Professional Documents
Culture Documents
Técnica de Entrevista E Aconselhamento Psicológico
Técnica de Entrevista E Aconselhamento Psicológico
ENTREVISTA E
ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO
O estabelecimento
do rapport
Anna Rita Maciel Simião
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A psicologia tem como uma das suas possibilidades de trabalho — e talvez a
principal delas — o estabelecimento de relações interpessoais. O profissional
psicólogo, no curso de sua prática cotidiana, estabelece contato com o outro, com
suas demandas, suas questões sensíveis, seja no consultório, nas escolas ou nos
hospitais. Estabelecer uma relação com a pessoa que vai ser atendida — estabelecer
o rapport — é o primeiro passo de um longo caminho que envolve a formação de
um vínculo e, por fim, uma aliança de trabalho, que permite a ação terapêutica.
Entre variáveis que podem ser controladas e outras que escapam das pos-
sibilidades do terapeuta, o vínculo entre paciente e psicólogo continua sendo o
objetivo do atendimento psicológico. É um objetivo que convoca constantemente
o profissional, porque a aliança, assim como o próprio atendimento psicológico,
está em constante movimento.
Neste capítulo, você vai conhecer o rapport e seus elementos, bem como
conceitos freudianos, como o de transferência e a aliança terapêutica. Além disso,
vai ver como a aliança se estabelece e quais são as estratégias para que o vínculo
entre paciente e profissional seja mantido.
2 O estabelecimento do rapport
Morrison (2010) aponta que o rapport também pode ser definido como uma
ferramenta para buscar informações durante as entrevistas clínicas, sobretudo
a primeira entrevista clínica, que, geralmente, consiste no primeiro contato
do paciente com o serviço de saúde. Tavares (2000) afirma que o primeiro
objetivo dessa entrevista é estabelecer rapport suficiente para sustentar a
atividade com o sujeito. Esse objetivo ainda é condição para todos os outros
objetivos que vem a seguir, como o de avaliar as expectativas do sujeito e
como ele poderá ser influenciado pelo significado que atribui à avaliação.
Judith Beck (2013) afirma que, na relação terapêutica, o rapport consiste
em uma combinação de componentes emocionais e intelectuais. Uma vez es-
tabelecido, o paciente percebe o terapeuta como alguém que está sintonizado
com seus sentimentos e atitudes, que é empático e compreensivo, que o acolhe
apesar de todos os “defeitos” e com quem ele pode falar de maneira aberta.
Quando o rapport é ideal, o paciente e o terapeuta sentem-se seguros um com
o outro sem uma postura defensiva, excessivamente cautelosa ou inibida.
O art. 15 da Resolução nº 1/2019 declara que o psicólogo deve usar o
momento do rapport na primeira entrevista para aplicações de testes psico-
lógicos com intuito de verificar as condições físicas e psíquicas do paciente,
como, por exemplo, se tomou medicação que possa interferir no desempenho
na aplicação de testes psicológicos, se o candidato não está passando por
algum problema situacional ou qualquer outro fator existencial que possa
alterar o seu comportamento (BRASIL, 2019).
Morrison (2010) lembra, ainda, que a primeira base do rapport já está
pronta para o trabalho do terapeuta pois, na maioria dos casos, o paciente
chega para uma primeira entrevista esperando por uma ajuda para suas
queixas e contando com o profissional para consegui-la.
Pode-se concluir, portanto, que cabe ao profissional se atentar para os
elementos de rapport e conduzir a entrevista clínica — e posteriormente, a
terapia — embasado em técnicas e na teoria científica de sua linha psicológica
para alcançar um rapport positivo e fornecer ao paciente o tratamento mais
adequado. Em suma, é um verbete da língua francesa, na qual significava,
também, o estabelecimento de relações, que, a partir da psicanálise freudiana,
adentrou as veredas da psicoterapia como o estabelecimento da relação trans-
ferencial entre psicólogo e paciente, ganhando o contorno de uma condição
necessária para o bom andamento das psicoterapias em suas diversas linhas.
Um rapport ideal permite que paciente e terapeuta iniciem um trabalho, por
isso o rapport não só reflete, mas influencia a colaboração terapeuta-paciente.
O estabelecimento do rapport 5
As características do rapport
Uma vez que as palavras rapport e transferência foram definidas, o próximo passo
— e também um passo importante na vida profissional de um psicoterapeuta — é
entender quais são os elementos do rapport e como construir um bom rapport.
Williamson (2013) propõe algumas regras básicas que contribuem para
um bom rapport, como as duas apresentadas a seguir.
Referências
ACKERMAN, S. J.; HILSENROTH, M. J. A review of therapist and techniques positively
impacting the therapeutic alliance. Clinical Psychology Review, v. 23, nº 1, p. 1-33, 2003.
ALLEN, R. (ed.). Oxford english dictionary. Londres: Franklin Watts, 2006.
BECK, J. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2013.
BORDIN, E. S. The generalizability of the psychoanalytic concept of the working
alliance. Psychotherapy: Theory, Research and Practice, v. 16, nº 3, p. 252-260, 1979.
BORGES, M. C. A construção de um psicoterapeuta: formação e habilidades. 2006.
68 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) — Departamento
de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:
http://newpsi.bvs-psi.org.br/tcc/104.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.
BRASIL. Resolução nº 1, de 7 de fevereiro de 2019. Institui normas e procedimentos para
a perícia psicológica no contexto do trânsito e revoga as Resoluções CFP nº 007/2009
e 009/2011. Diário Oficial da União, Brasília, 12 fev. 2019. Disponível em: https://www.
in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/62976927/do1-2019-
-02-12-resolucao-n-1-de-7-de-fevereiro-de-2019-62976886. Acesso em: 13 set. 2021.
FENICHEL, O. Problems of psychoanalytic technique. Nova York: Psychoanalytic Quar-
terly, 1941.
FREUD, S. Zur Dynamik der Übertragung. In: MITSCHERLICH, A.; RICHARDS, A.; STRACHEY,
J. (hg.). Sigmund Freud-studien-ausgabe, ergänzungsband: schriften zur behandlun-
gstechnik. Frankfurt: Fischer, 1912.
FREUD, S. Zur einleitung der behandlung: weitre ratschläge zur technik der psycho-
analyse I. In: MITSCHERLICH, A.; RICHARDS, A.; STRACHEY, J. (hg.). Sigmund Freud-
-studien-ausgabe, ergänzungsband: schriften zur behandlungstechnik. Frankfurt:
Fischer, 1913.
GITELSON, M. The curative factors in psychoanalysis: the first phase of psychoanalysis.
TheInternational Journal of Psycho-analysis, v. 43, p. 194-205, 1962.
GREENSON, R.R. The working alliance and the transference neurosis. The Psychoa-
nalytic Quarterly, v. 34, nº 2, p. 155–179, 1965.
KNELL, S. M. Cognitive-behavioral play therapy. Journal of Clinical Child Psychology,
v. 27, nº 1, p. 28-33, 1998.
LAROUSSE. Dictionnaire du francais. Paris: Larousse Editions, 2003.
MORRISON, J. Entrevista inicial em saúde mental. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
MURAN, J. C. et al. The relationship of the early alliance ruptures and withdrawal
rupture markers and rupture resolution strategies to process and outcome and the
three time-limited psychotherapies for personality disorders. Psychotherapy, v. 46,
nº 2, p. 233-248, 2009.
NEW COMMISSION FOR CHILDREN AND YOUNG PEOPLE. Participation: meeting together
- deciding together. Kids participating in case-planning decisions that affect their
lives. Strawberry Hills: NSW, 2003.
O estabelecimento do rapport 15
Leituras recomendadas
ELLIS, H. Auto-erotism: a psychological study. In: HUGHES, C. H. (ed.). The alienist and
neurologist. Saint Louis: Press of Hughes & Company, 1898. p. 260-299. Disponível em:
https://archive.org/details/alienistneurolog1918unse/page/n5/mode/2up. Acesso
em: 17 set. 2021.
FREUD, S. Zur einleitung der behandlung: weitere ratschläge zur technik der psycho-
analyse I. [20--?]. Disponível em: https://www.projekt-gutenberg.org/freud/kleine1/
Kapitel17.html. Acesso em: 17 set. 2021.
MAESSO, M. C. Estratégia da transferência na psicanálise como contradispositivo.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 36, nº esp., 2020. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/ptp/a/CTbjC7SDMb57HS4zdPfyZFm/?lang=pt. Acesso em: 14 set. 2021.
16 O estabelecimento do rapport