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A QUE SAO FIEIS TRADUTORES E CRITICOS DE TRADUCAO? Paulo Vizioli ¢ Nelson Ascher John Donne! itis beca trad concorda xto de fem torno dessa pergunta que se desenvolve a rellexto que i corpo a este traballio. Através da andlise da polemica xto de partida como un: Jo, recepticulo de significados esta ngdes de seu autor, Obs texto traz consigo i atividade que prop nalmente depositados concepgio de leitura, tem orientado sua teor ferir, de forma “ps veis, de um texto ps quanto mais “protetor™ pu mais préximo do sultado. A essa tradigio opemse, mas correntes do pensamento cont a “arqueologia” de Michel Foucault, a *semioclastia” de Roland Barthes e, sobre- se a coneepeio de trad mento br evolugio no centro da reflexio do homem sobre si do “Ober Wakrheit und Liige im aussermovalischen Sinne’? datado de 1873, e desmasea ‘io sobre a qual se nossa mos de “racio orige lo nervoso, depois se manifesta como: suia teorizagio sees ‘irio em relagio ao sign ida” que o significante & “i cado, com o 1unca “descoberto”, ¢ que mudara 4 medida que ciedades ¢ as convengdes que as regem. nudarem as so- 18 A Que Sto Ficis ..? Assim, de acordo com a perspectiva aberta por Nietsch: homem nio € um descobridor de “verdades” originais ou exter has ao seu descjo, mas um criador de signilicados que se plas. am através das convengdes que nos organizam em comunidades. E © impulso que leva _homem a buscar a “verda- passa de uma dissimulagio de seu desejo de poder, consea} dle seu instinto-de sobrevivencia-e dle sua-inseguranga enquanto al conhece ¢ que precisa dominar habitante de um mundo que © homem inventa *verdades” que tenta impor como tal as ‘melhantes para se proteger de outros homens ¢ de outras “verda- des”, € para sentir que controla um mundo do qual pode apenas saber muito pouco. Em complementaridade ao pensamento “desconstrutor” de Nietasche acerca das possiveis relacdes entre sujeito € objeto, po: a psicanilise dle Freud, cujo conceito de “incons- a do ayesso a propria nogio de sujeito: 0 homem cariésiiing que s¢ definks pelo seu rncfonalismo passa’a detninse pelo desejo que carrega consigo, que molda seu destino «sua so de mundo, ¢ do qual niio pode estar plenamente consciente, Quer consicleremos o dlesejo de poder, ou 0 inconsciente, como propulor da itaio do contetnentos day cence de toden 05 “significados” c “verdades” humanas, estaremos descartando a possibilidade de um relacionamento puramente objetivo, ou pu- ramente subjetivo, entre homens c realidade, entre sujeito © obje- 10, entre leitor texto. Essa link flexion tse congo, como povesiam ax gumentar alguns, a implicagio absurda de que o mundo real nao txiate sem ui sjeto que © perceba, Tr, sin, a implicagio de que 0 sujeito nio poder escapar dos desejos que 0 constituem ¢ as circunstancias — seu tempo, sua ideologia, sua formagio, sua psicologia — que, literalmente, “fazem sua cabeca”, para usar essa feliz.expressio da giria contemporanea. Através da 6tiea apenas esbocada acima, seria ingémuo € sim plista estabelecermos norinas de leitura que comtassem com a possibitidade do resgate total dos significados “originais” de umn texto, ou das intencoes de seu autor. O leitor de tum texto 10 pode proteger os significados originais de unt autor porque, a ti gor, nem o prdprio autor poderia estar plenamente con A Que Séo Fidis...? 1 de todas as intengdes ¢ de todas as variiveis que permitiram a produgio c a divulgagio de seu texto. Da mesma forma, no mo- ‘mento da leitura, o Ieitor nio poder deixar de lado aquilo que o constitui como sujeito © como leitor — suas cireunstincias, seu momento histético, sua visio de mundo, seu préprio inconscien- te, Em outras palavras, o Ieitor somente podera estabelecer uma relagio.com-o.texto-(como-todos-nés, a todo-o- momento-e-em todas as nossas relagdes), que serd sempre mediada por um pro- cesso de interpretacio, um proceso muito mais “criativo” do que “conservador", muito mais “produtor” do que “protetor” Assim, 0 significado nfo se encontra para sempre depositado no texto, A espera de que um leitor adequado decifre de man correla. O significado de um texto somente se delincia, e se cria, a partir de umn ato de interpretagio, sempre proviséria © tempo. com base na ideologia, nos padrécs estéticos, éticos € morais, nas circunstincias historicas ¢ na psicologia que consti twem a comunidade sociocultural — a “comunidade interpretatt ya", no sentido de Stanley Fish — em que é lido. © que vemos hum texto € exatamente 0 que nossa “comunidade interpretati) lo que lemos, mesmo que tenhamos como tinico objetivo o resgate dos seus significados supostamen- te “originais", mesmo que tenhamos como tinico objetivo nao nos misturarmos ao que lemos. Do mesmo modo que nio pode: mos deixar de lado 0 que somos ¢ 0 que pensamos quando nos relacionams com 9 mundo real, também a¥io podemos ler um texto sem que projetemos nessa leitura as circunstincias ¢ os pa: drdes que nos constituem enquanto leitores ¢ membros de uma determinada comunidade. Aplicadas & tradugio, essas conclisées necessariamente re- formukam os conccitos tradicionais de texto “original” ¢ de fideli- dade. Assim, nenluma tradugio pode ser exatamente ficl ao] “original” porque o “original” nao existe como um objeto estivel, | guardiao implacivel das intengdes originais de seu autor. Se ape- nas podemos contar com interpretagdes de um determinado tex. to, leituras produzidas pela ideologia, peta localizagio temporal, gcognifica © politica de um leitor, por sua psicologia, por suas circunstincias, toda traducio somente poder ser fiel a essa pro- dugio. De mancira semethante, a0 avaliarmos uma tradugio, a0 compararmos 0 texto traduzido ao “original”, estaremos apenas de John Don uadugoes d Prossegui er observa ‘adugao que nhada de w nagistral de va", somente inguagem pi que a de Vizioli passada”, Apropriadamente, Paulo em portugues”. F segundo Ascher, Augusto lindo ot poet por sua a de Augusto de Campos Ascher num a tendo desenvol sugere Vizioli, 0 que, na verdade, parece ‘gmento dest A Que Sio Fitis..? lente, 0 seg. poeta amador”, ntOF € inventor 10 de Vizioli & te taba \comodar a0 eritico € A Que Sao Fitis...? 20 jer a consider: Campos a nente um verso de L3 responde que sw apassada” ja que se trata em seu comen- “io estabeleci ) © a de Augusto de Campos (“A cober nte?") do verso final da elegia *Going to Bk (What nerd’st thou have move covering than a man?™): - La, © poeta cobeitor. E covering & cobe: uplo sentido de “col IV. A CRITICA DA CRETICA Como ja foi sugerido, a q zioli e Ase lor dos o1 jesto central em torno da qual Dasicamente o significado e 0 va- 2 A Que Séo Fiis..? ‘eulo XVIL. A propria designacio de “metafisico", com que até hoje se rotula esse poeta inglés, ja foi, como len “desde um insulto-au ndicador de gosto singular vel” (p. 2560, minha Buns signifiendos possives ¢ ampos, p. 124). Go logia resenh ‘a do qu 131, ano dam iam Ben J mencionar os 1 pudesse ser eter estar ao aleance d tia Augusto de Campos o p nificado to recéndito do bases pode Ascher se fi (ou a “esséncia” de sua poesia), d exemplo, que se incorpore ao pocma “A 4 Lupicinio Rodrigues? ores mais categorizado ‘gio de possuir 0 acesso a esse si n disso, tedricas desenvolvidas por Augusto de Campos. O “Jo que Ascher admira é 0 “John Donne” proc as sua prop gusto de Campos sobre o mesmo poeta. De forma semelhante, 0 Auigitsto de Campos v@ ¢ ‘em Donne é 0 qu 1 outros poctas do passado e do presente, aos 8 1s ape por Vizioli ¢ Augusto de ‘0 poeta do. pelo jogo de palaw 10 chama de “o ter 24 A Que Sao Fitis..2 A Que Si Fidis...? invés de consti caracteristicas pi tético. Aoa ci ra verdade, Uclas cm geral atribuidas a esse movi um poeta do século do século XX como ui pocta-do século XVI, sua-tradugio deve trazer ", deve “soar” 5 fato” as duas tadugdes é , Ascher parece estar se tradugio }0 de um poeta do passa 1 ser abso: ido somente ters valor se da pelos poetas do presente. No pr 730, Augusto escreve: ", “Valioso subs{dio para o esti esc do © aapreciagio do ida a Augusto de verso de Lupicitiio Rodi século XVI, que Asc! tivo’ ne, seus esforcos quanto Augusto de Campos as cas acerca dle tradugio e acerca da poesia de Donne , nesse sentido, tanto as tradugdes de um, come de sgtimas ¢ competentes. Inevitavelmente, as traducdes de cada um deles agrad ‘ores quie, conscicnte ou S$ concepgdes te } ia perspect [pretagao”.* Portanto, a Outro texto, inevita sem a mediagao de uma igio de um po iel A de seus pressupostos, ¢ desa- / desse poema ¢ les que, como Ascher, jd foram sedi | | questio Press serva em sua réplica ao assadas por se tra lico Ascher, “propositadamente ultra. autor que nasceu no século XVI", foi publicada capo ~ Revista Brasileira de Tradulores, n° 9, SS0 Paul de 1986, 26 A Que Sao Ficis..? uth and Faksty in moral Sense". Todas as tradlugdes 4. A propési Iticas de Trad ARROJO, Ros lo: Atica, 1986. ARROJO, Ros de more: The J DERRIDA, Jacq) Difference in Ts dye: Harvarel th. “On Truth and Falsity in Greek Phitosophy & Other Essays (u VIZIOLI, Paulo. O Poeta ro Amor e da Morte, Si0 1985, & AS. RELAGOES PERIGOSAS ENTRE TEORIAS E POLITICAS DE TRADUGAO' Practice, every: Us, inescapably present, but rarely acknowt ions of the trans- ead. This eclipse of the transla Lawrence Venuti “Introducti io sobre “A Tarela do Trad xio de Walter Benjamin acerca das apor complexo, Paul de Man sintetiza a concepgio de tradugio en. a ocidental descle, pelo menos, Cicero e Ho- © tadutor nunca pode fazer 0 que 0 texto 0 Qualquer tradugio € sempre infer 0 a0 origina vadutor esti, como tal, perdido logo partida: Eps io mal pago, 6 por definiio sobrecartegado cork tabs, a0 descaso perpetuada pelo itrada na valorizagao do logos € xna busca impossivel do significado exterior ao sujeito,

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