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Silva2001, P 23-41
Silva2001, P 23-41
Fonética e fonologia
do português
ROTEIRO DE ESTUDOS E GUIA DE EXERCÍCIOS
Nota: Os trechos do livro que possuem informações complementares no CD estão indicados por um
ícone ((!\ ), acompanhado do número da faixa respectiva.
24 Fonética - O aparelho fonador Fonética - O aparelho fonador 25
2. O aparelho fonador a entrada de comida nos pulmões por meio do abaixamento da epiglote. A epiglote é a
parte com mobilidade que se localiza entre a parte final da língua (ao fundo da gargan-
Os órgãos que utilizamos na produção da fala não têm como função primária a ta) e acima da laringe (cf. figura 1). O ato de engasgar envolve o fato de que a epliglote
articulação de sons. Na verdade, não existe nenhuma parte do corpo humano cuja única não obstruiu a entrada de alimento no sistema respiratório. O ar dos pulmões sai então
função esteja apenas relacionada com a fala. As partes do corpo humano que utilizamos visando a impedir a entrada do corpo estranho (o alimento) no sistema respiratório.
na produção da fala têm como função primária outras atividades diferentes como, por O sistema articulatório consiste da faringe, da língua, do nariz, dos dentes e dos
exemplo, mastigar, engolir, respirar ou cheirar. Entretanto, para produzirmos qualquer lábios. Ou seja, das estruturas que se encontram na parte superior à glote (cf. figura 1).
som de qualquer língua fazemos uso de uma parte específica do corpo humano que São várias as funções primárias desempenhadas pelos órgãos do sistema articulatório.
denominaremos de aparelho fonador. Estas funções relacionam-se principalmente com o ato de comer e podemos salientar:
Com o objetivo de compreend~rmos o mecanismo de produção da fala e da arti- morder, mastigar, sentir o paladar, cheirar, sugar, engolir.
culação dos sons é que passamos, então, à descrição do aparelho fonador. Podemos Os três sistemas descritos acima caracterizam o aparélho fonador e são fisiolo-
dividir em três grupos os órgãos do corpo humano que desempenham um papel na gicamente responsáveis pela produção dos sons da fala. Levando-se em consideração
produção da fala: o sistema respiratório, o sistema fonatório e o sistema articulatório. as características fisiológicas do aparelho fonador, podemos afirmar que há um número
limitado de sons possíveis de ocorrer nas línguas naturais. Isto deve-se ao fato de ser
fisiologicamente impossível articular um som em que a língua toca a ponta do nariz.
Por outro lado, sons cuja articulação envolve a língua tocar os dentes incisivos supe-
Sistema articulatório riores são atestados em inúmeras línguas. Em outras palavras, enquanto certas articula-
(faringe língua, nariz, palato, ções são fisiologicamente impossíveis, outras são recorrentes.
dentes, lábios)
Considerando-se, portanto, as limitações fisiológicas impostas ao aparelho fonador,
podemos dizer que o conjunto de sons possíveis de ocorrer nas línguas naturais é limi-
tado. Na verdade, um conjunto de aproximadamente 120 símbolos é suficiente para
Sistema fonatório categorizar as consoantes e vogais que ocorrem nas línguas naturais.
(laringe onde está a glote) Considerando que seres humanos sem patologia apresentam um aparelho fonador
semelhante (variando quanto às dimensões dos órgãos), podemos deduzir que toda e
qualquer pessoa sem deficiências fisiológicas seja capaz de pronunciar todo e qual-
quer som em qualquer língua. Tal afirmação é verdadeira. Porém, parece que na ado-
Sistema respiratório lescência a capacidade das pessoas de articularem sons novos (de línguas estrangei-
(pulmões, músculos pulmonares, ras) passa a ser reduzida. Precisar exatamente esta idade e as razões que levam a essa
brônquios, traquéia)
perda da capacidade de produção de sons novos, certamente nos levaria muito além
do objetivo deste livro. O que podemos explicar aqui é o fato de que a maioria das
Figura 1: Os sistemas respiratório, fonatório e artículatórío crianças que venham a estar expostas a uma segunda língua falarão esta língua sem
qualquer sotaque. Adultos que sejam expostos a uma segunda língua, quase que em
sua totalidade apresentam sotaque com características de sua língua materna.
Consideremos cada um dos sistemas ilustrados acima. O sistema respiratório Descrevemos acima o aparelho fonador. Nas próximas páginas discutimos a pro-
consiste dos pulmões, dos músculos pulmonares, dos tubos brônquios e da traquéia. O dução de segmentos consonantais e vocálicos que são possíveis de ser articulados pelo
sistema respiratório encontra-se na parte inferior à glote, que é denominada cavidade aparelho fonador. Nosso objetivo_é fornecer um instrumental que permita a descrição e
infraglotal (cf. figura 1). A função primária do sistema respiratório é obviamente a classificação dos sons do português brasileiro. Portanto, damos ênfase à caracterização
produção da respiração. dos segmentos consonantais e vocálicos que ocorrem nesta língua. Outras línguas po-
O sistema fonatório é constituído pela laringe. Na laringe localizam-se múscu- dem ser utilizadas para ilustrar aspectos que não ocorrem no português. Descrevemos
los estriados que podem obstruir a passagem da corrente de ar e são denominados inicialmente os segmentos consonantais e, posteriormente, consideramos a descrição
cordas vocais. O espaço decorrente da não obstrução destes músculos laríngeos é dos segmentos vocálicos.
chamado de glote. A função primária da laringe é atuar como uma válvula que obstrui
26 Fonética - A descrição dos segmentos consonantais Fonética - A descrição dos segmentos consonantais 27
possível (somente as vogais devem ser pronunciadas!). O que você deverá observar é
Tarefa que durante a produção da vogal a a úvula deverá estar levantada portanto o ar não terá
Coloque a sua mão espalmada contra a parte central anterior do pescoço (onde nos acesso à cavidade nasal e não haverá ressonância nesta cavidade. Temos então um som
homens temos o "Pomo de Adão"). Pronuncie então o som inicial da palavra "vá" de oral. Na produção da vogal ã a úvula deverá estar abaixada e o ar deve então penetrar na
maneira contínua (verifique que apenas a consoante esteja sendo pronunciada). cavidade nasal havendo ali ressonância. Temos então um som nasal. Concentre-se agora
Agora pronuncie da mesma maneira continuada o som inicial da palavra "fé". Faça a
na posição assumida por sua própria úvula na produção de um segmento oral e nasal.
alternância entre v e f algumas vezes (Pronuncie apenas a consoante!). Você deve
observar que durante a produção de v haverá vibração transferida para a sua mão
3
A e que durante a produção de f a vibração não ocorre. O som v é vozeado e o som f
~ é desvozeado.
Tarefo
Alterne a pronúncia de a e ã sentindo a mudança de posição da úvula.
são: o lábio inferior (que modifica a cavidade oral), a língua (que modifica a cavidade
oral), o véu palatino (que modifica a cavidade nasal) e as cordas vocais (que modifi-
cam a cavidade faringa!). Eles são denominados articuladores ativos devido ao seu
papel ativo (no sentido de movimento) na articulação consonantal (em oposição aos alvéolos
articuladores passivos que são discutidos abaixo). Identifique cada um dos articuladores
na figura abaixo.
úvula
lâmina
Note que tanto o ápice quanto a lâmina da língua localizam-se na parte mais
frontal da língua. Enquanto o ápice localiza-se na borda lateral frontal da língua, a
lâmina localiza-se na borda superior frontal da língua. Nos segmentos consonantais do
português não é relevante se o articulador ativo é o ápice ou a lâmina da língua. Contu-
do, tal parâmetro articulatório é relevante em outras línguas.
Figura 4: O aparelho fonador e os articuladores passivos e ativos, as cavidades oral, nasal, Vejamos a relação entre articuladores ativos e passivos. A partir da posição do
faringa/ e a glote (cordas vocais) articulador ativo em relação ao articulador passivo (podendo ou não haver o contato
entre eles) podemos definir o lugar de articulação dos segmentos consonantais de
A língua é dividida em ápice, lâmina, parte anterior, parte medial e parte poste- acordo com as categorias listadas abaixo. Os números que se encontram entre parênte-
rior. O céu da boca é dividido em alvéolos, palato duro, véu palatino (ou palato mole) e ses indicam o número correspondente ao articulador - ativo ou passivo na figura 4.
úvula. Observe que o véu palatino pode também ser denominado palato mole. Identifi- Observe que as letras em negrito referem-se a pronúncia associada a tal letra. A relação
que o ápice e a lâmina da língua, a úvula e os álveolos na figura 5 apresentada a seguir. letra/som não é uma relação direta um-a-um. Temos casos em que uma letra corresponde
32 Fonética - A descrição dos segmentos consonantais Fonética - A descrição dos segmentos consonantais 33
a dois sons diferentes - como por exemplo c em "cá" e em "cela". Temos também ção da c01Tente de ar causada pelos articuladores durante a produção de um segmento.
casos em que o mesmo som é representado por duas letras diferentes - como por exem- Identificando o "grau e natureza da estritura" (ou seja, a maneira como se dá a obstru-
plo cem "cela" e sem "sela". O leitor deve estar atento para o fato de que nos exem- ção da corrente de ar) estamos caracterizando a sua maneira ou modo de articulação.
plos apresentados aqui estamos interessados nos sons produzidos e não nas letras cor- As categorias referentes ao grau e a natureza da estritura são listadas abaixo responden-
respondentes a estes sons. Para uma discussão detalhada da relação letra/som veja Lemle do a sétima e última pergunta proposta por Abercrombie (1967).
(1987), Cagliari (1989) e Faraco (1994). Listamos a seguir as categorias de lugar de
articulação que são relevantes para a descrição do português. Q7. Qual o grau e natureza da estritura?
Estritura é o termo técnico para a posição assumida pelo articulador ativo em
Lugar de articulação relação ao articulador passivo, indicando como e em qual grau a passagem da corrente
de ar através do aparelho fonador (ou trato vocal) é limitada neste ponto [Abercrombie
Bilabial: O articulador ativo é o lábio inferior (11) e como articulador passivo temos o (1967:44)]. A partir da natureza da estritura classificamos os segmentos consonantais
lábio superior (5). Exemplos: pá, boa, má. quanto à maneira ou modo de articulação. Definimos abaixo as categorias de estritura
relevantes para a descrição do português.
Labiodental: O articulador ativo é o lábio inferior (11) e como articulador passivo te-
mos os dentes incisi~os superiores (6). Exemplos: faca, vá.
Dental: O articulador ativo é ou o ápice ou a lâmina da língua (13 ou 14) e como Modo ou maneira de articulação
articulador passivo temos os dentes incisivos superiores (6). Exemplos: data, sapa, Zapata,
nada, lata. Oclusiva: Os articuladores produzem uma obstrução completa da passagem da corrente
de ar através da boca. O véu palatino está levantado e o ar que vem dos pulmões encami-
Alveolar: O articulador ativo é o ápice ou a lâmina da língua ( 13 ou 14) e como articulador nha-se para a cavidade oral. Oclusivas são portanto consoantes orais. As consoantes
passivo temos os alvéolos (7). Consoantes alveolares diferem de consoantes dentais oclusivas que ocorrem em português são (brevemente identificaremos os símbolos fonéti-
apenas quanto ao articulador passivo. Em consoantes dentais temos como articulador cos que serão utilizados em transcrições): pá, tá, cá, bar, dá, gol.
passivo os dentes superiores. Já nas consoantes alveolares temos os alvéolos como
articulador passivo. Exemplos: data, sapa, Zapata, nada, lata. Nasal: Os articuladores produzem uma obstrução completa da passagem da corrente de
ar através da boca. O véu palatino encontra-se abaixado e o ar que vem dos pulmões
Alveopalatal (ou pós-alveolares): O articulador ativo é a parte anterior da língua ( 15) e
dirige-se às cavidades nasal e oral. Nasais são consoantes idênticas às oclusivas diferen-
o articulador passivo é a parte medial do palato duro (8). Exemplos: tia, dia (no dialeto
ciando-se apenas quanto ao abaixamento do véu palatino para as nasais. As consoantes
carioca), chá, já.
nasais que ocorrem em português são: má, nua, banho.
Palatal: O articulador ativo é a parte média da língua (16) e o articulador passivo é a
parte final do palato duro (8). Exemplos: banha, palha. Fricativa: Os articuladores se aproximam produzindo fricção quando ocorre a passa-
gem central da corrente de ar. A aproximação dos articuladores entretanto não chega a
Velar: O articulador ativo é a parte posterior da língua ( 17) e o articulador passivo é o causar obstrução completa e sim parcial que causa a fricção. As consoantes fricativas
véu palatino ou palato mole (9). Exemplos: casa, gata, rata (o som r de "rata" varia que ocorrem em português são: fé, vá, sapa, Zapata, chá, já, rata (em alguns dialetos o
consideravelmente dependendo do dialeto em questão. Indicamos aqui a pronúncia ve- som r de "rata" pode ocorrer como uma consoante vibrante, descrita a seguir, e não
lar que ocorre tipicamente no dialeto carioca. Uma discussão detalhada dos sons der em como uma consoante fricativa indicada aqui. O r fricativo ocorre tipicamente no portu-
português será apresentada posteriormente). guês do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo).
Glotal: Os músculos ligamentais da glote (21) comportam-se como articuladores. Exem-
Africada: Na fase inicial da produção de uma africada os articuladores produzem uma
plo: rata (na pronúncia típica do dialeto de Belo Horizonte).
obstrução completa na passagem da corrente de ar através da boca e o véu palatino
encontra-se levantado (como nas oclusivas). Na fase final dessa obstrução (quando se
As categorias listadas acima caracterizam os lugares de articulação dos segmen- dá a soltura da oclusão) ocorre então uma fricção decorrente da passagem central da
tos consonantais relevantes para a descrição do português. Uma vez definido o lugar corrente de ar (como nas fricativas). A oclusiva e a fricativa que formam a consoante
de articulação de um segmento sabemos qual é o articulador passivo e qual é o africada devem ter o mesmo lugar de articulação, ou seja, são homorgânicas. O véu
articulador ativo envolvido na articulação. Além de identificarmos o lugar de articula- palatino continua levantado durante a produção de uma africada. Africadas são portanto
ção de um segmento, devemos caracterizar a sua maneira ou modo de articulação. consoantes orais. As consoantes africadas que ocorrem em algumas variedades do portu- .
A maneira ou modo de articulação de um segmento está relacionada ao tipo de obstru- guês brasileiro são tia, dia. Imagine as pronúncias "tchia" e "djia" para estes exemplos.
34 Fonética - Articulações secundárias Fonética - Articulações secundárias 35
Para alguns falantes de Cuiabá, consoantes africadas ocorrem em palavras como "chá" dizemos que a labialização é uma propriedade articulatória secundária da consoante em
e "já" (que são pronunciadas como "tchá" e "djá" respectivamente). Na maioria dos questão. Propriedades articulatórias secundárias geralmente ocorrem de acordo com o
dialetos do português brasileiro temos uma consoante fricativa nas palavras "chá" e "já". contexto ou ambiente, ou seja, a partir de efeitos de segmentos adjacentes. Para marcar-
Tepe (ou vibrante simples): O articulador ativo toca rapidamente o articulador passivo mos uma propriedade articulatória secundária utilizamos um diacrítico ou símbolo adi-
ocorrendo uma rápida obstrução da passagem da corrente de ar através da boca. O tepe cional junto à consoante em questão. A propriedade adicional de labialização descrita
oc01Te em português nos seguintes exemplos: cara, brava. acima é condicionada ao fato de uma consoante ser seguida de uma vogal produzida
Vibrante (múltipla): O articulador ativo toca algumas vezes o articulador passivo cau- com arredondamento dos lábios. Abaixo listamos as articulações secundárias dos seg-
sando vibração. Em alguns dialetos do português ocorre esta variante em expressões mentos consonantais relevantes para o português.
como "orra meu!" ou em palavras como "marra". Certas variantes do estado de São Labialização: Consiste no arredondameto dos lábios durante a produção de um seg-
Paulo e do português europeu apresentam uma consoante vibrante nestes exemplos. mento consonantal. A consoante que apresenta a propriedade secundária de labialização
-
Retroflexa: O palato duro é o articulador passivo e a ponta da língua é o articulador é seguida de uma vogal que é produzida com o arredondamento dos lábios. A labialização
ativo. A produção de uma retroflexa geralmente se dá com o levantamento e encurvamento geralmente ocorre quando a consoante é seguida de vogais arredondadas (orais ou na-
da ponta da língua em direção do palato duro. Ocorrem no dialeto "caipira" e no sotaque sais) como em "tutú, só, bolo, rum, som". Utilizamos o símbolo w colocado acima à
de norte-americanos falando português como nas palavras: mar, carta. direita do segmento para marcar a labialização: pw, bw, tw, dw, kw, gw, fw, v'V, sw, zw, Jw, 3 w,
X'V, h\"', m'V, nw, lw, rw·, fw; Jw.
Laterais: O articulador ativo toca o articulador passivo e a corrente de ar é obstruída na
linha central do trato vocal. O ar será então expelido por ambos os lados desta obstrução Palatalização: Consiste no levantamento ela língua em direção a parte posterior cio pa-
tendo portanto saída lateral. Laterais oc01Tem em português nos seguintes exemplos: lá, lato duro, ou seja, a língua direciona-se para uma posição anterior (mais para a frente da
palha, sal (da maneira que "sal" é pronunciada no sul do Brasil ou em Portugal). cavidade bucal) cio que normalmente ocorre quando se articula um determinado seg-
mento consonantal. A consoante que apresenta a propriedade secundária de palatalização
apresenta um efeito auditivo de seqüência ele consoante seguida da vogal i. A palatalização
Classificamos os segmentos consonantais quanto ao mecanismo da corrente de ar
geralmente ocorre quando uma consoante é seguida de vogais anteriores i, e, é (orais ou
(egressiva); ao vozeamento ou desvozeamento; a oralidade/nasalidade; ao lugar e modo
nasais). Ocorre mais freqüentemente com consoantes seguidas ela vogali como em "aliado,
de articulação. A notação dos segmentos consonantais segue a seguinte ordem: kilo, guia". Pode ocorrer também em consoantes seguidas da vogal e como em "letra,
leva, tento". Utilizamos o símbolo j colocado acima à direita cio segmento para marcar
a palatalização: ki, gi, ti, di, li.
Notação dos segmentos consonantais
Velarização: Consiste no levantamento ela parte posterior ela língua em direção ao véu
(Modo de articulação + Lugar de articulação + Grau de Vozeamento) palatino concomitantemente com a articulação de um determinado segmento consonantal.
Exemplos: A consoante lateral l apresenta a propriedade articulatória secundária de velarização em
[p] Oclusiva bilabial clesvozeacla certos dialetos do sul cio Brasil e do português europeu. O contexto em que a velarização
[b] Oclusiva bilabial vozeacla ocorre é quando a lateral encontra-se em final de sílaba: sal, salta. Utilizamos o símbolo
[t] para transcrever a lateral velarizacla que acabamos de descrever.
A seguir tratamos de aspectos de articulações secundárias que podem ser produzi- Dentalização: Algumas consoantes em português podem ser articuladas como dentais
dos concomitantemente com uma determinada articulação consonantal. ou alveolares. Por exemplo a pronúncia ele t em "tapa" pode se dar com a ponta ela
língua tocando os cientes (sendo portanto uma consoante dental) ou pode se dar com a
ponta ela língua tocando os alvéolos (sendo portanto uma consoante alveolar). Consoantes
dentais têm como articulador passivo os cientes incisivos superiores e consoantes alveo-
4. Articulacões secundárias lares tem como articulador passivo os alvéolos. Pode-se articular um segmento dental ou
,
alveolar com o ápice ou com-a lâmina da língua como articulador ativo. Note que o fato
ela consoante ser dental ou alveolar expressa uma variação lingüística dialetal (ou de
Segmentos consonantais podem ser produzidos com uma propriedade ar-
idioleto) e não uma variação que seja condicionada pelo contexto (como é o caso ele
ticulatória secundária em relação às propriedades articulatórias fundamentais deste articulações secundárias apresentadas acima). Geralmente as consoantes listadas abaixo
segmento. Por exemplo, quando pronunciamos uma seqüência como su certamente apresentam a propriedade de clentalização no dialeto paulista enquanto no dialeto mi-
arredondamos os lábios durante a articulação da consoantes. Uma vez que a articula- neiro ocorre uma articulação alveolar para as mesmas consoantes. Marcamos a clentalização .
ção de segmentos consonantais nonnalmente não envolve o arredondamento dos lábios com o símbolo [ _ ] colocado abaixo da consoante em questão: !, q, ~, z,, !}, (, !.
36 Fonética - Tabela fonética consonantal Fonética - Tabela fonética consonantal 37
Você deve avaliar o comportamento de sua fala em relação as articulações secun- Dental
Articulação
dárias discutidas acima. Ao fazer o registro fonético de palavras do português omitiremos Bilabial Labiodental ou Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Maneira Lugar
Alveolar
as propriedades articulatórias secundárias (exceto a velarização da lateral [±]).Nossa
escolha pauta-se em dois tipos básicos de transcrições que podem ser assumidas. Podemos Oclusiva desv p t k
voz b d g
ter uma transcrição fonética ampla ou uma transcrição fonética restrita [(cf.
Ladefoged ( 1982)]. Ao transcrevermos foneticamente uma palavra como "quilo" pode- Africada desv tj
voz d3
mos por exemplo registráela como [ikiilwu] ou como ['kilu]. A transcrição [ikiilwu]
explicita todos os detalhes observados articulatoriamente. Este tipo de transcrição é Fricativa desv f s s X h
voz V z 3 y fi
denominado transcrição fonética restrita. Note que na transcrição [ 1kiilwu]
explicitamos a palatalização de [k] seguido de [i] e também a labialização de [l] segui- Nasal VOZ m n J1 y
do de [u]. Tanto a palatalização quanto a labialização são previsíveis pela oc01rência Tepe voz f
do segmento seguinte: consoantes tendem a ser palatalizadas quando seguidas de [i] e Vibrante voz f
consoantes tendem a ser labializadas quando seguidas de [u].
Retroflexa voz J
Consideremos agora uma transcrição como [1kilu]. Este tipo de transcrição explicita
apenas as propriedades segmentais e omite os aspectos condicionados por contexto ou Lateral VOZ 1 t ÁV
características específicas da língua ou dialeto. Queremos dizer com isto que a Tabela: Símbolos fonéticos consonantais relevantes para transcrição do português
palatalização e labialização não foram registradas em [1kilu] (pois tanto a palatalização
quanto a labialização são previsíveis pela vogal seguinte). No registro do [l] pode-se O quadro abaixo lista exemplos de palavras que ilustram cada um dos segmentos
interpretá-lo como um segmento alveolar ou dental sem haver a necessidade de utili- da tabela fonética apresentada acima. No exemplo ortográfico a letra (ou letras) em
zar-se o símbolo [ l ]. Isto porque a generalização quanto aos segmentos serem negrito corresponde(m) ao segmento consonantal cujo símbolo fonético é apresentado
dentalizados deve ser expressa para a língua como um todo. No caso da língua fazer na primeira coluna. A segunda coluna lista a nomenclatura do segmento consonantal. A
distinção entre segmentos alveolares e dentais faz-se então relevante acrescentar o forma ortográfica do exemplo é apresentada na terceira coluna e a representação foné-
diacrítico [ " J à transcrição fonética. Denomina-se transcrição fonética ampla aque- tica correspondente é fornecida na quarta coluna. Finalmente, a última coluna apresen-
la transcrição que expljcita apenas os aspectos que não sejam condicionados por con- ta observações quanto a região dialetal predominante de ocorrência do segmento em
questão. Note que as transcrições fonéticas encontram-se entre colchetes. Adotamos o
texto ou características específicas da língua ou dialeto: como [1kilu] (em oposição a
símbolo [a] para as vogais transcritas abaixo (exceto para [i] em "tia, dia"). O símbolo
[ikiilwu] que é uma transcrição fonética restrita).
(1] precede a sílaba acentuada.
Neste trabalho adotamos a transcrição fonética ampla. Ao registrar os segmentos
consonantais omitimos o registro das propriedades articulatórias secundárias previstas por Símbolo
Classificação do Exemplo Transcrição
Observação*
5
segmento consonantal ortográfico fonética
contexto da vogal seguinte (palatalização, labialização) ou a dentalização (que pode ser
interpretada como uma característica dialetal). Marcamos, contudo, a velarização da late- p Oclusiva bilabial pata [lpata] Uniforme em todos os dialetos do português
ral [t] cujo contexto de ocorrência depende da estrutura silábica: posição final de sílaba. desvozeada brasileiro.
aiticulação a partir da natureza da estritura conforme definido ante1iormente. Quando k Oclusiva velar capa [lkapa] Uniforme em todos os dialetos do português
relevante, foi indicado o estado da glote separando, portanto, segmentos vozeados e desvozeada brasileiro.
desvozeados. Na parte superior indicamos o lugar de articulação definido conforme a g Oclusiva velar gata [lgata] Uniforme em todos os dialetos do português
vozeada brasileiro.
relação entre o articulador ativo e o articulador passivo.
38 Fonética - Tabela fonética consonantal Fonética - Tabela fonética consonantal 39
6 Símbolo
Classificação do Exemplo Transcrição
Observação Símbolo
Classificação do Exemplo Transcrição
Observação
7
segmento consonantal ortográfico fonética segmento consonantal ortográfico fonética
tJ IAfricada alveopalatal 1 tia [ 1tJia] Pronúncia típica do Sudeste brasileiro. Corres- h Fricativa glotal sílaba quando segui elo por consoante clesvozeacla:
desvozeada ponde ao primeiro som da palavra "tcheco-eslo- desvozeada "carta" e em final de sílaba que coincide com
váquia" em todos os dialetos. Ocorre também final ele palavra: "mar".
em outras regiões menos delimitadas (como
N01te e Nordeste). fi Fricativa glotal carga [1ka.figa] Pronúncia típica cio dialeto ele Belo Horizon-
vozeada ty ..f\!.ão ocorre fricção audível no trato vocal.
d3 Africada alveopalatal dia [ 1d3ia] Pronúncia típica do Sudeste brasileiro. Ocorre Ocorre cm final ele sílaba seguida ele consoan-
vozeada também em outras regiões menos delimitadas te vozeada.
(como N01te e Nordeste).
m Nasal bilabial mala [lmala] Unifonne em todos os dialetos do português
f Fricativa labiodental faca [ 1faka] Unifmme em todos os dialetos do português vozeada brasileiro.
desvozeada - brasileiro.
n Nasal alveolar nada [1nada] Uniforme em todos os dialetos cio português
V Fricati va labiodental vaca [ 1vaka] Unifonne em todos os dialetos do português vozeada brasileiro, podendo ocorrer com articulação
vozeada brasileiro. alveolar ou dental.
s Fricativa alveolar
desvozeada
- sala
caça
[ 1sala]
[ 1kasa]
Uniforme em início de sílaba em todos os dia-
letos do pottuguês brasileiro podendo ocorrer
J1
Oj.1
Nasal palatal
vozeada
banha [ibãJ1a] A consoante nasal palatal [J1] oCOJTe na fala de
poucos falantes do português brasileiro. Ge-
paz [ 1pas] com articulação alveolar ou dental. Marca ou ralmente um gli_9e palatal nasalizado que é
y
variação dialetal em final ele sílaba: paz; vasta. transcrito como [y] ocoITe no lugar ela conso-
[ibãya]
ante nasal palatal para a maioria dos falantes
z Fricativa alveolar Zapata [za 1pata] Uniforme em início de sílaba em todos os dia-
do português brasileiro. Esta variação será dis-
vozeada casa [lkaza] letos cio po1tuguês brasileiro poclenclo ocorrer
cuticla em breve.
paz [1paz] com articulação alveolar ou dental. Marca
variação dialetal em final ele sílaba: rasga. f Tepe alveolar cara [lkara] Uniforme em posição intervocálica e seguindo
Fricativa alveopalatal chá (1JaJ Uniforme em início de sílaba em todos os dia- vozeado prata [lpfata] consoante em todos os dialetos do p01tuguês
J [1maf] brasileiro, podendo ocorrer com articulação
desvozeada acha [1aJa] letos do português brasileiro. Marca variação mar
carta [lkafta] alveolar ou dental. Em alguns dialetos ocorre
paz [lpaJJ dialetal em final de sílaba: paz, vasta.
em final de sílaba em meio de palavra: "carta"
3 Fricativa alveopalatal já [13a] Uniforme em início de sílaba em todos os dia- ou em final de sílaba que coincide com final de
[1a3a] letos do português brasileiro. Marca variação palavra: "mar".
vozeada haja
dia-letal em final de sílaba: rasga.
f Vibrante alveolar
rata [rata] Ocorre em alguns dialetos (ou mesmo idioletos)
X Fricativa velar [IXata] vozeada cio português brasileiro. Pronúncia típica do
rata Pronúncia típica cio dialeto carioca. Ocorre marra [imafa] português europeu e ocorre em certas varian-
desvozeada marra [lmaXa] fricção audível na região velar. Ocorre em iní-
1
tes do português brasileiro (por exemplo em
mar [1maX] cio de sílaba que seja precedida por silêncio
certos dialetos do português paulista). Ocorre
carta [ 1kaXta] e portanto encontra-se em início de palavra:
em início de sílaba que seja precedida por si-
"rata"; em início de sílaba que seja precedida
lêncio: "rata"; em início ele sílaba que seja pre-
por vogal: "marra" e em início de sílaba que cedida por vogal: "marra" e em início de síla-
seja precedida por consoante: "Israel''. Em ai- baque seja precedida por consoante: "Israel".
guns dialetos ocorre em final de sílaba quan-
do seguido por consoante clesvozeada: "car- J Retroflexa alveolar mar [1maJ] Pronúncia típica cio dialeto caipira do r em fi-
ta" e em final de sílaba que coincide com fi- vozeada nal de sílaba: mar, carta. Adota-se também o
na! de palavra: "mar". símbolo [.IJ."
y Fricativa velar carga [lkayga] Pronúncia típica do dialeto carioca. Ocorre 1 Lateral alveolar lata [llata] Uniforme em início de sílaba e seguindo con-
vozeada fricção audível na região velar. Ocorre em fi- vozeada plana [ 1plana] soante em todos os dialetos do português bra-
na! ele sílaba seguida ele consoante vozeacla. sileiro, podendo ocorrer com articulação
-·
alveolar ou dental.
h Fricativa glotal rata [lhata] Pronúncia típica cio dialeto ele Belo Horizon-
desvozeada marra [lmaha] te. Não ocorre fricção audível no trato vocal. t Lateral alveolar sal [ 1sat] Ocorre em final de sílaba em alguns dialetos (ou
mar [ 1mah] Ocorre em início ele sílaba que seja prececlicla
ou vozeada velarizada salta [lsaha] idioletos) do português brasileiro, podendo ocor-
carta [ 1kahta"] por silêncio e portanto encontra-se em início [1saw] rer com articulação alveolar ou dental. Pode ocor-
ele palavra: "rata"; em início ele sílaba que seja rer a vocalização da lateral em posição final ele
w [1sawta]
precedida por vogal: "marra" e em início ele sílaba e neste caso temos um segmento com as
sílaba que seja precedida por consoante: "Is- características mticulatórias de uma vogal do tipo
rael". Em alguns dialetos ocorre em final ele [u] que é transcrito como [w].
40 Fonética Tabela fonética consonantal
Fonética - Tabela fonética consonantal 4l
p b
dentaÍ 1
t d t q_ c
palatal
j
-
k
velar
g q
uvular
G
faringail'
7
ou tal [Á] ocorre na fala de pou-
Oclusiva/ 1 1
li ou cos falantes do português bra- Nasal / m nJ n fl J1 IJ N
sileiro. Geralmente uma lateral Vibrante B r R
malia]
[1 alveolar (ou dental) palatalizada
(
Tepe (ou ílepe) f (
que é transcrita por [l'] ocorre
para a maioria dos falantes do Fricativa cp B f V e ó 1 s z IS 3 i' L\ ç j X y X i; h \' h f1 ..
português brasileiro. Esta varia-
ção será discutida em breve.
Fricativa lateral/ 1 l3 --j
Pode ocorrer a· vocalização da
Aproximante / u . 1 \
(fJ ( lll
acima devem ser suficientes para caracterizar a fala sem distúrbios de qualquer falante do alveolar longa e: e ~média e 1 alto ascendente
g
i palato-alveolar
e ~J baixa
velar k' velar e
português brasileiro. Tais símbolos são propostos pela Associação Internacional de Foné- semi-longa
e Âbaixo ascendente
tica. Observa-se contudo na literatura a utilização de alguns símbolos concorrentes aque-
lateral al vcolar G uvular s fricativa
alveolar
muito breve e e muito ~ "J ascendente-
les listados na tabela acima. Por exemplo, para representar um segmento "africado divisão silábica 1i.rekt baixo descendente etc.
alveopalatal desvozeado" a Associação Internacional de Fonética propõe o símbolo [tJ] grup0 acentual menor tdownstep ,11 ascendência
(quebra brusca) global
(este é o segmento inicial da palavra "tcheco"). Na literatura, encontra-se o símbolo [e] Vogais
grupo entonativo principal
para representar o mesmo segmento africado alveopalatal desvozeado (cf. "tcheco"). O ~ ligação (ausência de divisão) f upstep '\I descendência
anterior central posterior (subida brusca) global
símbolo [e] é geralmente utilizado na literatura norte-americana. Listamos abaixo símbo- fechada y~ir--m
0
u
los fonéticos concorrentes aos do alfabeto da Associação Internacional de Fonética. (ou alta)
Diacríticos Pode-se colocar um diacrítico acima de símbolos cuja
) s meia-aberta E (E-3\G-A :l
o
desvozeado n
o
d
o .. voz. sussurrado ..b ..a n
dental t
n
d
n
(ou média-baixa)
vozeada t, voz tremulante b a uapica] t d
3 z V il, -
t) e ou ts aberta (ou baixa) rea CE_j_a D haspirada th dh linguolabial t d laminai t d
nn nn nn D D D
Quando os símbolos aparecem em pares aquele da
d3 J ou dz direita representa uma vogal arredondada. ) mais arred. ~ W]abializado tW dW -nasalizado -e
J1 ií
Outros símbolos , menos arred. ~ jpalatalizado ~ ~ nsoltura nasal d11
Na página seguinte apresentamos a tabela proposta pela Associação Interna- IA fricativa ç;:: fricativas
cional de Fonética. Tal tabela propõe símbolos para transcrever qualquer som das lábio-velar desvozeada vozeadas epiglotal +avançado u
+
"'vclarizado t"" d1" !soltura lateral dl
línguas naturais. A partir dos parâmetros articulatórios descritos anteriormente o lei- w aproximadamente J tlepe
dl' 1
lábio-velar vozeada alveolarlateral - retraído ~ ~ faringalizado ti' 1 soltura não-audível d
tor deverá ser capaz de inferir e pronunciar todos os segmentos consonantais listados
fj
na tabela. Os segmentos vocálicos serão tratados posteriormente. Aos interessados lj aproximadamente
lábio-palatal vozeada
articulação
simultânea de J ··centralizada e - velarizada ou faringalizada t
em ter as fontes para tais símbolos, estas podem ser obtidas gratuitamente pela internet ex X X
no seguinte endereço: http://www.sil.org/computing/fonts/Lang/silfonts.html (consulte centraliz. média e levantado e (.l= fricativa bilabial vozeada)
H fricativa epiglotal Para representar consoantes i i i
também: http://www2.arts.gla.ac.uk/IPA/ipa.html para obter informações detalhadas desvozeada africadas e uma articulação du-
silábica n abaixada e (B =aproximante alveolar vozeada)
desta associação). s;. fricativa epiglotal pla utiliza-se um elo ligando os 1 1
T T T
"
de exercícios que tem por objetivo sedimentar os aspectos teóricos apresentados nas pági-
--. roticização 3'-11'- 1-raiz da Hngua retraída ~
nas precedentes. Respostas aos exercícios propostos são apresentadas no final do livro.
''' A Associação Internacional de Fonética gentilmente autorizou esta reprodução.