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MICHEL FOUCAULT A VERDADE E AS FORMAS JURIDICAS 3 edigio MAU mesmo tempo modalidades de execicio de poder e modalda- desde aguisigao e transmissio do saber. O inguetito ¢ precisa- mente uma forma politica, uma forma de gesté, de exercicio ddo poder que, por meio dainstiuigiojudiciea, veioaser uma manera, na cultura ocidental, de autcntificar a verdade, de aadquicr coisas que vi ser consideradas coma verdadeieas ede 2 tansmitt. O inguésito & uma forma de saber-poder. Ea anilise dessas formas que nos deve conduzir 4 anilise mais > cstrita das relagdes entre os conflitos de conhecimento ¢ as determinasies enonémico-politicas. 78 Naconferéncia anterior procurei mostrar quais foram os rmecanismose os efeitos da estatizagio da justiga penal na Idade Média. Gostaria que nos stuissemos, agora, em fins do séeulo XVIII cinicio do século XIX, no momento.em que sconstitui © que tentarei analisar nesta e na préxima conferéncia sob 0 some de “sociedade disciplinar’. A sociedade contemporinea, por razées que explcatei, merece o nome de “sociedade disci- plinar.” Gostaria de mostrar quais sio as formas de préticas penais que caracterizam essa sociedade; quais as relagées de poder subjacences a esss pritcas penais; quas as formas de saber, 0 tpos de conhecimento, 0s tipos de sujeito de conhe- cimento que emergem, que aparecem a partir no espago desta sociedade disciplinar que € a sociedade conterporsinea, ‘Aformagio da sociedade dsciplinar pode ser caracteriza~ dla pelo aparecimento, no final do século XVIII e inicio do século XIX, dedois fats contraditrios, ou melhor, de um fato {que tem dois aspectos, dos lados aparentemente contraditéri- ‘os: 2 reforma, a teorganizagao do sistema judicario e penal nos diferentes pases da Europa e do mundo. Esta tansformacio nfo apresenta as mesmas formas, a mesma amplitude, mesma cronologia nos diferentes paises ” [Na Inglaterra, por exemplo, as formas de justiga perma- neceram relativamente estaves, enquanto que o contetido das leis, conjunco de condutas penalmence repreensiveis se mo- dificou profundamence, No século XVIII havia na Inglaterra 313 ou 315 condutas capazes de levar alguém 3 forca, 20 cadafalso, 315 casos punides com a morte [sso tomava 0 cédigo penal, lei penal, o sistema penal inglés do século XVII uum dos mais selvagense sangrentos que a histria das civiliza- «Ges conheceu. Estasituagao foi profundamente modifcada no comego do séeulo XIX sem que as formas einstiuigées judici- fas inglesas se modificassem profundamente. Na Franga, 20 contriio, ocorreram modifcagBes muito profundas nas insti- tuigées penais sem que o contetido da lei penal se tenha modificado, Em que consistem essas transformagées dos sistemas penais? Por um lado em uma reelaboracio térica da ei penal Ela pode ser encontrada em Beccaria, Bentham, Brissot e em legisladores que sio os autores do 1° e do 2° Cédigo Penal francés da época revolucionatia (O principio fundamental do sistema te6rico da lei penal definido por eses autores é que o crime, no sentido penal do termo, ou, mais tenicamente, a infragio nio deve ter mais nenhuma rlacio com a falta moral ou relgiosa. A falta é uma infragio 3 lei natural, let religiosa, a lei mora. O crime ou a infiagio penal €a rupeura com a lei, lei civil explicitamente cstabelecida no interior de uma sociedade pelo lado legislative do poder politic. Para que haja infacio € preciso haver um poder politico, uma lei e que essa lei tenha sido efetivamente formulada, Antes da lei existr, no pode haver infragio. Segundo esses tebricos, sé podem sofrer penalidade ascondutas cletivamente definidas como repreensiveis pela lei 80 Um segundo principio é que ests leis postiva formula das pelo poder politico no interior de uma sociedade, para Serer boas leis, nd devem retanscreverem termos postivos a lei natural, a lei religiosa ou a lei moral. Uma lei penal deve simplesmente representar o que ¢ itil para a sociedade. A lei define como repreensivel o que é nocivo sociedade, definindo assim negativamente o que é Gt. ‘terceizo principio se deduz naturalmente dos dois primeiros: uma definigo clara simples do crime, Ocxime no € algo aparentado com o pecado e com a falta; €algo que danifica a sociedade; € um dano social, uma perturbacio, um incbmodo para toda a sociedade. Hi, por conseguinte, também, uma nova definigio do criminoso. O criminoso € aquele que danifica, percurba a sociedad. O criminoso ¢ 0 inimigo social. Encontramos isso muito claramente em todos esses te6ricos como também em Rousseau, que afirma que o criminoso é aquele que rompeu o pacto socal. Hi identidade entre o crime ea ruptura do pacto social. © criminoso é um inimigo interno. Esta idéia do criminoso como inimigo interno, como individuo que no interior da sociedade rompeu o pacto que havia teoricamente estabelecido, éumadefinigéo novaecapital nahistriada teoria do crime e da penalidade. Seo crime é um dano socal eo criminoso €o inimigo da sociedade, como a lei penal deve tratar esse criminoso ou deve reagir a esse crime? Se o crime é uma perturbagio para a sociedad; seo crime nfo tem mais nada aver com a falta, com ali natural, divina,rligiosa, etc. & claro que a lei penal nfo pode prescrever uma vinganga, a redencio de um pecado. Alei penal deve apenas permitirareparacio da perturbagio causada Asociedade. A lei penal deve ser feita de tal mancira que o dano at causado pelo individuosociedade sea apagados se isso no for possvel, ¢ preciso que o dano nio possa mais ser recomegado pelo individuo em questio ou por outro. A lei penal deve reparar o mal ou impedir que males semelhantes possam ser

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