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Discurso do Ministro do Ambiente e da Transição Energética

João Pedro Matos Fernandes

Conferência
“Água - Novas abordagens”

Auditório do LNEC
22 de março de 2019

Senhoras e senhores,

A água é essencial. A água é escassa. A água é preciosa. Em


rigor, está tudo dito – o meu discurso poderia ficar por aqui.

Mas se me permitem, no Dia Mundial da Água, a um


ministro com esta pasta exige-se que seja mais prolixo.
A história da água em Portugal é uma história de sucesso.
Em 30 anos, investimos em infraestruturas mais de 10 mil
milhões de euros.

Foi assim que as nossas praias passaram a contar com um


crescente número de bandeiras azuis – foram 332, o ano
passado.

Foi assim que atingimos 99% de água com qualidade, em


Portugal, com o resultante recuo das doenças provocadas
pela sua má qualidade – a título de exemplo, a incidência
da hepatite A passou de 60 para um, em 20 anos.

Foi assim que atingimos taxas de abastecimento e de


tratamento de água que nos colocam a par dos mais
desenvolvidos países do mundo.
Foi assim que o nosso setor da água se tornou uma
referência mundial, participando ou liderando, hoje,
projetos de cooperação e desenvolvimento em África e na
Ásia.

Foi assim que, durante a seca de 2016-18, não faltou água


nas torneiras dos portugueses.

Fizemos, e continuamos a fazer este esforço monumental,


porque a água é essencial.

É essencial para os moçambicanos, a braços com uma


tragédia sem paralelo que destruiu a segunda cidade do
país, a Beira. É por causa do conhecimento que
acumulámos que estamos em condições de participar no
esforço de ajuda aos moçambicanos, enviando este fim de
semana uma equipa de peritos do grupo Águas de Portugal
e, em breve, uma estação de tratamento de água
compacta, para ajudar no restabelecimento do
fornecimento de água potável à população atingida.

É essencial para a nossa agricultura, que nos últimos anos,


graças aos regadios alimentados pelo Alqueva, se tornou
numa história de sucesso.

É essencial para a notável redução da mortalidade infantil


em Portugal, nos últimos 50 anos, evolução que nos
colocou entre os países em que o nascimento e os
primeiros anos de vida são dos mais seguros do mundo.

Vós, que me escutais, deveis estar orgulhosos. O setor da


água, de forma invisível, mudou o nosso país. E fê-lo bem,
para melhor.
Senhoras e senhores,

Na Bacia do Mediterrâneo, onde a quantidade de água


reposta por via da precipitação é inferior à quantidade de
água consumida, este é um líquido ainda mais precioso.

Por causa das alterações climática, um problema de agora,


da minha e das vossas gerações, é expectável que se assista
a uma redução de 10% a 50%, na primavera, verão e
outono, de acordo com diferentes modelos climáticos.

Por isso, tenho de vos dizer que, ao verbo de Paris,


“adaptar”, neste caso, o da água, é necessário juntar o
verbo “poupar”.

O uso da água tem de ser parcimonioso.


Tem de ser parcimonioso na agricultura, para que esta
continue um caso de sucesso e não ponha em causa outros
usos. A agricultura de precisão, que não é senão a aplicação
do princípio da razão da suficiência ao uso da água (ou seja,
o princípio que estabelece um uso sem desperdício e que
não afete a sua qualidade) tem de avançar, entre nós. A
eficiência dos sistemas de rega tem de melhorar, com a
generalização de contadores nas captações e a reparação
pronta de roturas, além da adoção da rega em horários
apropriados. E, também, a sensibilização do setor
produtivo para a adoção de culturas com menores
necessidades de água, sobretudo nos locais mais críticos.

Tem de ser parcimonioso no uso doméstico, como nos


alerta o Herman José, a cara de uma nova campanha de
sensibilização já em curso, promovida pelo do Grupo Águas
de Portugal. Num duche de 15 minutos, com a torneira
aberta, consumimos cerca de 180 litros, quando as Nações
Unidas consideram que bastam 110 litros diários para
suprir as necessidades básicas de um ser humano. Por isso,
fechem a torneira enquanto se ensaboam ou instalem um
sistema redutor de caudal.

Tem de ser parcimonioso entre as entidades que gerem


sistemas de abastecimento e de saneamento, evitando as
perdas que estimamos atingirem 30% da água distribuída
em Portugal. Por isso, temos em curso investimentos de
cerca de 500 milhões de euros no Ciclo Urbano da Água, o
jargão que usamos para nos referirmos ao processo de
captação, de tratamento, de distribuição e de rejeição da
água para consumo humano. Ao incentivarmos a agregação
dos municípios no “retalho” (ou, como também dizemos,
nos sistemas em “baixa”, que levam a água dos depósitos
às nossas casas e empresas), estamos a incentivar um uso
mais sustentável do recurso, conferindo a dimensão
adequada aos sistemas e a competência necessária para os
gerir. A este respeito, estou satisfeito – ao nosso desafio de
agregação de sistemas em baixa responderam 55
municípios, um investimento de 207 milhões de euros que
requer 157 milhões do Fundo de Coesão, bastante acima
do teto de 100 milhões que estabelecemos.

Senhoras e senhores,

A nossa economia atual assenta no consumo de matérias-


primas facilmente acessíveis e de baixo custo e em
combustíveis fósseis: extraímos, processamos, usamos,
armazenamos e, finalmente, descartamos recursos. Todos
os dias.

Neste contexto, também a água tem sido alvo deste


modelo linear: a sua degradação torna a sua reutilização
futura menos provável. Esta degradação crescente e
cumulativa dos recursos e dos serviços ambientais não é
traduzida no valor que pagamos por eles.

É fácil, por isso, pensarmos na água também sob esta


perspetiva. É um recurso. Está sujeita a uma procura cada
vez maior. Tem acentuados desequilíbrios em termos de
oferta e de disponibilidade. E as alterações climáticas
acrescentam um fator de agravamento ainda maior: menos
recursos disponíveis, preços crescentes e voláteis,
competição e procura imprevisíveis.

De facto, segundo as previsões do Programa das nações


Unidas para o Ambiente, mantendo o business as usual, a
procura de água irá exceder os recursos viáveis em 40%, até
2030.

Ora, a água, no seu estado natural, é circular por natureza


e não linear. Atravessa os nossos ecossistemas, passa por
diferentes estados, mas sempre em ciclos contínuos de
autorregeneração. Toda a água que alguma vez existiu
existe ainda hoje no nosso planeta.

Numa Economia Circular, todos os recursos são mantidos


proactivamente nos sistemas de produção e consumo,
preferencialmente no seu valor mais elevado. E também a
água tem de ser pensada dessa forma – reduzindo o seu
consumo, reutilizando-a, regenerando-a.

Agindo de modo preventivo, sendo mais eficiente e


parcimonioso no seu consumo, recolhendo, recirculando e
utilizando-a em cascata, evitando a sua contaminação e
tratando-a com recurso a sistemas naturais de depuração,
preservando o seu valor e utilidade, sendo devolvida ao
meio natural nas mesmas condições – eis um círculo
virtuoso.

Em suma: não é a água que deve adaptar-se aos nossos


sistemas, mas são os nossos sistemas que têm de mudar,
para garantir a qualidade deste ciclo, garantindo que a água
possa cumprir o seu papel – enquanto produto, enquanto
serviço e enquanto utilidade - uma, e outra e outra vez.

Senhoras e senhores,

É nesta lógica de Economia Circular que devemos encarar a


proposta de reutilização de água proveniente de Estações
de Tratamento de Águas Residuais.

Nas nossas fábricas de água modernas, a eficiência do


tratamento permite a reutilização da água rejeitada. Aliás,
o termo “rejeitada” nem faz sentido, pertence a um léxico
do passado. O que temos, à saída de uma ETAR, é água com
características que permitem a sua reutilização não-
potável. Água “boa” para a rega. Água “boa” para a limpeza

de ruas. Água “boa” para a lavagem de viaturas. Água,


portanto, esse bem escasso de que temos vindo a falar.
Fizémos o que nos compete, nesta área.

Temos um diploma que estabelece o regime de produção e


utilização de água para reutilização.

Temos um Guia de apoio ao exercício da atividade


associada à reutilização.

Estamos a promover Planos de Ação pelas entidades


gestoras das 50 maiores ETAR urbanas com maior potencial
para a reutilização, de modo a que sejam alcançadas as
metas de 10% de taxa de reutilização de águas residuais
tratadas, em 2025, e de 20%, em 2030.

Mais: graças ao Fundo Ambiental, apoiaremos com 200 mil


euros um projeto de “Produção e utilização de água para
reutilização na atividade de regadio na região do Alentejo”,
que será desenvolvido pela AdP, pela EDIA, pelo Centro de
Competências para o Regadio Nacional e pela EFACEC (o
parceiro tecnológico).

Por último, estamos a iniciar uma revisão para criar o


Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de
Abastecimento de Água, de Águas Residuais e Pluviais.
Queremos, neste caso, simplificar e harmonizar conceitos;
queremos integrar, pela primeira vez, o uso eficiente de
água nestes sistemas; queremos definir os requisitos
técnicos para o aproveitamento de águas pluviais e de
reutilização de águas cinzentas em edifícios. Em breve, num
evento em que contamos com o apoio da Ordem dos
Engenheiros, apresentaremos a nossa proposta.

Senhoras e senhores,
Se é essencial e escassa, a água é preciosa. Não admira, por
isso, que haja investidores que digam: “Esqueçam o ouro,
invistam em água”.

Um recurso precioso não é usado como, hoje, usamos a


água. É por termos uma consciência muito aguda do “valor”
da água, que, ainda em 2017, avançámos com apoios aos
municípios atingidos pelos fogos florestais. Porque à
desgraça dos incêndios, não se podia juntar a desgraça da
degradação dos cursos de água.

No total, estamos a falar de 67 municípios percorridos por


três épocas de fogos florestais, em 2017 e em 2018, que
respeitam a 950 quilómetros de linhas de água que foram
beneficiárias de fundos de cerca de 16,5 milhões de euros.
Recentemente, em Penela, visitei um desses projetos. Tive
oportunidade, num dia chuvoso de fevereiro, de plantar
uma árvore junto à ribeira da Azenha.

Nada como descer ali, aos laboratórios naturais, ao terreno,


ao território.

Eu sei, mas é preciso sentir o vento cortante a percorrer


uma galeria ripícola para perceber a sua importância na
sustentação das margens.

Eu sei, mas é preciso sentir o frio à sombra para perceber a


importância das copas das árvores na manutenção da
temperatura da água da ribeira.

Eu sei, mas é preciso ver o volteio dos pássaros para


perceber o que são as árvores para a biodiversidade destes
ecossistemas ribeirinhos.
Eu sei, e sei de forma diferente porque fui ao terreno, a
importância deste trabalho de recuperação e regeneração,
com recurso a técnicas de engenharia natural, para termos
cursos de água saudáveis.

Eu sei, nós sabemos, vós sabeis, senhoras e senhores, a


importância da água. Celebremo-la, hoje. Porque ela é
essencial, é escassa, é preciosa.

Muito obrigado.

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