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Coluna ANPOF 1soct — HEIDEGGER PROFESSOR DE HANS JONAS: NO DIA 2019 DOS PROFESSORES/AS, UMA LIGAO DE FILOSOFIA JELSON OLIVEIRA Professor do Programa de Pos-Graduacao em Filosofia da PUCPR Entre as paginas das Memérias de Hans Jonas, esto linhas de profundo e emocionado reconhecimento a respeito da importancia de seus mestres na sua formagao intelectual, em especial de Martin Heidegger, Jonas, entéo com 18 anos, tinha decidido estudar filosofia e, para isso, fora atras dos grandes nomes de sua época, entre os quais estava Edmund Husser|, professor em Friburgo. Mas foi af também que ele se encontraria com aquele que marcaria de forma tao fecunda e tao dramatica © seu pensamento: um jovem e ainda desconhecido professor, que logo Ihe cativaria por completo - como a tantos outros jovens que Ihe cercavam: Martin Heidegger, desde entao, era considerado “muito mais dificil que Husserl mas também um brilhante pedadogo’. A partir de um encontro fortuito no primeiro semestre de 1921, Jonas passa a frequentar as aulas do futuro autor de Ser e Tempo, sobre Augostinho e o neoplatonismo, As aulas, nessa época, eram de dois tipos: as chamadas “aulas magistrais" eram aulas expositivas, nas quais o professor falava e os alunos anotavam, quase sem nenhum debate; e os semindrios, nos quais se requeria participacao ativa dos estudantes. Jonas descreve essa experiéncia com palavras emocionadas: “Heidegger, cujas aulas magistrais eu ndo compreendia praticamente nada, era muito claro nos semindrios e conseguia fazer com que os alunos se envolvessem, Fazia com que os estudantes lessem uma frase do texto e entdo perguntava: ‘Como vocé entende isso”, ‘0 que diz aqui Aristételes?,, ‘O que significa esta palavra que utiliza’ Ele era magnifico e inclusive eu o compreendia.” Jonas descreve uma metodologia cativante e complementar, para reconhecer em Heidegger um verdadeiro mestre, um professor entusiasmado e preocupado com os seus estudantes. Ndo se tratava apenas alguém que transmitia informagées, mas que completava a sua tarefa com aulas mais interrogantes e dialogais. Jonas relata a capacidade de encantamento provocada por Heidegger nas chamadas “aulas magistrais": ele lia os textos no original em latim e falava de forma tdo excitante, que seus estudantes sabiam que estavam diante de um acontecimento especial. Jonas confessa: “eu me lembro que nao entendi nada de sua exposicao, mas eu tinha a estimulante sensaco de que ali se falava sobre o Todo e que a questdo era enfrentada de maneira substancial”. E 0 mais firme e emocionante - algo que eu mesmo tive o privilégio de sentir em muitos momentos de minha vida como estudante de filosofia e que desejaria que todo estudante ainda tivesse o prazer de experimentar: “Tudo aquilo superava a minha capacidade de compreenso, mas alguma coisa atravessava a minha alma, isto é o convencimento de que eu estava diante de uma filosofia em devir: meu ouvido era fiador daquelas preocupagées filoséficas, enquanto minha consciéncia testemunhava os resultados daquela filosofia”. Com essas palavras Jonas atesta aquilo que viria a explicar porque Heidegger reuniu mentes tio brithantes ao seu redor: sua filosofia e seu modo de comunicé-la estavam cercadas do mistério préprio das grandes filosofias. Nisso, diz ele, “a profundidade do pensamento de Heidegger era extremamente fecunda, ndo era possivel guardar nenhum sé instante a suspeita de que aquilo era mero teatro”, E 0 aluno acrescenta: “no geral, eu me sentia como diante de um grande mistério, mas com 0 convencimento de que valia a pena converter-se em um iniciado”. Todos os estudantes sentiam-se fascinados por isso porque todos sabiam 0 que estava em jogo e que isso era “algo muito importante”, embora ndo compreendessem bem ainda o que significava, Jonas lembra que, mesmo antes da publicago de Ser e Tempo, Heidegger ja tinha conseguido bastante fama entre os estudantes iniciantes, que saiam de suas aulas comentando: “Aqui se aprende filosofia’. A frase resume a grandiosidade da experiéncia que pode acontecer todos os dias, entre professores e estudantes de filosofia que se deixam atravessar pelo mistério que percorre e a forca que vigora nos textos filoséficos. Mas a constatagdo também celebra a Brandiosidade do ato de ensinar filosofia nesses dois modos: com a retérica que emociona, cativa e arrebata; e com a provocagao e o didlogo que elucida, ensina e envolve. Assim, 0 que Heidegger ensinava nao era apenas uma ideia ou um conceito. A principal ligio de sua filosofia parece ter sido mesmo a Unica que caberia a um filésofo do seu porte: instigar os seus estudantes a tal ponto que eles se voltassem contra ele mesmo. Talvez isso explique porque, entre esses alunos, quase todos quiseram superar o mestre. Estavam todos aprendendo a mesma licdo. Talvez por isso, mais tarde, 0 préprio Jonas criticaré a atitude de bajulagdo adotada por muitos estudantes, que ao invés de discfpulos tornavam-se devotos. Quando a filosofia estd to atacada e desvalorizada e quando muitos de nés detectamos desAnimo e descrenga em relagaio ao futuro por parte de nossos estudantes, que possamos celebrar sempre de novo esse encontro com o fascinio que desperta em nés o ser adormecido, a0 tempo em que nos abre para a experiéncia da docéncia como atividade de provocacao, como chamado e convocaso em relago ao que é 0 mais importante e o mais fundamental de tudo. Heidegger, foi fildsofo em sentido pleno porque foi, sobretudo, um professor completo. O que Jonas testemunha seja luz para nossa atividade docente também hoje, também aqui. [slang aneatan eter by fabs son aban co) Todos os Posts * October 2020 © As institu s importam, também para a filosofia brasileira « instituicoes-importam- tambem-para-a-filosofia-brasileira) 08-10-2020 © PAUTAS IDENTITARIAS, IGNORANCIA BRANCA E O DIABO MORA NOS DETALHES (/portal/index.php/en/comunidade/coluna-anpof/2857-pautas-identitarias-ignorancia- branca-e-o-diabo-mora-nos-detalhes) 06-10-2020

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