus do soprano da Missa de Nossa Senhora da Conceição1810 é

exemplo nítido da inserção de elementos do bel canto na obra de José Maurício. Em

1821 com o retorno de D. João para Portugal a situação dos músicos da Capela Real

torna-se difícil. Após anos de serviços prestados, José Maurício, como membro do

corpo estável dos músicos da Capela Real, também, se encontra em situação lastimosa

em meio a dificuldades financeiras. Em 1826, já doente compõe a sua última obra a

Missa de Santa Cecília de 1826, encomendada por antigos alunos: Geraldo Inácio e

Lino José Nunes. Está obra inicialmente é intitulada Missa a grande orquestra, sua

encomenda se destinava ao ensejo dos festejos de Santa Cecília, padroeira da Irmandade

dos músicos do mesmo nome. Está obra foi a ultima expressão da criação mauriciana,

após 43 anos de vida voltada a composição, na qual a música sacra sempre predominou.

No dia 18 de abril de 1830, morre na cidade do Rio de Janeiro, onde sempre viveu aos

63 anos de idade em estado lastimável de miséria. (Cleofe Person de Mattos, 1997).

Marcos Portugal

Compositor português nascido na cidade de Lisboa em 24 de março de 1762.

Iniciou seus estudos musicais como cantor e organista do Seminário Patriarcal, em

Lisboa. A partir de 1785 assume o cargo de regente do Teatro Salitre, onde apresentou

óperas bufas portuguesas de sua autoria. Após conquistar fama suficiente, passou um

período de oito anos na Itália de 1792-1800, onde produziu 21 óperas italianas entre os

gêneros sérios e cômicos, em Nápoles e outros centros de afluência italiana. Após os

oito anos de êxito vividos na Itália decide regressar a Portugal, fixando-se em Lisboa,

tornando-se mestre de capela da Capela Real e diretor do Teatro São Carlos. Após a

partida da família Real para o Rio de Janeiro em 1807, permanece em Portugal até o ano
5

de 1811. Partiu para o Brasil, sendo admitido imediatamente no cargo de mestre de

capela da Capela Real do Rio de Janeiro, onde se manteve permanecendo com grande

sucesso. Também chegam com ele mais músicos, destinados a Capela Real de Câmara,

entre estes podemos citar, a cantora Mariana Scaramelli, que interpretou óperas do

compositor em Portugal. Foi também nomeado diretor do futuro Teatro Real, em faze

de construção. Na cidade do Rio de Janeiro, as duas casas de ópera da cidade, o Teatro

Régio e o Teatro São João, não possuíam uma temporada operística do mesmo volume

do Teatro São Carlos de Lisboa, por essa razão Marcos Portugal teve que direcionar sua

criação as composições de cunho sacro, para o calendário de solenidades da Capela

Real. No dia 19 de dezembro de 1811, cantou-se no Teatro Régio a primeira ópera de

Marcos Portugal apresentada no Brasil, l’oro non compra amore, drama cômico

apresentado no Teatro Régio no ensejo das comemorações do aniversário de sua

majestade Dona Maria I. Cleofe Person de Mattos justifica a predominância da música

sacra, nas composições de Marcos Portugal, no Brasil colonial com as seguintes

palavras. “A música religiosa dominava o ambiente musical da colônia, não a ópera,

gênero que tornara glorioso o seu perfil de músico na Europa”. (Mattos, 1997, p. 240).

Mattos continua: “Marcos Portugal não teria como escapar de tal situação e compôs

algumas peças isoladas: Te Deum, sequências, salmos e missas para grandes ocasiões

(...)”. (Mattos, 1997, p. 240). Evidente que não havendo no Rio de Janeiro uma

produção muito intensa no campo operístico em relação a música sacra e sendo Marcos

Portugal mestre de capela da Capela Real, não haveria outra alternativa para ele que não

fosse compor obras de cunho religioso, atendendo assim os anseios do próprio D. João,

habituado com o repertório do estilo napolitano, com o qual se consagrou Marcos

Portugal na Europa. Entre as suas obras sacras compostas no Rio de Janeiro para

grandes ocasiões, destacamos: Ofício fúnebre pelo príncipe D. Carlos (1812), Ofício e
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Missa pela morte da Rainha (1816) e Missa pela aclamação de D. João (1818). Após a

volta de D. João para Portugal em 1821, Marcos Portugal não regressa com ele.

Provavelmente em virtude de fatores como idade e saúde. Em 1828 assina reivindicação

coletiva de salários da Capela Real. Em 17 de fevereiro de 1830 falece na casa da

marquesa de Aguiar situada na Rua do Lavradio. (Jean Paul Sarraute, 1979).


7

REVISÃO DE LITERATURA

No decorrer desta pesquisa várias bibliografias foram utilizadas, a fim de ilustrar

de forma mais clara e objetiva os vários fatores pertinentes na história da música vocal

italiana dos séculos XVII e XVIII, e a inserção e manifestação do estilo bel canto no

Brasil do início do século XIX. Ao iniciar está pesquisa constatei que o termo bel canto

possui muitas definições. Na verdade este termo é complexo e rico de detalhes, exigindo

conseqüentemente a utilização de literaturas que se complementassem, compondo assim

uma visão mais abrangente, acerca do termo bel canto.

As fontes de informações foram provenientes de obras completas, ou textos com

temas pertinentes nesta pesquisa: A ópera Barroca Italiana, A ópera Clássica italiana,

A ópera romântica italiana (Lauro Machado Coelho), História dos Castrati (Patrick

Barbier), História da música ocidental (Grout e Palisca), Storia e tecnica Del canto

lirico (Guido Tartoni), O canto antigo italiano (Alberto Pacheco), Estudos Mauricianos

(Funarte), José Mauricio Nunes Garcia biografia (Cleofe Person de Mattos), Cantoria

Joanina (tese de doutorado de Alberto Pacheco), Catálogo temático da obra do padre

José Maurício Nunes Garcia, A música na corte de D. João VI (André Cardoso),

ensaios Marcos Portugal (Jean Paul Seraut), The New Grove versão integral e concisa

em português (Stanley Sadie).

Cada literatura é relevante nesta pesquisa, pois de alguma forma estão

relacionadas com o canto antigo italiano, que por dois séculos esteve em voga na Itália e

em outros países da Europa como Portugal. Os textos utilizados dos três livros citados

de Lauro Machado Coelho, contem uma relação predominante com os fatos históricos,

embora, também possuam comentários estilísticos e técnicos. Os textos extraídos de

Lauro Machado Coelho, são ricos em detalhes, proporcionando uma compreensão mais
8

objetiva do gênero vocal italiano, relacionado a ópera. Nos seus capítulos, Machado

Coelho cita a situação política européia, em particular a situação dos estados italianos, e

os possíveis fatores que contribuíram para a ascensão do estilo fiorito (florido),

característica marcante da escola de canto italiana nos séculos XVII e XVIII. No

prefácio do seu livro A Ópera barroca italiana, Machado Coelho, contextualiza o início

da ópera em Veneza no final do século XVI, ele expõe o início do dramma per musica,

quer dizer o drama musicado, que posteriormente gerou a ópera italiana. Os períodos da

ópera italiana e suas transições, também são estabelecidos, proporcionando assim um

entendimento mais abrangente acerca do desenvolvimento operístico italiano. Machado

Coelho, ainda dá uma atenção especial, aos compositores mais proeminentes de cada

período. Informações encontradas relacionadas aos compositores libretistas e interpretes

são também ressaltadas. Essas considerações, obtidas através dos textos extraídos dos

livros de Machado Coelho fornecem, uma visão histórica útil, em relação ao

posicionamento dos fatos, que compõe os períodos relacionados ao assunto abordado.

Os aspectos dos interpretes e do público da época são contextualizados por Machado

Coelho, contribuindo, para compreensão da relação estabelecida entre a sociedade e este

estilo musical. Estas informações compiladas resultam, em conhecimento sobre as

relações estabelecidas, entre: compositores, interpretes, o público que tinha acesso a

essa música, onde era executada. Questões de ordem estilística e interpretativa, como os

tipos variados de canto da época, são mencionadas por Machado Coelho, contribuindo

para uma visão também direcionada ao âmbito técnico vocal, além da historicidade.

O livro História dos Castrati de Patrick Barbier, possui também, uma literatura

voltada para a historicidade, rica em detalhes e fatos de relevância. A situação política

dos estados italianos dos séculos XVII e XVIII também é contextualizada. Informações

importantes a respeito da origem da castração, o início da inserção dos castrati nas


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funções litúrgicas da Igreja, são informações encontradas na bibliografia de Patrick

Barbier. A origens dos quatro orfanatos de Nápoles, que depois se tornaram os quatro

conservatórios de música napolitanos (Santa Maria di Loreto, Pietá Del Turchino, Pobre

de Jesus Cristo e Sant’Onofrio a Capuana), são informações de grande importância, já

que destas quatro instituições surgem professores e cantores brilhantes. Informações

referentes ao recrutamento dos alunos e sistema de ensino musical adotados nos quatro

conservatórios napolitanos contribuem, para a melhor compreensão da estrutura

geradora do estilo bel canto. Neles atuaram como docentes compositores como:

Durante, Scarlatti, Porpora. Barbier explica o surgimento da chamada Escola

Napolitana, mediante ao grande nível da intensa formação musical existente, nos quatro

conservatórios de Nápoles. A importância dos conservatórios de Nápoles, também é

explicitada pelo fato destas instituições exportarem jovens castrati, para grande parte da

Europa, inclusive Portugal. Patrick Barbier, explica em seu livro, que a proibição da

atuação das mulheres por parte da Igreja nos teatros dos Estados Papais e na liturgia,

contribuiu para o aumento dos castrati, nos coros das igrejas e nos teatros. Barbier

afirma que através do estudo intenso e disciplinado da técnica vocal, os jovens castrati

adquiriram uma enorme capacidade para executar passagens ornamentadas e de

agilidade, que predominou na musica vocal italiana, posteriormente chamada de bel

canto. Questões referentes ao estilo e técnica também são abordadas, embora não muito

profundamente, porém essa abordagem nos serve de elemento de comparação neste

âmbito em relação às outras literaturas adotadas nesta pesquisa. Embora saibamos que

os castrati não eram os únicos cantores na Itália dos séculos XVII e XVIII, com base

nas informações obtidas em Barbier, é fato que estes predominaram no cenário musical

das últimas décadas do século XVII até o início do século XIX.


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A História da música ocidental, de Grout e Palisca contribuiu no aspecto

histórico, expondo fatos de ordem política, social, e musical. Informações encontradas

no Grout e Palisca, em relação a alguns países europeus, nos séculos XVII e XVIII,

como: Itália, Alemanha, França e Espanha, contribuíram para uma visão comparativa

acerca do estilo de música vocal feita em cada um deles. Grout e Palisca também

forneceu a está pesquisa informações referentes a absorção do gênero vocal italiano pela

Europa. Grout e Palisca define os italianos como bons melodistas, a estes compositores

atribuem o gosto pela linha melódica ornamentada, com uma textura orquestral leve

objetivando manter em destaque a voz solista.

Guido Tartoni em sua Storia e tecnica Del canto lírico, contribuiu também no

aspecto histórico relatando as etapas ocorridas no canto italiano nos séculos XVI, XVII

e XVIII. Tartoni no inicio de seu livro define com poucas palavras o canto. “Cantare

vuol dire modulare La voce, unire parola Allá musica...” (Cantar quer dizer modular a

voz, unir a palavra a música). Tartoni trata em seu livro dos vários estilos de canto

existentes na época. Segundo Tartoni todos os elementos que compõe o canto italiano

deste período tais como: passagens de agilidade e vocalização, passagens melismáticas e

floridas, confere ao período setecentista uma linguagem que por sua riqueza passará

para a história definida como bel canto. Como Patrick Barbier e Lauro Machado

Coelho, Guido Tartoni dedica um capítulo aos castrati, expressando a importância

destes artistas no desenvolvimento do canto italiano. O castrato é considerado por

Tartoni excelente, em duas modalidades fundamentais ao bel canto: canto de maniera e

canto de bravura. O século XVIII é considerado por ele como o período de hegemonia

do estilo do canto italiano, citando Tosi como uma figura de referência em relação a

técnica de canto, abordado na Itália na época. Estas informações são importantes, pois

relatam aspectos históricos, técnicos e estilísticos. Tosi é considerado por Tartoni, o


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referencial estilístico do canto italiano da época. Sendo Tosi um castrato, compositor e

professor de canto, Tartoni considera que os princípios técnicos vocais defendidos por

ele, compõem os elementos característicos do bel canto setecentista. (Tartoni, 1995,

p.22).

O livro O canto antigo italiano de Alberto Pacheco, lançamento recente de

2006, é uma literatura de muita relevância nesta pesquisa, pois além de abordar o caráter

histórico, social e político dos estados italianos nos séculos XVII e XVIII, apresenta

com profundidade questões estilística e técnicas referentes ao estilo florido italiano. Seu

livro consiste em análises comparativas de três grandes tratadistas professores de canto,

de períodos diferentes entre os séculos XVII, XVIII e XIX. Tosi (1647-1732), (citado

acima por Guido Tartoni), Mancini (1714-1800) e Garcia (1805-1906). Os variados

aspectos existentes no canto antigo italiano e suas mudanças são considerados por

Alberto Pacheco, nesta obra. Alberto Pacheco considera como Patrick Barbier e Guido

Tartoni a figura do castrato de grande importância no canto italiano dos séculos XVII e

XVIII. Segundo Pacheco, por dois séculos a música vocal italiana esteve relacionada à

figura dos castrati. Alberto Pacheco divide seu livro em várias etapas, cada uma é

apresentada detalhadamente. O primeiro capítulo consiste em contextualizar os autores

abordados (Tosi, Mancini e Garcia), fornecendo informações acerca de suas origens e

formação musical. O segundo capítulo é dedicado aos aspectos didáticos, ou seja, quais

metodologias de ensino eram adotadas pelos três professores e quem eram os discípulos.

O terceiro capítulo é dedicado as questões técnicas vocais detalhadamente, analisando

considerações dos três mestres em relação a: fisiologia vocal, intensidade e o corpo da

voz, respiração, golpe de glote, forma da boca, registração vocal, timbres, extensão

vocal, tipos vocais. O quarto capítulo é dedicado aos aspectos interpretativos como:

sonoridade vocal, ornamentação, improvisação e tipos de árias existentes.


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Ornamentações consideradas de grande relevância como apojatura e grupeto, são

abordadas com destaque. Questões comuns na época como, variação de tempo e rubato,

também são consideradas por Alberto Pacheco. Vibrato e tremolo são também citados

neste livro com profundidade, fornecendo ao leitor uma visão detalhada em relação as

considerações feitas por cada um dos três professores de canto adotados. O quarto

capítulo é o mais extenso em relação aos outros, nele Alberto Pacheco cita outros

elementos importantes da prática vocal interpretativa dos séculos XVII e XVIII na

Itália. Constam ainda considerações feitas acerca de: portamento, dinâmica, sons

sustentados e messa di voce. Em relação aos sons sustentados Pacheco ainda subdivide

este subtítulo, em sete subitens: Sons sustentados de força igual, Messa di voce, sons

filés, Spianata di voce, Sons filés por inflexões, a eco (flautados), Repetição ou Martelar

de um mesmo som. Questões como agilidade vocal ou vocalização, são também

abordadas com detalhes. Alberto Pacheco detalha o trillo, são citadas considerações dos

três tratadistas, a respeito deste ornamento, que era tido como primordial a um cantor

naquela época. “Quem possuir um belíssimo trillo, ainda que sendo insuficiente em

todos os outros ornamentos, gozará sempre de vantagens de se conduzir sem dissabores

nas cadências...” (Tosi, 1773: 25). A cadência é citada com destaque por Alberto

Pacheco, considerações dos três mestres (Tosi, Mancini, Garcia), estão contidas em seu

livro. Os estilos de canto são citados por Pacheco, o recitativo também faz parte do

conteúdo do quarto capítulo. Alberto Pacheco dedica o final do quarto e último capítulo

a pronúncia (dicção), fraseado e expressão textual a dramatização. Todas as subdivisões

apresentam considerações, explicações e sugestões dos três tratadistas. No decorrer da

leitura desta obra, foi possível perceber divergências entre Tosi, Mancini e Garcia. Nem

sempre existe homogeneidade na postura dos três professores, em relação aos assuntos

abordados. O teor de importância dado por cada um dos três professores de canto em
13

relação aos diversos assuntos expostos neste livro também variam. Certamente o fato de

terem vivido em épocas diferentes fez com que as suas considerações em relação aos

diversos elementos do estilo bel canto não fossem totalmente convergentes.

Os Estudos Mauricianos, edição da Funarte é uma bibliografia composta de

diversos textos de figuras renomadas na musicologia como: Curt Lange, Luiz Heitor

Correa de Azevedo, Padre Jaime Diniz, José Maria Neves, Bruno Kiefer. Neste livro

encontra-se a biografia do padre José Maurício Nunes Garcia, além de textos tratando

da obra mauriciana e vários aspectos, tais como: José Maurício no Panorama da Música

brasileira (Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, José Maurício e os compositores

setecentistas mineiros (José Maria Neves), entre outros textos, todos de grande

relevância em relação ao estudo da obra do padre José Mauricio. Cada texto oferece

uma visão especifica em relação a figura de José Maurício. O ponto convergente é

inegavelmente José Maurício como protagonista, então, embora seja um livro composto

de textos de autores variados pode-se obter uma visão totalitária de quem foi José

Maurício, do conteúdo de sua obra, para que e para quem foi composta, contribuindo

para uma melhor compreensão, a respeito deste compositor.

O livro de Cleofe Person de Mattos, José Mauricio Nunes Garcia biografia, é

uma obra na qual a autora oferece ao leitor uma biografia bastante detalhada de José

Maurício. Em outros aspectos, Cleofe Person de Mattos contextualiza as diversas etapas

estilísticas, pelas quais passou José Mauricio, detalhadamente. Em relação ao estilo das

obras mauricianas, Cleofe Person de Mattos divide o livro em duas etapas, a primeira na

qual José Maurício compõe obras homofônicas, menos ornamentadas,

consequentemente de pouco uso do virtuosismo vocal. A segunda fase é identificada,

pelo subitem intitulado de, A travessia. Neste momento a autora aborda as modificações

adotadas pelo autor após a chegada de D. João e sua corte ao Rio de Janeiro. Cleofe
14

Person de Mattos relata a absorção de José Mauricio pelo estilo vocal italiano do século

XVIII, que era do gosto da família Real. A autora faz inclusive uma breve análise

estilística em relação a primeira obra mauriciana, a Missa de Nossa Senhora Conceição

de 1810. Esta obra é considerada por Mattos como o marco do início da linguagem

musical italiana nas composições de José Mauricio. A Missa de Nossa Senhora

Conceição de 1810 é a primeira de várias composições do padre José Maurício, calcada

no estilo fiorito. Esta obra é constituída de recitativos com acompanhamento orquestral,

grandes árias em estrutura ternária A, B, A, trechos concertantes, todos elementos

característicos da linguagem vocal italiana dos séculos XVII e XVIII. Cleofe Person de

Mattos enfoca a última obra última obra do padre José Maurício que foi a Missa de

Santa Cecília de 1826, esta composição é embasada no estilo fiorito para as partes

solistas, ou sejas árias com passagens de agilidade, com muitas ornamentações. Mattos

considera que no âmbito musical colonial brasileiro, José Maurício se divide em duas

etapas estilísticas bastante diferentes. Embora o estilo operístico italiano, não fosse um

elemento desconhecido na vida do mestre de capela da Catedral e Sé. Na sua biografia

mauriciana, Mattos afirma, que óperas de grandes nomes da Escola Napolitana, como

Cimarosa, configuravam no repertório de teatros existentes no Rio de Janeiro, nas

últimas décadas do século XVIII. A autora sugere que o estilo operístico italiano era

familiar a José Maurício, logo podemos concluir, que a aderência ao estilo napolitano

após a vinda de D. João não foi um ato sem precedentes. A vinda da família Real ao

Rio de Janeiro, e dos músicos da Capela Real de Lisboa, foi um elemento estimulante as

mudanças no estilo da obra do padre José Maurício. “Talvez não fosse imaginoso

pensar que os acentos da Escola Napolitana já estivessem sido absorvidos pelo

compositor”. Cleofe Person de Mattos sugere que o estilo de composição italiano,

fizesse parte das composições de José Maurício antes da chegada de D. João. “Não será
15

imaginoso centrar nesse repertório, onde conviviam elementos da Escola Napolitana,

acentos italianizantes na música de José Maurício antes de 1808, quando chegaram ao

Brasil D. João e seus cantores italianos”. (Cleofe Person de Mattos, 1997, p. 27).

O lançamento da recente literatura A Música na corte de D. João VI, do

musicólogo André Cardoso, enfoca detalhadamente a chegada da corte portuguesa ao

Brasil. O alvo do texto não está direcionado apenas para a questão da música existente

no Rio de Janeiro em 1808, embora esta seja uma constante no decorrer do livro. A

situação política vivida na Europa naquele período é contextualizada, fornecendo ao

leitor uma visão mais ampla, das reais circunstancias que motivaram a transferência da

Corte portuguesa para o Brasil, e em que condições aqui chegaram. Figuras importantes

no âmbito da música colonial do Rio de Janeiro como, o padre José Maurício Nunes

Garcia, é citado nesta obra. Outros acontecimentos de relevância da corte de D. João ao

Brasil, como, a chegada de Marcos Portugal, faz parte do conteúdo da obra. A vida

musical da cidade é narrada em vários aspectos, o autor não limita a narrativa a este ou

aquele âmbito ou estilo musical. A música sacra, ópera, música de câmara, incluindo a

música popular da época, são incluídas nesta literatura, proporcionando ao leitor uma

visão abrangente dos variados gêneros musicais existentes naquela época na cidade do

Rio de Janeiro. O terceiro capítulo intitulado a Música na corte do Rio de Janeiro foi

seccionado em subitens, nos quais constam: Padre José Maurício Nunes Garcia, A

música na Capela Real, Os cantores castrados, A chegada de Marcos Portugal. Estes

subitens muito nos ajudaram, na obtenção de mais informações de grande importância,

uma vez que, estes temas estão ligados intimamente a nossa pesquisa.

O texto da musicóloga Inez Martins, intitulado Missa de Santa Cecília de José

Maurício Nunes Garcia, é uma análise estética na qual a autora aponta os elementos de

unidade existentes nesta missa. Não podemos deixar de considerar também, outras
16

partes do artigo mais direcionadas a definição do termo Missa Napolitana, onde Inez

Martins define a missa dentro da liturgia católica, suas respectivas partes (próprio e

partes fixas). Inês Martins comenta detalhadamente, acerca do estilo antico (antigo)

embasado nas técnicas polifônicas, e o estilo napolitano de composição (com

virtuosismo, recitativos acompanhados, fioriture, obligato, concertatos), ambos,

elementos muitos recorrentes na ópera italiana dos séculos XVII, XVIII, e nas primeiras

décadas do século XIX. Inez Martins ainda define a Missa Cantata, segundo ela esta é

uma missa constituída dos elementos da Missa Napolitana. O procedimento adotado é o

alargamento do Kyrie e do Glória da missa através da fragmentação destas duas partes

do ordinário em pequenas partes independentes, geralmente desenvolvidas em solos,

concertatos (entre solista ou solista e coro), aumentando assim o tamanho da obra.

O ensaio de Marcos Portugal de Jean Paul Sarraute é uma obra literária sobre o

compositor português. Nesta obra, o leitor encontra com certo teor de detalhes, na

narrativa do autor, a respeito da obra de Marcos Portugal, e comentários de caráter

analítico, referentes à sua obra. Nesta biografia encontramos detalhes sobre o Missa de

Réquiem que Marcos Portugal compôs para as exéquias da Rainha Dona Maria I. Jean

Paul Sarraute comenta a obra em vários ângulos, não é uma análise complexa em

relação a sua estrutura harmônica, mas sim voltada para o aspecto estilístico e estético.

Jean Paul Sarraute oferece ao leitor uma visão do teor de abrangência da obra de

Marcos Portugal, que chega até a Rússia. Um capítulo inteiro do seu livro é dedicado a

relatos da passagem da música de Marcos Portugal, por Paris e Londres, cidades

européias de grande expressividade, no cenário musical europeu no século XVIII. Jean

Paul Sarraute dedica um capítulo inteiro, referente aos últimos vinte anos da vida

Marcos Portugal, que foram passados na cidade do Rio de Janeiro, a serviço de D. João
17

e depois a serviço do então Imperador, D. Pedro I após a proclamação da independência

do Brasil de Portugal.

A partitura da Missa de Santa Cecília de 1826, editada pela Funarte, contendo a

assinatura da pesquisadora Cleofe Person de Mattos, na pesquisa e na elaboração do

texto, contém informações de caráter histórico e estilístico, que são de grande relevância

nesta pesquisa. O texto de Cleofe Person de Mattos é bastante detalhado, em português

e inglês, na primeira parte do texto a pesquisadora aborda o manuscrito, informações

como onde se encontra o manuscrito original, quem o doou, são mencionadas no início

do texto. Cleofe Person de Mattos faz considerações a respeito de possíveis acréscimos

que possam ter sido feitos a orquestração da missa. Os nomes dos solistas da missa são

relacionados nesta primeira parte do texto, referente ao manuscrito. Nomes como o do

baixo João dos Reis Pereira, do tenor Gabriel Fernandes da Trindade, são citados neste

trecho referente a partitura. Cleofe Person de Mattos cita dados mais esmiuçados

referentes a alguns solistas, como o soprano Augusto Cesar de Assis, Candido Inácio da

Silva tenor. Um fato de relevância a ser mencionado neste texto, são as suposições de

Cleofe em relação ao interprete da ária Laudamus da Missa (solo de soprano). Dois

nomes de castrati configuram em relação à interpretação desta ária: Antonio Cicconi e o

renomado Gioavanni Fasciotti. Segundo Cleofe Person de Mattos, Fasciotti era muito

conceituado por D. João, a ponto de ter um ordenado superior ao de Marcos Portugal.

Informações sobre a historicidade da obra, também são feitas fornecidas por Cleofe

Person de Mattos, em relação a origem da obra, quem a encomendou, para que

acontecimento foi composta. Segundo Cleofe, o manuscrito original regido pelo padre

José Maurício em 1826, sofreu modificações na sua orquestração, em relação aos

manuscritos conhecidos atualmente. Cleofe Person de Mattos afirma, que José Mauricio

nesta obra assimila o sinfonismo, as possibilidades virtuosísticas dos castrati, que


18

segundo ela são peculiares a música profana. Talvez seja possível dizermos que nesta

obra de cunho religioso o padre José Maurício une aos textos litúrgicos da missa, em

linguagem musical dramática (operística) e sinfônica. Cleofe Person de Mattos secciona

a obra em verbetes explicativos, quase uma análise interpretativa das diversas partes

desta missa.

Cada texto selecionado nesta pesquisa possui sua parcela de importância, em

relação ao tema deste trabalho que é manifestação do estilo bel canto no Brasil. Todos

os dados históricos aqui relatados, são necessários para a compreensão das condições,

em que se encontrava a sociedade, na qual surgiram os elementos componentes do

objeto desta pesquisa. Levantamentos de informações obtidos nos livros de Lauro

Machado Coelho referentes à ópera barroca é a ópera clássica italiana, são de

importância. Embora, não tenham um conteúdo voltado intimamente para questões

técnicas do âmbito vocal, possuem informações relacionadas, a questões históricas e

sociais da época. Tais informações são bem vindas em uma pesquisa de fundo histórico,

na qual é impossível ao pesquisador estabelecer contato direto com as personagens, em

virtude da distancia imposta pelo tempo. Os relatos de caráter histórico (político e

social), na obra de Lauro Machado Coelho, contribuíram, possibilitando a descoberta

dos elementos motivadores do surgimento do estilo vocal italiano dos séculos XVII e

XVIII, chamado posteriormente de bel canto. Como saber que pensamentos norteavam

as mentes dos membros da sociedade da época? Qual o objetivo dos compositores

através de suas obras? Para que interpretes e público o estilo italiano dos séculos XVII e

XVIII era direcionado? Em que locais essa música era executada? Sem informações

desta natureza a pesquisa ficaria inconsistente, e sem referencias necessárias para

legitimar-se, como um trabalho científico. No aspecto histórico, vale a pena dizer que

todos os textos e bibliografias abordados, possuem uma parcela de informações


19

relevantes no âmbito social. Guido Tartoni, em seu livro Storia e técnica Del canto

lírico faz referencias em todos os capítulos as questões históricas. As informações de

ordem histórica, política e social, contidas neste livro a respeito dos séculos XVII e

XVIII, foram importantes, para a comparação com dados históricos, contidos nas

demais literaturas, selecionadas nesta pesquisa. A leitura do livro de Guido Tartoni

contribuiu, para a constatação de que no âmbito histórico as informações de todas as

literaturas são bastante convergentes. É obvio que a variação do teor de enfoque em

determinados assuntos, varia entre os autores, porém, o conteúdo visto em um plano

generalizado foi o mesmo. Patrick Barbier, Alberto Pacheco, Guido Tartoni, em

especial fornecem informações bastante detalhadas sobre o surgimento do estilo fiorito

italiano e sua difusão pela Europa. As informações de Patrick Barbier em relação aos

castrados, em especial a criação dos quatro conservatórios de Nápoles, contribuíram

para que compreendêssemos de onde se originou a Escola napolitana. Patrick Barbier

relata, que tipo de alunos pertenciam a estas instituições, que professores eram

responsáveis pela formação dos internos. Tartoni dedica um capítulo de seu livro a

figura dos castrati, o conteúdo deste capítulo é convergente com os primeiros capítulos

do livro da Patrick Barbier, sobre a história dos cantores eunucos. Ambos admitem que

a atuação dos castrati na música vocal italiana dos séculos XVII e XVIII, tornou o

estilo fiorito um forte elemento pertencente nesta música. As mesmas considerações faz

Alberto Pacheco em seu livro, sobre o canto antigo italiana, chegando a dizer: “a ópera

nos seus primeiros séculos de vida estava intimamente ligada ao fenômeno vocal dos

castrati”. (Alberto Pacheco, 2006. p.25).

A figura do castrati é apontada como agente motivador da propagação do estilo

fiorito italiano. Guido Tartoni aponta o castrado professor de canto Tosi (1647-1732),

como responsável pela hegemonia do estilo vocal italiano neste período. Segundo
20

Tartoni o canto italiano incorpora suas características principais através de Tosi, suas

observações e sugestões relacionadas á técnica vocal e ao estilo italiano do XVIII,

estabelece as características principais do bel canto. Alberto Pacheco por sua vez cita

Tosi como importante professor de canto dos séculos XVII e XVIII, porém, também

aborda Mancini e Garcia, ambos importantes professores de canto relacionados à ópera

italiana. O livro de Alberto Pacheco foi útil nesta pesquisa, pois sua abordagem é

comparativa entre os três maestros de canto, uma vez que estes viveram em épocas

diferentes. Neste livro Alberto Pacheco fornece, informações de como a técnica e estilo

vocal se modificaram, em relação ao período vivido por cada um deles (Tosi, Mancini,

Garcia), através de seus tratados de canto. Nestes tratados observamos pontos

convergentes e pontos divergentes entre cada um dos três professores. Tosi e Mancini

viveram nos séculos XVII e XVIII, período de grande evidencia dos castrati na Itália.

Ambos eram castrati (Tosi e Mancini), sendo assim fatores como a técnica e muitos

conceitos entre os dois são convergentes, embora tenham vivido em épocas diferentes.

Garcia por sua vez viveu no século XIX, período no qual os castrados já estavam saindo

de cena. Alberto Pacheco define os castrati pertencentes ao “antigo regime”, ou seja, a

inserção da figura dos castrati na musical vocal italiana foi apoiada pela Igreja, através

da proibição da atuação de mulheres nos teatros dos Estados papais e nos coros das

igrejas. Garcia nasce em meio ao domínio napoleônico no início do século XIX, durante

esse período Napoleão proíbe a castração de jovens nos estados italianos. Estas

informações são úteis, pois nos fazem compreender a divergências de alguns conceitos

entre os três professores de canto. Maiores mudanças existem entre Garcia em relação a

Tosi e Mancini, uma vez que Garcia vive em uma Itália na qual a figura do castrato não

é mais a referencia central do canto lírico italiano. Guido Tartoni aponta Tosi como um

expoente da escola de canto italiana nos séculos XVII e XVIII, pois muitos conceitos
21

técnicos e estilísticos por ele abordados se mantiveram presentes no decorrer do século

XIX.

Em relação a informações de cunho técnico e estilístico, é necessário se dizer

que a maioria dos textos adotados possui uma parcela direcionada para estes assuntos,

embora alguns sejam mais direcionados a eles que outros. Lauro Machado Coelho

fornece informações detalhadas, a respeito dos variados estilos de canto existentes no

século XVIII, que foram comparadas as informações de Alberto Pacheco, Guido Tartoni

e Patrick Barbie resultando em convergência, embora alguns autores detalhem mais,

outros menos de acordo com o enfoque de sua obra. As informações de conteúdo

estilístico foram vistas nesta pesquisa, pois sem elas não haveria a compreensão final

dos elementos que compunham a canto italiano naquela época. Estas informações são

necessárias, pois existia uma variação do tipo de canto a ser utilizado em relação ao

caráter da obra, ou de determinado trecho da composição no qual a ária estava inserida.

De acordo com o propósito da ária no contexto da ópera, o compositor abordava este ou

aquele estilo de canto, exigindo do cantor uma postura vocal condizente com estilo

empregado. Os textos se convergem também em relação a importância do solo vocal

dentro da ópera (ária), os autores informam que a ária passou a ocupar lugar de destaque

na ópera italiana em função do virtuosismo proporcionado em suas execuções.

Em particular o livro de Alberto Pacheco foi o de conteúdo mais consistente em

relação ao estilo e a técnica vocal italiana dos séculos de XVII e XVIII. Embora todos

os quatro autores citados ofereçam informações relacionadas as características do bel

canto, Alberto Pacheco é o que fornece um discurso mais detalhado, em virtude de seu

livro se embasar em uma análise comparativa entre os tratados dos professores de canto

Tosi, Mancini e Garcia. Se tratando de uma análise comparativa, de tratados de canto, é

natural que as informações devam ser mais profundas, objetivando fornecer ao leitor
22

uma conscientização mais sólida em relação às considerações feitas por cada um dos

três professores de canto (Tosi, Mancini e Garcia), em seus registros de informações, e

recomendações em relação ao canto italiano em suas respectivas épocas. As

informações contidas nestas obras literárias contribuem para músicos, que como eu

dedicam sua carreira a questões interpretativas, ou, atuando como professor de canto,

voltado para a música antiga italiana. A importância das informações do livro de

Alberto Pacheco, consiste no perfil estético vocal italiano dos séculos XVII, XVIII e

XIX. As características da ópera italiana do século XVIII, consequentemente estão

relacionadas diretamente a manifestação do estilo bel canto no Brasil do início do

século XIX com a vinda de D. João para o Rio de Janeiro. Não seria possível

compreender os procedimentos adotados na música vocal brasileira deste período, sem

conhecer com maior profundidade os elementos que compõe a música vocal italiana,

posteriormente intitulada bel canto. Por serem detalhadas as informações de nível

técnico, estilístico, contendo definições dos variados tipos de ornamentação, e sugestões

acerca de suas execuções contribuíram, para uma melhor visão analítica de obras com

estas características compostas no Brasil. Sem estás informações tornar-se-ia mais

dificultosa a compreensão do conteúdo estilístico e interpretativo de árias deste gênero,

abordadas nesta pesquisa, como a ária Laudamus da Missa de Santa Cecília 1826 do

padre José Maurício Nunes Garcia, que possui elementos pertencentes ao estilo fiorito.

O levantamento de informações do livro da pesquisadora Cleofe Person de

Mattos sobre a vida do padre José Maurício, contribuiu imensamente para ilustrar as

origens do compositor, e sua trajetória como músico da Sé, culminando com a chegada

de D. João ao Rio de Janeiro. As informações detalhadas por Cleofe Person de Mattos

em relação a música feita e dirigida por José Maurício na Sé Catedral, dados referentes

aos músicos que atuavam na época (cantores e instrumentistas), oferecem uma melhor
23

compreensão da realidade musical, na qual se encontrava o padre mestre,

consequentemente, a música sacra na cidade do Rio de Janeiro. Cleofe Person de Mattos

no subitem intitulado A travessia, detalha os motivos que impulsionaram o padre José

Maurício a adotar o estilo napolitano, para as suas composições de cunho religioso.

Sem a leitura destas informações, não haveria um entendimento da transição feita pelo

compositor, após a chegada da família Real. Cleofe faz uma espécie de análise

estilística comparativa, assinalando os elementos adotados por José Maurício, que

diferem da sua obra anteriormente. A análise de trechos da Missa de Nossa Senhora da

Conceição de 1810, feita por Cleofe, enfocam, os principais procedimentos adotados

por José Maurício, a partir daquela data em sua obra, que iria permear as suas

composições até a sua morte. Não foi apenas um motivo que fez com que o padre José

Maurício lançasse mão do estilo bel canto na sua obra. Cleofe explica em seu livro, que

entre estes motivos estavam implícitos o gosto pessoal de D. João pelo estilo italiano, a

vinda dos músicos instrumentistas da Capela Real de Lisboa, todos de altíssimo nível.

Como Guido Tartoni, Patrick Barbier, Lauro Machado Coelho, Alberto Pacheco, Cleofe

Person de Mattos considera a vinda dos cantores italianos principalmente os castrati

para o Rio de Janeiro, um agente motivador da adesão do padre José Mauricio ao estilo

italiano. Segundo Cleofe em sua biografia mauriciana D. João tinha uma predileção

especial, em relação aos castrados assim sendo, era natural que padre José Maurício

composse ao gosto de príncipe regente, para as vozes que lhe agradavam utilizando uma

linguagem musical adequada aos recursos vocais destes cantores de vozes singulares.

Segundo Cleofe Person de Mattos, a vinda de Marcos Portugal contribuiu também no

processo de absorção de José Maurício Nunes Garcia ao estilo italiano, que era o estilo

adotado pelo compositor português, que vivera na Itália principalmente na cidade de

Nápoles. (Cleofe Person de Mattos, 1997, p. 239). Estas informações são de grande
24

importância, pois, diante da maioria dos olhares, os dois compositores não mantinham

nenhuma relação entre si, embasados nos relatos fornecidos por Cleofe, consideramos a

vinda de Marcos Portugal mais um elemento integrante nas motivações do padre José

Maurício, em adotar os elementos da ópera italiana para as suas composições de cunho

religioso.

Jean Paul Sarraute na sua biografia de Marcos Portugal intitulado “ensaios

Marcos Portugal”, nos traz informações detalhadas acerca da vida do compositor, tais

como: sua ascensão em Portugal, sua ida para Itália, seu sucesso como compositor, sua

vinda para o Brasil. A difusão do seu repertório em cidades de centro cultural como

Londres e Paris, o alcance de seu repertório em países como a Rússia. Este conjunto de

informações constrói uma imagem de Marcos Portugal segura em relação ao estilo

napolitano. Consequentemente, o estilo bel canto pertencente a Escola Napolitana era

manipulado com facilidade pelo compositor. Marcos Portugal como músico de corte,

estava habituado a compor ao gosto da realeza. O estilo bel canto era o padrão musical,

que constava nas expectativas da nobreza portuguesa. Segundo informações obtidas

através do livro A Música na corte de D. João VI, do musicólogo André Cardoso,

definem que a corte portuguesa estava habituada a composições de estilo napolitano,

tanto nos teatros como nas suas celebrações religiosas. Por está razão é perfeitamente

aceitável que após sua vinda ao Brasil D. João desejasse uma música no mesmo padrão

estilístico da Capela Real de Lisboa na Capela Real e Sé, instituída por ele no Rio de

Janeiro. Jean Paul Sarraute dá um enfoque maior a Missa de Réquiem composta por

Marcos Portugal para as exéquias da Rainha D. Maria I. A esta obra Jean Paul Sarrraute

faz considerações úteis acerca da obra relacionadas a compreensão do tipo de linguagem

musical, adotada por Marcos Portugal nesta obra.


25

O texto da musicóloga Inês Martins, possui informações relevantes nesta

pesquisa, a respeito da origem da Missa Napolitana, bem como suas características.

Uma informação importante contida no texto de Inês, é a definição do estilo Missa

Cantata. Inês explica que na Missa Cantata o compositor, amplia as duas primeiras

partes da missa o Kyrie e o Gloria, seccionando ambas em partes menores inserindo

partes solistas, concertantes e coral. Inês Martins faz algumas considerações em relação

ao Glória, relacionadas a sua extensão, que ocupa grande parte da obra, e atribui a sua

grande duração, ao propósito festivo para qual foi composta está missa, o ensejo da festa

da padroeira da Irmandade dos músicos, de Santa Cecília. De acordo com Inês Martins,

o padre José Maurício compôs o Gloria com grande extensão, em função do texto

alegre de louvor que está parte da missa possui, já que a Missa seria executada em uma

data festiva.

O texto de Cleofe Person de Mattos, da edição da Missa de Santa Cecília de

1826 da Funarte, contém informações importantes para esta pesquisa, uma que as árias

Laudamus, Qui tollis, são utilizadas como exemplos da manifestação do estilo bel canto

na obra do padre José Maurício. Os dados acerca da historicidade da obra, como os de

cunho estilístico são detalhados pela autora por meio de linguagem clara, de fácil

compreensão, acerca dos elementos adotados nesta composição. A especulação gerada

em relação ao interprete da ária Laudamus é bastante intrigante, pois não existe

indicação do interprete que a ária se destina. Cleofe Person de Mattos, não define a

quem a ária é dedicada no fim de suas investigações, porém, conclui fechando este

parêntese, afirmando, que diante das exigências impostas pela partitura somente um

interprete de grande domínio técnico vocal poderia executá-la. Cleofe Person de Mattos

afirma que só um castrato poderia cantar está ária, repleta de passagens de agilidade, de

ornamentações de grande dificuldade, incluindo notas superagudas. Cleofe conclui este


26

fato polemico afirmando, que provavelmente dois cantores da Capela Real Antonio

Cicconi ou Giovani Fasciotti, executaram está ária. Quanto ao seu parecer, relacionado a

Missa de Santa Cecília de 1826, Cleofe Person de Mattos afirma, que a obra exprime a

assimilação de José Maurício ao sinfonismo, a vituosidade dos castratti, peculiares a

música profana, porém a pesquisadora justifica a absorção de José Maurício a este

estilo, como uma mera conseqüência, por estar em comunhão com o seu tempo.

Segundo Mattos, a incorporação do estilo florido na obra mauriciana, é sinal de sua

capacidade de manter a sua inspiração criadora aberta a experiências vividas no âmbito

musical. Se antes da chegada de D. João José Maurício não utilizava os elementos

característicos da Escola Napolitana, passa a usá-lo à medida que vai convivendo com

eles na Capela Real.

Cada texto adotado teve sua parcela de contribuição no desenvolvimento desta

pesquisa. As origens da Escola napolitana, dados relacionados à situação política social

da Europa, também foram úteis para que compreendêssemos o ambiente em que vários

fatos ocorreram dando origem a música vocal italiana dos séculos XVII e XVIII, que

posteriormente passou a ser chamada por muitos de bel canto. Os textos serviram de

suporte condutor, criando uma ponte de informações até chegarmos à inserção do estilo

bel canto no Brasil. Sem as referências históricas, técnicas e estilísticas citadas nesta

pesquisa, não seria possível compreendermos os motivos que levaram a utilização deste

estilo no Brasil, do século XIX. Valorosas foram as informações acerca do padre José

Maurício e Marcos Portugal, e ao conteúdo musical de suas obras. Estas relações

estabeleceram a criação de um eixo entre Itália, Portugal e Brasil. A absorção de

Portugal ao estilo fiorito, proporcionou a entrada deste no Brasil colonial com a chegada

de D. João. A vinda dos músicos da Capela Real de Lisboa (instrumentistas e cantores),

aliada ao gosto de D. João e sua corte, resultaram na adesão deste estilo na cidade do
27

Rio de Janeiro. A vinda dos castratti membros do coro da Capela Real de Lisboa, é

outro fator motivador para que este estilo fosse absorvido na cidade do Rio de Janeiro,

culminando com a chegada do compositor Marcos Portugal, conhecido e experiente em

composições do gênero operístico italiano. Este conjunto de acontecimentos gerou a

manifestação do estilo bel canto no Brasil, pois a figura do padre José Maurício

compositor brasileiro carioca, mediante as experiências e exigências vividas na Capela

Real e Sé, começa a empregar este estilo, mudando o perfil estilístico de suas

composições. Cleofe Person de Mattos sintetiza em uma frase seu parecer referente ao

teor de profanidade contido na Missa de Santa Cecília de 1826, última obra do padre

José Maurício. “Se a obra contém profanidade, deve-se reconhecer que o sinal dos

tempos o atingira”. (Cleofe Person de Mattos, 1984, p. 19). Talvez possamos considerar

esta frase de Mattos relacionada a toda obra mauriciana calcada no estilo bel canto.
28

1. ORIGENS DA MÚSICA VOCAL ITALIANA DOS SÉCULOS XVII E XVIII

1.1. O surgimento do bel canto

Segundo o dicionário The Grove dictionary, bel canto1 é a arte de cantar bem, ou

seja, cantar nos padrões estabelecidos nos séculos XVII e XVIII. O Grove dicionário

definiu o bel canto como um dos poucos termos musicais dos mais usados, e também

dos mais abertos a diversas interpretações. O verbete continua definindo o termo bel

canto como canto elegante italiano, estilo vocal do século XVIII e início do século XIX.

De acordo com o Grove dicionário o termo bel canto é inserido no vocabulário musical,

bastante tardio, segue explicando que a expressão “bel canto”, jamais apareceu nos

tratados dos castratti professores de canto Tosi (1723) e Mancini (1774). Estes dois

nomes são citados pelo Grove como os mais importantes tratadistas da então chamada,

“era de ouro do bel canto”. O termo só começa a ser usado a partir da metade do século

XIX, conclui-se então, que o termo bel canto não era usado nos séculos XVII e XVIII,

período no qual este estilo estava em voga. Provavelmente quando começou a ser usado

no século XIX, o termo bel canto servia como referência ao estilo do canto italiano dos

séculos XVII e XVIII. Segundo o The Grove dictionary o termo bel canto só começa a

ser usado quando na metade do século XIX, quando o peso vocal estava em evidência, e

menos ênfases eram colocadas sobre uma leveza e expressão florida. (The New Grove

dictionary of music and musicians, 2001, v. 3, p. 161, 162).

1
Bel canto (It.: ‘fine singing’). Few musical terms are as loosely used or open to as many different
interpretations as ‘bel canto’. Generally understood as indicating the elegant Italian vocal style of the 18th
and early 19th centuries, the terms did not enter the musical vocabulary until somewhat later. It does not
appear, for example, in the treatises of Tosi (1723) and Mancini (1774), the most important writings of
the so-called ‘golden age of bel canto. (The New Grove dictionary of music and musicians, 2001, v. 3, p
161, 162).
29

O Grove dicionário edição concisa defini bel canto, como: expressão usada para

referir o elegante estilo vocal italiano dos séculos XVIII a XVIII, caracterizado pela

beleza de timbre, emissão floreada, fraseado bem feito e técnica fácil e fluente.

(Dicionário Grove edição concisa, 1994, p. 90).

De acordo com fontes bibliográficas lidas nesta pesquisa o estilo fiorito italiano,

mais conhecido como bel canto, surgiu em nossos dias motivado por diversos fatos,

ocorridos no decorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII, atingindo seu ponto máximo no

século XVIII. Dentre as diversas motivações que contribuíram para as mudanças na

ópera italiana, podemos considerar a Igreja Católica como um dos provocadores da

ascensão deste estilo na sociedade da época. Outro agente estimulante foi à realeza, que

através de seu patrocínio aos músicos também atua promovendo estimulando o

surgimento deste estilo. O gosto italiano pelas melodias é uma das causas da ascensão

do estilo ornamentado, principalmente no final do século XVII, e em grande parte do

século XVIII.

Alberto Pacheco declara que a ópera italiana dos séculos XVII e XVIII, está

intimamente ligada á figura dos castrati, pois nestes dois séculos possuem uma forte

ligação com estes cantores, como interprete e professores de canto. Pacheco segue

afirmando que os castrati eram referência vocal, também muito respeitados como

professores. Por esta razão, a figura dos cantores e professores eunucos será de

relevância nesta dissertação.

Nos dois primeiros séculos de vida, a ópera esteve intimamente relacionada com o
fenômeno vocal e musical que foram os castrati. Eles se tornaram o modelo vocal
tanto como intérpretes quanto como professores. Portanto, não é um acaso o fato de
dos tratadistas analisados nesta dissertação terem sido castrati. (Pacheco, 2006, p.
25).
30

Segundo Alberto Pacheco, os castrados estavam ligados ao antigo regime, quer

dizer, uma política muito influenciada pela Igreja. Pacheco relata que a Revolução

Francesa motivou o fim do antigo Regime, provocando o início da saída paulatina dos

castrati das casas de ópera e das igrejas.

O advento dos castrati está intimamente relacionado com o Antigo regime que
dominava a Europa. Esta relação é tão forte que a Revolução Francesa, ao dar início
à queda do Antigo Regime, levou os castrati a uma extinção progressiva. Prova
maior disso é o fato de que Napoleão, um produto desta mesma revolução proíbe,
em 1806, a castração de jovens nos estados italianos. (Pacheco, 2006, p. 25).

1.2. Inserção dos castrati na ópera italiana do século XVII

Segundo Barbier, a trajetória dos castrati no âmbito musical tem início na

Espanha. Barbier afirma que os eunucos foram introduzidos na Espanha através das

tradições moçárabe. Os eunucos tinham a função de guardar os serralhos dos sultões.

Na verdade, a Espanha, é o cenário dos primeiros fatos históricos, que começam

a ocorrer no plano musical. Introduzido pela civilização moçárabe2 por volta do século

XII, certos eunucos, com voz espantosa, iriam pouco a pouco conquistando um lugar

considerável na liturgia católica, para atingir o apogeu no século XVI. Uma bula do

papa Sisto V (1585-1590), dirigida ao núncio apostólico na Espanha, prova muito

claramente que os castrati eram admitidos já há muito tempo nas principais igrejas da

Península Ibérica. (Barbier, 1989, p. 7).

Os tiples3 e falsetistas foram substituídos pelos castrati paulatinamente na

música da liturgia romana. A igreja admite a superioridade das vozes dos castrati, em

relação a emissão com maior esforço, de sonoridade estrídula dos falsetistas.

2
O repertório de canto chão pertencente a igreja da Espanha até sua substituição pelo rito romano em
1085; ‘moçárabe” refere-se a cristão sob dominação muçulmana... (Dicionário Grove edição concisa,
1994, p. 611)
31

Obviamente, os castrati não eram os únicos a atuarem na Itália, no século XVII,

porém, aos poucos sua atuação foi se tornando predominante, em relação aos naipes de

sopranos e contraltos. “No espaço de alguns anos, mandou embora todos os falsetistas

restantes para substituí-los por castrati sopranos...” (Patrick Barbier, 1989, p. 9)

A ópera Italiana, a partir do século XVII, começa a adquirir características

músicas, que vão originar a chamada “era de ouro do bel canto italiano”. Nápoles adota

um estilo vocal, mais direcionado a beleza da linha melódica, com um acompanhamento

simples em textura e harmonização, a fim de ressaltar sempre, as qualidades vocais do

interprete. O livro a “História da música ocidental” de Donald Grout e Claude Palisca,

chama este movimento musical de Nápoles, de “O Estilo Napolitano”.

O Estilo Napolitano – Na ópera começaram a manifestar-se, ainda antes do fim do


século XVII, tendências nítidas no sentido de uma estilização da linguagem e formas
musicais e de uma textura musical simples, concentrada na linha melódica da voz
solista e apoiada por harmonias agradáveis ao ouvido. O resultado final foi um estilo
de ópera mais preocupado com a elegância e a eficácia externa do que com a força e
a verdade dramática, mas as fraquezas dramáticas eram muitas vezes compensadas
pela beleza da música. Este novo estilo, que se tornou dominante no século XVIII,
desenvolveu-se, parece, nos primórdios, principalmente em Nápoles, sendo por isso
muitas vezes chamado de estilo napolitano. (Grout Palisca, 2001, p. 362, 363).

Não é por acaso, que Nápoles ocupa lugar de destaque, em relação ao estilo

fiorito (fioriture)4. Nápoles era uma cidade, que possuía quatro grandes conservatórios5

de música, o mais antigo é o de Santa Maria di Loreto, fundado em 1537. Outros três

conservatórios são fundados posteriormente, Pietá Del Turchini, Pobres de Jesus Cristo

e Sant’Onofrio. As quatro instituições citadas acima foram, fundamentais, na formação

3
Tiple. A mais aguda das vozes humanas, própria especialmente de mulheres e meninos.
Tiple.f. La más aguda de las voces humanas,propia especialmente de mujeres y niños. (Michel Brenet,
1981, p. 512).
4
Fioritura (It., “floreio”) Ornamentação de uma linha melódica, seja improvisada por um intérprete ou
escrita pelo compositor. (Dicionário Grove edição concisa, 1994, p. 328).
5
Conservatório de Nápoles Escola de música italiana. No séc.XVII foram criadas escolas de música em
quatro orfanatos italianos (S. Onofrio, Poveri di Gesù Cristo, Sta. Maria de Loreto, Pietà dei Turchini). Os
meninos aprendiam contraponto e canto, bem como a execução de instrumentos; tomavam parte nos
serviços eclesiásticos e em concertos. (Dicionário Grove edição concisa, 1994, p. 215).
32

e na propagação do estilo napolitano. “Os documentos mais antigos datam de 1537 e se

referem à fundação do Conservatório de Santa Maria di Loreto; depois surgem as três

outras instituições: a Pietà Del turchini em 1584, os pobres de Jesus cristo em 1589 e

finalmente Sant’Onorio a Capuana por volta de 1600”. (Barbier, 1989, p. 32).

Barbier considera a intensa manifestação musical recorrente por toda a Itália, o

motivo que tornou os quatro conservatórios de Nápoles referência em formação

musical. A Igreja é apontada por Barbier, como agente motivador do reconhecimento de

Nápoles, como centro formador de bons músicos, em função das exigências feitas pela

Igreja em relação ao bom nível dos seus músicos.

Uma virada decisiva ocorreu durante a primeira metade do século XVII. Diante da
extraordinária explosão da vida musical que se observava mais ou menos por toda a
Itália, e porque a música religiosa exigia muitos bons músicos e cantores, Nápoles
sentiu necessidade de concorrer com as estruturas musicais das outras cidades e
assim escapar á influência delas. Muito rapidamente, os quatro orfanatos das
décadas anteriores iam erigir-se em escolas de música para se tornarem as de maior
prestígio da época: conservar, transmitir e aperfeiçoar a tradição musical
constituíram sua nova ambição, e do verbo conservare nasceu pela primeira vez na
Europa a palavra “conservatório”. (Barbier, 1989, p. 32, 33).

Também o Grove dicionário de música edição concisa, define a escola

napolitana como referência da ópera italiana do século XVII até 1770, pois, a maioria

dos compositores de ópera dessa época estudou, nos conservatórios de Nápoles.

Escola Napolitana Expressão usada para indicar o estilo operístico preferido pelos
compositores nascidos ou que estudaram em Nápoles do final do séc. XVII até os
anos 1770. Hoje se considera que jamais existiu uma “escola napolitana”, mas a
expressão continua sendo útil e não é irrelevante, uma vez que a maioria dos
principais compositores operísticos estudou em conservatórios napolitanos. Entre
eles incluem-se A. Scarlatti, tradicionalmente apontado como fundador do grupo,
Porpora, Vinci, Hasse (apesar de alemão), Pergolesi, Jommelli, Traetta, Piccinni,
Paisiello e Cimarosa. (Grove edição concisa, 1994, p. 642).
33

É provável que alguns pesquisadores não considerem a existência da Escola

Napolitana, em virtude desta conter elementos do canto antigo italiano que se estendeu

do século XVII até o final do século XVIII, atingindo o seu apogeu no final dos

setecentos. A existência dos quatro conservatórios napolitanos, com intensa formação

musical, de meninos e jovens, fez com que Nápoles se tornasse sinônimo da expressão

musical não só na Itália, mas supostamente para outros países da Europa.

Patrick Barbier cita a escola napolitana, como fonte de referência em formação

musical na Itália e no exterior em seu tempo. Segundo Barbier os quatro conservatórios

de Nápoles adquirem renome através de seus professores (mestres de capela), Atraindo

assim músicos de toda a Itália, mas também, compositores renomados como, Haendel e

Mozart.

Mestre de capela. A pessoa que dirige um coro religioso. As capelas reais e os coros
das igrejas, Catedrais ou congregações tinham antigamente entre seus membros toda
uma hierarquia de mestres e sub-mestres de capela e de meninos cantores. (Michel
Brenet, 1981, p. 302). 6

Em algumas décadas, as quatro escolas viriam a adquirir, através de seus mestres –


de – capela, uma considerável notoriedade que fazia de seus mestres – de – capela,
uma considerável notoriedade que fazia com que acorressem a Nápoles os músicos e
cantores de toda a Itália, assim como do exterior. Simples alunos ou compositores já
renomados, tais como Haendel, Haydn, Mozart, Cluck ou Meyerbeer, faziam
questão de aproveitar, em algum momento de sua vida, o saber musical da escola
napolitana. (Barbier, 1989, p. 40).

O estilo bel canto surge apoiado, na valorização da escola italiana pela melodia.

A linha de canto ocupa um local principal, na ópera italiana, a orquestra desenvolve

uma função secundária, voltada para o acompanhamento dos cantores, exceto nas

aberturas. Em geral, o destaque na ópera italiana do período de apogeu do estilo fiorito,

é a voz solista. Nápoles, com seus quatro conservatórios, ocupa uma posição de

destaque no cenário da ópera italiana dos séculos XVII e XVIII. O fato de ter gerado

6
Maestro de capilla. La persona que dirige um coro religioso. Las capillas soberanas y los coros de las
Iglesias catedrales o colegiatas tenian antiguamente entre sus miembros toda uma jerarquia de maestros y
submaestros de capilla y de niños cantores.
34

músicos como Cimarosa, e ter atraído compositores como, Haendel e Mozart,

contribuíram, para que a figura do bel canto estivesse sempre relacionada, à cidade de

Nápoles, ao estilo vocal ornamentado.

1.3. Características musicais do bel canto

Segundo o dicionário Grove, o termo bel canto está relacionado ao cantar bem,

com elegância, com leveza. O estilo bel canto é denominado por várias formas, na sua

maioria estas são cabíveis, porém devem ser conjugadas simultaneamente, pois o estilo

bel canto é composto de muitas peculiaridades.

(...) o surgimento da castrato e a invenção da ópera influenciaram a arte do canto. A


voz castrato atendia à necessidade dos compositores da Contra – Reforma de vozes
agudas e expressivas na música da igreja, e os castratos seriam utilizados nas igrejas
católicas durante os três séculos seguintes. Na ópera, sopranos e castratos tornaram-
se os cantores mais valorizados no período barroco... com sua eloqüência
insuperável no estilo novo e fluente do bel canto, que ser desenvolveu na ópera
italiana em meados do séc.XVII; também demonstraram ser os expoentes da
ornamentação e das divisões brilhantes do barroco tardio e do primeiro estilo
clássico. (Grove edição concisa, 1994, p. 166).

Segundo o livro a História da música ocidental Grout e Palisca, na metade do

século XVII, a ópera italiana continha os elementos, que seriam constantes nos

compositores, nos próximos dois séculos.

Em meados do século XVII a ópera italiana adquirira já os contornos fundamentais


que viria a manter, sem mudanças de maior, ao longo do dois séculos seguintes. As
características principais deste gênero era: (1) ênfase no canto solístico com (durante
muito tempo) um relativo desinteresse pelos conjuntos e pela música instrumental;
(2) separação de recitativo e ária; (3) introdução de estilos e esquemas próprios para
as árias. (Grout e Palisca, 2001, p. 329)

Segundo afirmações de Grout e Palisca, a ária era considerada, o elemento mais

importante na ópera italiana, por esta razão, os solos eram tratados com mais ênfase.
35

Talvez por este motivo os compositores começam a admitir mais e mais, os elementos

de virtuosismo, que foram à marca registrada da ópera no século XVIII.

A concentração das atenções na ária, considerada como único ingrediente


musicalmente relevante da ópera, abriu caminho a muitos excessos. O esquema da
alternância regular de recitativos e árias acabou por ser tratado com demasia rigidez.
Os cantores, incluindo os famosos castrati italianos (sopranos e contraltos do sexo
masculino), faziam exigências arbitrárias aos poetas e aos compositores, obrigando-
os a alterar, acrescentar e substituir árias, sem qualquer espécie de respeito pela
coerência dramática ou musical das obras. Além disso, os ornatos e cadenzas
melódicos que os cantores acrescentavam a seu bel-prazer eram muitas vezes
simples exibições insípidas de acrobracia vocal. (Grout e Palisca, 2001, p. 496).

Lauro Machado coelho afirma, que a ópera italiana adquiriu o seu perfil de

predominância, nos séculos XVIII e XIX, em virtude da exacerbada valorização da ária

no contexto da ópera. Segundo Machado Coelho, o fenômeno do culto ao cantor,

também surge motivado pela super valorização dos solos, criando assim em torno da

figura do interprete, um enfoque maior nas performances operísticas, em relação aos

demais elementos contidos na obra. O libreto, orquestra e coro, são exemplos de figuras

em posição de menor importância, em relação à ária. A orquestra e o coro possuíam

pouca evidencia neste período. ”Conseqüência direta do grande relevo adquirido pela

ária na ópera seria é o surgimento do fenômeno típico do século XVIII que, com

modificações no espaço e no tempo, vai manter-se até hoje; o culto do cantor”.

(Machado Coelho, 2000, p. 187). Machado Coelho fornece ainda mais informações, a

cerca da atitude do público da época durante o espetáculo de ópera. Segundo Machado

Coelho, a platéia reagia indiferente a exibição da ópera somente voltando a sua atenção

durante a execução de uma ária. “(...) contam-nos que ninguém prestava atenção no que

estava acontecendo no palco, a não ser quando se ouvia uma ária mais conhecida...”

(Machado Coelho, 2000, p.188).


36

Guido Tartoni, em sua Storia e técnica Del canto lírico, também nos fornece

características e motivações, que levaram a ópera italiana a adquirir um estilo mais

ornamentado e virtuosístico.

A evolução, já na primeira metade do século XVII, desta formula inicial, embasada


sobre a acentuação variada do canto discursivo a fim de obter efeitos expressivos, é
rápida; e já Monteverdi, atua com um diferencial nítido entre as partes parlate, vale
ressaltar os recitativos, e aqueles cantábiles, líricos, que possam pertencer ao estilo
silábico spianato ou aquele fiorito. (Tartoni Guido, 1995, p. 15, 16)

Dois elementos contribuíram certamente naquele período, para enriquecer de


melismi e fiorettature Il canto, motivando assim no fim dos Seiscentos aquela
polemica sobre a falta de importância do canto de agilidade, vocalizzato, Che
haveria de caracterizar todo Setecentos e Oitocentos, chegando até os nossos dias: o
fato da tendência de impressionar a vocalização, também com improvisações e
variações, se enquadram perfeitamente no clima barroco da época, alegre e rico de
fantasia na ornamentação instrumental, o fato de com muita freqüência os mesmos
compositores, de Peri7 (interprete da parte de Orfeo na sua Eurídice) Caccini8,
fossem também cantores e por isso inclinados a brotar deles sabedoria na invenção
das cadencias brilhantes. (Tartoni Guido, 1995, p. 16)9.

7
Jacopo Peri (Roma, 20 ago. 1561; Florença, 12 ago 1633) compositor cantor italiano. Suas primeiras
óperas, ambas sobre texto de Rinunccini, foram Dafne (1598, Florença), composta com Corsi, e Eurídice,
baseada na lenda de Orfeu, é a primeira ópera cuja música se conservou completa. (Dicionário Grove
edição concisa, 1994, p. 713)
8
Giulio Caccini (Giulio Romano) (Roma/Tivoli, c. 1545; Florença, ent. 10 dez. 1618) Compositor e
cantor italiano.
9
Due elementi contribuirono certamente, in quel período, ad arricchire di melismi e fiorettature in canto,
attizando cosi fin dal Seicento quella polemica sulla fatuità Del canto di agilitá, vocalizzato, Che avrebbe
caratterizzato tutto in Settecento e L’Ottocento, giungendo fino ai nostri giorni: Il fato Che La rendeza ad
impreziosire La vocalità, anche com improvvisazioni e variazioni, s’inquadrasse perfettamente nel clima
barocco dell’epoca, fastoso e ricco di fantasia nella ornamentazione strumentale, e Il fatto Che molto
spesso i compositori stessi, da Peri (interprete della parte di Orfeo nella sua Eurídice) a Cassini, fossero
anche cantante e quindi inclini a sfoggiare La loro sapienza nell’inventare cadenze brillanti. (Guido
Tartoni, 1995, p. 16)
37

Tartoni explica, que no século XVIII a figura do virtuose torna-se m elemento

fundamental, para expressar a nova linguagem, embasada na ornamentação, que era

estabelecida com predominância, no findar do século XVII, e por quase todo o século

XVIII. Segundo Tartoni o novo estilo que surgia com o findar do século XVII, buscava

se expressar através sentimentos incríveis, através do canto solístico, construído em uma

linguagem estilizada, e artificial, que era a linguagem peculiar dos setecentos. Os

cantores, nesta época estavam fadados, a se dedicarem com afinco, ao domínio das

passagens de agilidade e ornamentações. O estilo ornamentado, com o passar do tempo,

torna-se elemento totalmente ligado ao estilo bel canto, ao ponto, de muitos suporem,

que o estilo musical italiano dos séculos XVII e XVIII, fosse constituído essencialmente

de ornamentações.

O virtuoso surgia agora indispensável, por encontrar a criação na própria linguagem


e nela formas de bravura sons e modos raros, capazes de exprimir, no novo canto
monódico, incríveis sentimentos, fantasias, inspirações descritivas, seja dos estados
da alma seja dos ambientes e atmosferas. Tanto na abstração dos modos estilizados
quanto na concretização daqueles que sustentam invés os movimentos interiores e os
impulsos dos sentimentos, em sumo, o canto lírico setecentista vem a afirmar uma
forma de linguagem que por sua preciosidade passará para a história como belcanto.
Entre os grandes protagonistas deste período, no qual embora o forte o fervor dos
afetos, são substituídos pela pura acrobacia vocal, são os evirate10 criaturas
destinadas á fama, talvez, mas a preço de sua infelicidade. (Tartoni Guido, 1995, p.
16, 17)11

Lauro Machado Coelho afirma, que foram vários motivos que contribuíram para

a explosão do vocalismo, na transição do século XVII para o século XVIII. Machado

Coelho admite, a importância dos mestres Francesco Antonio Pistocchi e Antonio Maria

10
Evirate. Castrado emasculado. (Éverton Florenzano, Dicionário Ediouro Italiano Português, 2201, p.
100)
11
Il virtuosismo appariva ora indispensabile, per trovare nella propria inventiva fonética e nelle formule
di bravura suoni e modi rari, atti ad esprimere, nel nuovo canto monódico, inauditi sentimenti, fantasie,
ispirazioni descrittive, sai di stati d’animo sai di ambienti e atmosfere. Tanto nell’astrattezza dei moduli
silizzati quanto nella concretezza di queli Che sostanziano invece i moti interiori e gli impulsi dei sensi,
insomma, Il canto lírico asetecentesco riesce ad affermare uma forma di linguaggio che per la sua
presiosità passerà Allá storia come belcanto. Tra i grandi protagonisti di questo período, nel quale
comunque spesso AL fervore degli affetti si sostituisce La pura acrobazia vocale, sono gli evirati,
creaturre destinate Allá fama, magari, ma a prezzo della loro infelicitá. (Guido Tartoni, 1994, p. 16, 17)
38

Bernacchi. Porpora também é citado, como membro deste grupo, que começa a

privilegiar a voz solista, nas óperas italianas. Machado Coelho afirma, que estes três

personagens, atuaram como motivadores do vocalismo, que se afirmava com veemência

na transição do século XVII, ao século XVIII, servindo assim como mediadores de

Scarlatti, considerado por alguns, “pai da escola napolitana”.

Para a grande explosão de vocalismo da virada do século XVII para o século XVIII,
concorrem vários fatores: as grandes escolas de canto dos castrati Francesco
Antonio Pistocchi e Antonio Maria Bernacchi, às quais virá juntar-se mais tarde a do
compositor Nicola Porpora: a reforma Arcádia do libreto; e a contribuição
fundamental de alguns operistas aqui mencionados. Estes nomes formam a ponte
entre o trabalho precursor de Alessandro Scarlatti e a fase áurea que será dominada por
Vivaldi, Haendel e Hasse. (Lauro Machado Coelho, 2.000, p. 215).

Guido Tartoni considera Tosi uma figura de grande importância, na hegemonia

do estilo italiano de ópera. Castrati e compositor, Tosi é considerado por Tartoni, um

elemento de grande importância, no século XVIII, pela sua preocupação com as

passagens de registro, quer dizer, a transição da região média da voz para os agudos ou

vice-versa, obtendo assim uma homogeneidade da voz, e domínio sobre a emissão.

Tartoni atribuiu a Tosi também, as recomendações em relação aos ataques na região

aguda, serem realizados com suavidade. Tartoni considerava este princípio uma das

premissas do bel canto.


39

O início do século XVIII se constitui teoricamente, através do castrado e compositor


P. F Tosi, a passagem de registro, quer dizer, a mesclagem gradativa dos sons de
peito e dos sons de cabeça, na zona intermediaria, para preparar os agudos, com
astúcia, e o processo inverso para descer aos graves das notas altas, assim evitando a
dureza da voz, que surgidas na voz, e dando assim homogeneidade de cores,
abrangendo duas oitavas. Também o método que recomenda o ataque doce das notas
agudas, recomendados por Tosi, estabelece outro princípio fundamental do
considerado belcanto que caracteriza o século XVII e dará a Itália uma virtual
hegemonia no teatro musical europeu. (Tartoni Guido, 1995, p. 22)12

Tartoni ainda menciona, recomendações de Tosi, a cerca da messa di voce,

muito difundida e apreciada neste período, considerada fundamental aos recursos vocais

de um cantor. A Tosi são atribuídas outras recomendações, em relação à ornamentação,

rubatos, cadências e variações. A importância de Tosi como pedagogo, e formador é

evidenciada nas suas recomendações, relacionadas ao estilo e emissão. No seu tratado,

Tosi expõe a sua preocupação com uma linguagem clara. A metodologia de ensino de

Tosi, era clara, procurando direcionar o cantor na prática do aprendizado do canto, tais

procedimentos eram expressos nas suas recomendações.

O mesmo teórico e pedagogo indica outros métodos a seguir-se a messa di voce


(quer dizer atacar a nota piano, crescendo sobre ela gradualmente, depois
atentamente diminuí-la para trazê-la a intensidade inicial, sem perder o fio de voz),
os vários tipos de trillo, as notas rubatos, as cadencias, as variações e tudo quanto
formará a bagagem técnica dos virtuosos no século das luzes. (Tartoni Guido, 1995,
p. 22)13

Tartoni admite, que a partir de Scarlatti, comece o desenvolvimento das

passagens melismáticas, e do uso do virtuosismo, a ária tripartida, passa a ser preferida

12
All’inizio Del XVIII secolo si teorizza, da parte del castrato e compositore P.F. Tosi, Il passagio di
registro, cioè a dire La miscelazione graduale dei suoni de petto e di quelli di testa, nelle zone intermedie,
per preparare gli acuti, salendo, e Il processo inverso per scendere ai gravi dalle note alte, onde evitare
bruschi scarti timbrici e dare omogeneità di tinte e vibrazioni all’intera gamma di due ottave. Anche Il
método che prevede l’attacco dolce delle note acute, raccomandato dal Tosi, stabilisce um altro principio
fondamentale del considetto belcanto che caraterizzerà il Settecento e darà all’Italia uma virtuale
egemonia nel teatro musicale europeo.
13
Lo stesso teórico e pedagogo indica altresì il modo di eseguire la messa di voce (cioè a dire attaccare
uma nota piano, riforzarla gradualmente, poi specularmente diminuirla per riportarla al volume iniziale,
senza riprendere fiato), i vari tipi de trillo, le note ribattute, le cadenze, le variazioni e quant’altro formerà
poi il bagaglio técnico dei virtuosi nel secolo dei lumi.
40

pelos compositores. Tartoni afirma ainda, que a ária tripartida, é tomada como base de

modelo, no período do bel canto.

Com Scarlatti vai-se desenvolvendo o uso das passagens melismáticas e das


invenções de virtuosismo no canto, e se estabelece a ária tripartida, que substitui a
bipartida, proporcionando um da capo variado, que constituíra o muro mestre do
período do belcanto, além do cume (a grande ária) de cada ópera. (Tartoni Guido,
1995, p. 22, 23)14

De acordo com Tartoni, neste período já se estabelecia dois tipos de coloratura,

as de caráter gracioso e terno, e as de força de caráter heróico. “No mesmo compositor,

ainda, se dividem dois tipos de coloratura, isto é, de agilidade e aquelas de força de

caráter heróico, mais escritas sobre tessitura elevada”. (Tartoni Guido, 1995, p. 23).15

Lauro Machado Coelho afirma que a transição do século XVII para o XVIII,

definiu características, que acompanhariam a ópera italiana por muito tempo. Entre elas

se destacam, a distinção entre recitativo e ária, o recitativo acompanhado substitui o

baixo contínuo. A ampliação da ária se desenvolveu a partir do gosto do público, que se

atraia pelo virtuosismo vocal, a inserção do obligatto nas árias, se torna presente muitas

vezes. Segundo Machado Coelho, com a ampliação da ária e seu conteúdo embasado

em ornamentações e coloraturas, fez com que os compositores criassem, um

acompanhamento orquestral mais elaborado, gerando assim o aumento do obligatto.

Machado Coelho denomina a coloratura de “cavalo-de-batalha” dos cantores, segundo

o autor, o canto fiorito exercia o poder de prender a atenção da platéia, porém, segundo

ele, o texto passa a ocupar papel de menos importância na ária. Os conjuntos diminuem,

em função do aumento das árias. Machado Coelho ressalta que as partes orquestrais,

14
Com Scarlatti si va sviluppanjdo l’uso dei passi melismatici e delle invenzioni virtuosistiche, nel canto
e si configura l’aria ttipartita, che sostuisce la bipartita, presentando il da capo variato, e che costituià il
muro maestro del período belcantistico, oltre che in vértice (la grande ária) di ogni opera.
15
Nello stesso compositore, inoltre, si individuano già due tipi di coloratura, vale a dire di agilitá, quella
di grazia a carattere elegíaco e quella di forza, d’impronta epicheggiante, per lo più scritte su tessiture
elevate.
41

interlúdios e introduções, recebem um teor mais forte de elaboração, porém, não são

mais inseridos na ação como os ritornellos anteriormente utilizados.

Na transição do século XVII para o XVIII, o arioso contínuo proposto pela Escola
Florentina sofreu um processo de transformação: dissociou-se em recitativo e ária
nitidamente diferenciados. O recitativo acomodou-se a fórmulas melódicas e
harmônicas restritas; e o acompanhamento, originalmente feito por um cravo ou
pelas cordas. Paralelamente, a ária se ampliou, ganhando melodia com cantábile
expansivo, de muitas vezes acompanhada por instrumento solista obligatto – ou seja,
tornou-se mais brilhante, mas também mais artificial. Com o passar do tempo, como
a ária era o grande atrativo do espetáculo, pois dava ao público a possibilidade de
apreciar as virtudes canoras dos intérpretes, seu número aumentou, e uma proporção
crescente delas passou a ter acompanhamento instrumental mais trabalhado. (Lauro
Machado Coelho, 2000, p. 1677).

A coloratura, cavalo-de-batalha dos cantores e objeto do fascínio das platéias,


também se desenvolveu, a ponto de muitas vezes passar o texto para uma posição
secundária. Tornava-se difícil compreendê-lo com todas as repetições de membros
de frase, alargamento e compreensão de sílabas e efeitos decorativos superpostos às
palavras. A predominância das árias também fez com que os números de conjunto
diminuíssem. Além disso, as introduções e interlúdios orquestrais, embora mais
desenvolvidos, passaram a ser intercalados à ação não se misturando mais a ela
como os antigos ritornellos. (Lauro Machado Coelho, 2000, p. 167).

No findar deste capítulo concluímos, que na transição entre os séculos XVII e

XVIII, são consolidadas as principais características, que irão nortear o estilo bel canto

até o século XIX. Nesse momento a ornamentação e as passagens de agilidade são

estabelecidas, como premissa no canto italiano setecentista. A ária como elemento em

destaque dentro da ópera, é mais uma característica da hegemonia, que caracterizou a

música vocal italiana, até a primeira metade do século XIX. No decorrer do século

XVIII, o virtuosismo torna-se indispensável na atuação dos cantores. O gosto do

público pela coloratura, provoca o aumento da inserção de passagens melismáticas,

acarretando a demasiada fragmentação do texto, dificultando sua compreensão, mais um

fato que caracterizou o século XVIII. A coloratura passa a ser empregada em gêneros

distintos; ora suave, privilegiando apenas a agilidade, e aquelas feitas com força,

conferindo a ária um caráter heróico. A messa di você é considerada, elemento


42

indispensável, nas árias ao longo do século XVIII. Diante deste conjunto de

informações concluímos, que o cantor nesta época devia ser capaz de executar

passagens de agilidade, com domínio em relação as variações de intensidade, a fim de

poder satisfazer as exigências impostas pelo estilo fiorito.

2. TIPOS DE ÁRIAS EXISTENTES NA ÓPERA ITALIANA ENTRE OS

SÉCULOS XVII E XVIII

2.1. Os diversos gêneros de árias italianas

A ária será o primeiro elemento a ser enfocado nesta pesquisa, relacionada ao

bel canto, uma vez, que muitos elementos do estilo fiorito estão contidos nela. Lauro

Machado Coelho cita em seu livro, sobre a ópera barroca italiana, cinco tipos de árias,

através das narrativas do viajante inglês John Brow, em “Suas cartas sobre a ópera

italiana” (Letters on the Italian Opera).

• a aria cantabile, “a que oferece imediatamente ao cantor a possibilidade de


demonstrar ao máximo os seus recursos... a mais indicada para a expressão dos
sentimentos ternos”;
• a aria di portamento, “escrita com notas longas, com as quais o cantor pode trabalhar”
(fazendo efeitos de passagem de uma nota para a outra, exibindo a sua técnica de
legato)... “indicada principalmente para a expressão dos sentimentos dignos”;
• a aria di mezzo carattere “que, embora não exprima nem a nobreza nem a intensidade
emotiva das duas precedentes, ainda tem um tom sério ou agradável” (a ária com a
qual se expressa, portanto, a chamada personagem de demi caractère, a meio
caminho entre as figuras trágicas e as bufas.
• a aria parlante “não se preocupa nem com o uso de notas longas nem com os
ornamentos durante a execução, e é muito movimentada, na proporção da violência
das paixões que exprime... também é chamada de ária di nota e parola ou ária
agitata”;
• e a aria di bravura ou agilita “composta muitas vezes apenas para mostrar a
capacidade que o cantor tem de superar os mais árduos obstáculos técnicos. (Lauro
Machado Coelho, 2.000, p.173).
43

A cada ária John Brown atribuiu especificidades, com as quais o compositor

objetivava exprimir, sentimentos de ternura, paixão, fúria, ou ainda, um aspecto híbrido

entre a tragédia e a comédia. Segundo John Brown na ária de bravura (coragem) ou de

agilidade, o compositor almejava demonstrar o nível de capacitação de um cantor,

através de um solo composto de passagens de agilidade e intensidade.

Alberto Pacheco comenta, que Tosi afirmava a existência de três tipos de ária,

no final do século XVII, e início do século XVIII. Estas eram: árias de teatro, de

câmara, e de igreja. Tosi constata que com o passar do tempo, as árias de câmara e de

igreja começam a perder suas peculiaridades, absorvendo gradativamente o estilo das

árias de teatro (árias de ópera), padrão que abrange grande parte do século XVIII.

Tosi (1723:58) afirma que os antigos cantavam árias de três diferentes maneiras:
“para teatro, o estilo era vívido e variado para a câmara, delicado e fino; e para a
igreja, afetuoso e grave. Está diferença é ignorada por muitos modernos’. A última
frase de Tosi revela uma tendência: no decorrer do século XVIII este tipo de
diferenciação foi aos poucos caindo em desuso. (Alberto Pacheco, 2006, p. 266).

Garcia afirma, que as peculiaridades em relação a cada tipo de ária se perderam

com o passar dos anos, confirmando assim, a declaração de Tosi de que as

características peculiares de cada uma, com o passar do tempo, se tornaram menores.

Segundo Garcia, as árias mantinham o mesmo conteúdo, independente do propósito

para qual foi composta. As diversidades relacionadas ao gênero para qual eram criadas

(teatro, câmara, igreja), não mais determinavam suas características. A partitura por si

somente, determinaria as intenções da ária. Garcia classifica em três, os estilos de canto,

que podemos também chamar, de estilos de árias.

O estilo amplo, canto spianato:

O estilo florido, canto fiorito:

O estilo dramático, canto declamato.


44

Segundo Garcia o estilo fiorito pode ser seccionado em: d’agilità, di maniera, di

grazia, di portamento, di bravura, di forza, di slancio. Garcia ainda diz, que o estilo

declamato pode dividido em sério e bufo. “O canto fiorito pode ser subdividido em

estilos chamados d’agilità, di maniera, di grazia, di portamento, di bravura, di forza, di

slancio. O estilo declamato pode ser sério e bufo. Esses nomes exprimem a natureza da

peça ou as características dominantes da execução. (Garcia, 1995, 2ª parte: 62).

2.2. O canto spianato

Garcia declara, que o canto spianato, ou canto simples, é caracterizado pelo

andamento lento, é denominado canto simples, pela ausência de ornamentações na sua

estrutura. Hoje em dia este estilo é chamado também de canto ligado, ou seja, sem as

passagens de coloratura e agilidade. No decorrer do século XIX, este estilo foi cada vez

mais adotado pelos compositores, em virtude da veracidade do texto com a melodia.

Compositores como Puccini embasaram suas obras neste estilo, que não é ornamentado,

porém, possuí outros méritos tais como: o legato perfeito, igualdade da voz entre outros.

Esse gênero, o mais elevado de todos, mas também o menos picante devido À

lentidão de seu movimento e da simplicidade de suas formas, repousa unicamente sobre

as nuances da paixão e sobre a variedade do claro-escuro musical. (...) Este estilo tem

como principais recursos, a limpeza da articulação e os diversos graus de energia que

comporta; a sustentação e a igualdade da voz; a concordância, a fusão ou a elegância

dos timbres; o uso dos sons filados em todas as suas variedades; as mais finas nuances

de dinâmica, portamento, o tempo rubato. (...) (Garcia, 1985, 2ª parte: 66).


45

2.3. Canto florido (canto fiorito)

Alberto Pacheco cita considerações de Garcia, a cerca do estilo de “canto

florido”. Garcia afirma, que o canto florido é voltado às ornamentações, e que este

exige grande flexibilidade do aparelho fonador, pois, segundo ele sua principal

característica consta na passagem de agilidade. O canto florido, ou canto fiorito, atingiu

seu ápice no decorrer do século XVIII, vimos anteriormente que seu desenvolvimento

em parte se deve a escola dos castrati. As passagens de agilidade eram muito apreciadas

pelo público. Patrick Barbier relata que este tipo de relação, se estabelecia entre os

interpretes e público, a respeito do estilo florido. “Se essas vozes provocavam tal paixão

no público, é que correspondiam a um gosto muito difundido nos séculos XVII e XVIII

pelos registros agudos, os únicos que permitiam brilhar no canto ornamentado; por isso

é que os castrati sempre partilharam o lugar de estrela com os sopranos femininos...”

(Barbier, 1989, p. 76). Patrick Barbier faz mais citações, que podem contribuir para

nossa compreensão em relação ao apresso do público pelo canto ornamentado. “Não se

pode, evidentemente, falar “da” voz dos castrati; cada um deles possuía “uma” voz,

mais ou menos extensa, colorida, ágil, potente. Uns eram soprani (Cusanino, Cafarelli,

Rauzzini...). Alguns faziam o público vibrar com sua espantosa técnica de

ornamentação... (Barbier, 1989, p. 76).

Segundo Pacheco, o canto florido apresenta variações, que podem ser

apresentadas em uma mesma obra, ou seja, uma só composição poderá utilizar mais de

uma espécie de fioriture. “Mostra que este estilo se divide em alguns tipos variados.
46

Essas variedades podem vir, às vezes, isoladas, outras vezes, unidas numa mesma

composição”. (Pacheco, 2006, p. 269).

2.4. Canto de agilidade (Canto de agilita)

Alberto Pacheco cita considerações de Garcia, a cerca deste tipo de canto que

tem por premissa, a valorização das notas rápidas, e de ornamentos como, escalas

trinados, arpejos, em grande quantidade. Garcia ainda indica, que a voz deve abordar

este estilo com uma emissão leve, ao contrário do canto spianato, sugerindo também

que esta modalidade de canto se adéqua as óperas bufa, e as árias felizes, compostas de

movimentos vivos. Certamente, esta indicação se relaciona com aos estados da alma, de

alegria e satisfação, que se adaptam ao conteúdo musical das árias desta natureza,

repletas de ornamentos, e de emissão leve e equilibrada.

Este estilo brilha, sobretudo, pelo movimento rápido das notas. As escalas, os
arpejos, os trilos são abundantes nele. A feitura das passagens deve ser franca, a
execução leve, e a voz medida. Este estilo se adapta perfeitamente a ópera, bufa aos
alegros das árias felizes, aos movimentos vivos dos rondós e variações. (Garcia,
1985, 2ª parte: 68)16

2.5. Canto di maniera (canto de graça)

Segundo Alberto Pacheco, Garcia determina este estilo para as vozes leves, que

não possuem grande domínio sobre a agilidade, porém capazes de emitir saltos de

dificuldade. Pacheco acrescenta uma característica primordial neste estilo, é; a

16
Ce style brille surtout par Le mouvement rapide des notes. Les roulades, les arpéges, les trilles y
abondent. La facture des traits doit être franche, l’exécution légère, et la voix ménagée. Ce style s’adapte
parfaitement à l’opéra buffa, aux allegro des airs gais, aux mouvements vifs des rondò, des variations.
47

capacidade de emitir notas sustentadas, sem um ataque brusco, e notas agudas em

pianíssimo. Conclui, que as vozes que não possuem domínio da intensidade sobre os

agudos não devem abordar este repertório.

“O gênero di maniera convém a sentimentos graciosos, cuja expressão é alegre

ou sentimental; por isso ele é chamado também de canto di grazia. Somente cantores

consagrados podem ser excelentes neste estilo” (Garcia, 1985, 2ª parte: 68). Portanto,

todos os efeitos exagerados devem se excluídos deste estilo delicado. A voz nas notas

altas e sustentadas deve ser amaciada pelo mais fino e agradável pianíssimo.

Segundo Pacheco, Garcia admite que os princípios técnicos e estilísticos do

canto de câmara descrito por Tosi, são os mesmos do canto de maniera, em virtude da

sua emissão leve, o não uso de excesso de passagens de agilidade. Em suma, Garcia

considerava que o canto de câmara, possuía o mesmo conteúdo estilístico, do canto de

graça. “Garcia nota que o tipo de canto que Tosi fala para o estilo de câmera deve ser

obtido, sem dúvida, através destes procedimentos”. (Pacheco, 2006. p. 270).

2.6. Canto di bravura

Alberto Pacheco relata considerações de Garcia a cerca do canto di bravura,

como um estilo que agrega potencia, e capacidade de executar passagens de agilidade,

assim, obtendo um efeito de intensa movimentação, em parceria com uma voz vibrante.

O canto di bravura nada mais é do que o canto de agilidade, ao qual se adiciona


poder e paixão. O artista pode cantar di bravura quando ele possui uma voz brilhante
e cheia, uma agilidade franca e vigorosa, audácia e calor. Neste estilo, a explosão
emocional é casada com a mais rica ornamentação do estilo; (...) O canto di bravura
convém a todas as músicas brilhantes apaixonadas. (Garcia, 1985, 2ª parte: 69)17

17
Le canto di bravura n’est autre chose que Le canto di agilita, auquel seulement sont venues s’ajouter la
puissance et la passion. L’artiste peut chanter di bravura lorsqu’il possède une voix éclatante e pleine, une
agilite franche e vigourese, de la hardiesse e de la chateur. Dans ce genre, l’élan de la passion se marie à
la plus riche parure Du style ; Le chant de bravoure convient à toute musique brillante et passionée.
48

Alberto Pacheco e Lauro Machado Coelho convergem, em relação as suas

definições, a respeito do canto di bravura, ambos, os pesquisadores definem a “aria di

bravura”, como um elemento desafiador do cantor, no qual o interprete executar um

solo vibrante, e potente e ao mesmo tempo muito ornamentado. Neste caso, a

dificuldade ainda é maior, pelo fato da emissão ser franca e cheia, acompanhada das

passagens de agilidade. A grande dificuldade do canto de bravura consiste, no fato deste

conter elementos do canto spianato e de agilidade simultaneamente, ou seja, a emissão é

vigorosa e intensa, contendo passagens de agilidade, tornando assim, este tipo de ária

uma espécie de desafio a resistência, e capacidade técnica vocal do cantor.

Segundo Alberto Pacheco, quando o canto de bravura apresentava grandes

intervalos era chamado de canto di slancio por Garcia. Lauro Machado Coelho

denomina este estilo como canto di sbalzo. Na verdade canto di slancio e canto di

sbalzo, são sinônimos, já que ambos admitem a mesma característica que é submeter a

voz a grandes saltos intervalares. “Este canto, quando dominado por grandes intervalos,

é chamado por Garcia de canto di slancio (canto de salto)”. (Alberto Pacheco, 2006, p.

271). “...tinham de fazer o chamado canto di sbalzo, em que há intervalos muitos

amplos, em que a voz salta de um som muito grave para um muito agudo ou vice-

versa”. (Lauro Machado Coelho, 2.000, p. 423).

2.7. Canto declamatório

Segundo Alberto Pacheco, esta modalidade de canto, é embasado em sua

maioria no caráter silábico, em grande parte não contem vocalizações. Pacheco ainda

afirma, que Garcia adverte, que só devem lançar mão deste estilo aqueles que possuem
49

um aparelho vocal forte, mas que ainda assim, a longevidade desta prática pode

provocar danos na voz, e conseqüentemente fim de carreira.

A firma que este estilo dramático é quase sempre silábico, excluindo quase toda
vocalização. Diz ainda que apesar deste estilo ter recursos nos acentos musicais, seu
principal efeito está no acento dramático. Portanto a arte de cantor deve dominar a
de cantor. No entanto, aconselha o cantor a ter cuidado, aproximar-se deste estilo
somente com moderação e reserva, pois ele exaure rapidamente os recursos da voz.
Chega a dizer que somente o cantor cuja constituição é forte, mas que, através de
uma longa prática de sua arte, perdeu o frescor e a flexibilidade da voz, pode adotar
estilo. Assim sendo, seu uso é reservado para o período final de sua carreira.
(Alberto Pacheco, 2006, p. 271).

É provável, que Garcia considere este prática danosa, pelo fato desta exigir uma

emissão intensa e vigorosa, pelo seu caráter dramático. Em curto prazo, o uso abusivo

do aparelho vocal através de uma emissão heróica (embasada nos sons e vigorosos),

pode provocar perda da maleabilidade da musculatura da laringe.

2.8. O estilo falado

Embora seja este estilo monossilábico não representa um perigo eminente para

voz, pois sua característica está ligada a capacidade do cantor em pronunciar as palavras

em andamento rápido, sem comprometer a nitidez dos fonemas e compreensão do texto.

Logo, podemos concluir que é a articulação, um dos elementos chave deste estilo, aliada

a uma emissão mais flexível da voz, sem exigir do cantor grande esforço, em relação ao

aparelho fonador. Lauro Machado Coelho denomina este estilo de “silabato”. “Garcia

considera este estilo falado como a alma da ópera cômica. Ele seria monossilábico como

o precedente, mas de caráter completamente oposto. Requer que as palavras sigam uma

ou outra muito rapidamente e com perfeita clareza”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 272).
50

“O silabato, que os ingleses dão o nome de patter song18, é rigorosamente

monossilábico, com declamação velocíssima do texto, que exige do cantor muita clareza

de articulação, de preferência com efeitos de crescendo/diminuendo para dar variedade

dinâmica à interpretação...” (Lauro Machado Coelho, 2.000, p. 424).

3. CADÊNCIAS DAS ÁRIAS DE ESTILO BEL CANTO

3.1. Definições em relação a cadência

Segundo Machado Coelho, eram a coloratura e a cadência, os elementos mais

utilizados nas árias setecentistas. A coloratura atribuía ao canto um aspecto

ornamentado, e as cadências possibilitavam, que o artista pudesse livremente exibir seus

recursos técnicos vocais, pois, era o momento no qual a voz se encontrava sem o

suporte do acompanhamento orquestral, almejando obter maior nitidez vocal, em

consequência da ausência do acompanhamento.

De um modo geral, pode-se dizer que eram dois os procedimentos mais comuns; a coloratura,
com que se embelezava uma determinada linha melódica, e a cadência, com que se ornamentava
– às vezes profundamente – os finais de frase. A coloratura, herdada do Renascimento, ganhou
importância crescente à medida que a ária se desenvolvia e, na época das grandes escolas
setecentistas de canto, chegou a seu apogeu, conservando por muito tempo esse brilho: suas
últimas grandes manifestações datam do início do Romantismo, na primeira metade do século
XIX. (Machado Coelho, 2.000, p. 189).

18
Termo inglês para uma canção cômica em que o humor deriva de se ter o maior número de palavras
emitidas no menor tempo possível. Essa tradição, que começa com A. Scarlatti, foi extensamente
cultivada pelos compositores de opera buffa do final do séc.XVIII, depois por Rossini (especialmente em
seus concertatos de confusão). (Dionário Grove de música edição concisa, 1994, p. 706)
51

Podemos concluir então, que as árias de ópera italiana do século XVIII, eram

constituídas em grande parte, das coloraturas e cadências bastante elaboradas, que

eram o momento reservado para uma séria de demonstrações virtuosísticas, com a voz

desprovida do acompanhamento orquestral.

Segundo o Grove dicionário edição concisa, a coloratura é atribuída à

ornamentação floreada (fiorita), mais relacionada à música vocal. “Coloratura (It.,

“coloração”, “colorido”) termo para figuração ou ornamentação floreada,

particularmente na música vocal...” (Grove dicionário edição concisa, 1994, p.209).

Lauro Machado Coelho define o termo coloratura como “a ornamentação elaborada de

uma melodia vocal; também chamada de canto figurato....” (Machado Coelho, 2.000,

p.368). Machado Coelho relaciona a coloratura a fioritura, definindo-a como “figura

ornamental escrita ou improvisada, para enfeitar a linha principal de uma melodia;

também chamada de coloratura”. Com base nestas afirmações, podemos concluir, que o

canto fiorito, ou coloratura são sinônimos, porém, as cadências mencionadas

anteriormente como um procedimento muito usado pelos compositores setecentistas,

,mas, estas vêem acompanhadas de outras características atribuídas a estes

procedimentos tais como; ausência do acompanhamento orquestral, liberdade do

interprete de compor a cadência ao seu gosto.

Embora existisse uma liberdade por parte dos cantores na execução da cadência,

existiam regras estabelecidas, para a sua realização. Alberto Pacheco cita considerações

de Tosi, em relação aos cuidados, que deviam ser tomados pelos cantores, na realização

das cadências. Segundo Tosi, existem dois tipos de cadências nas terminações das árias.

“No oitavo capítulo de seu tratado, Tosi afirma que as cadências finais das árias são de

dois tipos: a superior (mi, ré, dó) e a inferior (dó, si, dó)”: (Alberto Pacheco, 2006,

p.251).
52

3.2. Execução de cadências nos finais das árias

Alberto Pacheco relata, mais exortações da parte de Tosi, em relação aos

cuidados a serem tomados em relação a que tipo de cadência executar no final de uma

ária. Tosi alerta o cantor, para o fato de na cadência não estar sozinho, ou seja, estar

acompanhado de por vozes, instrumentos (incluindo o baixo contínuo). Neste caso, deve

o cantor saber como finalizar a ária, escolhendo a cadência superior, ou inferior, de

acordo com a sua adequação em relação à harmonia das vozes, orquestra, ou contínuo.

Ainda em relação às cadências, Alberto Pacheco cita mais uma vez,

considerações de Tosi, sobre a importância de o cantor variar as formulas de suas

cadências. Segundo Tosi, o interprete deve variar suas cadências, a fim de não entediar

os ouvintes, com as mesmas resoluções, causando assim, uma espécie de infecundidade

na criatividade e bom gosto de sua arte. Além de considerar a repetição das cadências,

um fator de insucesso de um cantor, Tosi questionava a falta de exortação, por parte dos

professores em relação a esta questão.

E não será, talvez, o pior de todos os defeitos, atormentar os ouvintes com milhares
de cadências todas feitas da mesma maneira? De onde procede esta seca esterilidade,
se é sabido por todo professor que, para ser estimado cantando, o meio mais eficaz é
a fertilidade das retomadas? (Tosi, 1723: 86)19

Alberto Pacheco ainda cita em Tosi, as conseqüências causadas pelo exagero na

execução das cadências. Segundo Tosi, o compositor utilizava a cadência objetivando

indicar o final da ária, sendo assim, a ela deveria o cantor atribuir uma resolução

equilibrada, e de bom gosto, não fugindo do objetivo principal deste elemento

(cadência), que é a finalização de uma parte solo. “Apesar de toda sua austeridade no
19
E non sara forse peggior d’ogni difetto Il tormentare gli ascoltani com Mille cadenze tutte fatte a um
modo? Da Che procede questa secca sterilitá, se ad ogni professore è noto, Che per farsi stimar cantando
Il mezzo più efficace è la fertilità de ripieghi?
53

que diz respeito, à execução das cadências, Tosi admite, uma liberdade moderada ao

cantor, na última cadência da ária”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 257).

Se dentre todas as cadências da ária, a última concede qualquer arbítrio moderado a


quem canta, para que se perceba o fim da peça. O abuso aí é sofrível, mas se torna
abominável, quando o cantor se põe em pé irremovível com seus enfadonhos
gargarejos, nauseando os inteligentes, que tanto mais sofrem quanto mais sabem que
os compositores deixam geralmente em toda cadência final alguma nota que basta
para um ornamento discreto, sem (precisar para isto) sair do tempo, sem ficar de
mau gosto, sem arte, e sem entendimento20. (Tosi, 1723: 87).

3.3. Execução das cadências nas árias sacras

Segundo Alberto Pacheco, Tosi também faz considerações em relação as

cadências das árias sacras e das árias de ópera. Tosi lamenta a falta de critério dos

cantores, ao realizarem uma cadência sacra, no mesmo estilo de ária operística. Alberto

Pacheco deduz que o mestre de canto (Tosi), provavelmente não fosse favorável a febre

dos castrati, que dominou o canto italiano no século XVIII. Os castrati com seus

excessos de ornamentações, inclusive no repertório sacro, certamente não eram vistos

positivamente por Tosi. Para a música sacra, certamente a cadência deveria conter

menos exageros de ornamentações, do que as árias de maneirismo dos teatros de ópera,

pois no conceito de Tosi, as árias de igreja deveriam ser mais sóbrias, ou seja, mas

austeras e sem excesso de ornamentações.

Tosi segue dizendo que além do estilo moderno ter transformado todas as cadências
no teatro num terrível movimento perpétuo, condenou ao mesmo fim as cadências
das cantatas e dos recitativos e conclui que os cantores não sabem mais diferenciar a
música de câmara da teatral. Com essa conclusão, podemos ver que Tosi notou uma
tendência musical do século XVII: a diferenciação cada vez menor entre esses
gêneros musicais. (Alberto Pacheco, 2006, p. 258).

20
Se frà tutte le cadenze dell’ Arie l’ ultima concede qualche moderato arbítrio a chi canta, acció conosca
il fine delle medesime l’ abuso è soffribile, ma si cangia in abbonminevole, quando um cantore si mette di
pie fermlo co’ suoi nojosi gargarismi a nausear gl’ intelligenti, Che tanto più penano, quanto piú sanno,
che i compositori lasciano ordinariamente in ongni cadenza finale qualche nota, che basta ad um
ornamento discreto, senza cercarlo fuor di tempo, senza gusto, senz’ arte e senza intendimento.
54

Segundo Pacheco a expressão “estilo moderno”, é referente à inserção crescente

das muitas ornamentações, e passagens de agilidade nas cadências e recitativos das árias

de ópera. Pacheco também afirma, que Tosi considerou a adesão do excesso de

ornamentação no teatro, motivo da adoção do mesmo estilo nas árias sacras, provocando

assim uma espécie de entrada de elementos de dramatização na música litúrgica. A

música sacra no decorrer do século XVIII, cada vez mais adota elementos da ópera,

como forma de linguagem, textos sacros com uma linguagem musical calcada na ópera.

No início do século XIX, o Brasil também começa a utilizar uma linguagem musical da

ópera italiana, na sua música sacra. A vinda de Dom João e de músicos com formação

européia, em especial o compositor Marcos Portugal, age como um difusor decisivo

deste estilo, em especial na cidade do Rio de Janeiro, local onde a família real se

instalou.

Percebe-se muito claramente, nas citações acima, que Tosi era totalmente contrário
À ornamentação profusa que se tornaria moda entre os castrati italianos. As
recomendações austeras de Tosi não foram capazes de deter o avanço do
virtuosismo vocal. Ao ouvir cantores como Farinelli, ele certamente teria
desaprovado profundamente o maneirismo do Rococó, ficando mais em acordo com
os estilos pré-clássicos. (Alberto Pacheco, 2006, p. 258).

A relação intensa dos castrati com a música vocal do século XVIII, também é

refletida no Brasil, através da vinda dos cantores da Capela Real de Lisboa. Com esses

cantores vieram também os castrati, sopranos e contraltos, porém, mesmo os cantores

de vozes masculinas (tenores e baixos), possuíam muito provavelmente os princípios

técnicos vocais, embasados na escola de canto dos castrati.


55

4. ORNAMENTAÇÕES DO BEL CANTO

4.1. Definições de ornamentação

Segundo o Grove dicionário de música edição concisa, existem dois tipos

básicos de ornamento, o primeiro no qual o interprete executa o ornamento embasado

em um esquema estabelecido por tradição (livre), ou a ornamentação pré-determinada

em uma partitura. O Grove informa que a ornamentação sempre foi utilizada, ao longo

das diversas fazes da música ocidental, porém, afirma que ocupou posição de evidencia,

a partir do Renascimento tardio, no período barroco, e do classicismo. Tais informações

sugerem, que a ornamentação não surgiu a partir do século XVI, mas, no decorrer deste

começou a ocupar uma posição de maior evidencia. Nos séculos que se seguem XVII e

XVIII, torna-se elemento típico nas composições, tanto instrumental como nas vocais.

O Grove divide a ornamentação em duas categorias: a de caráter individual (aquela que

notas isoladas em uma obra), ou, as passagi (na qual a ornamentação é utilizada em uma

obra já existente).

Ornamento A formula breve e convencional de ornamentação da música, que pode


ser acrescentada extemporaneamente por intérpretes trabalhando com tradições de
ornamentação livre, ou pode ser notada por meio de sinais convencionais ou
pequenas notas. Os ornamentos foram usados em todos os períodos da música
ocidental usados em todos os períodos da música ocidental, mas proliferaram
particularmente no Renascimento tardio, no barroco e no classicismo. Dividem-se
em duas classes principais: ornamentos melódicos aplicadas a notas individuais e
divisões, ou passagi, em que padrões de figuração são aplicados a uma melodia
existente. O uso de ornamentos foi estimulado em contextos musicais específicos,
por exemplo, no canto monódico italiano e (mais tarde) em árias de óperas
italianas... (Grove edição concisa, 1994, p. 684).
56

Nesta pesquisa os ornamentos estão direcionados ao canto, uma vez, que o

objetivo deste estudo, está voltado para a proliferação do estilo bel canto no Brasil. Os

principais ornamentos utilizados na ópera italiana, e suas características, serão

mencionados, objetivando assim, uma compreensão mais abrangente a cerca do bel

canto.

Alberto Pacheco fornece conceitos, a respeito de ornamentação do canto antigo

italiano, a partir de Tosi, Mancini e Garcia.

4.2. Apojatura

Alberto Pacheco comenta que Tosi, o mais antigo dos três professores de canto

abordado acima, não realiza definições a respeito da apojatura, porém, Galliard que faz

a tradução do seu tratado de canto, define detalhadamente o conceito de apojatura.

(...) é uma nota adicionada pelo cantor, a fim de chegar à nota subseqüente com mais
elegância, tanto subindo quanto descendo (...) A palavra appoggiatura é derivada de
appogiare, apoiar. Neste sentido, você se apóia na primeira (nota) para chegar à nota
desejada, subindo ou descendo; e permanece mais tempo naquela de preparação do que na
nota para a qual foi feira a preparação, e de acordo com o valor da nota (principal). O mesmo
se aplica à preparação de um shake (trilo), ou beat (grupeto) inferior. Nenhuma apojatura
pode ser feita no começo de uma peça. (nota de Galliard em Tosi, 1743: 31)21

Galliard define a apojatura, como um elemento condutor dentro da linha

melódica, segundo sua explicação, a apojatura atua atenuando o salto intervalar entre

uma nota e outra, que seja ascendente ou descendente. A elegância referida por Galliard

em sua definição está, relacionada à forma de cantar da época, constituída de

delicadeza, as passagens nas quais são adicionadas as apojaturas tornam os saltos

21
[...] its a note added by the singer, for the arriving more gracefully to the following note, ether in rising
or falling, [...] The word appoggiatura is derived from appogiare, to lean on. In this sense, you lean on the
first to arrive at the note intended, rising or falling; and you dwell longer on the preparation, than the note
for which the preparation is mad, and according to the of the note. The same in a preparation to a shake,
or a beat from the note below. No appoggiatura can be at the beginning of a piece.
57

intervalares menos bruscos, como, por exemplo, no canto de sbalzo, que tem por

características os grandes saltos, buscando um perfil mais dramático ou heróico ao

canto. Podemos concluir que, a apojatura possui uma função de tornar os saltos menos

bruscos, obtendo assim maior suavidade, em oposição ao canto de sbalzo, que preza os

grandes saltos intervalares, a fim de proporcionar um caráter maior de heroísmo à obra

musical.

Segundo Alberto Pacheco, Tosi considera a apojatura o ornamento mais fácil de

ensinar-se e compreender-se. Tosi dedica um capítulo inteiro de seu tratado a apojatura,

(1723: 19-23) e afirma que ela é o ornamento mais fácil de ensinar, e também de

aprender, podendo ser ouvida sempre sem cansaço, desde que dentro dos limites do bom

gosto. (Alberto Pacheco, 2006, p. 162).

Alberto Pacheco expõe considerações de Mancini a cerca da apojatura. Mancini

considera necessário para o cantor, escolher o momento adequado de utilização de tal

ornamento, pois este confere a melodia, um aspecto mais suave e terno. “Mancini indica

a apojatura em palavras e músicas que não sejam de grande paixão e raiva, mas sim

naquelas que expressam sentimentos líricos e suaves:” (Alberto Pacheco, 2006, p.169).

Com tudo isso, o estudante deve tomar cuidado de servir-se da apojatura somente
nas cantilenas e nas expressões convenientes, já que este embelezamento também
não pode ser posto em todo lugar (...) Para provar que eu digo a verdade, basta ir a
um teatro para ouvir que um cantor ou cantora, por exemplo, em uma ária de
invectiva, cantando no maior fervor da ação, acompanha com a sua sensível
apojatura todas as palavras de tirano, crudele, Spietato, e símiles, e atrapalha assim
o bom andar da exclamação; como demonstrarei alhures. A regra que dei, de não
exagerar na apojatura, não é geral, mas se restringe somente ao canto sério. Se quem
canta o bufo a exagera, não comete erro e conquista aplausos; (Mancini, 1723: 98)22

22
Com tuttociò avverta bene lo sclare di non servirsene Che nelle cantilene, hanno luogo dar per tutto:
[...] Che io dica il vero, basta andare in teatro per sentire, Che um cantantte, uma cantatrice, per ragions
d’esempio, in um ária d’invectiva, cantando nel maggior fervore dell’azione, accompagna com la sua
sensibile appoggiatura tute le parole di tiranno, Crudele, Spietato, e simili, e guasta cosi il buon ordine
della esclamazione; como lo dimostrerò altrove. La regola, Che ho data, di non doversi caricare
l’appoggiatura, non è generale, ma si ristringe solo al canto serio. Se la carica chi canta nel busso, non
solamente non commette errore, ma ne ricava appaluso.
58

Pacheco conclui que, Mancini considera fundamental a aplicação da apojatura,

de acordo com o estilo de canto abordado, ou seja, árias de bravura, heróicas ou

parecidas não devem ser executadas com este ornamento, porém, as árias afetuosas de

caráter sereno ou cômico, podem receber este tipo de ornamentação. O texto é

considerado em relação ao tipo de ornamentação a ser escolhida para a ária. “Fica bem

claro que, para Mancini, o uso da apojatura depende do estilo da música a ser

ornamentada, do sentido das palavras do libreto, e das necessidades do drama em que

essa música se insere”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 170).

O Grove dicionário edição concisa, define a apojatura como nota apoiada

geralmente de grau conjunto (nota vizinha na escala), muitas vezes em sentido

ascendente, as descendentes de menor ocorrência. “Uma “nota apoiada”, normalmente

um grau conjunto acima (menos freqüentemente abaixo) da nota principal. Costuma

criar uma dissonância na harmonia e resolve-se por grau conjunto sobre a nota principal,

no tempo fraco seguinte. (Grove edição concisa, 1994, p. 35).

Segundo Alberto Pacheco, Garcia e Tosi admitem que, a apojatura possa ser

executada em qualquer intervalo, está consideração é contraria ao Grove edição concisa,

que considera a inserção deste ornamento sempre em grau conjunto. “Da mesma forma

que Tosi, Garcia considera a apojatura dentre todos os ornamentos do canto, o mais fácil

de executar e, além disso, o mais freqüente e o mais necessário, podendo ser usado com

qualquer intervalo”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 170).

A apojatura, como o nome italiano o exprime, é uma nota sobre a qual a voz se
apóia. Esta nota é geralmente estranha à harmonia; ela precede e serve para atacar
uma das notas reais do acorde. Ela pode ser superior ou inferior; se for superior, é
tomada da maneira que é pedida pela escala seja a um tom (1), seja a um semitom de
distância (2); se for inferior, é feita quase sempre de um semitom. (3) (Garcia, 1985,
1ª parte: 66)23

23
L’appogiature, ainsi que le nom italien l’exprime, est une note sur laquelle appule la voix. Cette note
est généralemnt ètrangère à l’hamonie; elle precede e ser à attaquer une des notes réalles de l’accord. Elle
peut être supérieure ou infèrieure; si elle est supérteure, on a prend telle que la donne la gamme, soit à um
59

4.3. Grupeto

Alberto Pacheco conclui que, Garcia considerava o grupeto o ornamento mais

utilizado, depois da apojatura, sendo assim, o cantor deveria dominar habilmente a

técnica de sua execução. “Segundo Garcia, depois da apojatura, o grupeto é o

ornamento mais adotado, e, conseqüentemente, muito necessário no canto. Lembra que

o grupeto não deve ser mais extenso que uma terça menor:” (Alberto Pacheco, 2006, p.

174).

Pacheco cita considerações de Garcia, acerca da execução do grupeto. Ao

contrário da apojatura, o grupeto como o próprio nome diz, é constituído de um

pequeno grupo de notas precedidas de uma nota real principal, sendo assim, sua

execução exige agilidade na sua resolução.

Garcia afirma que o grupeto deve ser feito com um sforzando sobre a primeira das
três notas que o compõem. Para conseguir uma boa entoação aconselha, a princípio,
estudá-lo lentamente, aumentando a velocidade somente mais tarde. Diz também
que o grupeto pode ocupar três diferentes posições em relação à nota que ele
ornamenta: (Alberto Pacheco, 2006, p. 174).
1º) Pode ser colocado no início da nota principal, quer dizer no início do valor da
nota.
2º) Pode ser colocado no meio da duração da nota principal, ou seja, a nota principal
será atacada e no meio da sua duração se executará o mordente.
3º) Pode terminar a nota principal

Alberto Pacheco expõe que, Garcia sugere a execução do grupeto com agilidade,

porém adverte que Garcia recomenda que este seja executado no início lentamente. É

provável, que Garcia recomende o aprendizado do grupeto desta maneira, em virtude do

ton (1), soit à um demi-ton de distance (2) ; si elle est inférieure, on la fait presque toujours d’um demi-
ton (3).
60

controle da intensidade vocal, que deve ser empregada durante a execução deste

ornamento, uma vez, que o sforzando deve ser empregado apenas na primeira das notas

que o constitui.

4.4.Trilo

O Grove dicionário edição concisa define o trilo como ornamento tremolo vocal,

utilizado pela música italiana no início do século XVII. Esta explicação do Grove

dicionário, transmite informações relevantes a respeito desta ornamentação, tais como: o

termo trilo está ligado diretamente a musica vocal, que é caracterizado por um tremolo.

Outro fato importante é a ligação do trilo com a música italiana do início do século

XVII. “Um ornamento, forma de tremolo vocal usado particularmente na música

italiana do início do séc. XVII”. (Grove dicionário edição concisa, 1994, p. 960).

Embora o Grove edição concisa afirme que, o trilo foi usado particularmente no

início do século XVII, sabe-se, que este ornamento permaneceu sendo utilizado no

decorrer de todo o século XVII, e não só no início deste, atravessando todo o século

XVIII e chegando ao século XIX. Alberto Pacheco expõe de forma detalhada as

características deste ornamento, sua importância na musica vocal italiana, suas

dificuldades técnicas por parte dos cantores. O trilo está relacionado à agilidade vocal,

já que consiste na emissão alternada, de dois sons vizinhos aceleradamente.

Alberto Pacheco cita considerações de Sally Sanford, de que a agilidade vocal é

um dom nato do artista (cantor), que pode ser melhorado com o treinamento, porém

jamais adquirido. Pacheco observa que o pensamento de Sally Sanford, faz parte da

crença dos mestres do século XVII e XVIII. Segundo Sally Sanford (1979: 51), “(...)

muitos autores do século XVII e XVIII que escreveram sobre canto, consideravam a
61

agilidade vocal um dom da natureza, uma qualidade que pode ser desenvolvida e

refinada pelo treino, mas não adquirida. Tosi parece estar de acordo com isso ao

considerar o trilo um dom natural:” ( Sanford apud Pacheco, 2006, p.208).

Segundo Pacheco, Tosi considerava o trilo indispensável ao cantor, pois, a

incapacidade de realizar este ornamento, tornaria o cantor inapto a exercer a própria arte

de cantar. “Tosi recomenda muita calma e aplicação no estudo do trilo. Segundo ele. O

trilo é necessário ao canto, pois um cantor pode delatar para o público a esterilidade de

sua arte sem a assistência do trilo”. (Pacheco, 2006, p. 209).

Outras recomendações de Tosi são abordadas por Albert Pacheco, em relação ao

aprendizado do trilo. Segundo Pacheco, a metodologia de aprendizado do trilo era

obtida, através da observação de exemplos vocais e instrumentais. Com base nestes

relatos concluímos que, os professores de canto da época tinham como ferramenta

essencial, a didática, a observação, ou seja, através da apreciação profunda de execução

deste ornamento o aluno iria iniciar em si um processo de assimilação e realização do

trillo. “Tosi (1723, p. 25) recomenda ao mestre que ensine o trillo “através de exemplos

vocais, especulativos, instrumentais, (para que o estudante chegue a adquiri-lo igual

(regular), marcado, que são suas qualidades mais belas”. (Alberto Pacheco, 2006, p.

209).

Três elementos são citados por Alberto Pacheco, como elementares por Tosi,

para que o aluno domine a execução do trilo. Igualdade, articulação definida, e uma

agilidade espontânea e moderada. Pacheco cita que, Tosi considerava existentes oito

tipos de trilos diferentes. Nesta pesquisa, não irei abordar os oito tipos de trillos

considerados por Tosi, mas, aqueles mais usados, objetivando assim a melhor

compreensão, e realização de um ornamento muito adotado no canto dos séculos XVII,

durante o XVIII e nas primeiras décadas do século XIX.


62

1. Trilo maior

(...) que se faz conhecer pelo movimento violento de dois tons (inteiros) vizinhos, um dos
quais recebe o nome de principal, porque ele ocupa com maior propriedade o lugar da nota
que o pede; o outro, apesar de que, com o seu movimento, possua o lugar da voz superior, não
faz outra figura que a de auxiliar (Tosi, 1723: 25)24

No exemplo de Agricola, vê-se este ornamento representado por grau conjunto

(notas vizinhas), com o intervalo de um tom. O nome de trillo maior deve estar

relacionado ao fato da articulação das duas notas se dar em tom, e não em semitom

como o trillo menor.

2. Trilo menor

O exemplo de trilo menor de Agricola é constituído de duas notas de grau

conjunto (notas vizinhas), separadas pela distancia de um semitom. (...) “é composto por

uma nota e do próximo semitom maior (Tosi, 1723, 26).

Segundo Alberto Pacheco, Tosi considerava indispensável para execução do

trilo, o que ele chama de preparação. Embora, não seja muito específico em relação aos

elementos que compõem essa preparação, Alberto Pacheco afirma que, essa preparação

era constituída de uma apojatura, que antecedia o trilo. É possível, que esta apojatura

antes do trilo tenha a função de preparação, ou seja, uma espécie de anúncio de que será

executado o ornamento. “Tosi não específica como seria essa preparação, mas, de

acordo com Agricola (1995: 135), tratava-se de uma apojatura preparatória incluída

antes do trilo”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 213).

24
[...] Che riconoscere il suo essere dal moto violento di due tuoni vicini uno de’ quali merita il nome di
principale, prechè occupa com più padronanza il sito della notta, Che li chiede; l’altro poi ancorchè col
sua movimento possegga il luogo della voce superiore, nullandimeno nom vi fa altra figura, Che di
ausiliário.
63

O trillo para ser belo, deve ser preparado, apesar de que nem sempre exija sua preparação, já
que às vezes isso não é permitido nem pelo tempo nem pelo (bom) gosto; isso é necessário em
quase todas as cadências finais, e em diversos outros lugares apropriados, ora no tom ou ora
no semitom acima de sua nota (principal) de acordo com a natureza da composição. (Tosi,
1723: 28)25

Tosi alerta que, apesar de considerar a preparação do trilo, indispensável ao

canto, este deve ser executada quando houver tempo suficiente, que permita a inserção

da preparação, ou, quando estilisticamente a apojatura antes do trilo for adequada.

Segundo Alberto Pacheco, Mancini também dedica um capítulo inteiro ao trilo,

concordando com Tosi em vários aspectos, em relação a este ornamento. “Mancini, por

sua vez, também dedica um capítulo inteiro do seu tratado ao trilo e ao mordente e

mostra concordância com Tosi quanto à importância desse ornamento”. (Alberto

Pacheco, 2006, p. 215).

Entre as qualidades mais necessárias, e entre os belos ornamentos da arte, dos quais
um cantor de estar fornido, não há, em minha opinião, qualidade mais interessante,
nem ornamento mais doce de que aquele que na música chamam vulgarmente de
trilo. Este faz com que o canto produza aos ouvidos e à alma dos ouvintes o
crescimento e o auge da ternura, do prazer, e do amor. Tenha um cantor bela voz,
tenha execução fácil, e tenha ainda bom gosto; não obstante o seu canto, se não for
unido à doce graça do trilo, será sempre imperfeito, árido, e duro. (Mancini, 1774:
108).

Como Tosi, Mancini também possui o conceito de que, o trilo é um ornamento

indispensável ao cantor, e que dele é possível tirar um excelente efeito, desde que sua

execução seja equilibrada tecnicamente, e dosada de acordo com o caráter da ária.

Alberto Pacheco afirma também que, Mancini considerava o trilo essencial, para

uma cadência realizada com perfeição. A messa di voce é também citada pelo professor

de canto Mancini como, elemento vital em uma cadência, logo, é possível concluirmos

que, tanto trilo como messa di você, eram requisitados pelos compositores e cantores da

25
Il trillo per sua bellezza vuol esser preparato, però nom sempre esige la sua preparazione, poichè alle
volte non glie la permetterebbe nè il tempo, nè il gusto; la chiede bem si quase in tutte le cadenze
terminate e in deversi alttri siti congrui or sul tuono, ora sul semituono più alto della sua nota seconda la
qualitá del componimento.
64

época. “Mancini chega a dizer que para uma cadência ser perfeita bastam duas coisas: a

messa di voce e o trilo”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 215).

Garcia é dos três mestres de canto, o que aborda o trilo em um aspecto mais

profundo, em relação à fisiologia, tendo ele vivido no século XIX e início do século

XX, possuía conhecimentos de fisiologia mais profundos que os de Tosi e Mancini.

“Garcia faz várias considerações sobre a maneira correta de executar o trilo. Segundo

ele, o trilo não é o resultado de duas notas batidas uma depois da outra e aceleradas até a

maior velocidade possível”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 221).

A explicação técnica e fisiológica, acerca do trilo feita Garcia é exposta por

Alberto Pacheco, em seu livro sobre o canto antigo italiano, fornecendo assim, uma

visão do grau de conhecimento fisiológico de Garcia, e também a clareza da sua

linguagem didática.

O trilo é somente uma oscilação regular da laringe de baixo para cima, e vice-versa,
que recebe a laringe. Esta oscilação convulsiva tem origem na faringe devido a uma
oscilação análoga dos músculos deste órgão. Os velhos, cuja vos é trêmula,
oferecem o exemplo do trilo involuntário. Neles o trilo é irregular por fraqueza; nos
sujeitos mais jovens, ele deve tornar-se regular através da flexibilidade. Nós vamos
nos ater ao fato mecânico que dará como resultado o fato acústico. Convém
imprimir a laringe um movimento oscilatório regular para cima e para baixo; este
movimento, parecido àquele do pistão movendo-se no corpo de uma bomba, se
opera na faringe que serve de envelope à laringe. Nuca será demais liberar a faringe
para que o encurtar e o alongar dos músculos depressores e elevadores operem com
desembaraço e rapidez. Será possível se formar uma idéia aproximada de tal
operação, quando, mantendo aberta a boca, for executado rápida e seguidamente o
movimento de deglutição; neste caso, a base da língua tem uma função principal. No
trilo, o ponto de ação é situado em outro lugar, e a língua cede ao balanço que lhe é
transmitido. Estes movimentos, sensíveis ao tato, são mais ou menos visíveis
externamente, proporcionando à boa compleição do pescoço.26

26
Le trille n’ est qu’ une oscillation régulière de bas en haut, et vice versa, que reçoit le larynx. Cette
oscillation convulsive prend naissance dans le pharynx par une oscillation toute parelle des muscles de cet
organe. Lês vieillards dont la voix est vacillante nous offrent l’ exemple d’ um trille involontaire. Chez
eux le trille est irrégulier par faiblesse; chez le sujets plus jeunes, il doit devenir régulier par flexibilité.
Nous allons nous attacher ou fait mécanique qui nous donnera pour résultat le fait acoustique. Il faut
imprimer au larynx un mouvevement oscillatoire régulier de haut en bas; ce movement, pareil à celui du
piston jouant dans le corps de pompe, s’ opera dans le prarynx qui sert ou larynx d’ envelope. On ne l’
allongement des muscles abaisseurs et élévateurs s’ opèrent avec aisance et rapidité. On aura une idée
approximative de cette ouverte, le movement de la deglutition; dans ce cas, la base de la langue remplit la
function principale. Dans le trille, le point d’ action es place ailleurs, e la langue cede à l’ ébranlement qui
lui estransmis. Ces ouvements appréciables ou toucher, s’ annouincent plus ou moins à l´extérieur, en
proportion de l´embonpoint du cou.
65

A explicação de Garcia é bastante detalhada, e técnica, toda embasada na

fisiologia, é possível através desta explicação perceber que, este professor possuía uma

boa didática, e conhecimentos consistentes em relação a fisiologia da voz

O rouxinol é apontado por Garcia como, um exemplo de trilo na natureza,

também determinando que, fatores como regularidade e liberdade, são importantes na

execução do trilo. Provavelmente, Garcia estivesse referindo-se, a precisão da oscilação

da laringe no trilo e a mobilidade de sua musculatura, a fim, de que o efeito a ser obtido

fosse de flexibilidade e igualdade. “Os rouxinóis oferecem um exemplo impressionante

do fenômeno que acabamos de descrever. Quando mais estes movimentos regulares

forem iguais e livres tanto mais justa resultará a distancia dos sons”. (Garcia, 1985, 1ª

parte: 70)27

4.5. Vocalização martelada

As vocalizações marteladas são descritas por Mancini e Garcia. Esta passagem

consiste em, emitir notas repetidas sucessivamente, dando um efeito de um som

repetido como as batidas de um martelo em uma superfície, daí o nome de “martelada”.

Isto consiste de uma nota repetida muitas vezes, e das quatro primeiras tem que

ser um pouco mais aguda que as outras, apesar de todas serem escritas na mesma linha

ou espaço. Isto é muito difícil de tornar perfeito, requerendo uma voz

extraordinariamente ágil (...) A entoação tem que ser perfeita, de tal forma que a

martelada seja distinta e perfeitamente entoada. (Mancini, 1777:155).

27
Le rossignols offrent um exemple frappant du phénomène que nous venos de décrire.
Plus ces mouvements réguliers sont égaux et libres, plus la distance des sons est juste.
66

4.6. Vocalização stacata

Segundo Alberto Pacheco, este tipo de vocalização possui, uma característica de

sons atacados destacadamente, com golpe de glote, com objetivo de mantê-los

ligeiramente distintos entre si. Outro fato relevante a ser mencionado é, que esta

vocalização quando feita com perfeição, se forem segurados e soltos em seguida

produzem o efeito de um som semelhante aqueles saídos do tubo de uma flauta,

provavelmente vêm daí o seu nome flautado ou de eco.

Neste caso, Garcia afirma que os sons são atacados separadamente, com um

golpe de glote, de modo a separá-los uns dos outros. Quando não são abandonados

imediatamente, e ainda se confere a eles uma ligeira inflexão, que lhes prolonga a

duração, são chamados de “flautados” ou de “a eco”.

4.7. Arpejo

Esta divisão é caracterizada pela emissão de notas articuladas de um acorde,

obtendo um efeito sonoro, semelhante aos arpejos de uma harpa. Alberto Pacheco

menciona este tipo de vocalização, através de considerações feitas por Mancini, acerca

desta passagem de agilidade. Outro gênero de passagem de agilidade é descrito por

Mancini, somente na versão de 1777 de seu tratado: o estilo arpejado. (Alberto

Pacheco, 2006, p. 246). “assim chamado por que, numa tal combinação de notas, com

um acorde seguindo a outro, é freqüentemente executado na harpa e daí o nome

arpejado. (Mancini, 1777: 156).28

28
So called because such a combination of tones, one chord following another, is often performed on the
harp, and thus the name, “Arpeggiato”.
67

4.8. Messa di voce

Lauro Machado Coelho em seu livro sobre a “ópera barroca italiana”, defini a

messa di voce, como a capacidade de um cantor de aumentar ou diminuir, o volume da

emissão de uma nota. “A arte de aumentar ou diminuir o volume de emissão de uma

nota; Caccini a menciona pela primeira vez, em 1602, no prefácio às suas Nuove

Musiche, como importante para demonstrar o controle técnico de que o cantor dispõe; o

termo francês son filé refere-se apenas ao recurso de diminuição”. (Lauro Machado

Coelho 2000, p. 377).

Alberto Pacheco revela que, Tosi logo no primeiro capítulo de seu tratado cita a

messa di voce, sua importância e sua utilização. “Logo no primeiro capítulo de seu

tratado Tosi define a messa di voce, explicando seus usos e sua importância no canto”:

(Alberto Pacheco, 2006, p. 200).

(...) ensine (ao estudante) a arte da messa di voce, que consiste em deixar a voz crescer
docemente do piano mais suave, até que, pouco a pouco, alcance o forte mais intenso, e,
então, retornar, como a mesma arte, do forte para o piano(...) que a use com economia e se
sirva dela sobre as vogais abertas, nunca falha em conseguir bom efeito....” (Tosi, 1723,:
17)29

Note-se, que a definição dada por Lauro Machado Coelho e de Tosi, em relação

a messa di voce são divergentes. Lauro Machado Coelho definiu a messa di voce como,

a “arte de aumentar ou diminuir o volume de emissão de uma nota”, em quanto Tosi

determina que, a realização da messa di voce consiste em fazer o som crescer pouco a

pouco do piano em direção ao forte mais intenso, até ao piano com a mesma gradação.

Mancini determina os momentos adequados para a inserção da messa di voce.

29
[...] gl’insegni l’arte di metter la voce, Che consiste nel lasciaria uscir dolcemente dal minor piano,
affinche vada a poço a poço al píù gran forte, e che pocia ritorni col medessimo artifício dal forte al
piano(...) che ne sai avaro, e non se ne serva, che su le vocali aperte non manca mai di fare um’otimo
effeto.
68

Ordinariamente, esta messa di voce deve ser usada no princípio de uma ária, e em uma nota
com fermata; e finalmente é necessário em preparar uma cadência, mas um verdadeiro e
ótimo professor serve-se dela em qualquer nota de valor, que se encontre também espalhada
em qualquer nota de valo, que se encontre também espalhada em qualquer cantilena musical.
(Mancini, 1774: 100)30

Garcia, em acordo com a definição dada por Lauro Machado Coelho, cita

também a existência, de sons filés. “Garcia define esses sons como em uma série sem

interrupções de pequenas messa di voce (sons filé) de proporções diferentes, e repetidas

tanto quanto o fôlego permitir”. (Alberto Pacheco, 2006, p. 205).

Pode-se dispor destas inflexões de diferentes maneiras: elas podem ser de duração e força
iguais; podem seguir uma progressão crescente ou decrescente etc. Os grandes cantores as
empregam mais familiarmente na disposição seguinte: eles primeiramente fazem uma messa
di voce, com um terço da respiração, num som sustentado; depois este som é seguido de um
outro menos forte e menos longo, depois vem enfim uma longa sucessão de ecos cada vez
mais fracos e próximos entre si, dos quais o último é dificilmente ouvido. É necessário que a
garganta diminua e se dilate com toda liberdade a cada inflexão. (Garcia, 1ª parte: 64)31

Nas considerações de Garcia transparecem a, imensa riqueza de detalhes,

aplicada a messa di voce, bem como, a dificuldade de sua execução. Garcia sugere a,

messa di voce seguida de sons interrompidos, aos quais ele chama de eco. Garcia

determina que o eco deva ser feito flautado, e que para obter êxito na sua execução é

necessário aumentar todo o arco de dentro32. O arco de dentro citado por Garcia nada

mais é que a expansão do véu palatino que também podemos chamar de estiramento

palatal ou posição de bocejo.

30
Ordinariamente questa messa di voce deve porsi in uso nel princípio d’um Ária, Ed in uma nota
coronata; e similmente è necessária nel preparare uma cadenza: ma un vero, ed ottimo professore se ne
serve in qualunque nota di valore, che trovi anche sparsa in qualunque musical cantilena.
31
On peut disposer ces inflexions de différentes manières: elles peuvent être de dure e de force égales;
elles peuvent suivre une progression croisante ou décoissante, etc. Les grands chanteurs le emploient le
plu famileèrement dans la disposition suivante: ils filent, d’abord, avec le tiers de la resíration, un son
soutenu; puis vient enfin une longue sucession d’échos de plus en plus affabilis et rapprochés, don’t le
dernier arrive à peine jusqu’à l’oreille. Il fout que le goisier se resserre et se dilate avec souplesse à
chaque inflexion
32
(Nota de Garcia) Velluti se exprime assim: L’eco si fa flautado e per riuscirlo si ingrandisce tutto l’ardo
di dentro. (O eco se faz flautado, e que para conseguí-lo se aumenta todo o arco de dentro). (Garcia, 1985,
1ª parte, 64).
69

5. MANIFESTAÇÕES DO ESTILO BEL CANTO NO BRASIL

5.1. Uma abordagem histórica

A Missa de Santa Cecília 1826, pode ser considerada, uma das grandes obras do

compositor carioca, padre José Maurício Nunes Garcia, por suas dimensões e

complexidade. Esta obra é um exemplo latente, da manifestação do estilo bel canto no

Brasil do início do século XIX. Segundo Cleofe Person de Mattos, o padre José

Maurício, já conhecia o estilo fiorito italiano dos séculos XVII e XVIII. A pesquisadora

sugere, a possibilidade de José Mauricio, ter ouvido os compositores italianos do século

XVIII, expoentes da Escola Napolitana, em espetáculos musicais realizados nos teatros,

existentes na cidade do Rio de Janeiro setecentista. (Mattos, 1997, p. 27).

De acordo com Mattos, José Mauricio, conhecerá a escola napolitana, e seu

virtuosismo ainda na juventude, e não, após a chegada de D. João e dos músicos da

Capela Real de Lisboa. Mattos sugere ainda, que José Mauricio antes da chegada da

família real, em 1808, já fizera inserções de elementos da Escola Napolitana, em suas

composições. (Mattos, 1997, p. 27).

Mattos relata que o Rio de Janeiro, era uma cidade que alcançara uma posição

privilegiada, após se tornar sede do vice-reinado da colônia em 1763. Como sede do

vice-reinado, a cidade estava predestinada a mudanças e inovações.

Na verdade, o Rio de Janeiro era uma cidade voltada, sobretudo para as


comemorações do calendário hagiológico e mantinha uma periodicidade bastante
estreita, cujo patrocínio dividia-se entre a própria coroa e o Senado da Câmara.
Acrescentavam-se às habituais comemorações o eco dos acontecimentos que diziam
respeito À vida da própria cidade, como fatos ocorridos na família reinante, em
Portugal, o que se devia comunicar À colônia, e, mais do que isto, festejá-los
condignamente: casamentos, nascimentos e mortes, assinalados com Te Deum,
missas e outras celebrações religiosas. Algumas comemorações mais festivas deram
origem a festas mais importantes e variadas, que se prolongavam, historicamente, a
oportunidade de avaliar-se a infra-estrutura musical da cidade, suas disponibilidades
70

artísticas, e as condições de oferecer ao povo o entretenimento que os fazia


participarem com alegria das razões da festa e não apenas assistir aos atos religiosos.
Em outras palavras, as festas reais davam a medida do desenvolvimento musical de
que se dispunha para abrilhantá-las. Várias dessas festas reais marcaram a história
do Rio de Janeiro ao tempo dos vice-reis, e mesmo antes. (Mattos, 1997, p. 24).

Podemos concluir, que o Rio de Janeiro era uma cidade de atividades artísticas

intensas, também constatamos, que as solenidades civis, religiosas, e da coroa,

caminhavam paralelamente. Nestas solenidades, a música era inserida como um

elemento em destaque, pois tinha a função de abrilhantar e solenizar ainda mais as

comemorações realizadas no decorrer do ano. Outro fato curioso, é que estas festas

serviam também para aferir, o nível das atividades musicais da cidade. Mesmo após a

chegada de D. João em 1808, o cenário musical religioso, continua sendo a vitrine de

julgamento, em relação a qualidade dos artistas atuantes na Sé. A manifestação do bel

canto no Brasil, tem vulto no âmbito religioso, ao contrário da Itália, e de muitos países

como até mesmo Portugal, que divide o estilo fiorito entre os teatros de ópera e as

igrejas. O repertório representativo do bel canto no Brasil se manifesta no âmbito

religioso, mais especificmente na liturgia católica, pois, há pouquíssimos exemplos, de

óperas de autores nacionais, ou estrangeiros aqui compostas.

5.2. O estilo ornamentado italiano em Portugal

Segundo Patrick Barbier, a escola napolitana no auge de sua ascensão, alcançou

o reconhecimento e admiração, em vários países da Europa. Compositores como,

Haydn, Gluck, Mozart, utilizaram as técnicas e o estilo da Escola Napolitana.

Em algumas décadas, as quatro escolas de Nápoles viriam a adquirir, através de seus


mestres-de-capela, uma considerável notoriedade que fazia com que acorressem a
Nápoles os músicos e cantores de toda a Itália, assim como do exterior. Simples
alunos ou compositores já renomados, tais como Haendel, Haydn, Mozart, Gluck ou
71

Meybeer, faziam questão de aproveitar, em algum momento de sua vida, o saber


musical da escola napolitana. (Barbier, 1989, p.40).

Portugal, foi um dos muitos reinos da Europa, a se interessar pela Escola

Napolitana. Segundo o musicólogo José Maria Neves, a família Real portuguesa,

possuía uma antiga tradição musical, que remonta desde a Idade Média.

Consequentemente, com o surgimento e ascensão da Escola Napolitana, o reino

português logo se interessa, por seus mestres, interpretes e estilo. “Nós sabemos, por

exemplo, que a família Real portuguesa que chegou a nós através dos Orleans e

Bragança, é uma família de fortes tradições musicais, que vem indiretamente desde a

Idade Média”. Neves cita também a criação de uma escola de música em Vila Viçosa, e

também uma schola cantorum, que chegou a formar e exportar cantores, para Espanha,

e até mesmo para Itália. (Neves, 1989, p. 6).

As relações de Portugal com a Escola Napolitana são estreitas. Podemos citar

como exemplo, a atuação do compositor napolitano David Perez (1711-1779), como

mestre de capela, na corte de Lisboa, no reinado de D. José I. De acordo com

informações do musicólogo André Cardoso, o compositor foi contratado em 1752, para

o cargo de diretor musical da corte. Nicccolò Jommelli, (1714-1774) é mais um

compositor italiano na corte portuguesa citado por André Cardoso. Os relatos de

Cardoso, informam que foi oferecido a Jommelli, um contrato no qual constava

obrigações, relacionadas a encomendas de composições, para o teatro e a Capela Real.

“A Niccolò Jommelli, outro napolitano, foi oferecido um contrato em que tinha a

obrigação de compor para Lisboa uma ópera séria e uma cômica por ano, além de

música sem acompanhamento para a Capela Real”. (Cardoso, 2008, p. 32). O estilo

fiorito italiano, estava presente em Portugal, através do intercambio estabelecido, entre

os dois países no âmbito musical. Jovens músicos iam estudar em Nápoles, e músicos
72

italianos como, David Perez e Niccolò Jommelli, atuavam em Portugal, proporcionando

assim uma grande absorção dos elementos da Escola Napolitana na corte portuguesa.

Cardoso explica, que no reinado de D. José I, a atuação dos músicos italianos em

Portugal, provocou mudanças também na música sacra. Segundo André Cardoso os

músicos que atuavam nos teatros, eram os mesmos que atuavam na igreja. Este fato

começou, a suscitar nos freqüentadores das igrejas, o desejo de ouvirem um estilo

musical similar, ao realizado nos teatros de ópera. Por esta razão, a música sacra

começou a admitir os elementos da Escola Napolitana. “A Escola Napolitana suplantou

o modelo do barroco eclesiástico romano cultivado nos anos de reinado de d. João V”.

(Cardoso, 2008, p. 33).

Alberto Pacheco relata, que a inserção e absorção do estilo musical italiano,

foram motivadas pelo rei D. José, promovendo assim, simultaneamente a contratação de

castrati. No primeiro capítulo desta dissertação, encontramos relatos a respeito da

atuação dos castrati, no processo do surgimento da música vocal italiana, do findar do

século XVII, que predominou por todo o século XVIII, resistindo até as primeiras

décadas do século XIX. Sendo Portugal, um importador da música italiana, é

compreensível a adesão a estes elementos, que eram muito expressivos na música vocal

naquele momento. D. José I primeiro teve uma função importante, no processo de

estabelecimento dos castrati em Portugal. Pacheco cita que D. José nutria paixão pela

música, afirmando, que o rei era conhecedor esclarecido nesta arte. Os teatros da Ajuda

e Salvaterra, constituíam um corpo artístico formado predominantemente por castrati.

(Pacheco, 2007, p. 21, 22).

Célebres cantores como, Gizziello e Cafarelli recebiam altíssimos salários, e

atuavam no teatro e na Capela Real. Estes relatos, nos servem como parâmetro do nível

musical, a que foi submetida a cidade do Rio de Janeiro, após a vinda de D. João, não só
73

nos teatros da cidade, mas também na Capela Real. Pacheco constata que a permanência

dos castrati, no topo da preferência portuguesa, estende-se até o reinado de D. João VI.

Durante todo o século XVIII, inclusive, os papéis femininos eram desempenhados por

estes cantores. (Brito apud Pacheco, 1999, p. 288).

Conforme citado anteriormente, a utilização dos castrati na música italiana, a

partir das últimas décadas do século XVII, e por todo o século XVIII, ocorreu em

virtude, da proibição da Igreja, da atuação de mulheres nos palcos e nos templos.

Portugal seguia os princípios da Igreja romana, justificados por questões morais e

religiosas. Pacheco afirma, que em consequência desta proibição, as primeiras estrelas a

brilhar no teatro São Carlos, foram os castrati. Continua dizendo, que cantoras como

Angélica Catalani, atuaram em Portugal somente a partir de 1801, graças uma lei de D.

João, que revogou definitivamente em 1799, a proibição da atuação de mulheres nos

palcos. (Nery; Castro apud Pacheco, 2007, p. 22). De acordo com Pacheco, após a

permissão concedida por D. João, os castrati se mantêm em evidência, na música vocal

de Portuga,l por dois motivos de relevância: tradição e por seu alto nível de capacidade

vocal. Pacheco conclui, que o estabelecimento dos castrati em Portugal, gera a absorção

do estilo fiorito na música vocal clássica portuguesa do século XVIII. “Com esta

proeminência, os castrati impuseram também em Portugal seu estilo de canto “florido”,

rico em ornamentação”. (Pacheco, 2007, p. 23). Pacheco afirma, que as linhas vocais

ornamentadas, eram recorrentes nos compositores portugueses da época, citando como

exemplo, Marcos Portugal e João de Sousa Carvalho. (Pacheco, 2007, p. 23). Mais

importante em nossa pesquisa é Marcos Portugal, pelo fato de ter atuado no Brasil, na

cidade do Rio de Janeiro, após a vinda da família Real em 1808.


74

5.3. Marcos Portugal compondo aos moldes napolitanos.

Marcos Portugal atuou em Nápoles, absorvendo ainda mais as técnicas do canto

fiorito, da Escola Napolitana. Como renomado compositor de ópera, Marcos Portugal

viveu na Itália entre 1792 -1800, período de efervescência da Escola Napolitana. Lauro

Machado Coelho cita, um pequeno trecho das cartas de Rossini, no qual o compositor

menciona, ter assistido a uma ópera de autoria do compositor português. “A família

Mombelli representava em um dos teatros de Bolonha, uma operazinha do maestro

Portogallo, que fazia grande sucesso. Eu tinha treze anos”(...). (Coelho Machado, 2003,

p. 295).

A figura de Marcos Portugal é importante, em Portugal por ter estabelecido

relações estreitas, com a Escola Napolitana, da qual o estilo bel canto se deriva. A

relação do Brasil com o estilo bel canto, está vinculada também a figura de Marcos

Portugal. Na cidade do Rio de Janeiro, os compositores e músicos cariocas tiveram

oportunidade, de conhecer a Escola Napolitana, através das obras de compositores

portugueses e italianos. Porém, a vinda do compositor Marcos Portugal, em 1811

proporcionou, uma espécie de experiência, em caráter mais atualizado, com a Escola

Napolitana. Os compositores, músicos e cantores, atuantes na cidade do Rio de Janeiro

puderam observar com proximidade, o estilo bel canto, que era muito apreciado por D.

João e sua corte. A figura do padre José Maurício como um dos mais importantes

compositores brasileiros na época, está ligada diretamente, as atividades artístico-

religiosas da Sé. O cargo de mestre de capela exigia do padre José Maurício, a adoção

de um estilo mais voltado, ao gosto do príncipe regente, e seus súditos. Vale a pena

lembrar que ao estilo fiorito, também estavam habituados os cantores e músicos, que

vieram de Lisboa atuar na Capela Real do Rio de Janeiro.


75

Leandro Santana Gregório relata, que compositores italianos de destaque como,

Cimarosa e Caldara, voltaram à atenção para Marcos Portugal. O compositor português

rumou para Nápoles, onde estudou com Cimarosa. Leandro Santana diz, que Marcos

Portugal compôs várias óperas no período em que permaneceu na Itália, afirmando que

estas composições eram embasadas no estilo fiorito italiano. Consequentemente suas

óperas possuíam partes solistas calcadas no virtuosismo, ornamentação, grande extensão

vocal, que exigia dos cantores um grande domínio técnico.

Berço do bel canto, a Itália, no final do século XVIII, já possuía toda uma tradição
da produção e da performance operística. Domenico Scarlatti (1685 – 1757),
Antônio Caldara (1670 – 1736), Domenico Cimarosa (1749 – 1801), Luigi
Cherubini (1760 1842) e Gasparo Spotini (1774 – 1851) são alguns dois nomes que
contribuíram para o pleno amadurecimento do gênero na Itália. Muitos deles,
inclusive chamavam a atenção de músicos e compositores de outros países europeus,
dentre eles, destacamos a presença do Músico português Marcos Portugal (1762 -
1830), que passou a período de 1782 – 1800 em Nápoles, centro das atenções
operísticas da Europa produzindo óperas italianas, sérias e bufas. Nesta época, teve a
oportunidade de estudar e travar amizade com Cimarosa, de quem recebeu profunda
influência no gosto italianizante de composição. (Gregório Santana, dos castrati à
missa vocal dos séculos XVIII – XIX N..., p. 1,2).

É provável, que a expressão “gosto italianizante” utilizada por Gregório Santana,

esteja relacionada ao estilo bel canto, ou seja, ao estilo ornamentado, virtuosístico no

qual a Escola Napolitana se apoiara. Marcos Portugal foi apenas um dos compositores a

absorver e adotar o estilo fiorito italiano, como base das suas composições sacras e

operísticas.

Mattos considera, que José Maurício possivelmente conhecia as obras de Marcos

Portugal, fato que reafirma ainda mais, a tese de que a Escola Napolitana não era um

estilo estranho ao padre mestre. A chegada de Marcos Portugal, provavelmente deve ter

contribuído, para que José Maurício vivenciasse na Capela Real, o estilo até então

conhecido apenas através dos registros das partituras, e das montagens de óperas

italianas feitas nos teatros da cidade. Os músicos vindos de Lisboa proporcionaram-lhe,


76

a oportunidade de apreciar a performance dos cantores, membros do coro da Capela

Real.

As composições de Marcos Portugal seriam, obviamente conhecidas de José


Mauricio, mas é provável que a Missa festiva fosse a primeira grande obra
apresentada na Real Capela, Assim não é difícil detectar o eco de seu estilo – alguns
procedimentos – em futuras obras do mestre de capela brasileiro. A própria temática
da Missa festiva (Gratias) é evocada em outras obras do padre José Maurício.
(Mattos, 1997, p. 239).

Cleofe Person de Mattos sugere, que a absorção de José Mauricio, ao estilo

napolitano, característica predominante nas obras de Marcos Portugal, foi um processo

gradativo. É provável que, a inserção do estilo fiorito nas composições de José

Maurício, tenha ocorrido a medida que novas possibilidades eram-lhe apresentadas,

através dos músicos vindos de Portugal. (Mattos, 1997, p. 95, 96). O estilo bel canto

exigia músicos (instrumentistas e cantores) com domínio técnico suficiente, para

executar obras calcadas no virtuosismo.

O inventário post-mortem de Salvador José, contém uma lista de obras de

compositores italianos e portugueses. Marcos Portugal é um dos compositores

portugueses contidos na listagem. Niccolò Jommelli (1714-1774) e Niccolò Piccini

(1728-1800) são, alguns dos compositores italianos, também incluídos nesta lista. É

provável, que José Maurício tenha conhecido obras destes compositores ainda na

juventude, através do acervo de Salvador José que foi seu professor. (Cardoso, 2008, p.

71 e 72).

O estilo bel canto no Brasil está presente predominantemente, na música sacra.

Embora Marcos Portugal fosse um compositor de óperas reconhecido na Europa, jamais

compôs uma ópera após sua chegada ao Brasil. Todas as óperas de sua autoria montadas

no Brasil, não eram inéditas. Sua obra criada no Brasil era no gênero sacro, aos moldes
77

do estilo bel canto. A Capela Real era uma espécie de cartão de visitas, das condições

artísticas musicais da capital da colônia. Foi nela que José Maurício, compositor

carioca, que jamais saiu da cidade, teve a oportunidade de absorver e assimilar com

proximidade, a atuação dos cantores vindos de Lisboa. Entre eles destacavam-se os

castrati, que eram inéditos no solo brasileiro, até então. José Maurício compôs no estilo

fiorito para a Capela Real, logo, a manifestação do estilo bel canto no Brasil está

calcada no gênero sacro. A música sacra passa a admitir características operísticas, em

conscequencia das ornamentações, virtuosismo e orquestrações, adotadas pelo padre

mestre. Cleofe Person de Mattos cita, o fato de Marcos Portugal jamais ter composto

ópera inédita no Brasil, e ainda, menciona que a chegada do renomado castrato

Fasciotti ao Rio de Janeiro, foi o auge em relação ao nível excelente, dos músicos e

cantores da Capela Real.

Marcos Portugal jamais compôs ópera inédita para o teatro da cidade onde viveu
tantos anos. Não teria suficiente apreço pela cidade, pelo teatro, nem pelo público
presente aos espetáculos do Real teatro, embora dele participasse seu augusto
protetor D. João VI. Assim chegaram os Piacentini (Fabrício e Elisa), Nicola
Majoranini, Isabel Ricciolini, Madame Taussaint, Paulo Rosquelas (violinista,
concertista, compositor), Miguel Caccani, Salvador Salvatori; culminaria com a
vinda de Gianfrancesco Fascietti, o mais credenciado entre os castrati que vieram
para o Brasil. ((Mattos, 1997, p. 250).

É possível que, Marcos Portugal não tenha escrito ópera no Rio de Janeiro, em

função do grande sucesso alcançado, por suas composições operísticas na Europa.

Talvez, o seu grande número de óperas consagradas, tenha feito com que o compositor

julgasse, não ser mais necessário legitimar-se nas óperas, apenas montando na cidade

obras encenadas na Europa anteriormente. É provável ainda que, a intensa atividade

musical existente na Capela Real, também exigisse de Marcos Portugal, empenho em

cumprir as encomendas, atribuídas a ele para as solenidades religiosas.


78

5.4. Chegada de D. João ao Brasil impulsiona a inserção do bel canto no Rio de

Janeiro.

Segundo Cleofe Person de Mattos, antes da chegada de D. João José Maurício já

havia elaborado, um estilo próprio de composição, que não era o mesmo adotado pelos

países de colonização espanhola. Mattos admite, a intercessão do estilo setecentista

mineiro na obra de José Maurício, porém, com elementos próprios. Mattos conclui, que

o padre mestre utilizava a herança dos compositores das Gerais, porém, acoplada a

elementos próprios, adotados por ele no decorrer de sua carreira.

O ano de 1808 será, obviamente, o ponto de partida para considerar as


transformações a que é submetida a linguagem do compositor na tumultuada
travessia por estilos diversos. No término do período, o padre José Maurício não
mais será o compositor cujo estilo identifica-se com algumas obras capitais dos
Setecentos. A inexistência – ou o desconhecimento – de documentação peculiares
para definir a vida musical na cidade é fato dramático na sua história. O Rio de
Janeiro não foi réplica da imagem musical de Minas Gerais, no século XVIII, nem
repetiu a experiência histórica de outras regiões culturais – a espanhola, por exemplo
– em condições de conduzir a um estilo, como é o caso da América Latina. (Mattos,
1997, p. 93, 94).

Segundo Mattos, o fato de D. João ter criado a Capela Real aos moldes da

Capela Real de Lisboa, contribuiu para que José Mauricio utilizasse, com mais

intensidade o estilo napolitano. De acordo com Mattos, o padre mestre absorveu e

assimilou, o novo perfil estilístico. É fato, que José Mauricio de imediato utiliza os

elementos da música italiana do século XVIII. A Missa de Nossa Senhora da Conceição

1810, exemplifica claramente o teor de absorção alcançado pelo compositor, em relação

ao novo estilo.
79

Com a chegada de D. João, ao ingressar em junho de 1808 na Capela real, o padre


José Maurício iniciara fecundo período criador. Impulsionado por outra concepção
de estilo na música religiosa, familiarizou-se com novos processos de composição,
desconhecidos até aquele momento na música escrita, ou praticada, na colônia
portuguesa. O alvará, ao criar a capela, deixara claro que as raízes históricas da
capela real de Lisboa deveriam servir de modelo à Capela do Rio de Janeiro; o que
convinha ao cerimonial aplicava-se necessariamente À música destinada a
abrilhantar as cerimônias realizadas na capital da colônia. A palavra nova que resulta
dessa transformação caberá a uma arte mais brilhante e movimentada, onde a busca
do efeito tem os seus momentos de se fazer valer. (Mattos, 1997, p. 94).

Conforme citado anteriormente, as raízes históricas da Capela Real de Lisboa no

âmbito musical, estavam alicerçadas na Escola Napolitana, a qual o estilo bel canto

pertence. Logo, adotar os moldes da Capela Real significava, adotar também, o estilo

fiorito, original da Itália, constituído de ornamentações e grande virtuosismo, por parte

dos cantores.

Mattos cita os seguintes elementos como caracterizantes da mudança estilística

em José Maurício:

• o recitativo
• a virtuosidade no canto e na melodia instrumental
• permeabilidade a elementos de profanização
• excessiva ornamentação melódica
• recurso a clichês musicais
• adesão positiva ao concertante
• a prolixidade do discurso musical: testos que se repetem e progressões
• a presença polifônica; a forma fuga
• o sinfonismo
• a missa cantata (Mattos, 1997, p. 95).

Mattos relata, o caráter dramático incorporado as partes da Missa, adotados por

José Mauricio. Na Missa Cantata, eram atribuídas variações musicais, de acordo com o

texto da liturgia das partes fixas da missa. Por exemplo: no Kyrie eleison, um caráter

suplicante e piedoso, no Gloria, um caráter festivo e exultante. O Gloria, por exemplo,

era seccionado em várias partes, intercalado por partes corais e solos. Os concertati

também eram muitos utilizados no Gloria, por ser uma parte da liturgia da Missa muito

extensa.
80

A ação inovadora generalizou-se, mas tem sentido mais profundo nas missas, o que
se compreende diante da complexidade com que se desenrolam os pequenos dramas
que se sucedem na composição de uma missa – piedade no Kyrie, exaltação no
Glória, afirmação de fé no Credo e o grande mistério do “et incarnatus”... (Mattos,
1997, p. 95).

Mattos coloca, a importância da absorção do estilo bel canto por José Mauricio,

como um marco na sua carreira após a chegada da família real, e considera a

apropriação do estilo italiano, como um fator de enriquecimento da linguagem musical

mauriciana. A necessidade de atender as solicitações da Capela Real também é um forte

fator provocador da apropriação de José Mauricio pelo estilo napolitano. (Mattos, 1997,

p.95).

5.5. Os castrati no Brasil

De acordo com Alberto Pacheco, não se sabe ao certo quantos foram os cantores

castrati vindos ao Brasil, porém, Pacheco comprova a presença de nove através de

documentação. É importante lembrarmos, que esse número de nove castrati torna-se

uma grande quantidade de artistas, uma vez que estes cantores, geralmente eram muito

bem remunerados. Diante destes fatos, constatamos que, D. João não mediu esforços em

manter na Capela Real do Rio de Janeiro, o mesmo nível vocal da Capela Real de

Lisboa.

Barbier informa, que a Capela Pontifical possuía o total de 32 cantores, sendo o

naipe de sopranos composto por oito cantores, todos castrati, o que coloca a Capela

Real do Rio de Janeiro, em posição bastante favorável, em relação até mesmo a Capela

Pontifical. “Em geral, a Capela Pontifical contava com 32 cantores, oito por voz: todos

os soprani eram castrati...” (Barbier, 1989, p. 106). Barbier ainda fornece informações a
81

respeito da capela de São Marcos em Veneza, que contava com 28 a 36 cantores, dos

quais treze eram soprani e quatro contralti. De acordo com Barbier, em Nápoles a

Capela Real era ainda mais modesta, composta de dezoito cantores cinco soprani e

cinco contralti. (Barbier, 1989, p. 107). Mais uma vez, a Capela Real do Rio de Janeiro

se mantém em posição satisfatória, em relação ao seu elenco de castrati.

De acordo com Alberto Pacheco, Capranica (Nápoles, 17-? – Rio de Janeiro,

15/08/1818), foi o primeiro castrato a chegar ao Rio de Janeiro. Os demais nomes a

configurarem na lista de Alberto Pacheco são: Antonio Cicconi (Roma, 1781 – Rio de

Janeiro, (30/10/1870), Giovani Francesco Fasciotti (Bergamo, 17-? – Rio de Janeiro,

14/10/1840), Giuseppe Gori (Arezzo, ? – Rio de Janeiro, 04/03/1819), Domingos Luis

Lauretti (Itália, ? – Portugal, 1857), Francesco Realli (Itália, ? – Rio de Janeiro?, 187 -

?), Marcello Tani (Itália, ? – Brasil, ?), Pasquale Tani (Itália, ? – Brasil, ?), Angelo

Tinelli (Itália, 17-? - ?, 18-?). Alberto Pacheco informa que, Capranica teve uma grande

atuação na Capela Real e Real Câmara. “(...) Capranica teve uma participação bastante

ativa no Rio de Janeiro como comprova o número de composições dedicadas a ele pelos

mestres de capela além de sua atuação na Real Câmara”. (Pacheco, 2007, p. 71). Dois

nomes de relevância nesta lista são Antonio Cicconi e Giovani Francesco Fasciotti. Os

dois castrati eram considerados estrelas de primeira grandeza em virtude de suas

possibilidades técnicas vocais e por esta razão possuíam os maiores salários da Capela

Real, chegando a ultrapassar o salário dos mestres de capela.

Os relatos de Alberto Pacheco, Ciconni era o soprano favorito de Marcos

Portugal, tendo a ele o compositor dedicado cinco árias solo. Em contrapartida Fasciotti

recebeu apenas duas dedicatórias do autor. Pacheco conclui, que este fato confere a

Ciconni mais prestígio na Capela Real que Fasciotti. (Pacheco, 2007, p. 78).
82

Alberto Pacheco denomina, Giovanni Fasciotti como meio-soprano, fato

interessante, uma vez, que a musicóloga Cleofe Person de Mattos considera, a

possibilidade da ária Laudamus da Missa de Santa Cecília 1826, do padre José

Maurício, ter sido confiada e este cantor. Esta questão será abordada mais a frente.

Além de sua atuação na Capela Real, Alberto Pacheco informa, que Fasciotti foi o

castrato de maior sucesso, no meio teatral no Rio de Janeiro, não só como excelente

músico, mas também como ator. (Pacheco, 2007, p. 84). Alberto Pacheco reafirma, o

registro vocal de meio-soprano de Fasciotti, em detrimento do enorme sucesso que este

obteve na ópera Tancredi de Rossini, que fora escrita para contralto. “Somente levando

em conta estas características vocais de Fasciotti podemos entender seu sucesso no

papel título da ópera Tancredi de Rossini que foi composta para contralto”. (Pacheco,

2007, p. 86).

Mattos também considera o nível dos cantores e instrumentistas, um dos fatores

motivadores da absorção de José Mauricio pelo estilo bel canto. Segundo Mattos, após a

chegada dos músicos de Lisboa, suas composições eram elaboradas com base nas

possibilidades oferecidas por estes artistas. “Ao centro dos fatores significativos na

transformação que se processava, importa citar como elemento decisivo a qualificação

dos novos intérpretes”. (Mattos, 1997, p. 95). Mattos se refere as novas possibilidades,

apresentadas então a José Maurício. Conforme citado no capítulo referente a origem dos

castrati, estes possuíam uma sonoridade incomum, com características hibridas. O som

produzido por estes cantores não era como de um menino, homem ou mulher. As

condições a quais eram dispostos estes cantores, após a cirurgia de emasculação lhes

proporcionava um som potente e agudo. Além da sonoridade o condicionamento técnico

vocal, e formação musical a qual eram submetidos desde a infância, tornavam ainda

mais ampla a capacidade destes interpretes, diante dos desafios peculiares do gênero
83

vocal italiano do século XVIII, que era o estilo adotado pela corte portuguesa, e

consequentemente no Rio de Janeiro. Os tiples do Seminário de São Joaquim, não eram

capazes de proporcionar ao padre José Maurício, a realização das muitas exigências

impostas nas partituras, após a chegada de D. João. “O recurso a riqueza sonora

colocada a sua disposição estabelece outros parâmetros, bem distantes a esta altura das

condições vocais e instrumentais dos músicos da velha Sé. Não mais tiples ou contraltos

infantis, nem instrumentistas de meia força”. (Mattos, 1997, p. 96). O nível dos músicos

instrumentistas, também é considerado por Cleofe Person de Mattos. Não só cantores de

categoria eram necessários na Capela Real, mas também a atuação de bons

instrumentistas a fim de executar o acompanhamento orquestral de qualidade, do qual as

vozes tanto dependiam. “O novo repertório é concebido com vistas a interpretes de

categoria, habituados a outros vôos fazendo jus a tratamento adequado. Sua escrita

vocal desenvolve-se na base da agilidade dos novos interpretes pondo em relevo, não só

a sonoridade específica, mas o seu brilhantismo e o seu estilo próprio”. (Mattos, 1997,

p. 95, 96, 97, 98).

Conforme citado anteriormente, é sabido que os castrati possuíam grande

domínio sobre as passagens de agilidade. Mattos faz referência aos castrati, diante do

fato de terem sido estes os sucessores dos tiples, e contraltos infantis da Antiga Sé.

Certamente na Capela Real ocorreu uma transição semelhante, a qual foi submetida à

Itália no século XVII. Os castrati substituíram os falsetistas, em virtude de possuírem

vozes mais fáceis na emissão e mais volumosas.

De acordo com Mattos, a assimilação da nova linguagem adotada por José

Mauricio, é explicitada pelas partes solistas de castrati (sopranos e contraltos), mas

também nas partes de tenor e baixo. É possível se observar nas partes solistas de tenor e

baixo, passagens de agilidade e virtuosismo, tal qual nas árias de soprano e contralto.
84

Concluímos embasados nestes relatos, que não só os castrati possuíam excelente nível

técnico vocal, mas também os tenores e baixos. Aberto Pacheco relata que a técnica do

século de XVIII, era dominada pelos castrati, como intérpretes professores ou até

mesmo compositores. A técnica vocal dos castrati certamente era aplicada nas vozes

masculinas (tenores e baixos), a fim de proporcionar a execução, das muitas passagens

de agilidade e variadas ornamentações, que eram exigidas também em suas partes

solistas. (Mattos, 1997, p. 97).

A utilização da técnica polifônica (fuga), na composição das missas é uma

característica da Missa Cantata e da Missa Napolitana. É possível identificarmos

elementos característicos da Missa Napolitana, na obra de José Maurício, através da

utilização do fugato e concertato. Segundo Inez Martins, o estilo antigo polifônico

agregado ao estilo napolitano, resultou no estilo misto, ou seja, nas Missas Napolitanas

gêneros diferentes eram unidos, gerando assim duas linguagens musicais em uma

mesma obra. (Inez Martins, 2004, p. 386). A adesão de José Maurício a Missa

Napolitana fez com que o estilo polifônico também fosse por ele adotado, uma vez que

este é um elemento característico da estrutura de composição deste tipo de missa.

Mattos explica, que o marco do inicio da adoção de José Mauricio pelo estilo

bel canto, ocorreu com a Missa de Nossa Senhora da Conceição 1810. Mattos destaca a

melodia ornamentada, e as passagens de agilidade do Laudamus (solo de soprano).

“Laudamus, para soprano, é tratado com todos os requisitos de agilidade e de estilo que

lhe são próprios, na tessitura adequada a que se condiciona, enfim, a grande ária para

coloratura”. (Mattos, 1997, p. 96).

Cleofe Person Mattos atribui, a adoção do estilo vocal napolitano (bel canto),

como uma atitude de obediência do padre-mestre, diante da vontade e gosto de D. João.

Considerando também, as exigências dos músicos e cantores vindos da Capela de


85

Lisboa, habituados aos desafios impostos pelos compositores através das partituras,

cheias de virtuosismo, melodia ornamentada, passagens de agilidade, com

malabarismos vocais. Segundo Mattos, o estilo bel canto, se afasta das premissas

características da música litúrgica, surge uma música com traços dramáticos e teatrais,

em consonância com a vontade do príncipe regente, e de sua corte.

Segundo MacIntyre, os compositores compunham de acordo com os

instrumentistas e cantores disponíveis, considerando também suas possibilidades

técnicas, procurando ressaltar nas composições ao máximo as qualidades e

possibilidades dos intérpretes. As explicações apresentadas por MacIntyre admitem que,

em muitas situações o compositor fosse impelido a submeter-se as vontades e

necessidades de cada igreja para qual trabalhavam. Outra questão de relevância, era a

instrumentação disponível. A escolha da orquestração não estava vinculada apenas a

vontade do compositor, ou, ao desejo dos seus contratantes, mas também ao

instrumental disponível na instituição religiosa para qual ele trabalhava. Caso não

houvesse instrumentos determinados na orquestração, estes deveriam ser substituídos

por um instrumental que estivesse a mão no momento. Quanto as vozes solistas o

compositor deveria escrever de acordo com as capacidades de cada intérprete,

procurando ressaltar sempre suas melhores possibilidades. (MacIntyre apud Moretzsohn

, 1984, p. 95).

Nessa época, a escolha da instrumentação ou formação vocal das Missas dependia


mais de situações práticas do que de uma simples vontade estética do compositor.
Os principais fatores determinantes para essa escolha eram: a disponibilidade de
instrumentos, a habilidade dos intérpretes, as regras e tradições de uma determinada
igreja e o grau de solenidade do ritual para a qual a obra estava sendo escrita. (
MacIntyre apud Moretzsohn, 1984: 95).

. De acordo Mattos, a utilização do estilo bel canto, por parte de José Mauricio,

não consiste apenas no fato de ser ele um músico de corte cumprindo o desejo de um
86

monarca, ou, na intervenção dos músicos vindos da Europa, manipulando as suas

composições, aos moldes e necessidades as quais estavam habituados

A adesão a princípios que se opunham às obras destinadas ao culto religioso pode ter
criado em torno de determinados trechos a imagem da concessão ao gosto do
príncipe regente ou de vontades que se sobrepunham às dele, compositor, sem
dúvida existiam, mas a conclusão a tirar não vai além da meia verdade. De fato, o
padre José Maurício capitulou diante da técnica e da qualificação das vozes com as
quais pela primeira vez passava a trabalhar, não só os sopranos e contraltos castrati,
mas as vozes masculinas, todas com muita categoria. (Mattos, 1997, p. 98).

Um fato levantado por Mattos é, a nova realidade na qual se encontra José

Maurício, da qual após conscientizar-se, da total dimensão das suas possibilidades,

inicia um processo de criação, tomando como ponto de partida, os cantores e

instrumentistas de que dispunha na Capela Real. Talvez possamos concluir, que José

Maurício, tinha o intuito de explorar ao máximo as habilidades dos seus interpretes,

sendo a formação destes calcada na Escola Napolitana, fundamentada no virtuosismo,

ornamentação, passagens de agilidade e tessitura extensa.

Em virtude de nossa pesquisa estar direcionada ao repertório sacro, tomei por

decisão não me voltar ao estudo das vozes das cantoras européias, e brasileiras que por

aqui atuaram, neste período, uma vez que estas não atuaram na música litúrgica. O fato

era que, Portugal seguiu a premissa da Igreja que era “Mulier absit a choro” (que a

mulher se mantenha afastada do coro). (Barbier, 1989, p. 102).

Constam na lista de Alberto Pacheco: Joaquim José de Almeida cantor,

violinista e professor de música (Portugal, ? - ?,?) deste cantor não se tem o registro

vocal, Ayres barítono e compositor (Portugal, ? - ?,?), José Maria Dias Tenor da

Patriarcal de Lisboa e da Capela Real (Santarém, 17-? – Rio de Janeiro, 18 -?), |Antônio

Pedro Gonçalves tenor e professor (Portugal, 1771 – Rio de Janeiro, 11/04/1852),

Nicolao Majoranini baixo da Real Câmara e da Capela Real e do Teatro São João, além
87

de professor de piano e canto (Roma, ? – Rio de Janeiro, 1855), Carlos Mazziotti cantor

na Capela Real(Portugal, ? – Rio de Janeiro, 14/12/1874), Giovanni Paolo Mazziotti

contraltino ou haute-contre da Real Capela. É irmão de Fortunato e Carlos Mazziotti

(Portugal,?, ? – Rio de Janeiro, 19/05/1850), pe. Francisco Pereira de Paula baixo atuou

como capelão cantor e solista da Real Capela (Portugal, ? – Rio de Janeiro, 20/11/1833),

Fabrizio Piaccentini baixo bufo (Roma, 1766 – Rio de Janeiro, 10/1829)António

Felizardo Porto baixo cantante da Real Capela de Lisboa e do Rio de Janeiro, regente de

coro, professor de canto e empregador teatral (Souzela, ? – Lisboa, 01/10/1863).

Dentre os nomes relacionados nesta lista, daremos enfoque a Giovanni Mazziotti

e António Pedro Gonçalves, ambos tenores vindos da Capela Real de Lisboa, tiveram

atuação de relevância na Capela Real do Rio de Janeiro.

6. REFLEXÕES SOBRE AS OBRAS ANALISADAS

6.1. Missa de Santa Cecília 1826

Na Missa de Santa Cecília 1826, a adesão ao estilo napolitano das partes solistas

está explicitada nitidamente, através das melodias ornamentadas, passagens de

agilidade, de grande extensão (intervalos distantes), para a voz. Nesta composição José

Maurício mantém, a linguagem do estilo fiorito (bel canto), herança dos tempos de

apogeu da Capela Real (período de permanência de D. João VI no Brasil).

Os solos utilizados como exemplos do emprego deste estilo nesta Missa serão, a

ária Laudamus (solo de soprano), e a ária Qui tolis (solo de tenor em concertato com o

coro). Em relação ao Gloria, segunda parte da missa, existem considerações feitas por

Cleofe Person de Mattos, na edição completa da Missa, com selo da FUNARTE, 1984.
88

Penso serem importantes estas considerações, a fim de melhor ilustrar o caráter e

conteúdo do Gloria. “Desenvolve-se o Gloria no quadro tradicional – alternando

trechos corais e solos, estes de grande virtuosiosismo – traço que se instala em sua

linguagem nas obras posteriores a 1810”. (Mattos, 1984, p. 21, 22).

Segundo os relatos de Mattos, o estilo de virtuosismo no Gloria era um elemento

constante nas suas composições, a partir da Missa de Nossa Senhora da Conceição

1810. Outra característica é, o Gloria seccionado em partes de solistas e coro,

característica do estilo Missa Cantata.

A musicóloga Inez Martins ilustra a estrutura do Gloria da Missa de Santa

Cecília, como pertencente ao estilo Missa Cantata. Inez Martins, afirma que o recurso

utilizado pelos compositores nesta prática era de alargar o Gloria, dividindo-o em oito

grupos, com a inserção de trechos corais, árias, movimentos em concertato.

Na Missa de Santa Cecília a desproporção da primeira peça em relação à segunda é


bastante contrastante. Em termos de tempo, a Missa dura cerca de 63 minutos
enquanto o Credo, com maior número de textos, 26 minutos. Só o Gloria ocupa
cerca de 65% de toda a composição. O Credo, com dezessete versículos, um a mais
que o Glória ocupa apenas 20% do total da peça (Garcia; 1994). Esses números
demonstram, claramente, a atenção dispensada por José Mauricio ao texto do
Gloria. Um dos motivos é o sentido desse Texto ser mais próprio para o
desenvolvimento de um caráter alegre e festivo, coerente com a data comemorativa
da festa. (Martins Inez, 2004, p. 38).

Inez Martins justifica a ampliação do Gloria, pelo fato desta Missa ter sido

encomendada, para a festa da padroeira da Irmandade de Santa Cecília (irmandade dos

músicos) na celebração de sua festa anual 22 de novembro, dia no qual a Igreja

comemora Santa Cecília. Por ser o Gloria um hino de louvor, agradecimento e alegria,

Inez conclui, que José Maurício resolve ampliá-lo ao máximo, pois este traduz o espírito

festivo de ação de graças do ensejo.

Para estender a peça, José Maurício constrói o Gloria numa estrutura conhecida
como Missa cantata. A característica dessa estrutura é alargar os dois textos da
Missa (Kyrie e Gloria) fragmentando os versículos, criando movimentos quase que
totalmente composto em três partes independentes, sendo um deles geralmente
89

Christe eleison, uma fuga ou tema fugato. No segundo, os versículos são divididos
em oito grupos, alternando movimentos rápidos e lentos com trechos corais, árias,
duetos, tercetos, quartetos, ou mesmo, escrito para coro e solistas no mesmo
movimento. A missa de Nossa Senhora da Conceição de 1810 (COM 106) ou a
Missa em Mi Bemol (CPM 107) são exemplos de Missa cantata. (Martins Inez,
2004, p. 38).

Em relação à ária Laudamus, primeira ária a ser utilizada como exemplo nesta

pesquisa, vamos abordar considerações feitas por Cleofe Person de Mattos, na edição da

Missa de Santa Cecília 1826 da FUNARTE, 1984. Mattos considera, o solo de grande

teor de virtuosismo, permeado por vários tipos de ornamentação peculiares do estilo bel

canto.

O primeiro desses solos – o Laudamus, para soprano é ária brilhante e bela.


Construída em dois movimentos contrastantes, a virtuosidade, tanto quanto a
expressividade que exige a página, não deixa afastada a idéia de que só poderia
caber a um dos castratti dos tempos áureos da Capela Real, cantor de excepcionais
dotes. A ária exibe todos os recursos peculiares à literatura para o tipo de voz a que
se destina: volatas, trinados, pichietatti, e grande agilidade. Não louva uma só vez,
não adora, não glorifica apenas uma vez; a autêntica força da criação musical nela
está, porém, presente. (Mattos, 1984, p. 21).

Mattos sugere, que este solo foi destinado, e só poderia ser executado por um

castrato, pois ao nível de exigência da ária, somente um cantor com habilidade e

domínio pleno em ornamentações, passagens de agilidade, e grande extensão, poderia

executar com êxito este solo.

Um dos recursos de ampliação utilizados neste solo é, a sua estrutura de ária

com da capo, este procedimento determina o retorno a seção A, que é repetida

integralmente, em alguns casos com variações, geralmente acrescida de uma seção coda

ou de fechamento. Outro procedimento característico das árias das Missas Napolitanas

em relação à orquestração é o obbligato. Julio Moretzsohn, em sua tese de doutorado

2008, cita o obbligato como um elemento constante nas Missas Napolitanas.

(MacIntyre apud Moretzsohn, 2008, p. 59).

Diversos autores descrevem não somente as formações presentes nas obras do

século XVIII, como também a função dada pelos compositores aos instrumentos
90

utilizados. Pode-se considerá-las em quatro grupos básicos, que não são mutuamente

excludentes, pois os instrumentos mantêm uma relação flexível com as partes vocais

que estão acompanhando (MacIntyre apud Moretzsohn, 1984: 98).

1. obbligato

2. ripieno (tutti)

3. dobramento das partes corais (colla parte)

4. baixo contínuo

A primeira função refere-se, á inserção de instrumentos obbligato. Em geral,

eles são utilizados para pequenos solos em ritornellos dos movimentos para vozes

solistas (árias). (Walter apud Moretzsonh, 2008, p.58). Julio Moretzsohn cita

comentários de Walter a cerca do obbligato nas árias das Missas Napolitanas. “Esses

ritornellos com instrumentos adicionais são utilizados em introduções, interlúdios e

conclusões desses movimentos” (Walter apud Moretzsohn, 2008, p.58). “Tal

procedimento pode ser observado nas árias de Caldara, em geral sobre o texto do

Benedictus e do Laudamus, que utilizam vozes e instrumentos solistas” (Walter apud

Moretzsohn, 1973: 145).

Em relação à ária Laudamus, o obbligato fica a encargo do oboé, que se alterna a

voz do soprano em solos, dando um aspecto alegre e festivo a ária.

Mattos introduz uma interrogação em relação ao solo Laudamus do Gloria da Missa de

Santa Cecília de 1826, referente ao intérprete que José Mauricio dedicou a partitura.

Embora Mattos considere que só um castrato poderia executar um solo deste teor de

dificuldade, ao mesmo tempo, levanta dúvidas a cerca de quem de fato foi seu

interprete, já que no manuscrito, não existe o nome do cantor ao qual a parte se destina.

Um pouco de especulação em torno do solista do laudamus concentra nomes de dois


castrati: Antonio Cicconi ou Giovani Fasciotti. Estrela de primeira grandeza no
panorama musical da cidade, onde atuava desde 1817 na Capela real tanto quanto no
Teatro S. João, Fasciotti tivera regalias econômicas superiores às de Marcos
91

Portugal, mas perdera privilégios no império. D. Pedro limita seu fabuloso


ordenado. Por outro lado, uma referencia histórica deixa em evidência o
relacionamento pelo menos pacífico entre o cantor e o compositor. Este acompanha
Fasciotti em noitada musical, na casa do marquês de Santo Amaro, na qual o cantor
fora freneticamente aplaudido. Antonio Cicconi, músico sério, já fora solista em
obras de José Mauricio. Quanto ao “Sr. Augusto” (provavelmente A. César de
Assis), nome do soprano escolhido para o Domine Deus, pode não ter sido a quem
coube fazer o difícil solo do Laudamus, assim como o tenor do Domine Deus
(Cândido Inácio da Silva) não fora encarregado do solo do Qui tollis, nem o baixo
Apolinário fizera o do Quoniam. (Mattos, 1984, p. 14).

Talvez não fosse fantasioso julgarmos, que Fasciotti, fosse um cantor

excepcional, capaz de realizar com êxito, todas as exigências contidas na partitura da

ária Laudamus. O fato de José Maurício ter acompanhado Fasciotti em uma

apresentação particular na casa do marquês de Santo Amaro, sugere, a possibilidade de

uma relação amistosa entre José Maurício e Fasciotti. Por outro lado Antonio Cicconi já

fora interprete de obras mauricianas anteriormente, o que o coloca em posição

vantajosa, em relação a Fasciotti. Alberto Pacheco informa, que Cicconi havia

interpretado algumas vezes, obras de José Maurício, enquanto Fasciotti foi

acompanhado apenas uma vez, por José Maurício em uma reunião particular. Outro fato

observável nos relatos de Cleofe Person de Mattos, acerca da Missa de Santa Cecília é

que, os solos eram distribuídos a interpretes diferentes, ou seja, nem todos os solos de

tenor eram cantados pela mesma pessoa. É possível que os solos fossem distribuídos de

acordo com a capacidade de execução de cada cantor.

Por outro lado Alberto Pacheco fornece, informações relevantes em relação a

Cicconi e Fasciotti, aguçando mais especulação em torno dos dois cantores, e

conseqüentemente em relação ao solista da ária Laudamus de José Maurício. A

primeira informação está relacionada ao salário de Cicconi e Fasciotti. De acordo com

Cleofe Person de Mattos, Fasciotti era estrela de primeira grandeza na Capela Real,

chegando a receber maior salário que todos os músicos atuantes na Capela Real,

incluindo Marcos Portugal. Alberto Pacheco afirma, com bases em registros da folha de
92

pagamento da Capela Real que Cicconi recebia a maior remuneração entre os músicos.

Pacheco justifica, que muitos musicólogos deixam este fato passar despercebido, em

virtude de não fazerem a soma do salário mensal, não chegando assim ao montante

recebido anualmente pelo cantor. De acordo com Pacheco, mesmo em 1829 Cicconi é o

maior salário de Capela Real. Em relação a este fato Pacheco faz um comentário.

“Sendo assim, a partir de 1829 passa a receber 1:440$000 anuais, e continua sendo o

maior salário pago aos cantores. Isto é algo que tem passado despercebido pelos

musicólogos que sempre enfatizam Fasciotti como o castrato mas bem pago”. (Pacheco,

2007, p. 77). Segundo Pacheco, Fasciotti recebeu o maior salário da Capela Real em

1833, em virtude de Cicconi ter se ausentado do Brasil, em viajem para a Itália. Isso fez

com que naquele período Fasciotti fosse o maior salário da Capela Real.

Alberto Pacheco comenta que o valor do salário indica o prestígio do artista,

concluindo que a quantidade de árias dedicadas a Cicconi e Fasciotti, revela também o

quanto os dois eram valorados. (Pacheco, 2007, p. 77, 78).

Fato de relevância considerado por Pacheco é, a tessitura da voz de Cicconi. De

acordo com Pacheco, Marcos Portugal dedicou cinco árias a Cicconi, tomando como

base a extensão das mesmas, conclui que a tessitura do castrato era bastante grande, do

La2 a Dó5. Em relação a extensão encontrada nas árias de Marcos Portugal, dedicadas a

Cicconi, aumentam a possibilidade deste cantor ter sido o interprete da ária Laudamus,

uma vez que esta abrange do Mi3 ao Dó#5.

Alberto Pacheco defini, Fasciotti como meio-soprano da Real Capela e Real

Câmara. Esta definição é bastante intrigante, já que o nome de Fasciotti configura ao

lado de Cicconi, relacionados a interpretação do solo da ária Laudamus da Missa de

Santa Cecília do padre José Maurício, em considerações feitas por Cleofe Person de

Mattos. (Pacheco, 2007, p. 85). Sendo uma ária que possuiu no seu extremo superior
93

notas super-agudas, coloca em questionamento a possibilidade de Fasciotti ter tido

condições vocais de interpretar esta ária. Mais uma vez Alberto Pacheco toma como

parâmetro as duas árias de Marcos Portugal, que foram dedicadas a Fasciotti, com base

na extensão das mesmas, Pacheco conclui, que embora Fasciotti fosse considerado

soprano na verdade era meio soprano, pois a extensão é de Lá2 a Lá4, atribuindo ainda,

a tessitura geral, que é de Sol3 a Fa#4, sendo a região ótima da voz Lá# a Sib3. Outro

fator que podemos atribuir ao fato de Fasciotti ter sido classificado como soprano, é o

fato de no século XIX ainda não haver a definição de meio soprano, as vozes femininas

existentes eram de soprano e contralto. Lauro Machado Coelho explica, quando foi

introduzido o termo meio soprano no âmbito musical. Por este motivo, os registros

encontrados nas partituras se referem a Fasciotti como soprano. A ausência de uma

denominação para as vozes intermediárias, fazia com que vozes desta natureza fossem

consideradas sopranos graves, ou segundo soprano. Obviamente, os parâmetros atuais

esperam de um soprano uma tessitura mais abrangente, na região aguda. A tessitura dos

solos dedicados a Fasciotti, é direcionada para uma voz intermediaria. Se esses solos

fossem analisados atualmente, considerando a tessitura contida neles, muito

provavelmente as conclusões da pesquisa indicariam, que as partes são dedicadas a uma

voz intermediária, nos conceitos atuais mezzo soprano.

O sistema das convenienze dividia os cantores em categorias bem definidas. De um


modo geral, três principais – tenor, soprano e barítono (na época chamado de basso
cantante) – e, em alguns casos, um subprincipal que podia ser um baixo (I Puritani)
ou uma segunda soprano ou mezzo. A distinção oficial entre esses dois tipos de voz
feminina só surgiria com a aparição de Pauline Viadot-García no cenário lírico.
(Machado Coelho, 2002, p. 53).

Ainda em relação a expressão mezzo soprano, Alberto Pacheco cita o tratado de

Raphael Coelho Machado (1814-1887). No seu tratado Raphael Coelho Machado divide
94

a voz humana em seis qualidades diferentes: Soprano, Meio soprano, Contralto, Tenor,

Barítono e Baixo. (Coelho Macho apud Pacheco, 2007, p. 210). Conforme registros

fornecidos por Alberto Pacheco, este tratado foi publicado em 1851, concordando com a

afirmação de Lauro Machado Coelho, de que o termo meio soprano só foi introduzido

no meio musical na década de quarenta do século XIX, a partir da estréia de Pauline

Viadot, na ópera Le prophète, de Meybeer em 1849. (Dicionário Grove de Música

eedição concisa, 1994, p. 989)

As informações de Alberto Pacheco colocam Cicconi e Fasciotti em igual

patamar, porém a diferença de registros sugere maior probabilidade de ser Cicconi o

interprete da ária Laudamus, da Missa de Santa Cecília 1826 do padre José Maurício.

Por outro lado, nada se pode afirmar com segurança, uma vez que a partitura não possui

nenhuma pista de quem seria o interprete da ária. Alberto Pacheco compara, a tessitura

de ambos no dueto existente na Missa festiva com todo o instrumental de Marcos

Portugal de 1817. Embasado nas partes dos castrati deste dueto, Pacheco conclui, que

ambos possuíam tessituras vocais diferentes. Estas dedicatórias mostram claramente que

Cicconi era um soprano mais agudo que Fasciotti. Na verdade, se levarmos em conta os

padrões modernos, podemos dizer que Cicconi possuía a tessitura normal de soprano,

enquanto Fasciotti cobria a tessitura de um meio soprano.

Alberto Pacheco utiliza trechos de algumas árias de Marcos Portugal, dedicadas

a Cicconi, nestes exemplos são evidenciadas passagens de agilidade e tessitura elevada,

sib4 ao dó5 na região aguda. A ocorrência do fa4 e sol4 determinam, que Cicconi

possuía uma voz com maleabilidade, capaz de executar a messa di voce na região da

passagem, e médio agudo de sua voz. A inserção de volatas, trinados e staccati são

constantes nos exemplos apresentados por Alberto Pacheco.


95

Trecho chegando a atingir o dó5 com stacatto:

Os trilos são empregados nas árias dedicadas a Cicconi por Marcos Portugal.

Presumimos assim, que o cantor possuía domínio na realização deste ornamento de

difícil execução, muito apreciado no estilo fiorito.


96

Além dos trilos seguidos observamos também, a presença de stacatti no extremo

agudo da voz, com a nota sib4 repetida sucessivamente, conferindo a esta passagem a

denominação de estilo martelado.

Na ária Laudamus, da Missa de Santa Cecília do padre José Maurício também se

apresenta trilos duplos e agilidade martelada:

Trilos duplos:

(“Laudamus” da Missa de Santa Cecília, JM)

Agilidade martelada:

(“Laudamus” da Missa de Santa Cecília, JM)

Nesta passagem de agilidade martelada está presente a nota si3 repetida em

stacatto.

A tessitura da ária define claramente, que o cantor a quem José Maurício

dedicou este solo possuía uma voz muito extensa, pois ela, abrange quase duas oitavas

de ré3 a dó#5. Um comentário de relevância em relação a esta ária é, a incidência em

alguns trechos na região extremo aguda da voz, conferindo ao interprete uma excelente

resistência vocal, em permanecer na região extremamente aguda.


97

(“Laudamus” da Missa de Santa Cecília, JM)

Existem volatas duplas descendentes iniciadas na região extremo agudo da voz,

sugerindo que o interprete possuísse grande domínio e maleabilidade vocal, nas

passagens de grande agilidade mesmo na região aguda. Notas sustentadas na região

aguda como lá4 e si4 estão contidas nesta ária, demonstrando que o cantor possuía uma

grande estabilidade na emissão.

(“Laudamus” da Missa de Santa Cecília, JM)

Os longos melismas e tercinas são encontradas também nesta ária. As longas

passagens melísmáticas demonstram, que o interprete desta ária possuía grande leveza e

agilidade vocal que proporcionavam a execução de trechos extensos desta natureza.

(“Laudamus” da Missa de Santa Cecília, JM)

Os grupetos estão presentes no decorrer de toda a ária. Arpejos também são

encontrados na parte. Neste solo, se evidencia o domínio alcançado pelo padre José

Maurício na escrita de partes em estilo fiorito, inserindo no decorrer de toda a ária

vários elementos pertencentes ao estilo bel canto.


98

Arpejos de curta duração:

(“Laudamus” da Missa de Santa Cecília, JM)

Alberto Pacheco expõe trechos de solos de Marcos Portugal dedicado a

Giovanni Fasciotti, nos exemplos utilizados percebe-se, que a tessitura de Fasciotti é

mais grave que a de Cicconi. Embora possua passagens de agilidade e ornamentação,

que conferem a Fasciotti um domínio em relação a execução dos elementos do estilo

fiorito, os seus solos incidem em uma região mais central, se utilizarmos como

parâmetro a tessitura de um soprano atual. A tessitura do solo abrange sib2 ao sol4,

tendo o fá4 e sol4 como limite de notas agudas sustentadas, chegando até o láb4 de

passagem. A partitura fornece pistas, de que a voz de Fasciotti era ágil e extensa, porém

não era um soprano, capaz de emitir notas agudas sustentadas como o lá4 ou si4. Em

virtude das informações que a partitura nos fornece concluí-se ser pouco provável que

Fasciotti seria capaz de executar a ária Laudamus, da Missa de Santa Cecília 1826, uma

vez que esta incide no extremo agudo da tessitura de um soprano, chegando ao dó#5. O

fato de naquela época não haver ainda a definição do termo mezzo soprano, gera um

pouco de confusão, em relação ao registro vocal de Fasciotti, pois nas anotações de

época existentes nos manuscritos, ele é intitulado soprano. Enquanto Cicconi possuía

uma voz de soprano aguda, dentro dos padrões atuais, Fasciotti possuía uma voz

hibrida, que atualmente denominamos meio soprano. Naquela época alguns

denominavam, cantores com a tessitura de Fasciotti como soprano grave. No solo da

ária Laudamus da Missa festiva de Marcos Portugal, dedicado a Fascotti, a tessitura é

mais grave em relação a das partes solistas dedicadas a Cicconi pelo compositor. A
99

tessitura da ária Laudamus também não é compatível se compararmos com os exemplos

de solos de Cicconi expostos por Alberto Pacheco.

Ária Laudamus da Missa de Santa Cecília 1826 do padre José Maurício Nunes Garcia

solo de soprano:

(“Laudamus” da Missa de Santa Cecília, JM)


100

O segundo exemplo adotado é o solo Qui Tollis, ária ornamentada, calcada no

estilo bel canto. Neste ária o tenor solista atua em concertato com o coro, prática muitas

vezes adotada pelos compositores. Mattos tece uma breve consideração a respeito desta

ária. “Qui tollis, grande concertante de tenor solista e coro – é demonstração de

virtuosidade do cantor cujo nome vem lançado na partitura: Gabriel Fernandes da

Trindade”. (Mattos, 1984, p. 21). A tessitura desta ária é do dó2 ao si3, que é uma

tessitura bastante ampla.

Neste solo confiado ao tenor, o padre José Maurício demonstrou mais uma vez

seu conhecimento e habilidade, em relação ao estilo fiorito, lançando na partitura muitos

elementos pertencentes a este estilo. No recitativo da ária surgem grupetos e arpejos, o

lá3 é empregado duas vezes no início da ária, embora não seja sustentado sugere que o

cantor possuía uma emissão estável e maleável, que permitia articular o texto na região

aguda com leveza e agilidade.

(“Qui tollis” da Missa de Santa Cecília, JM)

Ainda no recitativo, encontra-se a nota sol3 agudo sustentado, mais uma vez

conferindo a Gabriel Fernandes da Trindade estabilidade na emissão, e controle em

relação ao volume, pois sendo uma nota de grande duração admite a execução da messa

di voce.

(“Qui tollis” da Missa de Santa Cecília, JM)


101

Os saltos denominados canto di sbalzo ou de slancio com notas sustentadas são,

mais um elemento do estilo fiorito, adicionado a ária Qui tollis. O canto de sbalzo com

notas agudas sustentadas, sugerem que o tenor solista desta ária possuía, domínio em

relação as variações de intensidade vocal, e a capacidade de emitir notas agudas

robustas, pois, o canto di slancio é realizado com voz cheia e vigorosa própria do canto

di bravura.

Canto di sbalzo:

(“Qui tollis” da Missa de Santa Cecília, JM)

(“Qui tollis” da Missa de Santa Cecília, JM)

(“Qui tollis” da Missa de Santa Cecília, JM)

No próximo trecho da ária utilizado como exemplo, encontra-se, em uma única

passagem melódica, melismas de grande extensão, volatas retrogradas, tercinas e trillo

duplo. A inserção de variados elementos do canto fiorito em uma mesma passagem de

agilidade, confere ao padre José Maurício conhecimento suficiente deste estilo, com
102

capacidade de agregar em uma mesma frase, uma variedade de elementos do bel canto.

Quanto ao solista, fica evidente o seu conhecimento acerca de cada elemento

apresentado, bem como, a sua capacidade de realizá-los, uma vez que a ária foi

dedicada a ele, obviamente dentro de suas possibilidades de realização.

(“Qui tollis” da Missa de Santa Cecília, JM)

Alberto Pacheco considera o conteúdo desta ária altamente revelador, no que

tange a capacidade de absorção do canto fiorito por um interprete brasileiro. (Pacheco

2007, p. 136). Gabriel Fernandes da Trindade é, um exemplo de apropriação do estilo

italiano, implantado no Rio de Janeiro. O fato de ser um cantor brasileiro, o torna um

exemplo genuíno, da apropriação do estilo bel canto no Brasil, uma vez que, ele é o

único cantor brasileiro, dentre os analisados nesta pesquisa. O padre José Maurício é,

exemplo da capacidade de apropriação do estilo bel canto na composição, por outro

lado, Gabriel Fernandes da Trindade, ilustra a absorção do estilo fiorito, por um

interprete brasileiro. Todos os elementos de bel canto encontrados na ária são

considerados absorvidos e realizados por Gabriel Fernandes Trindade, uma vez que as
103

árias eram escritas dentro das necessidades, e capacidades de um cantor. Na verdade, o

compositor objetivava ressaltar as habilidades do interprete, e ocultar suas deficiências.

Se considerarmos, a variedades de elementos do estilo fiorito encontrados no solo Qui

tollis, concomitante com a tessitura bastante aguda, na qual foi escrita, podemos

concluir, que Gabriel Fernandes da Trindade dominava amplamente os elementos da

Escola Napolitana.

6.2. MISSA DE RÉQUIEM PARA AS EXÉQUIAS DA RAINHA

Após quase um quarto de século impedida de governar, em virtude de suas

condições de saúde morre no ano de 1816, a Rainha D. Maria I. Jean Paul Sarraute

afirma, que a música executada nesta ocasião foi confiada a Marcos Portugal. “Marcos

Portugal será de novo encarregado de escrever a música. Comporá, pois,

“Responsórios” que serão cantados em 22 de Abril, assim como a Missa Pontifical

celebrada do dia seguinte 23”. (Jean Paul Sarraute, 1979, 142). Jean Paul Sarraute cita

os comentários feitos a Missa de Réquiem, para as exéquias da Rainha. Os relatos foram

muito favoráveis, em relação à execução desta obra, segundo a Gazeta do Rio de

Janeiro. Este jornal chega a dizer que Marcos Portugal se superou, chegando a dar a

Missa, o adjetivo de obra prima. Segundo Jean Paul Sarraute, esta Missa trata-se de uma

das melhores obras do compositor. Suas partituras originais se encontram, na Biblioteca

da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, e na Biblioteca do Instituto de França em

Paris. Segundo Jean Paul Sarraute, as duas partituras são absolutamente iguais, porém

afirma que a partitura que se encontra em Paris, possui maior número de anotações de

nomes de cantores, que a que se encontra no Rio de Janeiro. (Jean Paul Sarraute, 1979,
104

143). A partitura que se encontra na cidade do Rio de Janeiro é uma cópia, talvez, por

esta razão possua menos anotações, em relação a que se encontra em Paris. Jean Paul

Sarraute fez várias considerações, em relação a Missa de Réquiem de Marcos Portugal.

A Missa de réquiem começa pois pelo Intróito, Réquiem aeternam, em mi bemol, e


desde o início encontramos nesta obra a mesma maneira de escrever e de compor já
observada no Officio de Morto. A orquestra ataca com força e o coro, após um curto
prelúdio, começa a sua prece com uma bela revoada melódica, que é bem mais uma
afirmação que uma súplica. O desejo de fazer grande e importante sente-se nos
primeiros acordes. Tratava-se de funerais oficiais portanto nada de maias medidas.
(Jean Paul Sarraute, 1979, p. 69).

Muito provavelmente, Marcos Portugal primou por dar ao Réquiem, um tom

solene e grandioso, por se tratar de cerimônias oficias de falecimento de uma monarca,

que embora desprovida de suas faculdades mentais há muito, morrera com seu título de

Rainha de Portugal. (Jean Paul Sarraute, 1979, p.72).

Quanto aos solistas Sarraute faz algumas considerações relacionadas ao soprano,

segundo ele o versículo Ingemisco é confiado com menção ao nome do interprete da

ária, “O Sr. Ciconi”. Sarraute considera ser o mesmo Cecconi, que cantou o solo de

soprano no Dies irae do Oficio de Mortos, fazendo pairar em nossas mentes esta

interrogação. Talvez, possamos deduzir que o mencionado Cecconi do Oficio dos

Mortos de Marcos Portugal, seja Antonio Cicconi, castrato solista da Capela Real, que

supostamente cantou a ária Laudamus da Missa de Santa Cecília 1826 de José

Maurício. Segundo Sarraute, o décimo oitavo versículo cabe ao tenor, solo que foi

possível ser identificado, graças à menção no cabeçalho da ária destinada “O Senhor

António Pedro”. Embora, Jean Paul Sarraute não tenha feito considerações a respeito

desta ária, posso dizer após ter visto esta partitura que este solo agrega passagens como:

volatas, contendo também o canto sbalzo em alguns momentos (saltos de grande


105

distancia, entre notas graves e agudas ou vice e versa), gerando assim, certo grau de

dificuldade em sua execução.

Alberto Pacheco no final do tópico “Os tipos vocais e sua extensão”, pertencente

a sua tese de doutorado, tece uma reflexão em torno de dois tenores, atuantes na Capela

Real, Giovanni Mazziotti e António Pedro Gonçalves. Segundo o autor, António Pedro

foi tenor muito apreciado na Capela Real, sendo dos tenores o que mais dedicatórias

recebeu. Das dedicatórias recebidas por ele, duas são do padre José Maurício e quatro

de Marcos Portugal. Em relação a este número de árias dedicadas Pacheco diz: “Sendo

assim, parece ter sido o tenor mais requisitado da Capela”. (Alberto Pacheco, 2007, p.

147). De acordo com as informações provenientes das análises, dos seis solos a ele

dedicados, Pacheco conclui, que sua extensão vocal era de Sib1 a Sib3. Segundo

Pacheco, a sua região ótima entre Sib2 e Mib3, considerado-a uma região bastante

ampla, comparada a de outros cantores, analisados em sua pesquisa. Nas análises dos

solos de António Pedro Gonçalves, Alberto Pacheco identifica notas longas, que muito

provavelmente admitiam a realização da messa di voce, grupetos e pequenas

vocalizações, geralmente em sentido descendente. Alberto Pacheco também identifica, a

incidência do Fa3 sustentado, embora não haja volatas de uma oitava ou longos

melismas.

Pacheco faz uma observação de grande relevância, em relação as notas agudas

escritas para os tenores nessa época. O Sib3 nas partes de António Pedro Gonçalves, em

nenhum momento é introduzido por grau conjunto inferior. Pacheco conclui a

observação, dizendo, que o grau conjunto além de dificultar a emissão, deixa mais

evidente a mudança de registro. (Alberto Pacheco, 2007, p. 149). Os grandes saltos nas

notas agudas sugerem que eram emitidas em falsete. Alberto Pacheco explica, que os

saltos e o ataque direto, facilitam a execução do falsete. Se por ventura as notas agudas
106

fossem precedidas de intervalos curtos, ou grau conjunto seria mais complexa a

passagem do registro de peito, para o registro de cabeça. Pacheco utiliza um trecho de

ária de Marcos Portugal, dedicada a Antònio Pedro Gonçalves, no qual os agudos são

introduzidos em grandes saltos.

No solo Lacrimosa dies illa sib3 é introduzido por um intervalo de terça menor,

ao invés dos grandes saltos apresentados no exemplo anterior. Este procedimento sugere

duas possibilidades: A primeira seria, que Antònio Pedro Gonçalves possuía um grande

equilíbrio na mistura das ressonâncias, de peito e de cabeça, possibilitando que ele

emitisse notas agudas precedidas de intervalos próximos. A segunda consiste na

possibilidade de que ele pudesse emitir as notas agudas, utilizando a ressonância de

peito, procedimento adotado pela maioria dos tenores da atualidade. Por outro lado, os

saltos descendentes presentes no exemplo anterior permanecem na ária Lacrimosa dies

illa.

(“Lacrimosa dies illa”, Missa de Réquiem, MP)

A ária Lacrimosa não apresenta passagens de agilidade, porém, traços do estilo

fiorito como os grupetos e pequenos arpejos estão pressentes neste solo.


107

(“Lacrimosa dies illa”, Missa de Réquiem, MP)

Ambos os solos, Inter oves e Lacrimosa possuem elementos do estilo bel

canto, porém, o conteúdo do solo Inter oves evidencia que Marcos Portugal decide

escrevê-lo em legerissimo. A tessitura do solo nos fornece pistas, em relação ao tipo de

voz a que ela foi direcionada. A sua tessitura abrange do dó2 ao ré4, fato que não é

comum para um tenor. Se compararmos os solos dedicados a Antònio Pedro Gonçalves,

e Gabriel Fernandes da Trindade, encontramos uma tessitura aguda, porém dentro dos

padrões atribuídos a um tenor da atualidade. No solo Inter oves, se encontram trechos de

longa duração nos quais a voz se mantém em uma região extremo aguda, ou super

aguda. Sendo um solo de grande duração, repleto de passagens de agilidade em uma

região extremamente aguda, sugere que o interprete a qual foi destinada possuía

excelente conhecimento e domínio, em relação as passagens de agilidade, e uma voz

extremamente aguda, fora dos padrões convencionais.

No início da seção andante do Inter oves, contem notas agudas sustentadas que

admitem provavelmente a execução da messa di voce, grupetos e articulação do texto na

região aguda. Tais fatores conferem ao interprete, não só a capacidade de graduar o som

na região aguda, mas também, o domínio da leveza e espontaneidade, para articulação

do texto na região aguda, em notas de curta duração.


108

(“Inter oves”, Missa de Réquiem, MP)

Ainda na seção andante encontra-se uma vocalização em roddoppiato seguida de

uma volata retrograda.

(“Inter oves”, Missa de Réquiem, MP)

A nota sol4 sustentada é inserida em diversos trechos sugerindo o domínio do

interprete na realização da messa di voce.

(“Inter oves”, Missa de Réquiem, MP)

De acordo com informações de Alberto Pacheco, Giovanni Mazziotti possui três

dedicatórias de Marcos Portugal. Pacheco identifica em Mazziotti, um tipo de voz com

extensão, adversa a dos outros tenores. Mais uma vez, Alberto Pacheco com base nas

partituras por ele analisadas, atribui a Giovanni Mazziotti uma extensão e Mi2 a Re4.

“A começar por sua extensão, de Mi2 a Ré4, que é praticamente uma terça acima da

extensão do António Pedro. É uma extensão que está entre a de tenor e a de contralto”.
109

(Alberto Pacheco, 2007, 154). De acordo com Pacheco, Garcia define este tipo de voz

como contraltino ou haute contre. Pacheco explica, que o haut -contre é um tenor

agudo apto a usar o extremo agudo de seu falsete, porém com homogeneidade, entre

este registro e o de peito. (Pacheco, 2007, p. 154). É provável, que o referencial técnico

vocal do haute contre, fosse embasado profundamente na concepção de emissão dos

castrati. Tosi é citado em Guido Tartoni anteriormente nesta pesquisa, no que tange a

prática de mesclar a voz entre a ressonância de peito e a de cabeça. De acordo com a

definição de Alberto Pacheco, o haute contre ou tenorino usava o extremo agudo do

falsete, porém com igualdade, talvez, possamos considerar, que o haute contre

possuísse uma sonoridade hibrida, entre o registro masculino de um tenor super agudo,

e o timbre feminino de um contralto grave. Provavelmente, no extremo agudo da voz o

tenorino mantivesse a mistura das ressonâncias de peito e de cabeça, porém, a de cabeça

se mantinha mais intensa em virtudeda região super aguda na qual a voz se encontrava.

Em contra partida, a referência da voz de peito se mantinha, ainda que em menor

intensidade, afim de que a emissão não se tornasse débil, de pouco volume. Fica claro,

que para o tenorino, a capacidade de domínio da mistura da emissão de peito e cabeça é

fundamental, para que a qualidade do som não perdesse homogeneidade, entre os

registros grave, médio e agudo.

O solo Inter oves possui longos trechos de vocalizações em tercina,s mantendo-

se na região aguda e extremo aguda da voz de tenor chegando ao ré4. Outro elemento de

relevância contido na ária é: a vocalização com notas repetidas em colcheias duas a

duas, sentido ascendente produzindo um efeito de martelada.


110

(“Inter oves”, Missa de Réquiem, MP)

A inserção da volata dupla descendente do sol3 ao dó2 sugere, que o tenor ao

qual o solo Inter oves foi dedicado, possuía excelente extensão. O dó2 vem

acompanhado de fermata indicando que o tenor além de uma extensão super aguda,

possuía notas graves com, uma boa qualidade sonora.

(“Inter oves”, Missa de Réquiem, MP)

Giovanni Mazziotti, certamente dominava este tipo de emissão, embasada na

mistura entre o registro de peito, e de cabeça. Alberto Pacheco mostra, exemplos de

árias dedicadas a Mazziotti, constituídas de uma tessitura bastante aguda, adversa a

tessitura da maioria dos tenores, que não passavam de sib4 ou si4. De acordo com

Alberto Pacheco, António Pedro Gonçalves, possuía voz menos aguda que de Mazziotti,
111

chegando as suas árias ao sib4 no extremo agudo. Atualmente, um dos grandes fatores

que dificultam a execução de obras antigas, como estas, é o fato de que os compositores

da época escreviam para cantores específicos, utilizando assim, suas qualidades e

melhores possibilidades vocais. Em resumo os compositores ressaltavam na partitura

tudo que os cantores dominavam, ocultando ao máximo suas deficiências. Por exemplo,

nos dias de hoje muito provavelmente em uma montagem do Requiem de Marcos

Portugal, o mesmo tenor que canta o Inter oves cantará a Lacrimosa, tornando a

performance muito mais desafiadora, por exigir de um mesmo interprete qualidades e

recursos técnicos vocais distintos.

Neste solo de Marcos Portugal dedicado a Mazziotti, encontram-se tessitura e

passagens de agilidade similares as do Inter oves. Os longos melismas são encontrados

também neste solo. Notas super agudas, inseridas por grau conjunto, são elemento de

unidade entre o solo das duas obras de Marcos Portugal. Com base no exemplo adotado

por Alberto Pacheco, de solo de Marcos Portugal dedicado a Mazziotti, comparado ao

solo Inter oves, admitimos a possibilidade, deste, cantor ter sido interprete de ambas.
112

A capacidade de igualar o extremo agudo de seu falsete a voz de peito é uma das

principais características da voz de Mazziotti. As passagens de agilidade com intervalos

curtos, ou grau conjunto, conferem ao tenor total equilíbrio e homogeneidade, entre os

registros de peito e de cabeça.

Embora tenha feito considerações referentes, a singularidade da voz de Giovanni

Mazziotti na Capela Real, Alberto Pacheco observa, que as árias de Giovanni Mazziotti

possuem tessitura geral de Sol2 a Lá3, sendo a de António Pedro de Sol2 a Sol3. Com

estes resultados Alberto Pacheco conclui: que Mazziotti possuía a tessitura média e

grave dos tenores atuais, bastante diferente daquela adotadas pelos castrati. “(...) apesar

do uso de uma região muito aguda, a tessitura de Mazziotti é de tenor, algo muito

diferente dos falsetistas que cantam como contralto ou soprano.” (Pacheco, 2007,

p.154).
113

Ainda como exemplo de comparação em relação a tessitura dos dois tenores

Alberto Pacheco utiliza, o dueto para dois tenores, pertencente a Missa festiva com todo

o instrumental de Marcos Portugal. Neste duo Pacheco compara a parte do primeiro

tenor que possui tessitura bastante aguda. A tessitura muito aguda era, elemento peculiar

em solos confiados a Giovanni Mazziotti. Por outro lado, a parte do segundo tenor,

dedicada a António Pedro, possui uma tessitura mais voltada para os padrões dos

tenores da atualidade. É provável, que Alberto Pacheco denomine António Pedro como

um tenor com perfil enquadrado nos “moldes atuais”, em virtude da sua tessitura que

embora seja aguda, não ultrapasse o sib3. Esta tessitura é adotada pelos compositores no

decorrer do século XX, conferindo ao tenor uma sonoridade cheia, com caráter mais

viril em relação ao haute contre. A ária Lacrimosa não possuiu passagens de agilidade,

e ornamentações, em contra partida, o solo inter oves possui volatas, trilos, tercinas. Os

grandes saltos, chamados de canto di sbalzo estão presentes na ária Lacrimosa.

Conforme informações apresentadas no segundo capítulo desta pesquisa, o canto

di sbalzo ou de slancio é, considerado um dos elementos que compõem canto di

bravura. Embasados nestas informações, podemos concluir, que tais saltos bruscos dão

a ária Lacrimosa um aspecto intenso, quase heróico peculiar no canto di bravura.

Embora Marcos Portugal não tenha usado na ária Lacrimosa, passagens de agilidade ou

floridas, utilizou o canto di sbalzo, talvez, objetivando conferir ao solo um aspecto mais

dramático, condizente com seu texto, que narra a tristeza do dia de lagrimas em que o

pecador ressurgirá das cinzas para ser julgado. A maturidade de Marcos Portugal como

compositor o possibilita alternar os vários elementos do estilo fiorito italiano, de acordo

com sua vontade, a utilização do canto di sabalzo é um exemplo disto. Muitas vezes o

sol4 sustentado é apresentado no inter oves, fazendo considerarmos a execução de

messa di voce nestes momentos. Alberto Pacheco define António Pedro como um tenor
114

moderno, em relação a tessitura adotada por Marcos Portugal e José Maurício. As

considerações de Pacheco definem: os dois tenores com qualidades vocais bastante

diferentes, António Pedro enquadrado em uma tessitura menos aguda, que foi sendo

adotada ao longo do século XIX, atingindo sua adesão plena no início do século XX.

As informações obtidas através das análises de Alberto Pacheco indicam: que no

início do século XIX havia cantores como Giovanni Mazziotti que embasavam a sua

técnica e estética na escola dos castrati, e cantores como Antônio Pedro, que se

direcionavam para uma emissão mais robusta, porém com tessitura aguda menos ampla,

em relação aos tenores de estilo haute contre, como Mazziotti. Mediante estas

informações é possível chegarmos a conclusão, de que o confronto de vozes adversas

ocorrido na Capela Real do Rio de Janeiro, era reflexo de experiências vividas na

Europa, uma vez que os castrati ainda não tinham saído de cena totalmente. Ao mesmo

tempo as vozes menos voltadas para escola dos castrati estavam começando a

despontar, fazendo com que os compositores assim pudessem escolher que tipo de linha

adotar em suas composições, o estilo mais moderno, ou aquele calcado nos castrati. Ao

observarmos as partes dedicadas aos tenores da Missa de Réquiem de Marcos Portugal é

constatável o confronto de qualidades vocais distintas, nas partes dedicadas aos tenores.

As partes confiadas a Mazziotti são contrastantes em relação as dedicadas a Antônio

Pedro. Embora ambos sejam tenores, a partitura evidência em quais regiões da voz os

cantores atuavam com maior êxito. Ainda que existam passagens de agilidade e

ornamentações como: trinados em ambas as partes, Antònio Pedro atua no decorrer da

peça uma terça inferior em relação a Mazziotti, não havendo uma inversão de posição.

A tessitura de António Pedro de maior rendimento, e conforto vocal era aquela comum

dos tenores atuais, por outro lado, a de Mazziotti embora pudesse cantar em tessitura

convencional, também possuía uma natureza vocal que lhe permitia atuar também no
115

extremo agudo, qualidade sempre explorada por Marcos Portugal em solos a ele

dedicados.

(“Missa festiva com todo instrumental”, MP)

No Réquiem para as Exéquias da Rainha de Marcos Portugal, encontramos um

elemento de especulação, em relação ao solo de tenor número XXVI, com

acompanhamento de baixo. De acordo com Jean Paul Sarraute, não há nenhuma pista no

solo número XXVI de tenor especificando a quem a parte foi dedicada. Por outro lado, a

partir das análises das árias dedicadas a Giovanni Mazziotti, feitas por Alberto Pacheco,

aliadas ao fato de ter escolhido a ária Lacrimosa de tenor de Marcos Portugal, como um

dos exemplos da manifestação do estilo bel canto no período joanino, não pude deixar

de voltar a minha atenção, para a tessitura muito aguda do solo de tenor Confutatis
116

número XXVI. As informações de Alberto Pacheco contribuíram, para que eu

levantasse uma hipótese, em relação ao fato de Giovanni Mazziotti ter sido o interprete

do solo número XXVI. Ao compararmos o solo do Confutatis, com as partes analisadas

por Alberto Pacheco, dedicadas a Giovanni Mazziotti, identificamos: características

convergentes, sendo a tessitura um forte fator nesse conjunto de similaridades.

Em suas conclusões gerais a respeito do aspecto da obra, Jean Paul Sarraute

termina dizendo considerar esta obra das mais importantes, e mais bem acabadas de

Marcos Portugal, chegando a afirmar que esta Missa se trata de uma das paginas

essenciais do compositor. Jean Paul Sarraute admite, que esta obra seja mais um

exemplar do estilo italianizante na composição de Marcos Portugal, porém, segue

dizendo que em virtude do autor dominar tão bem este estilo, ele ajusta a obra ao estilo

napolitano de acordo com seu gosto. (Jean Paul Sarraute, 1979, p. 73)
117

Conclusão

Nesta pesquisa, dediquei-me ao estudo do estilo bel canto, e sua manifestação no

Brasil. A necessidade de encontrar suas raízes, se deu em função das diferentes

definições encontradas para este termo, para que assim, as considerações relacionadas a

este estilo fossem agrupadas, resultando em uma compreensão mais abrangente de sua

essência. Constatamos, que as definições encontradas acerca deste estilo se

complementam, contribuindo para o entendimento dos vários elementos que o

constituem.

Como uma espécie de ponto de partida, citamos a atuação dos castrati no rito

moçárabe desde o século XVI. Talvez, possamos dizer, que, por esta razão, a Espanha

funcionou como um dos primeiros centros irradiadores do estilo bel canto, pois, dela

saíram os primeiros cantores, que posteriormente iriam tornar-se destaque na música

vocal italiana, nos séculos XVII e XVIII.

A admissão dos castrati por parte da Igreja representou uma condição de

estabilidade para estes músicos, uma vez, que naquela época o poder da Igreja de Roma

era muito abrangente. A proteção eclesiástica de certo modo contribuiu como um

incentivador, e legitimador da prática da emasculação. A espontaneidade da voz dos

castrati, proveniente das mutações fisiológicas adquiridas após a cirurgia de

emasculação, faz com que sua atuação nos ritos da Igreja comece na Espanha, rumo a

Itália onde sua inserção é feita oficialmente.


118

Os quatro conservatórios da cidade de Nápoles ocupam, posição de destaque na

formação musical dos meninos e jovens, que por eles passaram, entre os quais muitos

deles eram castrati. Por este motivo Alberto Pacheco declara, que os castrati

dominaram o cenário da ópera do final do século XVII, e no decorrer de todo o século

XVIII. Todo o rigor disciplinar dos conservatórios napolitanos, aplicado na formação

musical dos jovens castrati, fez com que estes cantores aliassem a suas possibilidades

vocais a uma técnica apurada, conquistada a partir de um condicionamento vocal, diário

e intenso.

Com base nas possibilidades dos castrati, os compositores da época davam crescente

destaque para o canto fiorito. A necessidade de anexar na ópera o caráter artificial que

permeou os séculos XVII e XVIII, fez com que das atuações dos castrati se esperasse,

passagens de agilidade, acompanhadas de muita ornamentação. Com o passar do tempo

o estilo fiorito aplicado intensamente nos teatros, também, foi obtendo crescente adesão

na música sacra. Concluímos, que no decorrer do século XVIII, o canto fiorito torna-se

o estilo predominante, chegando ao ponto de serem imperceptíveis as peculiaridades

musicais, entre a ópera e a música sacra.

O aumento das partes solista também, é uma característica da música vocal

clássica italiana, dos séculos XVII e XVIII. O interesse do público pelo virtuosismo dos

solos, faz com que os castrati recebessem especial atenção por parte dos compositores.

A partir de então, é crescente o costume de compor dentro das possibilidades vocais de

cada interprete. Objetivando atender as expectativas do público, os compositores

procuravam incluir nas árias, todos os elementos que os cantores dominassem

plenamente, excluindo ao máximo tudo que lhes fugisse ao domínio, a fim de não

prejudicar a aceitação de sua composição, bem como a atuação do cantor.


119

Nápoles gradativamente se torna um ponto central de formação, de onde surgem

muitos músicos talentosos. O castrado muitas vezes agregava em si a função de: cantor,

professor, compositor e regente. Neste exemplo se evidencia o teor de abrangência dos

castrati, no cenário musical italiano do século XVIII. Com o passar do tempo, esta

abrangência começa a se expandir por outros países da Europa. Portugal é exemplo de

apropriação do estilo bel canto. A absorção portuguesa pelo estilo fiorito se dá através

dos seus compositores e cantores.

O ambiente musical no qual Marcos Portugal conviveu em sua cidade natal,

Lisboa, tinha por predominância a Escola Napolitana, contribuindo para que o

compositor tivesse referências musicais ligadas ao estilo bel canto. De acordo com

informações contidas nesta pesquisa, o estilo bel canto era evidenciado na ópera e na

música sacra. O período vivido por Marcos Portugal na Itália1792-1800, foi de intensa

produtividade, chegando ao total de 21 óperas italianas por ele compostas. É provável,

que Marcos Portugal não tenha ido para a Itália com intuito de conhecer o estilo

napolitano, mas sim vivenciar com proximidade, aquela prática musical que era por ele

conhecida há muito tempo, desde a sua formação musical.

Com a transferência da família Real portuguesa para o Brasil em 1808, inicia-se

o processo de absorção e apropriação do estilo bel canto no Rio de Janeiro. As tradições

musicias portuguesas e gostos de D. João, atuam, como motivação, para a utilização do

estilo italiano nas composições da recém fundada Capela Real. A inserção dos músicos

(cantores e instrumentistas) da Capela Real de Lisboa no Rio de Janeiro contribui, ainda

mais para a manifestação do bel canto no Brasil. As atividades musicais da Capela Real

do Rio de Janeiro, deveriam manter-se no mesmo nível de Lisboa, assim sendo, também

os castrati que atuavam em Portugal a serviço da família Real, se transferem para o

Brasil. A apropriação do estilo bel canto, pelo padre José Maurício Nunes Garcia é
120

realizada com base nos novos intérpretes vindos de Lisboa, e da vontade de D. João em

manter o mesmo conteúdo musical em sua Capela. A este conjunto de acontecimentos

históricos ocorridos no âmbito musical brasileiro, após a vinda de D. João,

denominamos: “Manifestações do estilo bel canto no Brasil”. Estas manifestações do

estilo operístico em solo brasileiro, estabelecem uma espécie de eixo entre, Itália,

Portugal e Brasil. Muitos elementos do bel canto, foram, utilizados nas composições

dedicadas a Capela Real. Ao contrário da Itália e até mesmo Portugal, o estilo bel canto

no Brasil, teve predominância na música sacra. Embora fosse uma música de caráter

funcional, as composições dedicadas a Capela Real possuíam conteúdo dramático,

pertencente a ópera italiana. Vale a pena lembra,r que esta característica é apanágio do

século XVIII na Itália, no qual o estilo operístico foi se tornando cada vez mais

abrangente, atingindo também a música sacra.

A transferência da Corte portuguesa para o Brasil resultou, em uma mudança

estilística, para o padre José Maurício. A transparência do estilo bel canto em José

Maurício, é evidenciada na Missa de Nossa Senhora da Conceição 1810. Nesta obra,

José Maurício começa a explicitar, com maior intensidade os elementos da escola

napolitana. Na sua última composição, a Missa de Santa Cecília de 1826, constamos

sua última manifestação como compositor, em uma obra calcada na forma da Missa

Cantata, onde estão contidos os elementos do bel canto, nas partes solistas.

Nas árias da Missa de Santa Cecília 1826, que foram escolhidas como exemplo

nesta pesquisa, vários elementos do estilo bel canto foram identificados. O solo “Qui

tollis” é de grande importância nesta pesquisa, pois, foi dedicado ao tenor brasileiro

Gabriel Fernandes da Trindade. Os elementos do bel canto contidos no solo “Qui

tollis”, nos fornecem evidências do teor de absorção do estilo italiano, por um interprete

brasileiro.
121

A Missa de Réquiem para exéquias de Dona Maria I, composição de Marcos

Portugal, ilustra o domínio deste compositor em relação ao estilo bel canto. Os solos de

tenor desta Missa dos Mortos, utilizados nesta pesquisa, mostram não só a utilização do

estilo bel canto nesta obra, mas também, a existência de dois tipos de tenores distintos

naquela época. O tenor contraltino, e o tenor lírico típico dos dias de hoje. Estas

constatações são úteis, para aqueles, que queiram abordar este tipo de repertório, façam

considerações prévias, em relação ao caráter vocal adotado na sua execução.

Marcos Portugal e José Maurício serviram-se da mesma fonte, em relação ao

estilo bel canto. Embora de origem e formação diferentes, ambos utilizaram em suas

obras procedimentos típicos do estilo bel canto. As evidências do estilo bel canto, na

obra selecionada de José Maurício, são tão claras quanto na de Marcos Portugal,

embora, Marcos Portugal, ao longo de sua carreira tenha se dedicado mais a ópera, que

José Maurício. Porém, é fato que o compositor português, após sua chegada ao Brasil

não compôs nenhuma ópera. Dos dois compositores ficaram registros do estilo musical

adotado na Capela Real, e outras igrejas da cidade Rio de Janeiro, no período chamado

por muitos de Joanino. O repertório deste período atualmente está sendo resgatado,

executado em concertos, gravações e até mesmo em raras ocasiões, dentro da liturgia da

Missa.
122

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